SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DANO APRECIÁVEL
Sumário

I - O dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social ilegal, que a própria providência visa conjurar reconhecendo o periculum in mora na obtenção de uma decisão através da acção judicial de oposição a uma determinada deliberação.
II - Esse dano, patrimonial e/ou moral, tanto pode ser da sociedade como dos sócios.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO

B.........., casado, engenheiro, residente na Rua .........., n.º .., .. hab., .........., instaurou, no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, providência cautelar de suspensão de deliberação social contra C.........., Lda., com sede na Rua .........., n.º ...., .........., pedindo que se decrete a suspensão da deliberação social tomada na assembleia-geral de 28 de Dezembro de 2004, que destituiu de gerente, com invocação de justa causa, a sócia D.......... .

O Mmº Juiz indeferiu liminarmente a providência por considerar que o Requerente não alegou factos que integrem um dos requisitos de que depende a possibilidade de suspensão da deliberação social: o de que da sua execução imediata possa resultar dano apreciável.

O Requerente, irresignado, recorreu.
O recurso foi admitido como de agravo, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo – v. fls. 144.

Nas alegações de recurso, o agravante pede a revogação do julgado, formulando, para esse efeito, as seguintes conclusões:
1. O dano apreciável a que se refere o artigo 396º, n.º 1, do CPC, enquanto pressuposto do decretamento da providência cautelar de suspensão de execução de deliberação social tanto pode ser relativo ao Requerente como à sociedade.
2. O agravante alegou nos artigos 66º a 75º da sua petição, complementada pela alegação contida nos artigos 50º a 65º, factos concretos e objectivos consubstanciadores de dano apreciável para a sociedade derivado da execução da deliberação.
3. Os fundamentos aduzidos no despacho recorrido, no sentido de que o Requerente, ora agravante, não alegou quaisquer factos relativos ao dano apreciável, estão em total desconformidade com os factos dos autos.
4. Ainda que por hipótese meramente académica, o recorrente não tivesse alegado tais factos, deveria ter sido então proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando-o a suprir a suposta falta.
5. O despacho recorrido viola os artigos 396º, n.º 1 e 508º, n.º 3, do CPC.

A agravada não respondeu.

O Mmº Juiz a quo sustentou o despacho recorrido – v. fls. 179.

Foram colhidos os vistos legais.

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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC – a questão que se coloca é a de saber se foram alegados factos suficientes para o prosseguimento da providência ou, caso assim se não entenda, se o Mmº Juiz deveria ter convidado ao aperfeiçoamento do requerimento inicial.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos que interessam ao conhecimento do recurso são os que constam do antecedente relatório e, bem assim, os conteúdos do requerimento inicial e do despacho recorrido, cujos termos se dão aqui por reproduzidos na totalidade.

O DIREITO

O preceito que serve de fundamento à presente providência é o art. 396º do CPC, cujo n.º 1 reza do seguinte modo:
“Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.
A causa de pedir do pedido cautelar de suspensão de deliberação social é, assim, constituída por dois elementos: a ilegalidade da deliberação (inexistência jurídica, nulidade, ineficácia em sentido restrito, anulabilidade) e a possibilidade da produção de dano apreciável.
O ponto que desencadeia controvérsia nos autos é o que se prende com o segundo dos referidos elementos: causação de dano apreciável.
O dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social ilegal, que a própria providência visa conjurar reconhecendo o periculum in mora na obtenção de uma decisão através da acção judicial de oposição a uma determinada deliberação – v. Pinto Furtado, “Deliberações dos Sócios”, págs. 467 e ss.
Esse dano, patrimonial e/ou moral, tanto pode ser da sociedade como dos sócios, conforme tem vindo a ser assinalado, uniformemente, pela doutrina e pela jurisprudência – v. Joaquim Taveira da Fonseca, “Deliberações Sociais – Suspensão e Anulação”, edição do CEJ subordinada ao tema “Sociedades Comerciais”, 1994/1995, págs. 83 e ss. e Acs. da Relação de Coimbra de 19.12.1989, CJ Ano XIV, Tomo V, pág. 64 e de 27.04.2004, no processo n.º 4176/03, em www.dgsi.pt, Ac. da Relação de Lisboa de 12.11.1987, CJ Ano XII, Tomo 5, pág. 101, e Acs. desta Relação do Porto de 11.11.2002, 25.10.2004 e 07.03.2005, nos processos n.º 0251013, 0454487 e 0550385, respectivamente, todos no citado endereço electrónico.

Diz o Mmº Juiz, no despacho recorrido, que:
“No caso em apreço, atento o teor da petição inicial a fim de fazer prosseguir os autos, constata-se que nenhum facto, em concreto, foi alegado do qual se possa inferir que a execução da deliberação social possa causar dano apreciável.
Com efeito, e quanto a esta matéria, compulsando o requerimento inicial, dele apenas resulta que o decretamento da suspensão não acarreta qualquer prejuízo para a sociedade, pelo contrário, é muito superior o dano causado pela execução da deliberação.
(…)
Deste modo, nada tendo sido alegado em concreto pela requerente a este propósito, também nada poderá provar …”.

Não podemos subscrever este entendimento.
Com efeito, no requerimento inicial, o Requerente alegou, entre o mais, que:
“Ao longo de vinte anos, foi a gerente D.......... quem exclusivamente tratou da vertente pedagógica do Colégio .......... .
Durante esse tempo, foi ela que tratou pessoalmente com pais e educadores de todas as questões pedagógicas dos alunos.
Foi ela que directamente se relacionou com todas as autoridades administrativas que superintendem e tutelam o ensino particular.
Foi ela que constituiu, organizou e preparou o corpo escolar que, pela sua qualidade, assegurou o sucesso académico do Colégio.
Dos factos alegados conclui-se, sem margem para dúvidas, que a gerente D.........., não só nunca causou qualquer prejuízo à sociedade, como muito pelo contrário a beneficiou, tendo sido obreira do seu sucesso, que nela encontra o seu único rosto.
Daí que a sua destituição como gerente cause à sociedade, não só um dano apreciável, como, na verdade, um prejuízo irreparável.
Com a sua saída de gerente, os pais ficarão certamente perplexos, preocupados e perderão necessariamente confiança na dita instituição de ensino, porque associam a qualidade do ensino ministrado às suas qualidades pessoais como pedagoga e gerente.
Deixando esta gerente de ser o rosto visível que sempre foi do Colégio, tal facto criará junto dos pais e dos alunos, uma ideia de quebra de qualidade do ensino, originando por certo rumores de que a sociedade se encontra em dificuldades e de que ‘as coisas já não são as mesmas’.
A nível interno, o corpo docente e não docente da instituição ficará desapoiado e desmotivado, uma vez que perde o seu elemento coordenador e dinamizador, e único elemento social com o qual interage.
Habituados a ver diariamente a gerente D.......... a percorrer as salas de aulas, a interpelá-los nos corredores, a preocupar-se com eles, os alunos ficarão igualmente desapoiados e perderão o seu interlocutor privilegiado em matéria de gestão do percurso escolar.
Um tal contexto interno necessariamente transporá os limites da instituição e chegará – com as deturpações naturais – à sociedade envolvente, designadamente ao público-alvo do Colégio.
O que imediatamente tem como consequências que a sociedade fique diminuída na sua capacidade de exercer o objecto social com a proficiência que tem conseguido e que constitui o seu dever.
A muito curto prazo – para não dizer de imediato – perderá clientela e verá diminuídas em muito as suas receitas e o seu prestígio.
Esta sucessão de acontecimentos terá o efeito de ‘bola de neve’, sendo imparável uma vez iniciada.
A sociedade vive exclusivamente da exploração do Colégio e este depende apenas da imagem de qualidade do seu ensino, que lhe garante a sobrevivência e uma situação líquida folgada” – v. arts. 61º a 75º do requerimento inicial.

Nesta alegação do Requerente está perfeitamente delineado o segundo pressuposto da providência: a possibilidade da produção de dano apreciável à sociedade, aqui Requerida, em consequência da execução da deliberação social de 28.12.2004 que destituiu da gerência a sócia D.......... .

Apesar da forma desenvolvida como vem alegado esse elemento da causa de pedir, consubstanciado em factos concretos e variados, o Mmº Juiz não lhe prestou a atenção que era devida, decidindo-se, sumariamente, pela falta de alegação de factos relativos ao dito elemento.

É, assim, evidente a razão do agravante quando defende que foram alegados factos que integram o pressuposto da possibilidade de produção de dano apreciável, o que nos dispensa de conhecer da outra questão colocada no recurso, de forma subsidiária.
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III. DECISÃO

Face ao exposto, no provimento do agravo, revoga-se o despacho recorrido e determina-se o prosseguimento da presente providência cautelar.
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Sem custas – art. 2º, n.º 1, al. g) do CCJ.
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PORTO, 27 de Setembro de 2005
Henrique Luís de Brito Araújo
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves
Manuel António Gonçalves Rapazote Fernandes