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CONTRATO DE DEPÓSITO BANCÁRIO
BANCO DEPOSITÁRIO
MOVIMENTAÇÃO DA CONTA
RESPONSABILIDADE CIVIL
ÓNUS DA PROVA
Sumário
1. Nas operações de transferência bancária, a movimentação a débito da conta do cliente que a entidade bancária mantém à sua guarda, implica a sua responsabilidade, enquanto depositária pela saída dos valores, que apenas será excluída perante justificação da respetiva execução. 2. As instituições bancárias estão vinculadas na sua actividade a adoptarem critérios de elevado profissionalismo e sobretudo, com especialização técnica aprestada aos ataques fraudulentos nas transacções bancárias, e nessa medida, também, poderem acautelar os interesses dos seus clientes. 3. É sobre a entidade bancária que recai o ónus de demonstrar que as transferências foram autorizadas pelo cliente, ou que, realizando-as, tomou as exigidas cautelas e deveres de cuidado para se assegurar da legitimidade –proveniência da autorização/ordem- considerando as regras da experiência e as frequentes manipulações fraudulentas nas operações bancárias; risco assumido pelo banco depositário que só não subsistirá quando houver culpa relevante do depositante, que se sobreponha ou anule a responsabilidade daquele.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.RELATÓRIO
1.Da Acção
C…, LDA., intentou a presente acção de Processo Comum, contra CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL – CAIXA ECONÓMICA BANCÁRIA, SA., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €11.100 (onze mil e cem euros), acrescida de juros vencidos no valor de €2.618,38 (dois mil seiscentos e dezoito euros e trinta e oito cêntimos) e dos vincendos, calculados à taxa de 14% sobre o capital de €11.100, desde a data da propositura da ação até efetivo e integral pagamento.
Alegou para tanto que a Ré, sem a autorização da Autora, procedeu indevidamente a ordens de transferência - pagamento SEPA dos fundos da sua conta bancária do balcão Seia, nos montantes respetivos de € 3.000 (20 de Agosto de 2018) e de € 8.100 (22 de Agosto de 2018), cujo reembolso e juros de mora reclama, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 65.º, n.ºs 1 a 3, 70.º, n.º 1 e 71.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro (regime jurídico relativo ao acesso à atividade das instituições de pagamento e à prestação de serviços de pagamento/RJSPME).
A Ré contestou, alegando, em síntese, que não é devida qualquer restituição, porquanto se limitou a proceder - conforme acordado - às transferências que lhe foram pedidas, via e-mail pela Autora, nos termos da prática habitual estabelecida.
Seguidos os demais trâmites da instância, realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal a quo proferiu sentença, no sentido da improcedência da acção e absolvição da Ré, conforme dispositivo que segue «Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvo a Ré dos pedidos que contra si foram formulados nos autos.»
2. Do Recurso
Inconformada, a Autora interpôs recurso, finalizando as alegações com as conclusões seguintes:
«I. A autora impugna a douta decisão que julgou improcedente a ação, absolvendo a ré dos pedidos contra esta formulados.
II. A impugnação incide sobre matéria de facto e matéria de direito, mantendo a autora interesse na apreciação do recurso em matéria de direito ainda que seja negado provimento à impugnação da matéria de facto.
III. No que à matéria de facto diz respeito, a recorrente consigna que o recurso tem por objeto a reapreciação da prova gravada.
Matéria de facto
IV. A autora impugna a matéria de facto relativamente aos factos considerados não provados e identificados na sentença com as letras a., b., c., d., e., f., g., h., n. e o.
V. A autora pretende que os referidos factos sejam dados como provados.
VI. Com referência a todos e cada um dos factos, a autora fundamenta a impugnação com base na seguinte prova: i. Depoimento da legal representante da autora (……), conforme indicações constantes da ata) passagens 2:15 - 3:56; 4:35 - 5: 54.
VII. A circunstância de estes factos terem sido dados como não provados é justificada na douta sentença com o facto de a legal representante, ouvida em depoimento de parte, ter demonstrado um absoluto desconhecimento sobre a atividade da empresa ou sobre os factos relatados na petição.
VIII. Ora, dessa circunstância nada se pode retirar; com efeito, a legal representante que prestou depoimento não era a gerente da empresa na altura em que ocorreram os factos, era sim casada com o gerente de então, J. ou seja, a legal representante revelou não estar minimamente identificada com o assunto porque de facto não era ela a responsável pela empresa na data em que os factos ocorreram.
IX. De resto, todas as testemunhas indicadas pela autora foram unanimes e assertivas em esclarecer perentoriamente que os dois pagamentos em apreço não eram devidos nem estavam programados, não havendo qualquer relacionamento comercial ou de qualquer outra natureza que os pudesse justificar,
X. Não tendo havido qualquer iniciativa ou instrução da empresa no sentido de os mesmos serem efetuados,
XI. Esclarecendo ainda que as mensagens de correio eletrónico não foram enviadas por ninguém da empresa, nem se encontravam arquivadas e acessíveis nas pastas de correio eletrónico de arquivo de mensagens enviadas ou eliminadas, ou seja, demonstrando ter havido uma atuação fraudulenta que a recorrente não está efetivamente em condições de esclarecer cabalmente,
XII. Para além do que ficou dito pelas testemunhas da autora, é ainda relevante a falta de investimento da ré em contrariar esta versão dos factos, ou seja, a ré não se esforça por contrariar a hipótese de estar em causa uma atividade fraudulenta de terceiros, muito embora recuse ser responsável pela reposição dos valores. Matéria de direito
XIII. De acordo com o entendimento subjacente à douta sentença, o Regime Jurídico dos Instrumentos de Pagamento não seria aplicável ao caso dado que a autora estabeleceu com um funcionário da ré (o gestor de conta) um acordo cujo cumprimento contrariava uma ordem interna do banco.
XIV. Discorda-se desse entendimento, desde logo porque a autora não tem de conhecer essa ordem interna, nem a conhecia efetivamente, tanto mais que a ordem não chega a ser alegada pela ré, nem a ré alega que a autora soubesse que transmitir indicações para realização de transferências por email era “proibido” pelo banco.
XV. A autora não tem nem teve qualquer vínculo contratual com o gerente de conta, mas sim com a instituição bancária ré, sendo certo que a circunstância de o gerente de conta ter atuado à margem ou mesmo contra as indicações internas estabelecidas pela ré para a atuação dos seus funcionários é totalmente indiferente do ponto de vista da aferição do cumprimento / incumprimento nas relações contratuais entre a autora e a ré.
XVI. Interessa à autora a interação com o banco, necessariamente personificada pelo seu funcionário, sem que lhe se possa opor, no sentido de desobrigar o banco, que o funcionário atuou contra as indicações da sua entidade empregadora.
XVII. Decidindo de outro modo, ou seja, decidindo que a atuação do funcionário não vincula o banco, a douta sentença violou o art. 6.º, n.º 2 do CSC (ao abrigo do qual a sociedade responde civilmente pelos atos ou omissões de quem legalmente a represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos comissários),violou o art. 165.º do CCiv (ao abrigo do qual as pessoas coletivas respondem civilmente pelos atos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos seus comissários), e violou o art. 500.º, n.os 1 e 2 do CCiv (nos termos do qual aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar, e a responsabilidade do comitente existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada).
XVIII. Note-se que, ao abrigo do art. 500.º, n.º 2 do CCiv, a responsabilidade do comitente existe ainda que o comissário atue intencionalmente ou contra as indicações daquele, de onde resulta que, mesmo que o funcionário tivesse infringido norma interna do banco, daí não resultaria a exclusão da possibilidade de ponderação da responsabilidade do banco, verdadeira e própria contraparte contratual da autora.
XIX. Mesmo podendo estar em causa uma atitude de cortesia comercial, a verdade é que a mesma aproveita aos interesses (comerciais) do banco dado que tem o objetivo de agradar e fidelizar ao cliente (do banco, não do funcionário do banco).
XX. Em face do exposto, a douta sentença acaba por decidir incorretamente ao afastar a aplicação do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro (na redação resultante das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 242/2012, de 7 de novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro, considerando que as transferências foram realizadas nos dias 20 e 22 de agosto de 2018 e o novo regime entrou em vigor em data posterior).
XXI. A douta sentença recorrida violou ainda o disposto nos arts. 796.º e 1185.º do CCiv, bem como os arts. 2.º, als. g), s) e z, 65.º, 69.º, 70.º e 71.º do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro.
XXII. O depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida (art. 1185.º do CCiv) e nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente (art. 796.º, n.º 1 do CCiv).
XXIII. Discute-se nos autos uma ordem de pagamento, tal como configurada pelo art. 2.º, al. s) do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro, uma operação de pagamento, tal como configurada pela al. g) da mesma norma, e um instrumento de pagamento, tal como configurado pela al. z).
XXIV. Uma operação de pagamento só se considera autorizada se o ordenante consentir na sua execução, sendo certo que o consentimento deve ser dado na forma acordada entre o ordenante e o respetivo prestador do serviço de pagamento; em caso de inobservância da forma acordada, considera-se que a operação de pagamento não foi autorizada (art. 65.º, n. os 1 a 3).
XXV. Se o Tribunal a quo considerou que não foi respeitada a forma acordada (porque o banco não autorizou o procedimento concretamente adotado e até proibia procedimentos deste tipo), então a operação de pagamento considera-se não autorizada e não deveria ter sido executada.
XXVI. O utilizador do serviço de pagamento tem o direito de obter retificação, por parte do prestador do serviço de pagamento, se, após ter tomado conhecimento de uma operação de pagamento não autorizada ou incorretamente executada suscetível de originar uma reclamação, comunicar o facto ao respetivo prestador do serviço de pagamento sem atraso injustificado e dentro de um prazo nunca superior a 13 meses a contar da data do débito (art. 69.º, n.º 1).
XXVII. O prestador de serviços de pagamento responde por operações de pagamento não autorizadas e deve reembolsar o cliente imediatamente do montante da operação de pagamento não autorizada e, se for caso disso, repor a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada.
XXVIII. Era à ré que incumbia provar a utilização abusiva de instrumentos de pagamento ou a atuação fraudulenta ou o incumprimento deliberado do cliente.
XXIX. Tendo como assente que a ordem de pagamento não proveio da autora e sendo desconhecidas as circunstâncias em que a mesma chegou ao prestador de serviços de pagamento (admitindo-se que possa estar em causa uma atuação fraudulenta em contexto informático), então o prestador do serviço de pagamento deve reembolsar o cliente logo que seja notificado de que a operação não foi autorizada.
XXX. Entende a autora que a conduta do funcionário do banco peca pela forma flagrante como foram violados deveres de cuidado. Com efeito,
XXXI. Relativamente à segunda transferência, o pedido foi no valor de € 13.100,00, sendo o saldo da conta insuficiente para a concretização da transferência; este facto deveria ter suscitado ao gerente do balcão dúvidas sobre a proveniência da mensagem, assumindo que normalmente a ordem de transferência é dada por quem tem acesso e conhece o saldo da conta bancária de depósitos. Mas mais,
XXXII. Segue-se a informação de que o saldo não é suficiente, perguntando o “suposto” cliente qual é concretamente o saldo da conta e respondendo o gerente do balcão com a indicação desse saldo.
XXXIII. Ou seja, o gerente do balcão, sucessivamente, informa que o saldo não é suficiente e informa qual o saldo disponível; estas circunstâncias deveriam ter suscitado reservas ao banco, (factos provados 15 a 19)
XXXIV. Tanto mais que o envio de emails com pedidos de transferência não era assim tão frequente (entre junho de 2017 e agosto de 2018 registam-se 7 pedidos, ou seja, menos de 1 por mês) e todos eles são de valor manifestamente inferior aos valores que aqui se discutem. (factos provados 22 e 38)
XXXV. Finalmente, assinala-se a circunstância de todas as restantes transferências pedidas por email terem sido executadas pelo gerente de conta, sendo as que aqui se discutem feitas pelo gerente do balcão; não era o gerente do balcão a pessoa que normalmente executava este tipo de operações, o que deveria também ter contribuído para que se rodeasse de especiais cautelas, designadamente no sentido de confirmar a proveniência ou autenticidade das ordens de pagamento. (factos provados 46 a 48). Termos em que deverão V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores, conceder provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença proferida com a consequente condenação da ré em conformidade com o pedido da autora, com o que farão Justiça!»
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A Ré apresentou contra-alegações, refutando a argumentação da Autora apelante, e pugnou pela confirmação da sentença recorrida.
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O recurso foi regularmente admitido como apelação e com efeito devolutivo.
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Corridos os Vistos, cumpre decidir.
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3.O Objecto do recurso
Consabido que a actuação do tribunal ad quem está delimitada pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, haverá a decidir se, a pretensão indemnizatória da Autora contra a Ré deve afinal proceder, sob os seguintes tópicos recursivos:
- Erro de julgamento da matéria de facto;
- A natureza do contrato de depósito bancário; as relações de confiança entre
- Os movimentos não autorizados pelo depositante; os deveres especiais de zelo e cuidado; ónus de prova;
- Responsabilidade contratual do banco depositário
II.FUNDAMENTAÇÃO
A. Os Factos
O Tribunal a quo deu por provada a factualidade seguinte:
1-A autora é uma sociedade comercial por quotas, titular do NIPC 501 890 408, com sede em …, tendo por objeto a distribuição e comercialização de máquinas novas e usadas e acessórios para a indústria de confeções, e a prestação de serviços de assistência técnica.
2- Com referência ao ano de 2018, a autora tinha 5 trabalhadores e o respetivo volume de negócios anual não excedeu os € 500.000,00, nem o respetivo balanço total anual excedeu 43 milhões de euros.
3- A ré é uma instituição de crédito, na modalidade de sociedade anónima, titular do NIPC 500 792 615, tendo por objeto o exercício da atividade própria das instituições de crédito, incluindo a atividade bancária, designadamente receção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, operações de crédito e serviços de pagamento (doc 3);
4- Para a prossecução do respetivo objeto, a ré dispõe de uma rede de balcões e agências bancárias, incluindo o balcão de Seia (acordo);
5- A autora é titular da conta de depósitos à ordem aberta junto da ré identificada com o n.º 431.10.275149-9 (acordo);
6- No dia 20 de agosto de 2018 foi efetuada uma ordem de pagamentos SEPA (Single Euro Payments Area) no valor de € 3.000 identificada com o n.º 2515312662425, sendo indicado no extrato o dia 20 de Agosto de 2018 como data movimento e data valor (acordo);
7- No dia 22 de Agosto de 2018 foi efetuada uma ordem de pagamento SEPA no valor de €8.100 identificada com o n.º 2515312664424, sendo indicado no extrato o dia 22 de Agosto de 2018 como data movimento e data valor (acordo);
8- Devido ao movimento referido em 6, o saldo da conta da autora passou de - € 1.319,53 para - € 4.319,53 (acordo e doc. 4, junto com a douta Petição);
9- Devido ao movimento referido em 7, o saldo da conta da autora passou de € 4.228,64 para - € 3.871,36 (acordo e doc 4, junto com a douta Petição);
10- Em data posterior ao dia 22 de agosto de 2018, a autora manteve a conta de depósitos aberta e continuou a efetuar operações a débito e a crédito na mesma, com o que provocou oscilações positivas e negativas no respetivo saldo;
11- As transferências foram realizadas pelo trabalhador da ré, …., gerente do balcão da ré em Seia, com base em mensagens de correio eletrónico, remetidas do seguinte endereço de correio electrónico: centromaq@iol.pt (acordo e doc. 5, junto com a Petição);
12- C…, responsável pelo balcão da ré em Seia, exibiu e entregou à autora cópia de uma mensagem de correio eletrónico do dia 20 de Agosto de 2018, às 9H08, solicitando a realização de transferência no valor de € 3.000, indicando para o efeito o IBAN do destinatário e um documento de fatura, aparentemente justificativo do pedido (acordo);
13- Por força da dita mensagem de correio eletrónico, os serviços da ré realizaram a transferência;
14- Respondendo ao email, no pressuposto de que teria sido enviado pela autora, também por mensagem de correio eletrónico, no mesmo dia 20 de Agosto de 2018, às 9H38, remetendo o comprovativo da transferência e solicitando que o gerente da autora se deslocasse no balcão para assinar os documentos;
15- O responsável pelo balcão da ré em Seia, exibiu ainda cópia de uma mensagem de correio eletrónico remetida do endereço de correio electrónico centromaq@iol.pt, no dia 22 de Agosto de 2018, às 12H37, solicitando a realização de transferência de € 13.100, acompanhada de fatura para pagamento (acordo e exame de doc. 16, junto com a douta Contestação);
16- Foi remetido e-mail do endereço de correio electrónico de C…, no mesmo dia, às 13H37, assinalando a circunstância de o saldo na conta não ser suficiente para concretizar a transferência (cfr. docs. correspondentes a e-mails, juntos com a douta Petição Inicial, fls. 3 dos e-mails juntos);
17- E no mesmo dia, às 13H41, um pedido de informação sobre o saldo da conta, remetido do e-mail centromaq@iol.pt, respondido às 13H41 com a indicação de “cerca de 9.000,00 €” (cfr. doc.s. correspondentes a e-mails, juntos com a douta Petição Inicial, fls. 3 dos e-mails juntos);
18 - Às 13H49 deu entrada na caixa de correio de C… de um pedido de transferência de € 8.100 (cfr. doc.s. correspondentes a e-mails, juntos com a douta Petição Inicial, fls. 2 dos e-mails juntos);
19- A transferência do montante de € 8.100 foi realizada, pela R, no mesmo dia (cfr. doc. 5, junto com a douta Petição Inicial);
20- Nenhuma das referidas mensagens dispunha de assinatura eletrónica ou qualquer outro dispositivo de certificação ou de garantia da respetiva fidedignidade (acordo);
21- A empresa da autora esteve encerrada para férias durante o período a que reportam os emails, tendo retomado atividade nesse dia 27 de Agosto de 2018;
22- Em situações pontuais temporalmente anteriores às que constituem objeto da acção, a A transmitiu, por mensagem de correio eletrónico, instruções ao balcão da ré relativamente a operações que pretendia que fossem efetuadas (confissão);
23- A autora assinalou junto da ré os movimentos referidos em 6 e 7, pelo menos no dia 28 de Agosto de 2018, dando conta de que não tinha autorizado a realização dos mesmos, tendo transmitido junto do balcão de Seia que os movimentos tinham ocorrido sem que tivesse havido qualquer iniciativa da sua parte nesse sentido, bem como sem o seu conhecimento ou consentimento (doc. 6, junto com a douta Petição);
24- E a A apresentou reclamação formal, por intermédio do respetivo mandatário, mediante comunicação escrita remetida no dia 13 de Maio de 2019 (doc. 7, junto com a douta Petição);
25- Em resposta, no dia 13 de Março de 2020, a ré informou que indeferia o pedido de reembolso das quantias indevidamente debitadas, não assumindo a responsabilidade pela reposição dos montantes em causa (doc. 8, junto com a douta Petição);
26- A A exigiu da ré a reposição das quantias que considerou indevidamente debitadas;
27- As condições contratuais estipuladas para abertura da conta de depósitos junto da ré e para a respetiva movimentação pela autora, foram definidas pela ré;
28- Sem o concurso da autora, isto é, sem que esta pudesse influenciar por qualquer forma os termos do contrato entre ambas celebrado,
29-Por recurso a minutas pré-estabelecidas em impresso com espaços em branco para introdução dos dados da autora;
30- Sendo dada à autora apenas a faculdade de aceitar ou recusar os termos propostos pela ré;
31- Por intermédio do respetivo mandatário, a autora solicitou que lhe fossem apresentadas cópias dos contratos assinados com referência à abertura de conta bancária aqui em causa (doc 10, junto com a douta Petição);
32- O que fez por comunicação escrita que a ré recebeu no dia 27 de Março de 2020;
33- A ré não remeteu à autora ou ao respetivo mandatário a documentação solicitada;
34- Autora e ré celebraram entre si contrato de conta bancária com depósito bancário, mediante o qual a autora colocou à disposição da ré dinheiros próprios para que este os guardasse e restituísse quando solicitado pela autora;
35- No âmbito das relações comerciais do, então, Finibanco, S.A., foi celebrado com a autora um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem, cujo clausulado, como era procedimento no Finibanco, S.A., foi destacado e entregue ao legal representante da autora (doc. 1, junto com a douta Contestação);
36- Tendo, entretanto, após 04 de Abril de 2011, em resultado da aquisição do Finibanco, S.A., pela CEMG, recebido, a autora, as “Condições Gerais” que suportam o contrato de depósito então vigente, na CEMG – (cfr. doc. 3., junto com a douta Contestação);
37- Condições Gerais essas que o cliente, novamente, declarou conhecer e aceitar, tendo ainda declarado ter recebido um exemplar (cfr. doc. 3., junto com a douta Contestação);
38- Foram realizados vários pedidos de transferência de montantes, pela A, nos seguintes moldes , e cujo teor se dá qui por reproduzido.
39- Cabia àautora eaosseus funcionários assegurar a integridade dos códigos de pessoais acesso/credenciais de utilização do correio electrónico e a sua não divulgação a terceiros;
40- Dos e-mails referidos em 6 e 7 não constava qualquer assinatura electrónica ou qualquer outro dispositivo de certificação ou de garantia da respectiva fidedignidade, como nunca anteriormente havia constado (acordo);
41- O e-mail de 20-08-2018, referido em 6, foi remetido pelo usual endereço de correio electrónico da A, às 09:38, apresentando a mesma formatação, tipo e tamanho de letra que anteriormente haviam sido utilizados, para a efectuação de pedidos semelhantes, contendo no fundo da mensagem, como todos os demais e-mails remetidos pela A, a identificação da empresa, nos termos usuais, tendo sido respondido pela R, mediante e-mail remetido às 09:38, onde se indica que já se havia procedido à transferência ordenada, mais se questionando o sócio gerente da A de quando passaria pelo balcão para assinar a ordem de transferência (cfr. docs. 14 e 15, juntos com a Contestação);
42- O e-mail de 22-08-2018, referido em 7, foi remetido às 12:37, aí se solicitando a transferência de 13.100€, tendo sido remetido pelo usual endereço de correio electrónico da A, às 12:37, apresentando a mesma formatação, tipo e tamanho de letra que anteriormente haviam sido utilizados, para a efectuação de pedidos semelhantes, contendo no fundo da mensagem, como todos os demais e-mails remetidos pela A, a identificação da empresa, nos termos usuais, tendo sido respondido pela R, mediante e-mail remetido às 14:41, onde se indica que já se havia procedido à transferência ordenada (cfr. docs. 16 a 18, juntos com a Contestação);
43- Anteriormente ao e-mail referido em 42, havia sido remetido um anterior pedido de transferência, que não foi satisfeito;
44- Após o acima descrito, a A alterou o seu endereço de correio electrónico (acordo);
45- A R não conseguiu recuperar os valores transferidos da conta da A, que resultaram de duas transferências bancárias internacionais, processadas em sistema de balcão, ordem de pagamento SEPA (acordo);
46- Formou-se a prática - aceite pela A e pelo seu gerente de conta -, de que, com a remessa de e-mail e com base na relação de confiança existente, se deveriam executar as ordens de transferência remetidas por e-mail;
47- Tal prática era proibida pela R, que dera instruções no sentido de a mesma não ser aceite aos seus funcionários;
48- Tal prática era do conhecimento do gerente do balcão em Seia, e motivou que aquele tivesse realizado as transferências, referidas em 6 e 7, porquanto o gerente de conta da A se encontrava de férias.
E, Não Provado:
a. Nenhum dos movimentos supra referidos foi efetuado pela autora, pelos seus legais representantes ou por quem que que seja a pedido ou a mando da autora ou dos seus legais representantes.
b. A autora e os seus legais representantes não têm nem nunca tiveram transações com as entidades beneficiárias dos movimentos que pudessem justificar quaisquer pagamentos ou que obrigasse a autora a efetuá-los.
c. Nem tão pouco conhecem as entidades a quem os pagamentos ou as transferências foram efetuados.
d. Os movimentos não partiram de uma iniciativa da autora, tendo sido realizados sem o seu consentimento e sem o seu conhecimento.
e. A autora desconhece a proveniência da sucessão de emails supra relatados, relativos aos dias 20 e 22 de Agosto de 2018;
f. Os emails em que a autora surge identificada como remetente não foram enviados pela mesma, nem pelo seu legal representante ou por alguém de acordo com indicações suas;
g. Os ditos emails nem sequer figuraram em momento algum na caixa de saída do respetivo endereço de correio eletrónico, assim como os pretensos emails de resposta provenientes do balcão não foram recebidos no endereço da autora (caixa de entrada ou mensagens recebidas);
h. A autora só se apercebeu que os movimentos tinham sido efetuados por consulta do saldo e dos movimentos da conta, a que procedeu no dia 27 de agosto de 2018;
i. Nunca nenhuma transferência foi feita sem haver um prévio contacto telefónico de confirmação e sem que fosse assinado o documento de transferência solicitado pelo banco;
j. A autora apresentou queixa criminal, pelos factos supra descritos, junto da Guarda Nacional Republicana, Posto Territorial de Seia (o doc. 9, junto com a douta Petição não permite a demonstração do facto vertido nos artigos 37.º e 38.º daquele articulado, constituindo uma mera notificação, ignorando-se, nessa medida, a que queixa, em concreto, poderá respeitar);
k. Queixa que deu origem ao inquérito 391/18.7GASEI, encontrando-se o processo pendente no Ministério Público, Procuradoria da República da Comarca da Guarda, Procuradoria do Juízo Local Criminal da Guarda, 1.ª Secção, Inquéritos (o doc. 9, junto com a douta Petição não permite a demonstração do facto vertido nos artigos 37.º e 38.º daquele articulado, constituindo uma mera notificação, ignorando-se, nessa medida, a que queixa, em concreto, poderá respeitar, bem como ao estado em que se encontrarão os autos, para cuja prova sempre se exigiria uma certidão);
l. Até hoje, a autora não foi notificada de qualquer decisão de arquivamento ou de acusação no referido inquérito;
m. A autora não ficou com cópia dos documentos contratuais que lhe foram apresentados pela ré para assinar;
n. Os movimentos bancários que constituem objeto da ação não foram efetuados nem pretendidos pela autora, desconhecendo esta as condições em que os mesmos ocorreram ou se foram efetuados no âmbito de uma atuação fraudulenta de terceiros de origem e método não apurados ou, pelo menos, desconhecidos da autora;
o. A autora não autorizou concretamente as operações aqui em causa, nem autorizou previamente e de forma genérica que pudessem ser debitadas quantias na sua conta de depósitos mediante indicações facultadas exclusivamente por mensagem de correio eletrónico, sem qualquer forma de certificação e sem qualquer procedimento de verificação complementar da autenticidade das instruções para pagamento.
p. As ordens de transferência foram dadas pela autora ou foram dadas por terceiros a quem aquela forneceu os seus dados de correio electrónico.
B. Mérito do Recurso
1. Erro de julgamento da decisão de facto
A Apelante mostra-se inconformada com a decisão da matéria de facto, tendo cumprido em suficiência os ónus de impugnação enunciados nos artigos 639º e 640º, nº1, do Código de Processo Civil.
O seu dissentimento estende-se aos factos Não Provados sobre as alíneas a., b., c., d., e., f., g., h., n. e o.. , defendendo em adverso à motivação da decisão recorrida, o juízo afirmativo de tal factualidade, face ao conteúdo dos depoimentos das testemunhas e documentação juntas aos autos; isto é, no seu entender, da prova realizada ficou provado, que as ordens de transferência /movimentos bancário em apreço não foram emitidas pela Autora ou a seu mando, sendo estranha à intromissão de terceiros com intuito fraudulento na sua caixa de correio electrónico.
1.1. Os pontos impugnados
a. Nenhum dos movimentos supra referidos foi efetuado pela autora, pelos seus legais representantes ou por quem que que seja a pedido ou a mando da autora ou dos seus legais representantes. b. A autora e os seus legais representantes não têm nem nunca tiveram transações com as entidades beneficiárias dos movimentos que pudessem justificar quaisquer pagamentos ou que obrigasse a autora a efetuá-los. c. Nem tão pouco conhecem as entidades a quem os pagamentos ou as transferências foram efetuados. d. Os movimentos não partiram de uma iniciativa da autora, tendo sido realizados sem o seu consentimento e sem o seu conhecimento. e. A autora desconhece a proveniência da sucessão de emails supra relatados, relativos aos dias 20 e 22 de Agosto de 2018; f. Os emails em que a autora surge identificada como remetente não foram enviados pela mesma, nem pelo seu legal representante ou por alguém de acordo com indicações suas; g. Os ditos emails nem sequer figuraram em momento algum na caixa de saída do respetivo endereço de correio eletrónico, assim como os pretensos emails de resposta provenientes do balcão não foram recebidos no endereço da autora (caixa de entrada ou mensagens recebidas); h. A autora só se apercebeu que os movimentos tinham sido efetuados por consulta do saldo e dos movimentos da conta, a que procedeu no dia 27 de agosto de 2018. n. Os movimentos bancários que constituem objeto da ação não foram efetuados nem pretendidos pela autora, desconhecendo esta as condições em que os mesmos ocorreram ou se foram efetuados no âmbito de uma atuação fraudulenta de terceiros de origem e método não apurados ou, pelo menos, desconhecidos da autora; o. A autora não autorizou concretamente as operações aqui em causa, nem autorizou previamente e de forma genérica que pudessem ser debitadas quantias na sua conta de depósitos mediante indicações facultadas exclusivamente por mensagem de correio eletrónico, sem qualquer forma de certificação e sem qualquer procedimento de verificação complementar da autenticidade das instruções para pagamento.
1.2. Fundamentação da decisão recorrida
O tribunal a quo motivou a sua convicção acerca dos supra factos não provados, conforme se transcreve: “Não resultaram provados os pontos a. a i. por não se ter feito prova dos mesmos. Com efeito, não resulta provado o procedimento referido como tendo sido o acordado para a realização de transferências bancárias, isto é, que todas as anteriores transferências foram realizadas após a realização de contacto telefónico e com base em ordens de transferência, devidamente assinadas e remetidas à R, após a sua digitalização, na medida em que tendo tal procedimento sido negado pela testemunha referida em d), inexiste qualquer suporte documental que comprove tal mecanismo formal. Ora, para a demonstração da necessidade do cumprimento de tal mecanismo formal, a saber, da remessa de ficheiro digitalizado, do qual constava talão preenchido e assinado pelo gerente da A, sempre se exigiria a exibição de alguns documentos no apontado sentido. Tal não só não sucedeu como é infirmado pelo exame dos exemplos de e-mail que serviram de suporte, em datas anteriores aos factos, mas temporalmente próximas destes, de transferências autorizadas. Em suma, perante a inexistência de qualquer suporte documental que suportasse o alegado e o depoimento da testemunha referida em d), que foi rigoroso e consentâneo com a sua actuação profissional, a circunstâncias de as testemunhas referidas em a) e b) terem referido a existência de tal procedimento “por regra” não constitui prova bastante para formar a convicção do Tribunal no apontado sentido. Sempre se dirá, também, que a própria legal representante da A, ouvida em depoimento de parte, referiu nada saber de concreto a tal matéria. Não resultou provado o vertido nos pontos j) a l) dos factos não provados, na medida em que, reportando-se a matéria processual, a demonstração da pendência de concretos autos no Ministério Público e o seu teor sempre importaria a junção de certidão ou, ao menos de cópia de cujo exame resultasse o alegado. Ora, o documento junto como doc. 9 nada demonstra quanto aos autos a que respeita, podendo apenas concluir-se que se trata de uma notificação, para os efeitos do artigo 75.º do Código de Processo Penal a J…, realizada em 28-08-2018. Não resultou provado o ponto referido em m por se ter demonstrado o contrário do aí referido (cfr. documentos assinados pelos legais representantes da A, estes atestaram haverem recebido as cópias dos contratos, pelo que, não tendo sido nem arguidas as falsidades das assinaturas, se tratam de factos confessados). Nada se provou quanto às circunstâncias que terão rodeado as transferências, por se não ter feito prova do alegado, sendo que da circunstância de as testemunhas referidas em a), b) e c) referirem nada saber, não se retira que a A nada soubesse, tanto mais que a sua legal representante, ouvida em depoimento de parte, demonstrou um absoluto desconhecimento sobre a actividade da empresa ou sobre os factos relatados na Petição, a cujo conhecimento acedeu – segundo referiu – por se ter falado daquele “uma vez lá em casa.” Em suma, a A não só não alegou como entende que possa ter ocorrido qualquer intrusão, como da prova oferecida não foi possível reconstituir qualquer explicação lógica que permitisse suportar a alegação de que a remessa de dois e-mails, do seu endereço de e-mail, nos moldes que resultaram provados, isto é, em tudo idênticos aos usualmente utilizados pela A, pudesse desta ter sido desconhecido. Daí que se não tenha provado o alegado desconhecimento.”
1.3. Reapreciação
Percorridas as razões que, segundo a Apelante, conduzem à alteração da decisão de facto, em contraponto com o iter lógico-racional que presidiu ao juízo valorativo do tribunal a quo, ouviram-se os depoimentos das testemunhas, o depoimento da gerente da Autora e, analisaram-se os documentos.
Com efeito, do exame crítico das provas em equação, sujeitas à livre apreciação, em aplicação de critérios de natureza prudencial, compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos, emerge convencimento desviado da primeira instância, a respeito de da matéria de facto impugnada, i.e, dos pontos a.b.c.d.e.f.g.h. e n.
Significando que da nossa apreciação resulta a convicção no sentido de que, a Autora foi alheia aos pedidos de transferência constantes dos aludidos emails, remetidos através de acção intrusiva de terceiro não identificado, não tendo autorizado a Ré a executar tais movimentos bancários.
Em fundamento da conclusão extraída avultam os seguintes elementos da prova realizada.
Ficou assente que na vigência do contrato de depósito bancário, pontualmente, a Autora solicitava à Ré, a realização de operações de transferência –pagamento, através de email, enviado do correio electrónico da Autora- pontos 22 e 38 dos factos provados.
Conforme se verifica dos sete emails transpostos no ponto 38 de a. a g., referentes ao período de 7.07.2017 a 14.08.2018, os valores das operações de pagamento oscilam entre Euros 1.000, 00 e Euros 2.500,00, contendo os dados da entidade a transferir, anexo da factura do fornecedor a liquidar, entidade/empresa nacional, com o pedido do envio posterior do comprovativo, reportando, por vezes a conversa telefónica precedente.
Mais se apurou, que esses emails da Autora não continham certificação digital da assinatura e a plataforma iol.pt é uma plataforma de serviço público, sem mecanismo de segurança, à semelhança dos emails em discussão- ponto 20 dos factos provados, corroborado, entre outros, pelo depoimento da testemunha P…, técnica do departamento de segurança de informação da Ré.
Tratando-se de um procedimento informal, é da experiência, que tal constitui prática seguida entre os bancos e algum tipo de clientes que movimentam negócios, pressupondo o contacto frequente entre os gerentes de conta e aqueles.
No caso concreto, a factualidade ocorre entre a pequena agência bancária da Ré em Seia, com seis funcionários, cujo gerente do balcão, C…, procedeu ele próprio, à realização das transferências SEPA solicitadas nos emails em discussão.
No seu depoimento confirmou que a Autora era um cliente bem conhecido no balcão, sabia e aceitava aquela prática como habitual nas relações contratuais com a Ré, que se mantém na actualidade, não logrando esclarecer ou explicitar as razões que o levaram a executar as ordens de transferência.
Revela-se então incompreensível, porque não se questionou face aos elementos divergentes do padrão habitual das solicitações da Autora, quanto ao tipo de entidade de transferência SEPA de origem italiana, os valores, e a ausência de pedido de envio do comprovativo, ou a indicação de factura/fornecedor, designadamente, procurando o contacto telefónico com o gerente da Autora, ou com seu funcionário, em vista à sua confirmação.
E, não se apurando embora, se o gestor de conta estabelecia sempre contacto telefónico prévio confirmativo com a Autora, o texto de alguns dos emails figurados no ponto 38 dos factos provados, demonstra que esse canal de comunicação era coadjuvante às solicitações de operações enviadas por email.
Ademais, a testemunha C…, ao longo do seu depoimento, não deixou de transparecer a justificação do “passa culpas” em organizações hierarquizadas, relegando para o conhecimento e actuação do gestor de conta da Autora, ( que não foi ouvido) a prática dos telefonemas de confirmação dos emails, sendo certo que enquanto gestor do balcão, não podia deixar de conhecer toda a dinâmica da relação da Ré com aquela; mais assumiu expressamente conhecer e aceitar essa prática “enraizada”, que não deixou, ele mesmo de executar no dias indicados de 20 e 22.08.2018.
Observe-se em reforço, que no 1º email recebido em 20.08.2018 às 9h08, é pedida a transferência SEPA –no valor de Euros 3.000,00 a favor de entidade italiana, cuja resposta enviada para o email de funcionário da Autora, que estava out of office (em férias) e, não obtendo qualquer resposta, ainda assim, no dia 22.08.2018, às 12h37m, não questionou da efectividade do pedido de transferência SEPA, no valor de Euros 13.000,00, anexo uma factura da suposta mesma empresa italiana INVOICE.
Ora, este valor não tinha fundos suficientes na conta da Autora, e apesar disso, descuidando qualquer elementar dever funcional, a testemunha C…. veio a concretizar, cerca das 15h, o pedido de transferência no valor de Euros 8.100,00.
E, como referiu a testemunha R…, técnico que trabalha no departamento de inspecção de fraudes da Ré, era do seu conhecimento que a Autora tinha sofrido anteriormente apropriação fraudulenta de credenciais do home banking.
Por outro lado, na averiguação perfunctória realizada em 28.08.2018 pela Ré ao computador da Autora, que aquela teve por suficiente, não se detectou o envio dos aludidos emails, conforme afirmou a testemunha C…, sendo do conhecimento geral que o acesso à caixa de correio electrónico, pela natureza da plataforma, pode ser feito a partir de qualquer browser, como assegurou a testemunha P….
Quanto ao depoimento de M…, gerente da Autora há cerca de ano e meio, nada adiantou, não tendo intervenção directa na factualidade.
As testemunhas F…, filho do gerente da Autora e R…, ambos empregados de escritório na empresa (que tem cinco trabalhadores) confirmaram que na data do envio dos aludidos emails a empresa estava encerrada para férias e que continuam ali a trabalhar.
A Autora continua a deter conta bancária no balcão da Ré e o giro das operações bancárias não se afastou do procedimento anterior.
Em suma, apesar das insipientes condições de segurança das comunicações entre a Autora e a Ré, mas de prática assumida por ambas, não se apurou elemento que contrarie a inexistência de autorização e consentimento da Autora, pelos representantes legais ou funcionários, no envio dos citados emails, solicitando as transferências SEPA que a Ré debitou da conta.
2.1. Alteração da decisão de facto
Atenta a motivação exposta, aditam- se os seguintes Factos Provados:
49. Nenhum dos movimentos suprarreferidos foi efetuado pela autora, pelos seus legais representantes ou por quem que que seja a pedido ou a mando da autora ou dos seus legais representantes. 50. A autora e os seus legais representantes não têm nem nunca tiveram transações com as entidades beneficiárias dos movimentos que pudessem justificar quaisquer pagamentos ou que obrigasse a autora a efetuá-los. 51. Nem tão pouco conhecem as entidades a quem os pagamentos ou as transferências foram efetuados. 52. Os movimentos não partiram de uma iniciativa da autora, tendo sido realizados sem o seu consentimento e sem o seu conhecimento. e. A autora desconhece a proveniência da sucessão de emails supra relatados, relativos aos dias 20 e 22 de Agosto de 2018; 53. Os emails em que a autora surge identificada como remetente não foram enviados pela mesma, nem pelo seu legal representante ou por alguém de acordo com indicações suas; 54. Os ditos emails nem sequer figuraram em momento algum na caixa de saída do respetivo endereço de correio eletrónico, assim como os pretensos emails de resposta provenientes do balcão não foram recebidos no endereço da autora (caixa de entrada ou mensagens recebidas); 55. A autora só se apercebeu que os movimentos tinham sido efetuados por consulta do saldo e dos movimentos da conta, a que procedeu no dia 27 de agosto de 2018. 56. Os movimentos bancários que constituem objeto da ação não foram efetuados nem pretendidos pela autora, desconhecendo esta as condições em que os mesmos ocorreram ou se foram efetuados no âmbito de uma atuação fraudulenta de terceiros de origem e método não apurados ou, pelo menos, desconhecidos da autora; 57. A autora não autorizou concretamente as operações aqui em causa, nem autorizou previamente e de forma genérica que pudessem ser debitadas quantias na sua conta de depósitos mediante indicações facultadas exclusivamente por mensagem de correio eletrónico, sem qualquer forma de certificação e sem qualquer procedimento de verificação complementar da autenticidade das instruções para pagamento.
3.Enquadramento Jurídico
3.1. Sinopse do litígio
A Autora veio a juízo pedir que a Ré lhe restitua os valores que sem a sua autorização e conhecimento, transferiu a favor de entidade desconhecida, nos dias 20 e 22 de Agosto de 2018 no montante total de Euros 11.100,00 e juros de mora, conforme reclamação oportuna de 28 daquele mês. Alegou que, os emails em que a Ré se baseou para proceder às ditas operações não foram por si enviados, resultando de intrusão fraudulenta, não tendo aquela recebido qualquer contacto telefónico para o efeito, nem a Ré cuidado de confirmar por outro meio o respetivo conteúdo.
A Ré declinou a responsabilidade, alegando que os emails foram enviados do correio electrónico da Autora, não apresentando qualquer elemento divergente dos anteriores, limitando-se a satisfazer a solicitação da operação, à semelhança da prática habitual entre as partes.
O tribunal a quo considerou não provado que as ordens de transferência enviadas por aquele meio não tinham sido autorizadas e conhecidas pela Autora. Nesse pressuposto factual excluiu o incumprimento culposo da Ré do contrato de depósito, considerando também excluída a imputação a título de risco, em virtude da Autora se colocar à margem das regras de compliance nas comunicações habituais com a Ré, baseadas num acordo informal com o gerente de conta e, contra as instruções daquela.
Á luz da empreendida alteração da decisão de facto, apreciemos a demanda.
3.2. O contrato de depósito bancário
Entre a Autora e a Ré vem vigorando o contrato de depósito bancário identificado no ponto 5. dos factos provados.
Mostrando-se irrelevante na solução do caso judicando a natureza jurídica do contrato de depósito bancário, que não reúne consenso na doutrina, adianta-se que a posição maioritária que sufragamos, qualifica-o como um negócio jurídico bilateral, com a natureza de depósito irregular, quando tenha por objecto o depósito de fundos, com interesses quer do cliente quer do banco.[1]
Assim, o depósito bancário é configurado como um contrato atípico, que reúne elementos comuns da conta corrente mercantil (artigo 347º do Código Comercial) e de contrato de mandato (artigo 1157.º do Código Civil), e cujo objecto se desdobra em actividades próximas do mútuo oneroso (artigo 1142.º e ss do Código Civil.) e do depósito (artigo 1185.º do Código Civil).
O contrato de depósito (irregular) constitui-se, nos termos da prática bancária, como um contrato de adesão, porquanto o depositante e o banco estipulam entre eles um conjunto de regras predefinidas a que o aderente dá o seu assentimento e mediante o qual o banco se compromete a oferecer determinados serviços.
Com a sua celebração, o banco obriga-se, designadamente, a prestar ao cliente o serviço de caixa, realizando os pagamentos solicitados, a cobrança de valores, as transferências e recepção de fundos por conta do cliente, e lançando em conta-corrente as várias operações que se forem sucedendo.
3.3. Responsabilidade do banco depositário
No contexto de transferências bancárias o que está em causa é a movimentação a débito dos valores da conta da Autora que a Ré tinha à sua guarda.
Tal implica para a Ré depositária a responsabilidade de tal saída, sendo que a mesma apenas será excluída, perante justificação de tais transferências do saldo da Autora.
Daí que, s.m.o, é sobre a Ré entidade bancária que recai o ónus de demonstrar que as transferências foram autorizadas pela Autora, ou que, realizando-as, tomou as exigidas cautelas e deveres de cuidado para se assegurar da legitimidade –proveniência da autorização que lhe foi dirigida.
Veja-se a formulação preclara de tal princípio no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-09-2014: [2]
«III. Recai, pois, sobre o banco o ónus de prova de que a movimentação da conta em causa só ocorreu por motivo justificado, designadamente porque tinha autorização para o fazer, prova essa que se não verifica se, pelo contrário, se demonstra que as transferências não foram ordenadas pelo depositante e foram efectuadas pelo banco sem a diligência exigível para a verificação da legitimidade da ordem e da verificação da respectiva autoria aparente.»
E, em igual sentido exposta no Acórdão do Supremo Tribuna de Justiça de 22-03-2007: [3]
«II - Seja qual for a natureza do depósito bancário, porque existe transferência da propriedade da coisa concretamente recebida, sempre o risco pelo destino da coisa depositada há-de correr por conta do depositário - art. 796.º, n.º 1, do CC -, salvo se for devido a causa imputável ao depositante. III - Desde que não se verifique actuação quer do depositante quer do depositário propiciadora do surgimento de irregularidades, a responsabilidade pela integridade do depósito impende sobre o depositário. IV - O risco assumido pelo banco depositário só não subsistirá quando houver culpa relevante do depositante, que se sobreponha ou anule a responsabilidade daquele. V - Havendo incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, incumbe ao banco alegar e provar que o evento danoso se deu por causa imputável ao depositante e emitente do cheque.»
Na situação em juízo a matéria de facto apurada leva a concluir que a Ré, no caso em concreto, através do gerente do balcão, agiu de forma negligente.
Realizando mecanicamente as operações SEPA constantes dos emails, descurando qualquer dever de cuidado mínimo na verificação da legitimidade da proveniência, através, v.g., de confirmação telefónica com o representante legal da Autora, como sucedia com frequência. Sabendo ele da existência da prática em causa e, portanto, também, da falibilidade do meio de comunicação usado, tinha o dever funcional e contratual de se assegurar que as transferências haviam sido efectivamente autorizadas pela Autora.
Na realidade, como já dito na motivação da alteração da decisão de facto, a transferência de Euros 13.000,00 a favor de entidade estrangeira, aparentemente pedida pela Autora, nem tinha para o efeito saldo na conta, bastando-se a Ré com a informação incompreensível de que passaria a Euros 8.100,00; sinais de alerta evidentes que levariam o homem médio a atestar da certeza da solicitação de transferência, i.e, precavendo-se que a mesma correspondia à vontade real da Autora e não constituía intrusão fraudulenta.
Acresce que, os deveres de cuidado da Ré são redobrados, atentas as máximas da experiência e o conhecimento das frequentes manipulações fraudulentas nas operações bancárias.
É unânime, de resto, que as instituições bancárias estão vinculadas na sua actividade a adoptarem critérios de elevado profissionalismo e sobretudo, com especialização técnica aprestada aos ataques fraudulentos nas transacções bancárias, e nessa medida, também, poderem acautelar os interesses dos seus clientes.
Para dizer, que estamos perante transferências bancárias não ordenadas pela Autora depositante e efectuadas pela Ré à margem da diligência exigível na indagação prévia da legitimidade da autoria aparente, pelo que se verificam os pressupostos da sua responsabilidade por incumprimento ou cumprimento defeituoso e culposo do contrato de depósito.
E, não se diga , s.d.r, como na sentença recorrida , que foi a Autora que se colocou no quadro de risco e insegurança das comunicações trocadas habitualmente com a Ré, pois que, além de ter ficado provado que os emails eram coadjuvados por telefonemas trocados entre a Autora e o gerente de conta, ficou provado que a Ré sempre anuiu e prosseguiu em tal prática, pelo que , contrariando ou não as normas formais de procedimento, assim veio actuando, no âmbito das relações de confiança e boa –fé recíprocas entre as partes.
Citando Calvão da Silva acerca da relação bancária a que o primeiro citado aresto do STJ faz destaque «esta especial relação obrigacional complexa, de confiança mútua e dominada pelo intuitus personae», imporá à instituição financeira, mesmo no silêncio do contrato, «padrões profissionais e éticos elevados numa política de “conhece o teu cliente”, traduzidos em deveres de protecção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé (art. 762º, n.º 2 do Cód. Civil; arts. 73º e segs. da Lei-Quadro bancária): deveres de diligência e cuidado, deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção para certos riscos e sua repartição, deveres de informação, deveres de discrição, sigilo ou segredo profissional, cuja inobservância ou violação poderá pôr em causa a uberrima fides do cliente e o intuitus personae da relação e assim originar a responsabilidade de instituição financeira imprudente ou não diligente».
Noutra perspectiva, admitindo que a actuação da Ré em prejuízo da Autora não lhe seja imputável a título de culpa, no âmbito da previsão do artigo 483º e 489º do Código Civil, subsiste a sua responsabilidade pelo risco, conforme o estatuído no artigo 796º do mesmo diploma legal, uma vez que ficou provado que as solicitações das transferências não foram autorizadas pela Autora e, portanto, não lhe são oponíveis. [4]
Para concluir, que independentemente de culpa do banco, que este apenas ilide, caso demonstre que o cliente agiu com culpa, o que não resultou provado na situação em juízo, perante o depositante, mantém-se válido e inalterado o depósito, com a consequente obrigação do depositário de prestar.
Esta é aliás a jurisprudência reiterada pelo Supremo Tribunal de Justiça , inter alia, nos seus Acórdãos de 03.12.2009 e de 19.04.12 in, respectivamente, processos n.os 588/09.0YFLSB e 376/2002.E1.S1, ambos in www.dgsi.pt, e também nos sumários publicados sobre o Direito Bancário na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in open space.
Nesta conformidade, tem de proceder o pedido de indemnização da Autora relativo ao pagamento pela Ré dos valores que indevidamente transferiu da sua conta bancária, acrescendo os juros de mora.
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes em conceder provimento ao recurso, e em conformidade:
a) Revogar a sentença recorrida;
b) Julgar procedente a acção, e em consequência, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de Euros 11.100,00, acrescida dos juros vencidos no valor de Euros 2.618,38 e vincendos até integral e efectivo pagamento.
*
As custas da acção e do recurso são a cargo da Ré apelada.
Lisboa, 07.07.2022
ISABEL SALGADO
CONCEIÇÃO SAAVEDDRA
CRISTINA COELHO
_______________________________________________________ [1] Cfr. ainda Paula Ponches Camanho in Do contrato de depósito bancário, pág. 69, e 249, apud Contratos Privados, I, Baptista de Oliveira, pág.661/2. [2] No proc 333/09.0TVLSB.L2. S1 in www.dgsi.pt. [3] No proc 4786/06 - 7.ª Secção [4] Cfr. no mesmo sentido o Acórdão do STJ de 18.12.08 no proc. 08B268. In www.dgsi.pt “ o banco é responsável, independentemente de culpa, pela movimentação fraudulenta por terceiro de um depósito bancário.”