CONTRATO DE TRABALHO
REGULAMENTO INTERNO
RETRIBUIÇÃO
PRÉMIO VARIÁVEL
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Sumário


1. O regulamento interno da empresa vincula não apenas os trabalhadores que a ele não se opuserem, mas também a própria empregadora, que assim se auto-vincula.
2. Vinculando-se a empresa a pagar aos seus trabalhadores uma retribuição variável, centrada no ano fiscal, como forma de incentivar o desempenho e promover o atingimento de objectivos, tem a obrigação de pagar tal valor sempre que tais patamares sejam atingidos e como contrapartida do trabalho prestado.
3. Enquadra-se, assim, na excepção identificada no art. 260.º n.º 3 al. a) do Código do Trabalho, beneficia do princípio da irredutibilidade e não pode ser retirada de acordo com critérios arbitrários.
4. É arbitrária a norma interna da empresa que estabelece ser tal prémio anual pago apenas a quem estiver ao seu serviço na data de pagamento, porquanto se trata de uma contraprestação que não pode ser retirada uma vez atingidos os objectivos propostos, e nem se define qual a “data de pagamento” do prémio anual.
5. Não definindo o regulamento interno qual a data de pagamento do prémio anual de desempenho, este vence-se a 31 de Dezembro do ano respectivo.
6. O prémio anual de desempenho devido ao trabalhador, apesar do seu carácter retributivo, apenas pressupõe a efectiva prestação da actividade e não é contrapartida de alguma contingência específica em que o trabalho é prestado, pelo que não se inclui no subsídio de férias.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Tomar, L… demandou SCC – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A., pedindo a sua condenação:
1.º no pagamento da quantia de € 2.217,40, a título de diferença dos subsídios de férias;
2.º no pagamento da quantia de € 5.774,45, a título de retribuição complementar do ano de 2019;
3.º nos juros vencidos desde 01.01.2020 e nos vincendos.
Alega ter sido admitido em Março de 2016, mediante uma remuneração fixa e uma remuneração anual, variável em função do seu desempenho profissional. Terminou o contrato de trabalho no fim do mês de Dezembro de 2019, mas não recebeu a remuneração variável respeitante ao trabalho realizado nesse ano, ao contrário do que sucedeu nos anos anteriores. Além disso, a Ré nunca integrou tal retribuição no pagamento do subsídio de férias.
Na sua contestação, a Ré argumenta que o desempenho era apenas um dos factores de quantificação e atribuição do prémio, e que este apenas era pago aos trabalhadores que se mantivessem ao serviço à data do seu pagamento, o que ocorria no mês de Março. Uma vez que o A. já não se encontrava ao serviço no mês de Março de 2020, por sua exclusiva vontade, não reuniu os pressupostos para o pagamento do prémio anual referente a 2019. Ademais, o regulamento interno da empresa que estipulava tal regra era conhecido do trabalhador desde a sua admissão na empresa.
Após julgamento, a sentença julgou a causa totalmente procedente, condenando a Ré nos exactos termos peticionados.

É desta sentença que a Ré recorre, concluindo:
i. Resulta, conforme referido nas Alegações supra, dos documentos constantes dos autos e dos depoimentos já transcritos das testemunhas (…) e de (…), bem como das declarações do próprio Recorrido, que este tinha pleno conhecimento do teor da referida Ordem de Serviço, tendo participado em acções de formação e em processos de avaliação onde esse documento e os concretos termos de atribuição do prémio eram amplamente discutidos.
ii. Devem, neste contexto, ser aditados ao elenco dos factos provados os seguintes pontos:
· a Ordem de Serviço 21/2013, de 24 de Julho de 2013, foi comunicada ao A. no momento da sua admissão;
· a Ordem de Serviço 21/2013, de 24 de Julho de 2013, era do conhecimento generalizado na empresa por todos os trabalhadores; e,
· a questão do montante do prémio e os critérios constantes da Ordem de Serviço 21/2013, de 24 de Julho de 2013, era por diversas vezes discutida em reuniões intercalares existentes para o efeito.
iii. Resultou igualmente demonstrado, a partir dos depoimentos conjugados do Recorrido, de (…) e de (…) supra transcritos, que o montante do Prémio Anual estava dependente da verificação de determinadas condições e era impossível a definição a priori do montante a atribuir.
iv. Motivo pelo qual deve ser aditado ao elenco de factos provados que:
· O montante do prémio anual previsto nas regras internas da Recorrente atribuído aos seus trabalhadores encontra-se dependente do desempenho de cada trabalhador, individualmente considerado, dos objectivos da equipa e dos objectivos/lucros da empresa.
v. Resulta ainda da transcrição do documento 1 junto com a Petição Inicial todo o teor desse contrato de trabalho celebrado entre as partes.
vi. No ponto B) da matéria de facto dada como provado, o Douto Tribunal a quo foi redutor relativamente ao teor do contrato, limitando-se a transcrever parte do mesmo. Assim,
vii. Deve ser aditado aos autos o seguinte ponto:
· No contrato de trabalho referido em B) vem especificamente indicado, na cláusula nona, que "para além das pertinentes disposições da Lei Geral do Trabalho, a segunda outorgante [o Trabalhador, aqui Autor], fica sujeito às obrigações constantes dos regulamentos e demais normativos internos da Empresa, sendo-lhe facultado o conhecimento do respectivo teor.
viii. Vem ainda alegado pela Recorrente, no artigo 39º da Contestação que o pagamento do prémio anual referente a 2019 teria lugar em Março de 2020.
ix. Este facto resulta, da própria Petição Inicial, artigo 12º, onde o próprio Recorrido alega que "a Ré procedia ao pagamento do prémio somente no mês de Março do ano seguinte àquele a que se reportava". Assim,
x. Deve o mesmo resultar provado exactamente nos termos em que foi alegado pela Recorrente, ou seja:
· O pagamento do prémio anual referente a 2019 teria lugar em Março de 2020.
xi. Atenta a factualidade dada como provada, o Tribunal a quo condenou a Recorrente no pagamento ao Recorrido da retribuição variável relativa ao ano de 2019 e no pagamento das diferenças nos subsídios de férias.
xii. No que tange à retribuição variável, entendeu o Douto Tribunal a quo que (i) o Recorrido nunca aceitou as condições previstas nos regulamentos internos da Recorrente, desde logo porque o “contrato de trabalho outorgado por escrito entre as partes não permite afirmar o pleno e completo conhecimento pelo autor de todas as condições estabelecidas unilateralmente pela ré nas suas ordens de serviço.”; e que (ii) a Recorrente prometeu expressamente ao Recorrido o pagamento de uma retribuição variável de mínimo € 2.750, sustentando por isso que não podia, depois, reverter o prometido e nada pagar.
xiii. Sucede que, nos termos e para os efeitos dos artigos 99º, nº 1 e 104º, nºs 1 e 2 do Código do Trabalho, estando em causa o poder regulamentar da Recorrente, através do qual são estabelecidas condições contratuais e determinadas diversas regras para vigorar na empresa, com a vinculação do Recorrido ao contrato de trabalho, este aderiu, se não expressa, pelo menos tacitamente, aos regulamentos internos, onde se inclui a Ordem de Serviço em discussão nos autos.
xiv. As condições contratuais são, nestes termos, parte integrante do contrato de trabalho celebrado entre as partes, não podendo o Recorrido agora vir escudar-se no seu desconhecimento.
xv. Por outro lado, também na Sentença recorrida o Tribunal a quo considera existir uma “promessa explícita de pagamento”. Ora,
xvi. A Recorrente referiu expressamente que essa retribuição variável seria atribuída “de acordo com a política em vigor na Empresa e no Grupo Heineken”, pelo que só se pode concluir que logo foi dada informação ao Recorrido da existência de determinadas condições para atribuição desse mesmo montante variável.
xvii. Além disso, concluiu o Tribunal a quo que “a retribuição variável é fixada em função do resultado do trabalho e não em função dos resultados da empresa ou da permanência do trabalhador”.
xviii. Contudo, não se alcança em que se baseia o Douto Tribunal para esta conclusão: é que a lei (e, de resto, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores), fazendo uma interpretação correcta do disposto no artigo 261º do Código do Trabalho, não coloca qualquer entrave à fixação de uma determinada prestação com base na combinação de diversos factores, como sejam o desempenho do trabalhador, os resultados da empresa e a permanência do trabalhador ao serviço da empresa. Assim,
xix. Tal como resulta do facto H) da matéria assente a Recorrente estipulou na Ordem de Serviço n.º 21/2013, de 24 de Julho de 2013, que o denominado Prémio Anual, entre outras condições, apenas seria pago aos trabalhadores que se encontrassem no activo na data do respectivo pagamento, que ocorria geralmente no mês de Março do ano subsequente.
xx. Tendo conhecimento desse facto, o Recorrido, trabalhador da Recorrente e de acordo com o facto F) da matéria assente decidiu proceder à denúncia do contrato de trabalho com efeitos reportados ao dia 31 de Dezembro de 2019. Donde,
xxi. À data do pagamento do prévio não se encontrava ao serviço da Recorrente.
xxii. Não reunindo, assim, os requisitos para que lhe fosse pago o respectivo Prémio Anual.
xxiii. No que se refere às diferenças verificadas nos subsídios de férias, entendeu o Douto Tribunal que, sendo a retribuição variável em causa uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho, deve integrar o subsídio de férias, assim condenado a Recorrente no pagamento desses montantes.
xxiv. Este entendimento contraria frontalmente a legislação laboral (cfr. nº 2 do art. 264º do Código do Trabalho), tendo em consideração a mais recente jurisprudência sobre o tema.
xxv. Uma interpretação correcta do referido preceito faria com que o prémio anual em discussão nos presente autos não fosse considerado para efeitos de atribuição do subsídio de férias. Com efeito,
xxvi. De acordo com os pontos A) e H) dados como provados, este prémio era atribuído de acordo com os objectivos atingidos anualmente e se o trabalhador se encontrasse ao serviço da empresa na data do seu pagamento. Assim,
xxvii. Este prémio não resulta de uma contrapartida do modo específico da execução de trabalho do trabalhador, mas sim do resultado dessa execução. Donde,
xxviii. Fazendo uma interpretação correcta do referido preceito, não deve o mesmo ser pago no âmbito do subsídio de férias, devendo a Recorrente ser absolvida deste pedido específico.

O A. respondeu, sustentando a manutenção do julgado.
A Digna Magistrada do Ministério Público nesta Relação emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto
Observando, preliminarmente, que a Recorrente deu cumprimento aos requisitos previstos no art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil para a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, passemos à sua análise, ponto por ponto.
- do efectivo conhecimento pelo A. da Ordem de Serviço n.º 21/2013:
A sentença recorrida declarou não provado que o A. tivesse conhecimento das condições que constam da mencionada Ordem de Serviço no momento em que acordou prestar serviço para esta, ou que a Ré tivesse entregue tal Ordem em papel logo no momento de admissão.
Pretende a Recorrente que se considere provado que se considere provado que a dita Ordem de Serviço foi comunicada ao A. no momento da sua admissão, que esta era do conhecimento generalizado na empresa por todos os trabalhadores e ainda que a questão do montante do prémio e os critérios constantes da dita Ordem era por diversas vezes discutida em reuniões intercalares existentes para o efeito.
Argumenta a Recorrente que tal matéria resulta dos depoimentos das testemunhas (…) e (…), bem como das declarações do próprio Recorrido, tano mais que este participou em acções de formação e em processos de avaliação onde esse documento e os concretos termos de atribuição do prémio eram discutidos.
Consigna-se, previamente, que se procedeu à audição da prova gravada, advertindo-se que não apenas aquela que veio transcrita nas alegações da Recorrente.
E faz-se esta observação, porquanto se reparou que a curta transcrição das declarações de parte do A. que se faz na página 7 dessas alegações, supostamente entre 6m21s e 6m41s, omite os cinco segundos finais desse segmento, onde o A. declara “mas também nunca falaram no caso de eu me ausentar perderia esta…, este valor”. Aliás, em todo o seu depoimento, o A. declara por várias vezes que não conhecia a Ordem de Serviço n.º 21/2013, que esta nunca lhe foi identificada nem explicado o seu conteúdo, e que apenas lhe foi entregue outra Ordem de Serviço, a 14 de 2012 (não alegada nem documentada nos autos).
Procedendo à leitura do contrato de trabalho celebrado pelo A. em 15.03.2016, da respectiva cláusula 9.ª consta, singelamente, o seguinte: “Para além das pertinentes disposições da Lei Geral do Trabalho, a segunda outorgante fica sujeito às obrigações constantes dos regulamentos e demais normativos internos da Empresa, sendo-lhe facultado o conhecimento do respectivo teor.” Em lado algum do contrato são mencionados que regulamentos e normativos internos são esses, nem consta qualquer declaração de entrega dos mesmos.
Ouvindo os depoimentos das testemunhas (…) e (…), deles não resulta que ao trabalhador tivesse sido dado efectivo conhecimento da Ordem de Serviço n.º 21/2013, ou sequer que esta fosse do conhecimento generalizado de todos os trabalhadores, ou ainda que os seus critérios fossem discutidos em reuniões nas quais o A. estivesse presente – e muito menos que o critério de pagamento do prémio apenas aos trabalhadores que estivessem ao serviço em Março do ano seguinte alguma vez lhe tivesse sido explicado. Aliás, a testemunha (…), gestora de recursos humanos, nem se recordava de ter feito o acolhimento do A. ao serviço da empresa, nem tinha conhecimento de qualquer documento que comprovasse a efectiva comunicação daquela Ordem de Serviço a este trabalhador.
Não existindo qualquer meio de prova que imponha decisão diversa da que foi adoptada pela primeira instância – este é o critério do art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil – pois a prova documental não comprova outra realidade, o A. não o confessou e as testemunhas ouvidas a essa matéria não o sabiam, resta julgar improcedente esta parte da impugnação fáctica.
- o prémio anual estar dependente não apenas do desempenho do trabalhador, mas ainda dos objectivos da equipa e dos objectivos/lucros da empresa:
Lendo a contestação, não está alegado expressamente que o prémio anual também dependesse do atingimento dos objectivos da equipa e dos lucros da empresa.
Ora, o atendimento de factos essenciais não articulados é um poder inquisitório que incumbe ao juiz da causa e que ele apenas pode exercitar no decurso da audiência de julgamento, por sugestão da parte interessada ou por iniciativa própria, em função dos elementos que resultem da instrução e discussão da causa e da sua pertinência para a decisão jurídica e com vista ao apuramento da verdade material e da justa composição do litígio. Por isso, a Relação não pode utilizar tais poderes, ampliando o elenco dos factos provados, como não pode ordenar à 1.ª instância que utilize tal faculdade.[1]
Na verdade, os poderes da Relação estão delimitados pelo art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, podendo alterar a decisão sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que significa que a decisão a alterar há-de respeitar a factos adquiridos – no sentido de provados / não provados ou alegados – e não a outros que sejam percepcionados no decurso da audição dos registos da prova.
Deste modo, os factos que a Recorrente agora pretende introduzir, não tendo sido articulados nem objecto de consideração pela primeira instância, no uso dos poderes conferidos pelo art. 72.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, não podem ser conhecidos por esta Relação, pelo que também esta parte da impugnação não será atendida.
- transcrição da cláusula 9.ª do contrato:
Admite-se que a transcrição da referida é útil para a análise jurídica da causa, e como tal será aditado o respectivo texto à alínea B) do elenco fáctico.
- o pagamento do prémio anual referente a 2019 teria lugar em Março de 2020:
Alega a Recorrente que este facto resulta do art. 12.º da petição inicial, onde o A. alega que era prática da empresa proceder ao pagamento do prémio em Março do ano seguinte. Também a Recorrente alega que esse pagamento “ocorria geralmente no mês de Março do ano subsequente” – conclusão xix das suas alegações.
Porém, entre o que é uma prática generalizada e o que é um comportamento imposto por uma norma expressa, existe uma clara diferença. Não localizámos nos autos qualquer norma ou regulamento da empresa que impusesse o pagamento do referido prémio naquele mês e mesmo a Ordem de Serviço n.º 21/2013 não nos esclarece qual a data estabelecida para o pagamento de tal valor – apenas refere o pagamento do prémio anual aos trabalhadores “que se encontrem no activo na data de pagamento do prémio anual”, mas não esclarece que data será essa.
Ponderando, ainda, que a partir dos depoimentos não resulta que o prémio anual referente a 2019 tenha sido efectivamente pago em Março de 2020, pelo menos aos demais trabalhadores da Recorrente, consideramos não dispor de base probatória suficiente para julgar provada tal matéria.

A matéria de facto provada fixa-se assim nos seguintes termos:
A) No dia 3 de Fevereiro de 2016, o representante da Ré enviou ao Autor a carta cuja cópia foi junta como documento n.º 2 da petição, referindo que pretendia a sua admissão para os quadros da empresa com:
· A retribuição anual fixa de € 36.400;
· A retribuição variável: “De acordo com a política em vigor na Empresa e no grupo Eineken: o Bónus anual standard para o grade associado à sua função actualmente é relativo a um valor nominal para 3 níveis de atingimento: Threshold (2.750 euros), Target (5.500 euros) e Max (9.625 euros) de acordo com os objectivos atingidos anualmente”;
B) No dia 15 de Março de 2016, o representante da Ré e o Autor outorgaram o denominado contrato de trabalho cuja cópia foi junta como documento n.º 1 da petição, onde acordaram entre o mais que este exerceria para aquela as funções de “Utilities Maintenance Manager” e que a retribuição mensal ilíquida do segundo outorgante era de € 2.600, incluindo a retribuição especial por isenção de horário.
Consta da respectiva cláusula 9.ª o seguinte: o seguinte: “Para além das pertinentes disposições da Lei Geral do Trabalho, a segunda outorgante fica sujeito às obrigações constantes dos regulamentos e demais normativos internos da Empresa, sendo-lhe facultado o conhecimento do respectivo teor.”
C) No ano de 2017 o Autor recebeu, a título de prémio referente aos meses que trabalhou em 2016, a importância de € 4.816,39;
D) No ano de 2018 o Autor recebeu, a título de prémio referente aos meses que trabalhou em 2017, a importância de € 8.257,20;
E) No ano de 2019 o Autor recebeu, a título de prémio referente aos meses que trabalhou em 2018, a importância de € 5.774,45;
F) O Autor decidiu proceder à denúncia do contrato de trabalho com efeitos reportados ao dia 31 de Dezembro de 2019;
G) Em Novembro de 2019 o chefe directo do Autor considerou que o mesmo teve uma boa prestação no ano de 2019 para atingir os objectivos a que se propôs;
H) A Ré estipulou na Ordem de Serviço n.º 21/2013, de 24 de Julho de 2013, que o denominado Prémio Anual, entre outras condições, apenas seria pago aos trabalhadores que se encontrassem no activo na data do respectivo pagamento, que ocorria geralmente no mês de Março do ano subsequente;
I) A Ordem de Serviço n.º 21/2013, de 24 de Julho de 2013, está disponível para consulta aos trabalhadores na plataforma “intranet” da Ré.

APLICANDO O DIREITO
Do prémio de desempenho
O art. 260.º do Código do Trabalho, depois de estabelecer que não se consideram retribuição “as gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa” e as “as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido” – als. b) e c) do respectivo n.º 1 – excepciona as “gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele” – al. a) do n.º 3.
Esta distinção é relevante, porquanto as primeiras não estão sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição – art. 129.º n.º 1 al. d) do Código do Trabalho – enquanto as segundas beneficiam dessa protecção legal.
Importa, pois, determinar se a prestação em causa se enquadra no conceito de retribuição em sentido restrito, porquanto devida ao trabalhador por força do seu contrato, das normas que o regem ou dos usos, como contrapartida do seu trabalho.[2]
Na proposta de trabalho dirigida ao trabalhador, foi informado que receberia uma retribuição variável, de acordo com a política em vigor na empresa e no grupo, segundo determinados patamares e conforme os objectivos atingidos anualmente.
Na Ordem de Serviço n.º 21/2013 afirma-se que esta retribuição variável “centrada no ano fiscal (…) tem como objectivo incentivar o desempenho com vista ao atingimento dos objectivos do Grupo SCC”, afirmação que é reforçada mais adiante: “Prémio Anual: remuneração variável e sem carácter definitivo, cuja atribuição depende do grau de atingimento de objectivos.”
Esta ordem de serviço estava em vigor antes da admissão do trabalhador e foi disponibilizada para consulta na plataforma “intranet” da Ré. Não se demonstrando que o trabalhador estivesse impedido de aceder a essa plataforma e admitindo-se que este meio é eficaz para a publicitação daquela ordem de serviço – art. 99.º n.º 3 do Código do Trabalho – deve considerar-se a adesão tácita ao regulamento, por não oposição no prazo de 21 dias a contar do início da execução do contrato, nos termos do art. 104.º n.º 2 do Código do Trabalho.
Ora, o regulamento interno da empresa vincula não apenas os trabalhadores que a ele não se opuserem, mas também a própria empregadora, que assim se auto-vincula. Como escreve Maria do Rosário Palma Ramalho[3], «um último aspecto a reter no regime jurídico desta figura – que não é explicitado pela lei mas decorre das regras gerais – é o da vinculação do empregador nos termos do regulamento que ele próprio tenha emitido: correspondendo a emissão do regulamento a uma prerrogativa do empregador, uma vez emitido e preenchidas as formalidades que condicionam a sua eficácia, o regulamento auto-limita o empregador no exercício dos seus poderes laborais enquanto estiver em vigor.»
Como tal, a empresa vinculou-se a pagar aos seus trabalhadores uma retribuição variável, como forma de incentivar o desempenho e promover o atingimento de objectivos, o que significa a obrigação de pagar tal valor sempre que tais patamares sejam atingidos e como contrapartida do trabalho prestado. E se assim é, tal retribuição enquadra-se na excepção identificada no art. 260.º n.º 3 al. a) do Código do Trabalho, pois é devida por força do contrato e das normas que o regem, apesar da sua atribuição estar condicionada ao desempenho do trabalhador. Ademais, foi paga ao trabalhador em todos os anos em que esteve ao serviço da empregadora.[4]
Definido o carácter retributivo de tal prestação, a mesma beneficia do princípio da irredutibilidade e não pode ser retirada de acordo com critérios arbitrários, “locupletamento indevido”[5] à custa do trabalhador. Se este desempenhou as suas funções e logrou atingir os objectivos fixados para a atribuição daquela retribuição, tem direito à mesma.
Alega a Recorrente que a retribuição também premiava a permanência na empresa e apenas seria paga a quem estivesse ao serviço da empresa na data de pagamento.
Com o devido respeito, essa regra – que efectivamente consta da Ordem de Serviço n.º 21/2013 – estabelece uma excepção arbitrária, porquanto o que está em causa é uma contraprestação devida pelo trabalho prestado com mérito num determinado período temporal e que assim não pode ser retirada uma vez atingidos os objectivos propostos.
Acresce que a norma nem sequer define qual a “data de pagamento” do prémio anual. A prática seria o pagamento em Março do ano seguinte, como sucedeu em 2017, 2018 e 2019, mas nada nos autos demonstra que esse mês estivesse fixado em algum regulamento interno da empresa, o que nos leva a colocar a hipótese de a empresa proceder ao pagamento em qualquer outra altura do ano, fora do controlo do trabalhador e da avaliação jurisdicional que eventualmente viesse a ser suscitada.
De qualquer forma, não definindo o regulamento interno qual a data de pagamento do prémio anual, a regra aplicável é a que decorre do art. 278.º n.ºs 1 e 4 do Código do Trabalho – o crédito retributivo vence-se por períodos certos e iguais, e visto que se trata de um prémio centrado ano fiscal, deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior, i.e., pelo menos a 31 de Dezembro do ano respectivo.
Se a Recorrente carece de mais algumas semanas para afinar critérios e proceder a operações de liquidação, é outra questão. Para efeitos legais, a retribuição variável, premiando o atingimento dos objectivos no período de um ano, vence-se no final desse ano.
Nesta parte, a decisão recorrida será assim mantida.

Do subsídio de férias
Quanto à questão da inclusão daquela retribuição variável no subsídio de férias, o art. 264.º n.º 2 do Código do Trabalho dispõe que este compreende a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho. Consequentemente, o subsídio de férias pode ter valor inferior ao da retribuição de férias, pois nem toda a contrapartida a que o trabalhador tem direito é, também, contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
Por esse motivo, a jurisprudência tem decidido que as comissões, sendo contrapartida do trabalho e integrando a retribuição devida durante as férias, não são contrapartida do modo específico da execução do trabalho.[6]
Na verdade, apenas se inserem no subsídio de férias as prestações que, além de serem retributivas (contrapartida do resultado do trabalho), sejam também uma compensação específica por aquele modo de execução do trabalho, o qual pode revelar-se, por exemplo, mais penoso ou mais arriscado, conforme as especiais contingências em que o trabalho é prestado. Deste modo, no subsídio de férias deverão ser incluídos os valores relativos a subsídio de turno, acréscimo pelo trabalho prestado em período nocturno, subsídio de risco ou de isolamento, mas não as retribuições que que pressuponham a efectiva prestação da actividade, como prémios, gratificações e comissões.
In casu, o prémio de desempenho devido ao trabalhador, apesar do seu carácter retributivo, apenas pressupõe a efectiva prestação da actividade, mas não é contrapartida de alguma contingência específica em que o trabalho é prestado, pelo que não preenche os requisitos exigidos pelo art. 264.º n.º 2 para a sua inclusão nos subsídios de férias.
Nesta parte, a sentença não será mantida.

DECISÃO
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na parte que condenou no pagamento da quantia de € 5.774,45 a título de retribuição variável do ano de 2019 e respectivos juros, mas revogando-a na parte relativa aos subsídios de férias, indo a Recorrente absolvida desta parte do pedido.
As custas na proporção do decaimento.

Évora, 30 de Junho de 2022

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

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[1] Hermínia Oliveira e Susana Silveira no VI Colóquio sobre Direito do Trabalho, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 24.10.2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt.
Na jurisprudência, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2016 (Proc. 2/13.7TTBRG.G1.S1), da Relação de Évora de 28.09.2017 (Proc. 1415/16.8T8TMR.E1, subscrito pelo ora relator) e da Relação de Guimarães de 10.07.2019 (Proc. 3235/18.6T8VNF.G1), todos em www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, pág. 504.
[3] Loc. cit., pág. 559.
[4] Na jurisprudência identificámos os seguintes Acórdãos que consideraram prémios de desempenho, com características semelhantes à dos autos, como retribuição variável, para os fins do art. 261.º n.º 1 do Código do Trabalho: da Relação do Porto de 11.05.2015 (Proc. 883/08.6TTMTS.P1) e da Relação de Lisboa de 25.09.2019 (Proc. 14746/18.3T8LSB.L1-4), ambos em www.dgsi.pt.
[5] Qualificação utlizada no Acórdão da Relação de Lisboa de 25.09.2019, citado na nota anterior.
[6] Acórdão da Relação do Porto de 11.10.2018 (Proc. 6141/16.5T8MTS.P1) e do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2021 (Proc. 27885/17.9T8LSB.L1.S1), ambos em www.dgsi.pt.