CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PROCURAÇÃO
MANDATO
REGULARIZAÇÃO
Sumário

A inexistência de procuração a mandatário constituído, aquando do requerimento de constituição de assistente dá lugar à regularização do mandato, nos termos dos artºs 40º e 41º do CPC, ex vi do artº 4º do CPP.

Texto Integral

Processo n.º 715/21.0SLPRT.P1

Relatório.
AA, denunciante nos autos à margem melhor identificados em que é denunciado BB, notificado do despacho judicial proferido em 11.02.22, no qual se decidiu indeferir o pedido de constituição como assistente por falta de procuração junto do DIAP do Porto, 5ª Secção, não se conformando, vem dele interpor competente recurso.

Em síntese alega que:
I - O presente recurso tem como objeto matéria de direito do despacho proferido nos presentes autos.
II – O Recorrente foi notificado a 17 de fevereiro de 2022 foi notificado pelo Tribunal a quo do seu despacho no qual não admite a constituição de assistente do Ofendido, pelo facto do mesmo não ter constituído mandatário.
III – Perante este despacho o Ofendido apresentou um requerimento, no dia 21 de fevereiro de 2022, nos termos do art. 123º nº 1 do CPP.
IV – Requerendo, assim, a sanação da irregularidade do mandato, juntando, de imediato, procuração forense.
V – No dia 15 de março de 2022, foi o Ofendido, na pessoa da sua mandatária, notificado do despacho em que o Tribunal a quo entendeu que já não podia decidir sobre a regularização do mandato, em virtude do seu poder jurisdicional estar esgotado.
VI – Ora, com o devido respeito por opinião contrária, o Ofendido não aceita que o Tribunal a quo não pudesse proceder conforme requerido.
VII – É entendimento do Ofendido que o Tribunal a quo podia e devia ter notificado o mesmo para regularizar o mandato.
VIII – Porém, o Tribunal a quo não teve o mesmo entendimento e não admitiu, tout court, a constituição de assistente do Ofendido
XIX – Levando que a queixa fosse arquivada.
X – Conforme se pode retirar do Ac. do STJ de 12/06/2013, proferido no âmbito do Proc. 296/09.2TRPRT.S1, “I - A inexistência de procuração a mandatário constituído, dá lugar à regularização do mandato, nos termos dos arts. 40.º e 41.º do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP.” (itálico nosso).
XI – Pelo que, não se pode aceitar a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
XII – Sem prescindir, dispõe o art. 70º do CPP que o assistente esteja sempre representando por advogado.
XIII - “Mas representado por advogado, depois da constituição de assistente e para exercício dos poderes que a lei confere expressamente aos assistentes.
XIV - No âmbito dos quais não cabe o requerimento para constituição de assistente, por definição.” (itálico nosso), conforme se pode ler no Ac. TRP de 30/05/2012, proferido no âmbito do processo 178/11.8GDSTS-A.P1.
XV – Acresce que do Ac. mencionado supra se pode ler que “em termos formais, a lei apenas impõe que, quando se trata de “de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º” (art.º 68º, n.º 4 do CPP). Nenhuma outra formalidade impõe, designadamente que o requerimento seja subscrito por advogado.” (itálico nosso).
XVI - Ora, não existindo nenhuma norma que imponha que o requerimento para a constituição de assistente seja subscrito por advogado deve-se, por maioria de razão, admitir a intervenção na aludida qualidade pelo Recorrente, Ofendido nos autos, uma vez que nenhuma questão de direito é suscitada (art. 40º n.º 2 do CPC, ex vi art. 4º CPP).
XVII – Pelo que, deve o aqui Recorrente, Ofendido nos autos, ser admitido a intervir como Assistente.”

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O M.º P.º junto da primeira instância pugnou pela improcedência do recurso, concluindo:
“1- O recorrente, apresentou nas suas conclusões, essencialmente, discordância face a tal despacho judicial por, no seu entender, a falta de constituição de mandatário no caso em que foi concedido apoio judiciário na modalidade do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, deveria ter levado à sua notificação para suprir tal irregularidade. Acresce que, no entender do recorrente e sem prescindir, não existe nenhuma norma que imponha que o requerimento para a constituição de assistente seja subscrito por advogado, pelo que deve ser admitida a sua intervenção e ser o mesmo admitido a intervir como assistente.

2-Sucede que quando o procedimento criminal depender de acusação particular como é o caso nos autos, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular-artigos 50.º, n.º 1, 48. e 246., todos do Código de Processo Penal.

3- O n.º 2 do artigo 68.° do Código de Processo Penal, concretiza que no procedimento dependente de acusação particular, a intervenção do particular ofendido no processo penal, enquanto parte assistente do Ministério Público, deve ser requerida no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.° 4 do art.246.° do citado diploma legal. Assim, deveria o mesmo, nesse período, requerer a sua constituição como assistente no prazo de 10 dias indicado no aludido n.° 2 do art.68. °, em obediência às restantes formalidades legais - entre as quais - a constituição de mandatário conforme artigo 70° do Código de Processo Penal.

5- Refere essa norma de forma clara que "os assistentes são sempre representados por advogado".

6- A circunstância de ao queixoso ter sido concedido o beneficio de apoio judiciário, não o dispensava de providenciar pela constituição de advogado, já que não foi requerida a concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, mas apenas na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos.

7- No nosso entender, a omissão de tal formalidade legal não obriga a que o Ministério Público ou Exmo. JIC, notifiquem o mesmo para que o faça, já que tal circunstância já resulta da notificação efetuada a fls. 5 destes autos quando, explicitamente, na notificação do queixoso que a assinou, se refere a obrigatoriedade de "Constituição de Advogado ou pedido de apoio jurídico para nomeação de patrono".

8- Ou seja, o Ministério Público, neste caso através do OPC já notificou o ofendido das formalidades que implicam o procedimento criminal por um crime particular, não estando obrigado a suprir as eventuais faltas processuais do ofendido quando lhe foi provida toda a informação necessária.

9- São estas as exigências formais de procedimento criminal para um crime particular que o distinguem de outros crimes.

10- Tanto assim é que a falta de preenchimento de tal exigência legal impedirá, como impediu, a continuação do procedimento criminal nos crimes particulares.

11- Em suma, entendemos que a interpretação que foi feita pelo Mm Juiz de Instrução Criminal das normas aplicadas na douta decisão judicial é correcta pelo que deverá improceder o recurso interposto e mantido o indeferimento do pedido de constituição como assistente apresentado nos autos.

12- Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e ser mantido o douto despacho recorrido.”
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O Sr. PGA deste Tribunal emitiu parecer concordando com a posição assumida pelo M.P. a quo.

Houve resposta por parte do recorrente, reiterando.
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Cumpre apreciar.
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Fundamentação.
1.
Decisão proferida pela JIC.

“Como resulta de 5 e vº o requerente AA foi notificado para se constituir assistente, dependendo tal constituição da constituição de advogado ou pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono.
O mesmo veio requerer a sua constituição como assistente.
Foi concedido ao requerente o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos.
O mesmo até hoje não constituiu mandatário.
A circunstância de ao requerente ter sido concedido o benefício de apoio judiciário, não o dispensava de providenciar pela constituição de advogado, já que não foi requerida a concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, mas apenas na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos.
Apesar de notificada a requerente não constituiu mandatário, sendo certo que nos termos do artº 70º nº 1 do C. P. P. "os assistentes são sempre representados por advogado".
Não pode assim o requerente ser admitido a intervir nos autos na qualidade processual de assistente, por não se encontrar devidamente representada por advogado. P
Pelo exposto, não se admite o requerente AA intervir nos autos na qualidade processual de assistente.
DN.
Porto”

2.Despacho subsequente proferido pelo M.P.

Declaro encerrado o inquérito.
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A fls. 5 foi o queixoso notificado, uma vez que tinha apresentado queixa pela prática de um crime particular (cfr. artigo 188º CP) de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, n.º 1 do Código Penal, para se constituir como assistente, nos termos do disposto no artigo 50º, n.º 1; 68º, n.º 2 e 246º, n.º 4 do Código de Processo Penal, sob pena de o procedimento criminal não prosseguir quanto a esse crime.
Compulsados os autos, verifica-se que AA, apesar de notificado, não se veio constituir como assistente de forma válida e em obediência a todas as formalidades legais, o que vale por dizer que falece o M.P. de legitimidade para prosseguir com o procedimento criminal no tocante ao crime pelo qual se queixou.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 277º, n.º 1, in fine, determino, nesta parte, o arquivamento dos autos.
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Notifique nos termos do disposto do artigo 277º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
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Prazo de prescrição (para efeitos da circular 8/2008 da PGR): 24/8/2023
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Elaborei e revi.
Porto, ds

3.Logo de seguida o denunciante veio apresentar requerimento nos seguintes moldes:

“AA, Ofendido nos autos de inquérito à margem referenciado, notificado do despacho a fls., vem expor para a final requerer o seguinte:
1. O Ofendido requereu a sua constituição como assistente,
2. Tendo para o efeito requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
3. O referido pedido foi deferido.
4. No entanto, o Ofendido não constituiu mandatário.
5. Ora, em face desta omissão, devia o Ofendido ser notificado para suprir a irregularidade aqui verificada.
6. Porém, o Tribunal assim não entendeu
7. O que, com o devido respeito, não se entende, nem se aceita.
8. Aliás, veja-se o Ac. do STJ de 12/06/2013, proferido no âmbito do Proc. 296/09.2TRPRT.S1, no qual se pode ler que “I - A inexistência de procuração a mandatário constituído, dá lugar à regularização do mandato, nos termos dos arts. 40.º e 41.º do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP.” (itálico nosso).
9. Porquanto, vem o Ofendido, neste momento, proceder à regularização do mandato,
10. Juntado, para esse efeito, procuração.
11. Devendo, assim, o anterior despacho ser substituído por outro que admita a intervenção do Ofendido na qualidade processual de assistente.
Nestes termos, requer a V.Ex.ª se digne admitir o presente requerimento e admita a junção de procuração forense aos autos, substituindo o despacho de fls. por outro despacho que admita a intervenção do Ofendido na qualidade de assistente.
Pede deferimento.
Requer a junção aos autos.
JUNTA-SE: - Procuração forense.”

4.Despacho proferida pela Srª JIC na sequência.

“Com a prolação do despacho de fls. 36e vº esgotou-se o poder jurisdicional, o qual só pode ser alterado por via de recurso.
Notifique.
Porto”
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Objeto do processo:
Constituição de assistente.
Falta de procuração com a apresentação do requerimento de constituição de assistente.
Regularização.

Vejamos.
Da constituição de assistente.

A norma do artigo 68.º n.º1, alíneas a) e b), do CPP, estipula que podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito, a) os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos, e b) as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento (…).
Augusto Silva Dias in DIAS, Augusto Silva - «A tutela do ofendido e a posição do assistente no processo penal português», in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina Editora, Coimbra 2004, página 55 diz-nos que “o assistente é uma figura característica do Direito Processual Penal Português, um sujeito processual que não tem paralelo nos sistemas processuais próximos” na medida em que é um “colaborador do Ministério Público mas não é um mero auxiliar do Ministério Público sem pretensão autónoma, mas tal entendimento é incompatível com o relevo e os poderes processuais que a lei confere ao assistente” (art.69º n.1 do CPP).
No entender de José Damião da Cunha in CUNHA, José Damião da – “Algumas reflexões sobre o estatuto do assistente e seu representante no direito processual português” – RPCC; Ano 5, fascículo 2, Abril-Junho 1995, página 157, o assistente pratica necessariamente actos processuais pois dispõe de poderes que se consubstanciam na prática de actos estimulantes cujo principal destinatário serão as autoridades judiciárias em fases anteriores à do julgamento. Afirma este autor que o “assistente, podendo ter um relevo mais escasso que os outros sujeitos processuais e podendo gozar de uma certa desvalorização processual, acaba por ser um agente na realização do princípio da separação de poderes (nomeadamente, no que diz respeito à articulação Ministério Público/juiz) no processo penal, pois activa mecanismos de controlo judiciário.”
A partir do Acórdão 8/2006 do STJ, na interpretação do que deva entender-se por titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, deixou de ter cabimento a hierarquização dos bens jurídicos protegidos pela incriminação para acolher uns e afastar outros, uma vez que ali se definiu que “caso a incriminação proteja uma pluralidade de bens jurídicos de nada releva na matéria equacionar a importância relativa de cada um desses bens, pois condição necessária e suficiente à constituição do ofendido como assistente é que a ofensa daquele ponha em causa um dos bens jurídicos que a incriminação pretende salvaguardar” –sublinhados nossos.

Neste sentido, dir-se-á que os assistentes, salvo as exceções previstas na lei, têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja atividade subordinam a sua intervenção no processo.
O art. 69º do CPP contém de certa forma "estatuto do assistente" no que toca á sua legitimidade processual. Os assistentes são «colaboradores» do M.P., a cuja atividade se «subordinam», pelo que, na pureza dos princípios, lhes compete á semelhança do M.P., atuarem com imparcialidade, objetividade e no estrito cumprimento da lei na busca da verdade. Todavia os assistentes têm um largo campo de autonomia, intervindo no inquérito e na instrução (que podem requerer v. art. 287º-1-b)] conforme decorre das alíneas.
Desde logo, no âmbito dos crimes de natureza particular, podem deduzir uma acusação verdadeiramente independente, sendo processualmente indiferente que o M.P. não acompanhe tal acusação (v. arts. 50º e 285º). Já no que toca á acusação por crimes de natureza pública ou semipública, os assistentes só podem deduzir acusação se o M.P. acusar e na medida em que a sua acusação não represente uma alteração substancial de factos relativamente á acusação do M.P. (v. art. 284º-1 e suas notas).
Se o M.P. não acusar de todo, ou acusar mas não pelos factos que na perspetiva do assistente deveria ter acusado, só pode este reagir através do requerimento para abertura de instrução (v. art. 287º-1-b)) ou da reclamação hierárquica (art. 278º).
Para Maia Gonçalves (C.P.P. Anotado, 12ª ed., pág. 223) "Trata-se de um sujeito processual subordinado ao Ministério Público, cessando porém a subordinação nos casos excepcionais que a lei prevê, maxime nos "casos dos crimes particulares, na dedução da acusação e na interposição de recursos de decisões que o afectem".

A denúncia em causa relata factos que no entender do denunciante são difamatórios, o que constitui crime de natureza particular.
Tratando-se de crimes de natureza particular, o M.P. só exerce a ação penal, se houver queixa no prazo legalmente previsto (art. 115º do C.P.) de quem tiver legitimidade para tanto (v. art. 113º do C.P.). Mas não só, necessário se torna ainda como condição de procedibilidade processual, que o queixoso declare imediatamente na queixa que se quer constituir assistente e se constitua efetivamente no prazo de 10 dias - art. 68º-2 (para o que deve ser advertido pela entidade que receber a queixa, nos termos do art. 246º-4) e posteriormente findo o inquérito, deduza acusação particular para submissão da causa a julgamento, que o M.P. poderá ou não acompanhar, integralmente ou em parte, em função das provas coligidas (art. 285º). Não fazendo tal declaração prévia de que deseja constituir-se assistente, nem se constituindo assistente no prazo legal, o inquérito não deve sequer iniciar-se quanto a tal tipo de crimes e deve ser imediatamente arquivado por falta de legitimidade do M.P. para o exercício desacompanhado da ação penal.
A atividade do M.P. no inquérito por este tipo de crimes, rege-se pelos termos do n.º 2 do art.50º do CPP.
O M.P. deve reger-se pelos valores da objetividade, o rigor científico, a qualidade técnica, celeridade, a transparência, responsabilidade, a acessibilidade cidadão, cooperação comunicação.
A constituição de assistente é obrigatória para os crimes particulares, sendo mesmo uma condição de procedibilidade processual ou legitimidade processual (v. art. 50º-1) e facultativa para os crimes semipúblicos e públicos. Aliás, logo na denúncia, têm os ofendidos, no primeiro tipo de crimes, de manifestar nela o desejo de se constituírem assistentes e pedirem a constituição como assistentes no prazo de 10 dias, sob pena de arquivamento do inquérito por falta de legitimidade do M.P., para sozinho promover a ação penal (v. arts. 246º-4 e 285º) uma vez que preclusão da possibilidade dos queixosos se constituírem como assistentes, deve entender-se como uma renúncia tácita ao direito de queixa, impedindo que a mesma possa ser renovada (cf. art. 116º-1do C.P.)
Contudo, não sem que antes o órgão de polícia criminal ou M.P notifique, advirta o denunciante dessa obrigatoriedade e dos procedimentos a observar.
Registe-se que existindo crimes de naturezas diferentes, pode ficar précludido o direito á constituição como assistente para os crimes particulares, pelo decurso deste prazo, mas não para os crimes públicos e semipúblicos. Ver Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2011 de 16.12.2010, in, D.R. de 26.01.201.
Da fundamentação do acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 1/2011, parece resultar inequívoco que foi considerado o prazo do artigo 68º., n. 2, do CPP, como prazo perentório, não podendo o ofendido renovar o seu pedido de constituição como assistente perante a apresentação de nova queixa, que também não poderá ser renovada. (Ac. TRC de 06.05.2015, proc. 43/13.7GAVZI-A.Cl, in, www.dgsi.pt).

A constituição de assistente implica que (1) nos prazos do n. 2 e 3 do art. 68º CPP(2) o legitimo titular do direito, fundamentando se não for evidente a sua legitimidade (3) constitua advogado, nos termos do art. 70º-1 (4) pague a taxa de justiça, nos termos do art. 519º (5) elabore requerimento dirigido ao Juiz a solicitar a constituição de assistente.
Se o assistente recorrer ao apoio judiciário, quer para nomeação de patrono, quer para isenção da taxa de justiça, se este ainda lhe não tiver sido deferido, deverá apresentar nos autos comprovativo de tal pedido dentro do prazo, suspendendo-se este até decisão, nos termos da Lei do Apoio Judiciário (v. arts. 24-2 e 44-2 da L.A.J.).
A lei define no n.º 2 e 3 do art. 68º do CPP, os vários prazos para constituição de assistente, tendo em vista, como norma de boa gestão processual, a prática atempada de atos correspondentes a cada procedimento processual ali definido.
Ultrapassados os prazos, préclude-se o direito de praticar o ato correspondente, sem embargo de a constituição de assistente, teoricamente, poder ocorrer até ao dia anterior ao dia do trânsito em julgado da sentença (aceitando o novel assistente, o processo «no estado em que se encontrar, i.é, não pode opor-se, impugnar, contestar, a prática de atos já ultrapassados, por força dos ns. 2 e 3).

Assim no procedimento criminal dependente de acusação particular, o ofendido deve expressar na denúncia vontade constituir assistente, apresentar pedido constituição como assistente no prazo de 10 dias, contados da advertência para efeito feita pelo órgão polícia criminal. As consequências inércia do ofendido não são iguais: inércia no caso (omissão na denúncia vontade de constituir como assistente) não tem quaisquer consequências prejudiciais para direito constituição assistente, mas no segundo caso (omissão de pedido de constituição como assistente) tem efeito preclusivo do exercício do direito constituição como assistente. O artigo 246º, n.° 4, uma de carácter meramente ordenador, como resulta do disposto no artigo 52º, n º 2 do CPP e, por isso, a inércia do ofendido primeiro caso não tem qualquer efeito extintivo nem preclusivo do exercício direito. Acresce que falta declaração não corresponde uma renúncia tácita do direito de queixa. Renúncia tácita pode extrair-se de factos donde a renúncia necessariamente deduza", mas não de uma omissão (artigo 116.º, CP), cujo significado e explicação podem ser múltiplos, não necessariamente imputáveis ao titular do direito (como sublinha acórdão do TRC, de 29.1.2003, CJ, XVIII.
Por isso, se ofendido não expressa na denúncia a vontade de se constituir assistente pode fazê-lo mais tarde, espontaneamente ou a sugestão do Ministério Público do TRP, 10.11.1993, CJ, XVIII, 252, acórdão de 25.10.2000, XXV, acórdão TRP, de 9.7.2003, CJ, XXVIII, 207, acórdão do TRP, 13.10.2004, in XXIX, 216, além do referido acórdão do TRC, de 29.1.2003.
A propósito destes considerandos ver Código de Processo Penal Anotado de Fernando Gama Lobo, 2017, 2ª ed em anotação aos artigos supra citados.
Tal requerimento é dirigido ao Juiz de instrução.
O despacho judicial que admite a constituição como assistente, não reveste a natureza de caso julgado material, pelo que pode ser revisto e ou impugnado a todo o tempo. Na verdade, proferido tal despacho, em regra no início do inquérito, em função de um dado quadro de indícios e circunstâncias, nada impede que no decurso do processo tal quadro se altere, ou tenha sido perfunctoriamente apreciado, obrigando a uma reavaliação jurídica num momento posterior.
Tal decisão tem natureza meramente tabelar onde concretamente não se aborda de fundo a legitimidade da requerente e nesta matéria prevalece o «favor rei» sobre a estabilidade da instância como refere a propósito José António Barreiros, in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, II, pág. 164, que «contrariamente com o que se passa com o estatuto do arguido, o do assistente é caracteristicamente dinâmico e reversível. Daí que possa acontecer que um indivíduo seja admitido como tal e em momento subsequente a essa admissão ver revogada essa qualidade por verificação da não existência de requisitos formais para tanto. Tal despacho apenas faz caso julgado rebus sic stantibus.

Dispõe o artigo 70º do CPP.-Representação judiciária dos assistentes

“1. Os assistentes são sempre representados por advogado. Havendo vários assistentes, são todos representados por um só advogado. Se divergirem quanto à escolha, decide o juiz.
2. Ressalva-se do disposto na segunda parte do número anterior o caso de haver entre os vários assistentes interesses incompatíveis, bem como o de serem diferentes os crimes imputados ao arguido. Neste último caso, cada grupo de pessoas a quem a lei permitir a constituição como assistente por cada um dos crimes pode constituir um advogado, não sendo todavia lícito a cada pessoa ter mais de um representante.
3. Os assistentes podem ser acompanhados por advogado nas diligências em que intervierem.”

Os assistentes são sempre representados por um só advogado. Sublinhe-se que esta representação unitária é obrigatória, com as exceções claramente expressas na norma.
E isto não significa que o requerimento de constituição de assistente tenha de ser assinado pelo advogado. Pode ser somente assinado pelo denunciante, porque é este que requer a sua constituição, desde que inclua como documento uma procuração emitida a favor de um advogado que o irá representar no processo. “Antes, porque nenhuma norma legal (e não invoca nenhuma a Ilustre Recorrente), repete-se, impõe que o requerimento a pedir a constituição de assistente seja subscrito por advogado, será de levar em conta o que se dispõe no n.º 2 do art.º 32º do CPC, ex vi do art.º 4º do CPP, que permite que a parte (aqui a ofendida, simples interveniente processual e interessada, à data) possa fazer o requerimento pois que nele não se suscita qualquer questão de direito.”- Ver Ac. RP de 30.05.12.

No caso dos autos o denunciante requereu a constituição dentro do prazo que o M.P. indicou. Só não juntou procuração e, por essa razão não foi admitido a constituir-se assistente.

Tendo o seu requerimento de constituição como assistente sido indeferido por não ter constituído mandatário, apresentou um requerimento para que fosse sanada a irregularidade, juntando procuração forense.
O tribunal a quo escudou-se no esgotamento do poder jurisdicional.
Ora, tendo presente que é ao tribunal JIC que cabe a competência para decidir da constituição de assistente e que a advertência em sede de inquérito é mera ordinatória, não está o JIC no exercício da sua função jurisdicional desvinculado da obrigação de em caso de falta de representação, recorrer ao disposto no art. 41º do CPC, para efeitos de sanação da irregularidade.
Portanto não estando o requerente da constituição como assistente representado por advogado deve o tribunal, antes de indeferir, notificá-lo para o constituir dentro de um prazo certo que lhe conceda, por aplicação analógica do artigo 41.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal.

A convocação de norma do processo civil por via do artigo 4.º do Código de Processo Penal depende da existência de uma lacuna, isto é, de que por exercício interpretativo se chegue à conclusão que determinada realidade processual não está coberta pelas normas do processo penal e deveria estar.
Da conjugação dos artigos 68.º e 246.º n.º 4 do Código de Processo Penal resulta um procedimento de notificação ao pretendente da constituição como assistente, nos casos de procedimento criminal pela prática de crime de natureza particular, que no caso foi cumprido, que o põe a par de todas as formalidades a cumprir com vista à constituição como assistente, nomeadamente da necessidade de constituição como advogado.
O cumprimento deste dever de informação não afasta a possibilidade que a lei confere de, não obstante haver indicação legal da necessidade de constituição de advogado, justificar o recurso ao artigo 41.º do Código de Processo Civil, pois que mesmo depois da advertência no inquérito, na fase jurisdicional junto do JIC, o eventual recurso ao disposto no art. 41º do CPC, já não pressupõe uma nova advertência, mas a hipótese da sanação de uma irregularidade.
Outra interpretação significaria adotar uma perspetiva estritamente formal e avesso a princípios constitucionais nomeadamente o da proporcionalidade com sacrifício desnecessário do direito do ofendido em perseguir quem atente contra os seus direitos penalmente protegidos. Tratar-se-ia de uma posição desproporcional, constituindo uma violação dos princípios da proibição do excesso e desproporção, nos termos do art. 18º, n.º 2 da CRP.
O princípio da proporcionalidade ocupa um lugar central no nosso ordenamento jurídico-constitucional, no que diz respeito ao controlo dos atos do poder público, nomeadamente na avaliação da conformidade constitucional das restrições de direitos fundamentais. De acordo com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, tais restrições devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos». É à luz deste preceito que terá lugar a aplicação dos três subprincípios em que se desdobra o princípio da proporcionalidade: idoneidade (ou adequação), necessidade (ou indispensabilidade) e justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito).
O princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso ainda é convocável por uma outra via, independentemente da restrição de um direito fundamental.
O princípio da proporcionalidade pode ser aplicável ao caso, enquanto princípio geral de direito conformador dos atos do poder público, decorrente do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição.
Com efeito, como foi afirmado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 187/2001, do Plenário, ponto 15, se, no que respeita «às restrições a direitos, liberdades e garantias, a exigência de proporcionalidade resulta do artigo 18º, nº 2, da Constituição da República», para além desse âmbito «o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito». Efetivamente, «impõem-se, na realidade, limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado-legislador e o Estado- administrador adequar a sua projetada ação aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas». A afirmação do princípio da proporcionalidade como princípio fundamental geral da ordem constitucional da República Portuguesa, decorrente do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição, limitando o poder público na sua liberdade de atuação mesmo fora do âmbito do artigo 18º, nº 2, tem vindo a ser reafirmado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr., por exemplo, os Acórdãos nº 205/2000, da 2.a Secção, ponto 8º, n º491/2002, do Plenário, ponto c), nº 73/2009, da 3.a Secção, ponto 7).
Como referido no Acórdão nº 651/2009, do Plenário, ponto 5: «o princípio [da proporcionalidade ou da proibição do excesso] decorre antes do mais das próprias exigências do Estado de direito a que se refere o artigo 2º da Constituição, por ser consequência dos valores de segurança nele inscritos.
Tendo assim a proibição do excesso uma sede material que se revela bem mais vasta do que aquela que é coberta pelas suas referências textuais explícitas, natural é que ela possa ser invocada como parâmetro constitucional em outras situações, que não apenas as referentes, nomeadamente, às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. É que o princípio vale, não apenas como limite constitucional das ações do legislador, mas como limite das atuações de todos os poderes públicos; e, quanto à função legislativa, não vinculará apenas aquela que se cifrar em instituição de restrições aos direitos, liberdades e garantias. Como os direitos fundamentais desempenham, no nosso ordenamento jurídico, também uma importante função valorativa ou objetiva, por certo que o princípio poderá ser invocado como instrumento de ponderação sempre que estiverem em causa valores jusfundamentais que entre si, objetivamente, conflituem. Ponto é, no entanto, que se tenha demonstrado previamente que, ainda nessas situações, o legislador, não agindo no âmbito da sua liberdade de conformação política, se encontrava constitucionalmente vinculado a decidir de um certo modo, e não de outro, o conflito entre os bens ou valores em colisão.»
No Acórdão nº 387/2012, do Plenário, ponto 9.1., reconhece-se que é certo que «as decisões que o Estado (lato sensu) toma têm de ter uma certa finalidade ou uma certa razão de ser, não podendo ser ilimitadas nem arbitrárias e que esta finalidade deve ser algo de detetável e compreensível para os seus destinatários. O princípio da proibição de excesso postula que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma justa medida e encontra sede no artigo 2º da Constituição. O Estado de direito não pode deixar de ser um Estado proporcional».

Como acima se referiu a advertência do art. 246º, 4 do CPP provem de uma norma meramente ordinatória, com as consequências que acima se referiu.
A pronúncia sobre o pedido de constituição de assistente é realizada por um órgão jurisdicional-JIC-.
Com base nestas premissas e tendo presente que a advertência da necessidade de representação proveio de uma notificação realizada no âmbito do inquérito ordenada pelo órgão de polícia criminal, tal não inviabiliza nem exime o JIC que vai proferir uma decisão jurisdicional de, constatando a ausência de procuração, notificar o requerente a fim de sanar a irregularidade, conferindo-lhe um prazo para tal, cfr. disposto no art. 41ºex vi art. 4º do CPP.
Na verdade, tendo presente o exposto, esta solução observa cabalmente o desiderato de aproximação da justiça ao cidadão e acautela o direito de acesso aos tribunais que, obviamente, não pode ser visto em termos puramente formais, antes se impondo na perspetiva de uma tutela efetiva a uma jurisdição em termos justos e equitativos, com garantia constitucional no art. 20º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, e que tem motivado que o Tribunal Constitucional, repetidamente, se tenha pronunciado pela não conformidade à nossa lei fundamental das decisões que indeferem pretensões por motivos relacionados com o formalismo legal, sem que previamente se faculte ao interessado a possibilidade de corrigir a falha ocorrida.
Deste modo, assiste razão ao recorrente.

Dispositivo.

Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso apresentado por BB e em consequência determinar que o mesmo seja admitido como assistente dado que já juntou procuração aos autos, com as consequências legais subsequentes nomeadamente a reabertura do inquérito criminal.
Sem custas pelo recorrente.

Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 22 de junho de 2022.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
Francisco Marcolino