PROPRIEDADE INTELECTUAL
MARCA
FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA
REPRODUÇÃO DA MARCA
REGISTO DE MARCA
Sumário

I.–Os consumidores recordam vocábulos de maneira pouco precisa e rigorosa e de forma sempre desfocada pela nebulosidade da memória, que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação»;

II.–São a semântica e a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção na memória sempre associada à distinção;

III.–Impõe-se a análise de conjunto, a ponderação da capacidade de produzir impacto e a vocação para sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades»;

IV.–Essa ponderação não se faz de forma linear e homogénea; antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros;

V.–A avaliação central que se pede ao julgador em situações do presente jaez é bem mais psicológica do que jurídica, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores de um certo mercado;

VI.–É assim porque se visa salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como metas derradeiras, garantir iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia;

VII.–O consumidor avalia o conjunto e não as particularidades e, quando compara, tem, por regra, uma marca fisicamente diante de si e a outra apenas retida na pouco rigorosa memória por regra envolvida no acto de consumo;

VIII.–Não pode o titular de uma marca esperar e exigir maior distância face a essa sua marca do que a que a mesma mantenha diante de outras marcas da titularidade de outros competidores do mesmo mercado.

Texto Integral

Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

*

I.–RELATÓRIO 

                
FOJO – CASA AGRÍCOLA, LDA., com os sinais identificativos constantes dos autos, interpôs recurso judicial «do despacho proferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, (...) que recusou o pedido de registo da marca nacional n.º 655781 – CASA DA BOUÇA» por si requerido.

O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
Fojo – Casa Agrícola, Lda, pessoa colectiva, com sede em Casa da Bouça, E..... C..... A..... -1..., N____, L_____, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Novo Código da Propriedade Industrial (NCPI), interpor recurso do despacho do Senhor Director da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), por subdelegação de competências do Conselho Directivo do mesmo Instituto, que recusou o registo da marca nacional n.º 655781 CASA DA BOUÇA, por ser idêntica às marcas prioritárias nºs 198405 SOLAR DAS BOUÇAS e 202497 QUINTA DAS BOUÇAS.
Alegou, em síntese, que:
- Os sinais não se confundem, pois Quinta, Solar e Casa são diversos e existem outras marcas registadas com a palavra ‘BOUÇA’.
Cumprido o disposto no artigo 42.º do NCPI, o INPI remeteu, electronicamente, o processo administrativo.
Citada a parte contrária, a mesma respondeu a este recurso, pugnando pela manutenção do despacho do INPI que recusou o registo da recorrente.

Foi proferida sentença que negou provimento ao recurso.

É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por FOJO – CASA AGRÍCOLA, LDA., que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido:
1.–O objecto da apelação é a douta sentença proferida no processo de recurso do Tribunal da Propriedade Intelectual que julgou improcedente o recurso interposto da decisão de recusa do pedido de registo da marca nacional nº 655781 – CASA DA BOUÇA.
2.–A Apelante não se conforma com a douta sentença, porquanto não estão preenchidos todos os requisitos do conceito de imitação (art.º 238.º do CPI), nem se verifica a existência de risco de concorrência desleal (art.º 311.º do CPI).
3.–As marcas da Apelada são prioritárias ao pedido de registo da marca ora em apreço.
4.–Este é um requisito de natureza puramente objetiva, e de imediata verificação, aferindo-se pelo confronto das datas da concessão das marcas e pedido de registo.
5.–Quanto ao segundo requisito, e ainda que as marcas assinalem a classe 33, é indiscutível que há uma diferença entre os produtos assinalados que deve ser tida em consideração, na análise do conceito de imitação.
6.–As marcas da Apelada protegem apenas e somente vinhos verdes e aguardentes, enquanto a marca registanda assinala o produto vinhos.
7.–Relativamente ao terceiro requisito do conceito de imitação é indiscutível que não se encontra preenchido, uma vez que, pese embora a expressão BOUÇA integre o conjunto do sinal em apreço,
8.–Na verdade, o facto de a marca registada ter antecedida a palavra CASA – ainda que seja uma palavra meramente descritiva – a sua adição ao conjunto da marca funciona como um elemento que confere capacidade distintiva à marca CASA DA BOUÇA, quando comparada com as marcas SOLAR DAS BOUÇAS e QUINTA DAS BOUÇAS.
9.–O pedido de registo da marca regista CASA DA BOUÇA foi inspirado no nome de uma QUINTA DA BOUÇA ou QUINTA CASA DA BOUÇA propriedade de HCCNM..... que é Sócio-Gerente da Requerente do Pedido de Registo da Marca BOUÇA em discussão, FOJO - CASA AGRÍCOLA, LDA..
10.–Não havendo qualquer tentativa de usurpação dos direitos anteriores da Apelada.
11.–A Apelante tem a sua quota de mercado e carteira de clientes, que conquistou pelo seu trabalho e empenho.
Ainda quanto ao terceiro requisito:
12.–Em termos visuais, as marcas SOLAR DAS BOUÇAS, QUINTA DAS BOUÇAS OU CASA DA BOUÇA são distintas.
13.–No que se refere à fonética é completamente distinto pronunciar SOLAR DAS BOUÇAS, QUINTA DAS BOUÇAS e CASA DA BOUÇA.
14.–Esta apreciação da confundibilidade fonética é muito relevante uma vez que a forma como as palavras se pronunciam é muitas vezes mais importante para a memória que temos delas do que os aspetos meramente gráficos.
15.–Nesta análise comparativa do grau de semelhança entre as marcas, não podemos esquecer o consumidor médio dos produtos em causa, ou seja, o público-alvo da marca em apreço.
16.–As diferenças existentes são suficientes para afastar a possibilidade de erro ou confusão do consumidor, bem assim, o risco de associação com a origem empresarial das marcas prioritárias.
17.–O que, sobretudo, conta é a impressão de conjunto, a semelhança do todo, pois é ela que sensibiliza o público consumidor.
18.–No caso das marcas essa memória é ainda mais importante, uma vez que, por norma as marcas não aparecem ao consumidor lado a lado, é antes a memória que guardamos de um sinal que se torna relevante.
19.–Mas esta memória não é apenas gráfica ou fonética, mas também fonética e conceptual.
20.–Por outro lado, do ponto de vista conceptual, o vocábulo “BOUÇA” teria todas as condicionantes para ser classificado como uma expressão de fantasia para assinalar vinhos.
21.–No entanto, existem várias marcas com a designação “BOUÇA” para vinhos:
a)- QUINTA DA BOUÇA DO MONTE (MNC N.º 552072)
b)- QUINTA DA BOUÇA DARQUES (MNC N.º 620125)
c)- BOUÇA DO ROÇO (MNC N.º 366306)
d)- BOUÇA NOVA (MNC N.º 560276)
e)- BOUÇA DA CRUZ (MNC N.º 492557)
f)- CEPA DA BOUÇA (MNC N.º 478810)
22.–Na atualidade, a capacidade distintiva da expressão BOUÇA começa a ficar “frágil”, face ao número de marcas existentes para vinhos, que integram a expressão BOUÇA.
23.–A marca registanda constitui um todo e não pode ser analisada isoladamente em cada um dos elementos, sendo que o consumidor neste tipo de marcas claramente guarda na memória o conjunto formado por todos os elementos que constituem o sinal distintivo.
24.–Num cômputo geral, o grafismo e fonética da marca recorrida são distintos.
25.–O carácter distintivo de um sinal resulta, assim, do conjunto de todos os seus elementos, e é da análise desse conjunto que resulta a aferição do mesmo, e se pode concluir ou não pela semelhança dos sinais, no que se refere ao grafismo e fonética.
26.–Pois é desta forma unitária e global que até o público mais desatento, conhece uma marca e a retém na sua memória.
27.–A própria lei exige que a confusão deva ressaltar facilmente, pelo que, e em face das circunstâncias, não se vislumbra como tal suceda no caso em apreço.
28.–Qualquer consumidor, mesmo até o menos atento, ao confrontar-se no mercado com os sinais em apreço, não terá qualquer dúvida em distinguir os sinais em presença, atribuindo-lhes diferentes proveniências.
29.–Da aplicação das disposições legais citadas aos factos supra indicados resulta que o pedido de registo da marca nacional n.º 665781 – CASA DA BOUÇA preenche todos os requisitos legais, e apresenta-se como um sinal idóneo para assinalar vinhos!
Nestes termos, e nos melhores de direito que Vossas Excelências se dignarem suprir, deve ser julgado procedente a apelação, devendo ser revogada a douta sentença, determinando-se em consequência a concessão do pedido de registo da marca nº 655781 – “CASA DA BOUÇA” (...)

SOLAR DAS BOUÇAS – S.A. respondeu às alegações de recurso sem apresentar conclusões, sustentando a manutenção da decisão impugnada.

Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.

É a seguinte a questão a avaliar:
Face às razões invocadas no recurso, não estão preenchidos todos os requisitos do conceito de imitação nem se verifica a existência de risco de concorrência desleal?

II.–FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto

Vêm provados os seguintes factos:
a)- Em 30/12/2020, a recorrente apresentou o pedido de registo da marca nacional n.º 655781 CASA DA BOUÇA, destinada a assinalar nas classes 33 da Classificação Internacional de Nice: «Vinhos».
b)- A recorrida reclamou contra tal pedido de registo e a recorrida contestou.
c)- Por despacho de 08/06/2021, o Senhor Director da Direcção de Marcas e Patentes do INPI, por subdelegação de competências do Conselho Directivo, recusou o  pedido de registo da referida marca nacional, por existirem dois registos anteriores em tudo semelhantes – o registo da marca nacional nº 198405 Solar das Bouças e o nº 202497 ‘Quinta das Bouças’.
d)- A recorrida é titular da marca nacional nº 198405 ‘SOLAR DAS BOUÇAS’ pedida em 10/04/1978 e concedida em 01/07/1985 para assinalar na classe 33 da Classificação Internacional de Nice ‘Vinhos Verdes e Aguardentes’.
e)- A recorrida é titular da marca nacional nº 202497 ‘QUINTA DAS BOUÇAS’ pedida em 18/05/1979 e concedida em 01/07/1985 para assinalar na classe 33 da Classificação Internacional de Nice ‘Vinhos Verdes e Aguardentes’.
f)- Para assinalar na classe 33 da Classificação Internacional de Nice, encontramse ainda registadas, entre outras, as seguintes marcas:
- Marca 364993 Quinta Bouça Nova;
- Marca nº 552072 Quinta Bouça do Monte;
- Marca 366306 Bouça do Roço;
- Marca 560276 Bouça Nova.

Fundamentação de Direito

Face às razões invocadas no recurso, não estão preenchidos todos os requisitos do conceito de imitação nem se verifica a existência de risco de concorrência desleal?

O Tribunal «a quo» fez, na sentença criticada, o enquadramento jurídico das noções subjacentes e pressuponentes da análise que se propunha realizar, designadamente dos conceitos de marca, sua função e forma de constituição.

Esta matéria conceptual não vem posta em crise, não se colocando, no caso em apreço, dificuldades específicas ao nível da caracterização dos signos em confronto.

Estamos perante duas marcas, já que tais sinais são subsumíveis à fattispecie do art. 208.º do Código da Propriedade Industrial (CPI). Sobretudo, salienta-se, a este nível, a finalidade de distinguir produtos através das palavras escolhidas como signos.

Quanto ao mais, trata-se de matéria que, por não vir questionada e não aparecer em crise de forma que se imponha a este Tribunal avaliar, não receberá análise autónoma nesta decisão.

Não se materializa qualquer das excepções referenciadas no art. 209.º do mesmo encadeado normativo.

O Tribunal «a quo» identificou correctamente preceitos relevantes para a análise que realizou – os art.s 208.º, 209.º 231.º, 232.º e o n.º 1 do art. 238.º, todos do referido código – e deu o devido relevo e sentido ao disposto nesses preceitos legais.

No âmbito do estabelecido nas alíneas que compõem o n.º 1 do art. 238.º do CPI, a marca registada considera-se imitada ou usurpada quando se preencham, cumulativamente, os pressupostos:
a.-Prioridade;
b.-Coincidência de objecto; e
c.-Susceptibilidade de confusão, erro ou associação.

Face aos factos colhidos nos autos, o Tribunal concluiu, com facilidade e em termos que não deixam margens para dúvidas nem vêm questionados, pelo preenchimento dos dois primeiros requisitos. Não há dificuldades remanescentes quanto à anterioridade da marca da Recorrente e seus registos e não as há também no que se reporta à coincidência de objectos e, consequentemente, de mercados, mostrando-se correcta a análise feita na sentença incidente sobre a noção de identidade de produtos, assente na noção de especialidade.

Resta, pois, para avaliação, o requisito definido na al. c) do apontado número e artigo.

Há que atender, neste âmbito, a que os consumidores recordam vocábulos de maneira pouco precisa e rigorosa e de forma sempre desfocada pela nebulosidade da memória, que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação». Ou seja, uma memória é tanto mais forte quanto mais intensa e firme tenha sido a implantação inicial (o que se consegue, por exemplo, através da novidade, originalidade e contexto). E será mais intensa se a palavra aparecer ou for usada várias vezes. A retenção a longo prazo no espaço cerebral sempre beneficia da possibilidade de ligar o elemento a conservar a um outro anteriormente conhecido, assim produzindo o referido efeito de associação. São a semântica e a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção na memória sempre associada à distinção – na verdade, retemos o que destrinçamos.

À luz da técnica que ao Tribunal cabia aplicar, impunha-se a análise de conjunto, a ponderação da capacidade de produzir impacto e a vocação para sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» – a vd., neste sentido, os acórdãos do TJUE C-251/95, SABEL, C-39/97, Canon, C-108/97 e C-109/97, Windsurfing Chiemsee Produktions, C-342/97, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-425/98, Marca Mode e do Tribunal de Primeira Instância T-292/01, Phillips-Van Heusen e T-112/03, L'Oréal.

Essa ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros.

A avaliação central que se pede ao julgador em situações do presente jaez é bem mais psicológica do que jurídica, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores de um certo mercado. E é assim porque se visa salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como metas derradeiras, garantir iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia. Há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas.

Face aos factos provados acima referenciado, tem que se concluir que se comparam marcas nominativas.

Todas se mostram construídas ao redor de quatro palavras de uso muito comum e intrinsecamente inapropriáveis, a saber: «solar», «casa», «quinta» «bouça/bouças».

Trata-se de vocábulos com escasso carácter distintivo quando ponderadas isoladamente, podendo assumir alguma originalidade se combinadas e, sobretudo, se associadas a um produto ou serviço sem qualquer ligação com a sua semântica específica, particularmente porque desgarradas da descrição das características intrínsecas daquilo que se pretenda diferenciar com o signo que as integre.

Neste âmbito, não cresce a conclusão pela marcante distintividade se atendermos a que a produção de vinhos se associa, não só no imaginário colectivo mas também de facto, a casas senhoriais, quintas, solares e seus terrenos anexos e a que «bouça» ou «boiça» significam terreno(s) em que se cria mato para roçar, o que, mais uma vez convoca actividades rurais e cultivo agrícola englobando este, indissociavelmente, a cultura da vinha.

Este quadro não se altera com a mera flexão de número dos substantivos, ou seja, formação de plurais, já que subsistem os apontados referentes semânticos.

Aqui chegados, e carreando já a noção de que as palavras envolvidas não geram, por si só, significativa capacidade distintiva, somos levados a concluir que só das combinações dos apontados vocábulos poderá emergir algum efeito de discernimento recíproco.

A este nível, extraímos do provado a confirmação do percurso feito: as marcas pré-existentes convivem com outras destinadas a assinalar produtos da mesma classe que subsistem, apenas, de combinações – e, por isso, se deve concluir terem sido devidamente admitidas. Só tais combinações lhes dão carácter distintivo.

Por assim ser é que as marcas das recorridas («SOLAR DAS BOUÇAS» e «QUINTA DAS BOUÇAS», assinaladas por patente pobreza distintiva, face ao dito) convivem no mesmo mercado com as marcas «Quinta Bouça Nova», «Quinta Bouça do Monte», «Bouça do Roço» e «Bouça Nova».

Neste contexto, atendendo à abordagem de conjunto que é a do consumidor (e que ao julgador se impõe), há que considerar que a combinação de palavras e o uso, no modo singular, da palavra «Bouça» na marca da Recorrente «CASA DA BOUÇA», bem como a fonética global que resulta da combinação, produzem um resultado cognitivo e sensitivo distinto do gerado pelas marcas pré-existentes.

Claro está que a fraca distintividade de todos os elementos integrantes inculca um erro de paralaxe ao gerar a impressão da existência de um maior nível de semelhança. Porém, há que ter presente que tal não resulta propriamente da combinação obtida, mas da frágil escolha das palavras integrantes dos signos. Trata-se do resultado da aposta, pela Recorrida, em elementos vocabulares de escassa capacidade distintiva, dos quais não pode esperar resultados mais extensos do que os que emergem dessas limitações.

Não se pode permitir a apropriação individual das palavras «bouça» ou «bouças» – finalidade de rejeição já conseguida com a admissão das marcas indicadas na al. f) dos factos provados – pelo que não pode ser considerada aceitável a concessão à Recorrida do direito de excluir concorrentes sempre que recorram a essas palavras de utilização comum.

Não pode a mesma Recorrida esperar e exigir maior distância face às suas marcas do que a que mantém diante de outros competidores do mesmo mercado, sendo flagrante a maior proximidade entre as marcas «Quinta Bouça Nova» e «Quinta Bouça do Monte» com a sua marca «Quinta das Bouças» do que entre a marca da Recorrente e as suas (que partilham um vocábulo quase comum e um diferente, enquanto naquele exemplo são dois os elementos comuns) – para maiores esclarecimentos relativamente à denominada «teoria da distância» envolvida nesta afirmação, vd. SOUSA E SILVA, Pedro, DIREITO INDUSTRIAL NOÇÕES FUNDAMENTAIS, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 177.

Não se preenche, in casu, a previsão da al. c) do n.º 1 do art. 238.º do Código da Propriedade Industrial não havendo, consequentemente, imitação ou usurpação de marca anterior.

Não se materializa, também, a fattispecie do n.º 1 do art. 311.º do encadeado normativo sob invocação.

Face ao referido, impõe-se responder positivamente à questão proposta.

III.–DECISÃO

Pelo exposto, concedemos provimento ao recurso e, em consequência, admitimos o registo da marca nacional n.º 655781 «CASA DA BOUÇA», destinada a assinalar, na classe 33 da «Classificação Internacional de Nice», «Vinhos».
Custas pela Apelada.
*


Lisboa, 23.03.2022



Carlos M. G. de Melo Marinho - (Relator)
Ana Isabel de Matos Mascarenhas Pessoa - (1.ª Adjunta)
Paula Dória de Cardoso Pott - (2.ª Adjunta)