CONTRATO DE DEPÓSITO BANCÁRIO
DEVER DE INFORMAR
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Sumário


I. O contrato celebrado entre os Autores, como subscritores de um bem mobiliário (obrigação), como investidores e um Banco (Réu), este na qualidade de custodiante local, carateriza-se por ser um contrato de depósito de valores, que comunga com o contrato de depósito civil e comercial a principal caraterística deste tipo de contratos: a guarda ou custódia do valor mobiliário subscrito pelos investidores.
II. O contrato para registo e depósito na modalidade de depósito de simples custódia consiste, grosso modo, na guarda e registo dos instrumentos financeiros depositados e na cobrança dos respetivos rendimentos.
III. Por via desse contrato, o custodiante não se obriga perante o investidor ao reembolso do capital investido quando se verificar a maturidade (vencimento) da obrigação subscrita; o reembolso apenas é exigível ao Emitente da obrigação aquando do vencimento.
IV. No decurso da relação jurídica estabelecida entre a instituição bancária e o cliente e por assuntos diretamente relacionados com a mesma, o banco está adstrito a prestar informações que, ex bona fide, tenham a ver com a mesma, sem prejuízo dos específicos deveres de informação relativos aos concretos contratos celebrados.
V. A violação do dever de informação faz incorre a entidade bancária em responsabilidade civil contratual.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA

I – RELATÓRIO
Ação
Declarativa de condenação, sob a forma de processo comum.
Autores
A.
M.
Réu
BANCO BPI., S.A.
Pedido
Condenação dos Réu a:
«a) Restituir aos AA. a quantia de €98.477,13, a título de incumprimento contratual, acrescida de juros de mora vencidos (no montante de € 1.586,43 até à data de entrada da ação) e vincendos à taxa legal aplicável desde a data da movimentação ilícita (29.11.2019), até integral pagamento;
b) Pagar aos AA. uma indemnização de valor correspondente aos custos suportados e a suportar com a defesa dos seus direitos, incluindo honorários de advogados relativos a assessoria jurídica extrajudicial e ao patrocínio da presente ação, a liquidar no decurso da ação ou em futuro incidente de liquidação nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 556.º, do CPC;
c) Pagar aos AA. uma indemnização pelos danos morais sofridos em consequência do incumprimento contratual, a fixar de acordo com juízos de equidade, mas de montante não inferior a €20.000,00, (sendo €15.000,00 pelos danos sofridos pelo A. A. e €5.000,00 pelos danos incorridos pela M.) acrescido de juros de mora vincendos à taxa legal aplicável desde a citação até integral pagamento.»
Causa de pedir
Responsabilidade civil do Réu (danos patrimoniais e não patrimoniais) por incumprimento do contrato de abertura de conta relativo à Conta Valor BPI com o n.º 0-6867418-000-001 da qual os Autores são cotitulares, pelo débito ilícito da quantia de €98.477,13 que ali foi creditada em cumprimento do reembolso de 1 Obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829, custodiada no Réu.
Contestação
Por impugnação motivada, o Réu alegou, em suma, que o movimento a crédito da quantia de €98.477,13 na conta dos Autores foi um processamento antecipado baseado num erro operacional, pelo que foi feito outro movimento a débito, com estorno do valor, sendo tal procedimento legítimo ao abrigo da cláusula 8 das Condições Gerais de Abertura de Conta.
Assim, não se encontram verificados os requisitos da responsabilidade civil, não incorrendo na obrigação de indemnizar os Autores, devendo a ação ser julgada improcedente.
Sentença
Julgou a ação totalmente improcedente e absolveu o Réu de todos os pedidos.
Recurso
Apelaram os Autores, pugnando pela revogação da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A. O presente recurso tem por objeto a Sentença de 14.12.2021 do Tribunal a quo que julgou a ação instaurada contra o Réu BANCO BPI, S.A. (Apelado) integralmente improcedente, incidindo sobre a decisão proferida sobre a matéria de facto, mediante a reapreciação, designadamente, da prova gravada e, bem assim, sobre matéria de direito. O recurso tem ainda como objeto a apreciação das nulidades a seguir indicadas.
Da nulidade da Sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão
B. Resulta da matéria de facto dada como provada (cfr. pontos 2.1.8 a 2.1.12 e 2.1.24) que a data de vencimento/pagamento da Obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829, correu efetivamente a 29 de novembro de 2019 – data em que o Apelado procedeu ao crédito da quantia de €98.477,17 na conta dos Apelantes – tendo o Tribunal a quo afastado por completo a tese do erro operacional/pagamento antes da data prevista que vinha invocada pelo Apelado para justificar a realização daquele crédito na conta dos Apelantes.
C. Ora, apesar de não se ter demonstrado que tivesse existido qualquer erro operacional ou processamento antes da data em que o reembolso deveria ocorrer (cf. Factos Provados a contrario), o Tribunal a quo aplicou o direito aos factos como se tal lapso ou erro tivesse efetivamente existido, o que configura contradição entre os fundamentos (de facto) e a decisão.
D. Ao analisar a legalidade do estorno (débito) realizado pelo Apelado após o crédito da quantia de € 98.477,13 na conta dos Apelantes, a título de reembolso da Obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829, o Tribunal a quo concluiu que o referido estorno tinha suporte na Cláusula 8.9 das Condições Gerais da Conta de Valores, o que decidiu no pressuposto da existência de um erro/lapso por parte do Apelado na realização do referido crédito.
E. Ora, se a defesa do Apelado assentou (aliás, exclusivamente) na tese de que o crédito na conta dos Apelantes se deveu a um erro operacional e se aquele não o logrou demonstrar, em coerência lógica com o elenco dos Factos Provados o Tribunal a quo deveria ter concluído que tal justificação não colhia, não podendo aplicar o direito aos factos no pressuposto de que tal erro/lapso existiu.
F. A decisão do Tribunal a quo está, assim, em oposição com os respetivos fundamentos de facto (onde não consta como provado a existência de qualquer lapso), pelo que a Sentença é nula nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, o que deverá ser reconhecido e declarado.
G. Resulta da matéria de facto dada como provada (cfr. pontos 2.1.1, 2.1.2 e 2.1.3) que as Condições Gerais aplicáveis ao contrato celebrado entre os Apelantes e o Apelado são as que se encontram corporizadas nos Documentos n.ºs 1 e 2 da Contestação, onde não consta qualquer cláusula com o teor da que foi invocada pelo Apelado para sustentar o débito na conta dos Apelantes (cfr. artigo 27.º da Contestação).
H. Nada vem demonstrado (ou sequer alegado) nos autos que permita concluir que as Condições Gerais de Abertura de Conta juntas pelo Apelado através do requerimento de 12 de maio de 2021 (com a referência eletrónica 7701949), vinculam os Apelantes ou fazem parte integrante do Contrato de Abertura de Conta celebrado entre as partes.
I. Apesar de a factualidade dada como provada determinar que as Condições Gerais que integram o Contrato de Abertura de Conta são as que se encontram corporizadas nos Documentos n.ºs 1 e 2 da Contestação, o Tribunal a quo entendeu ser aplicável ao presente caso a Cláusula 8.9 das Condições Gerais com a seguinte redação: “O Titular expressamente reconhece ao Banco o direito de estornar quaisquer movimentos efectuados, nomeadamente em caso de erro ou lapso e, ainda, nas demais circunstâncias em que tal estorno se justifique, sendo o estorno efectuado com data-valor igual à do movimento original” – cfr. página 15 e 16 da Sentença.
J. Tendo em conta que as Condições Gerais que fazem parte integrante dos Documentos n.ºs 1 e 2 da Contestação não contêm qualquer cláusula com aquele teor, resulta que a decisão do Tribunal a quo de considerar aplicável ao presente caso as Condições Gerais de Abertura de Conta juntas pelo Apelado através do requerimento de 12 de maio de 2021 (com a referência eletrónica 7701949) está em absoluta e insanável contradição com os Factos Provados.
K. A decisão do Tribunal a quo está, assim, também por este motivo, em oposição insanável com os respetivos fundamentos (de facto), o que gera a sua nulidade nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
L. A Sentença do Tribunal a quo omite por completo os fundamentos por que considerou aplicáveis ao presente caso as Condições Gerais de Abertura de Conta juntas pelo Apelado através do requerimento de 12 de maio de 2021 (com a referência eletrónica 7701949).
M. Os Apelantes não conseguem, sequer, descortinar que Condições Gerais apresentadas com o requerimento do Apelado de 12 de maio de 2021 está o Tribunal a quo a considerar que têm aplicação ao presente caso, pelo que não estão em condições de compreender e sindicar a decisão tomada pelo Tribunal a quo a este respeito.
N. Estamos, portanto, perante uma absoluta falta de fundamentação da Sentença num segmento que se revelou essencial para a improcedência da ação, o que determina a respetiva nulidade por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, o que se deixa expressamente invocado para todos os efeitos legais.
Da nulidade da Sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão no que respeita à absolvição do Apelado do pedido de condenação por danos não patrimoniais
O. Resultou demonstrado nos autos que o Apelado violou grosseiramente os deveres de informação a que está adstrito no âmbito da relação contratual estabelecida com os Apelantes e que estes, em virtude do incumprimento contratual do Apelado – realização do débito não autorizado da quantia de € 98.477,13 e violação do dever de informação quanto à movimentação realizada – sofreram danos não patrimoniais (cfr. pontos 2.1.15 a 2.1.17, 2.1.19 a 2.1.23, 2.1.26 a 2.1.29 dos Factos Provados).
P. Apesar de o Tribunal a quo ter considerado verificada a ilicitude da conduta do Apelado – violação do dever de informação – bem como a existência de um nexo de causalidade entre essa conduta censurável e os danos morais sofridos pelo Apelante A., ainda assim decidiu, sem mais, pela absolvição do Apelado (também) quanto a esse pedido.
Q. Assim, também neste segmento se afigura claro que a decisão do Tribunal a quo está em oposição com os respetivos fundamentos, pelo que deverá ser declarada nula nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
SINDICÂNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
R. Atento o depoimento da legal representante do Apelado, (…) (Depoimento de Parte do Apelado, prestado na sessão de 25.06.2021, gravado na aplicação Habilus, 00:00:00 a 01:14:00, no período das 14:20:05 horas às 15:34:05 horas, aos minutos 00:30:39 a 00:34:32 e 00:48:39 a 00:54:42) e da testemunha (…) (Depoimento prestado na sessão de 25.06.2021, gravado na aplicação Habilus, 00:00:00 a 00:52:18, no período das 15:53:12 horas às 16:45:29 horas, aos minutos 00:12:46 a 00:16:32, 00:38:13 a 00:40:13 e 00:51:07 a 00:52:01) e conforme melhor explanado no corpo destas alegações, deverá ser alterada a redação do Ponto 2.1.25 dos Factos Provados, passando a ser a seguinte:
“2.1.25. O circuito dos valores mobiliários faz-se do seguinte modo:
A Entidade Emitente do valor mobiliário transfere fundos para o Agente Pagador, que por sua vez transfere fundos para o Euroclear que, por sua vez, transfere os fundos para o Apelado”.
S. Atento os depoimentos prestados pela representante do Apelado, (…) (Depoimento de Parte do Apelado, prestado na sessão de 25.06.2021, gravado na aplicação Habilus, 00:00:00 a 01:14:00, no período das 14:20:05 horas às 15:34:05 horas, aos minutos 00:45:29 a 00:48:09, 00:09:04 a 00:09:46, 00:11:56 a 00:12:26, 00:14:37 a 00:15:47, 00:17:28 a 00:18:04, 00:20:10 a 00:20:39, 00:29:07 a 00:33:10, 00:38:02 a 00:41:14, 00:44:42 a 00:48:09, 00:48:39 a 00:51:06, 00:54:42 a 00:56:06, 01:08:45 a 01.11.20) e pela testemunha (…) (Depoimento prestado na sessão de 25.06.2021, gravado na aplicação Habilus, 00:00:00 a 00:52:18, no período das 15:53:12 horas às 16:45:29 horas, aos minutos 00:12:55 a 00:16:32, 00:42:34 a 00:46:54, 00:48:32 a 00:49:04, 00:04:58 a 00:08:12, 00:12:46 a 00:16:32, 00:35:53 a 00:49:53), deve ainda ser dado como provado que:
➢ O Banco BPI parametriza os seus sistemas informáticos introduzindo a informação da data e valor de reembolso definida na ficha técnica do valor mobiliário e posteriores atualizações comunicadas pela Entidade Emitente;
➢ Na ausência de informação em contrário pela Entidade Emitente do valor mobiliário, o Banco BPI, durante o processamento noturno da data parametrizada no seu sistema para o reembolso do valor mobiliário, procede ao crédito nas contas dos seus clientes, de forma automática e com recurso a fundos próprios, da quantia correspondente ao reembolso do valor mobiliário e só depois recebe os fundos correspondentes por parte dos seus custodiantes;
➢ No dia 29 de novembro de 2019, a informação que existia no mercado era que a Obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829 iria ser paga, não havia nenhuma informação de que a Entidade Emitente iria incumprir e, por esse motivo, o Banco BPI procedeu ao crédito da quantia de € 98.477,13 na conta dos Apelantes, de acordo com a informação que tinha parametrizada nos seus sistemas.
T. Os factos indicados na Conclusão anterior sempre deverão ser dados como provados e/ou considerados por constituírem factos instrumentais relativamente à factualidade vertida no artigo 51.º da p.i. – “Por outro lado, ainda que o BPI tivesse realizado tal pagamento com fundos seus (o que se duvida) sempre se trataria de um pagamento por conta ou por indicação do Deutsche Bank e, consequentemente, por conta da Emitente” – que faz parte integrante da alínea c) dos Temas da Prova, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, a) e 607.º, n.º 4, ambos do CPC.
U. Atenta a factualidade a aditar aos Factos Provados indicada na Conclusão S. supra (remetendo-se para as passagens dos depoimentos gravados aí melhor identificados), bem como o depoimento prestado pela representante do Apelado, (…) (Depoimento de Parte do Apelado, prestado na sessão de 25.06.2021, gravado na aplicação Habilus, 00:00:00 a 01:14:00, no período das 14:20:05 horas às 15:34:05 horas, aos minutos 00:38:02 a 00:38:53 e 01.08.45 a 01.11.20) e pela testemunha (…) (Depoimento prestado na sessão de 25.06.2021, gravado na aplicação Habilus, 00:00:00 a 00:52:18, no período das 15:53:12 horas às 16:45:29 horas, aos minutos 00:42:34 a 00:49:04, 00:35:53 a 00:42:32, 00:49:06 a 00:49:53, 00:17:45 a 00:17:58), o facto vertido no Ponto 2.2.2 dos Factos não Provados deve ser considerado como “Provado”, nos seguintes termos:
➢ O Banco BPI tinha parametrizado os seus sistemas de acordo com a informação constante
da Ficha Técnica da responsabilidade da Entidade Emitente - que lhe foi transmitida pelo Euroclear e a este pelo Deutsche Bank - para proceder ao reembolso da obrigação ARARAS
BV-CZ- 30.11.2019 – XS0712112829” na data em que creditou a conta dos Apelados, não tendo recebido nenhuma informação em contrário até essa data.
V. Atento os depoimentos prestados pelas testemunhas (…) (registado no programa Habilus Média Studio, 00:00:00 a 00:31:00, no período das 10:07:53 horas às 10:38:52 horas, a minutos 00:05:33 a 00:07:51 e 00:22:49 a 00:24:22) e (…) (registado no programa Habilus Média Studio, 00:00:00 a 00:34:57, no período das 10:40:37 horas às 11:15:34 horas, a minutos 00:12:10 a 00:14:20 e 00:14:57 a 00:16:13), bem como a factualidade que vem dada como provada sob os Pontos 2.1.12, 2.1.13 e 2.1.14 dos Factos Provados, o facto vertido no Ponto 2.2.4 dos Factos não Provados deve ser considerado como “Provado”, nos seguintes termos:
➢ O Autor A. já tinha assumido compromissos perante terceiros que implicavam a utilização de parte da quantia que lhe foi debitada”.
W. O ponto 2.2.3 dos Factos não provados não integra qualquer acontecimento ou facto concreto, constituindo, antes, um juízo jurídico-conclusivo, na medida em que a expressão “pagamento por conta” constitui uma conclusão extraída dos factos alegados na ação quanto às circunstâncias em que se processou o pagamento do reembolso da obrigação ARARAS BV-CZ-0.11.2019 – XS0712112829 e que visa atribuir uma qualificação jurídica ao comportamento do Apelado.
X. Nessa medida, e atento o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, o ponto 2.2.3 dos «Factos não provados» deverá ser tido como não escrito.
Y. Relativamente às circunstâncias em que o Apelado creditou na conta dos Apelantes, em 29 de novembro de 2019, a quantia de € 98.477,13, o Apelado veio apresentar a tese que o referido crédito se tratou de um erro operacional/um processamento antecipado e que, nessa medida, aquele pagamento não era devido e procedeu ao consequente estorno.
Z. Porém, resultou claramente demonstrado nos autos que o Apelado atuou nos exatos termos em que atua sempre que procede ao pagamento de valores mobiliários e que, em 29 de novembro de 2019, quis proceder ao crédito da quantia de € 98.477,13 na conta dos Apelantes, a título de reembolso da Obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829.
AA. Ficou, portanto, demonstrado à saciedade que o referido crédito não resultou de nenhum erro operacional, nem tão pouco configurou uma exceção na forma de atuar do Apelado – muito pelo contrário.
BB. Os factos que integram a defesa principal do Apelado fazem parte do acervo factual relevante para a decisão da causa, pelo que, atenta a factualidade a aditar aos Factos Provados indicada na Conclusão S. supra (remetendo-se para as passagens dos depoimentos gravados aí melhor identificados), bem como o depoimento prestado pela representante do Apelado, (…) (Depoimento de Parte do Apelado, prestado na sessão de 25.06.2021, gravado na aplicação Habilus, 00:00:00 a 01:14:00, no período das 14:20:05 horas às 15:34:05 horas, aos minutos 00:09:04 a 00:09:46, 00:29:07 a 00:30:29, 00:31:25 a 00:31:47, 00:32:51 a 00:33.10, 00:38:02 a 00:38:53, 00:44:42 a 00:48:09, 00:55:22 a 00:56:06) e pela testemunha (…) (Depoimento prestado na sessão de 25.06.2021, gravado na aplicação Habilus, 00:00:00 a 00:52:18, no período das 15:53:12 horas às 16:45:29 horas, aos minutos 00:46:55 a 00:49:53), e ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, deve ser aditada aos «Factos Não Provados» a seguinte factualidade:
➢ O crédito da quantia de € 98.477,13, realizado na conta dos Apelantes em 29 de novembro de 2019, deveu-se a um erro operacional.
DOS ERROS DE JULGAMENTO RELATIVAMENTE ÀS SEGUINTES QUESTÕES JURÍDICAS:
Da qualificação jurídica do pagamento realizado pelo Apelado
CC. Os Apelantes discordam da Sentença, desde logo, quanto à conclusão ali alcançada relativamente ao enquadramento jurídico do pagamento da quantia de € 98.477,13 realizado pelo Apelado aos Apelantes, em 29 de novembro de 2019, questão que se revela decisiva no desfecho dos presentes autos.
DD. A afirmação do Tribunal a quo segundo a qual o Apelado está “a actuar, de forma automática, dentro da normalidade do mercado de transação de títulos, não dispondo de informação que levasse a concluir que o emitente não procederia ao pagamento na data de maturidade”, é contraditória com a negação da existência de um pagamento por conta, pois a “normalidade do mercado de transação de títulos” é, como resultou patentemente da prova produzida, a existência de uma “cadeia de custódia” que assegura também a realização dos pagamentos que competem à Emitente, através do Agente Pagador e dos Custodiantes.
EE. Em rigor, a “normalidade do mercado de transação de títulos” a que se refere o Tribunal a quo implica uma cadeia de instruções de pagamento e de circulação de fundos desde a Emitente até ao titular das obrigações, que se caracteriza precisamente pelo cumprimento de instruções e realização de pagamentos por conta daquela.
FF. A matéria de facto provada nos autos permite concluir, sem margem para qualquer dúvida, que, ao realizar o crédito da quantia de € 98.477,13 na conta dos Apelantes, o Apelado atuou ao abrigo de uma «cadeia de custódia» com a única finalidade de cumprir uma obrigação “em vez de/em representação” de um terceiro (usando as palavras do próprio Tribunal – cfr. minutos 00:40:49 a 00:40:55 do depoimento de (…), prestado na sessão de julgamento de 25.06.2021, gravado na aplicação Habilus, 00:00:00 a 01:14:00, no período das 14:20:05 horas às 15:34:05 horas).
GG. Contrariamente ao que vem referido na Sentença, não resultou da prova realizada nos autos que ao Apelado “cabe proceder ao crédito do reembolso quando recebe o pagamento da Euroclear”, tendo, antes, resultado demonstrado que, de acordo com o procedimento interno que tem instituído, o Apelado procede sempre ao pagamento dos valores mobiliários com recurso a fundos próprios, ou seja, ainda antes de ter recebido os fundos por parte do Euroclear.
HH. O facto de o Apelado ter realizado o crédito da quantia de € 98.477,13 na conta dos Apelantes ainda antes de ter recebido os fundos por parte do Euroclear não afasta, em nenhuma medida, a conclusão de que o Apelado agiu em cumprimento de uma obrigação de terceiro e por indicação desse terceiro – da Entidade Emitente – e que quis, efetivamente, realizar a prestação a que se vinculou.
II. O Apelado pagou a quantia de € 98.477,13 aos Apelantes quando tinha que pagar (na data de vencimento da obrigação), pelo valor que tinha que pagar (indicado pela Entidade Emitente) e quis, consciente e intencionalmente, fazer esse pagamento (foi completamente afastada a tese da existência de um erro operacional).
JJ. A única coisa que correu mal no presente caso (e que, como resultou da matéria de facto provada, era um risco calculado do Apelado) foi que a Entidade Emitente não transferiu os fundos para o Agente Pagador, que por sua vez não transferiu fundos para o Euroclear, que por sua vez não transferiu fundos para o Apelado.
KK. No entanto, ao realizar o pagamento aos Apelantes nos termos acima indicados, o Apelado fez extinguir a obrigação da Entidade Emitente perante os Apelantes, não havendo lugar à repetição daquilo que foi prestado.
LL. Se a Entidade Emitente, em oposição às instruções dadas e cumpridas pontualmente pelo Apelado, não veio a transferir os fundos relativos ao reembolso da Obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829, essa é uma questão de incumprimento na «cadeia de custódia» que o Apelado terá que resolver com a Emitente, mas que manifestamente não o legitima a debitar qualquer quantia aos Apelantes, pois estes receberam apenas o que lhes era devido.
MM. Resulta, portanto, dos autos que ao efetuar o crédito da quantia de € 98.477,13 na conta dos Apelantes, o Apelado, com instruções para esse efeito, cumpriu a obrigação da Entidade Emitente perante os Apelantes, fazendo extinguir esta obrigação.
NN. Ao qualificar o pagamento realizado pelo Apelado como mero “procedimento automático no âmbito da normalidade dos valores mobiliários”, o Tribunal a quo eximiu-se a qualificar juridicamente tal pagamento, questão que lhe competia conhecer.
OO. Na verdade, e salvo melhor entendimento, existem apenas 4 qualificações jurídicas para o referido ato de pagamento, sendo que, afastadas as duas últimas que, manifestamente, não têm aplicação ao caso - em face da prova produzida - qualquer uma das duas primeiras tem como resultado a ilegalidade do “estorno”: (i) pagamento por conta da Emitente no âmbito de uma relação de mandato, próprio ou impróprio, no âmbito da relação de custódia; (ii) o Apelado cumpriu uma obrigação alheia (da Emitente) perante o credor (Apelados), o que é perfeitamente lícito e cujo regime está previsto no n.º 1 do artigo 767.º do CC; (iii) o Apelado pagou por lapso ou (iv) o Apelado não teria pretendido efetivamente pagar a quantia em causa, mas apenas realizar uma liberalidade.
PP. Ora, o que decorre da Sentença é que o Tribunal a quo não sustenta a sua decisão em nenhum dos enquadramentos jurídicos possíveis acima referidos, parecendo reduzir o crédito na conta dos Apelantes por parte do Apelado a um «nada jurídico» o que, salvo o devido respeito, configura manifesto erro de julgamento.
QQ. Com efeito, se o próprio Tribunal a quo reconhece e dá como provado que existe uma cadeia de custódia dos valores mobiliários e de circulação de fundos destinados ao seu reembolso que começa na Emitente e do qual o Apelado é o interveniente final a quem compete processar e creditar o reembolso na conta dos clientes – “Ao Banco que detém o depósito dos valores (Banco Réu), cabe proceder ao crédito do reembolso quando recebe o pagamento da Euroclear” – e, bem assim, se reconhece que o Apelado se limitou a atuar no âmbito dessa relação e a fazer o reembolso aos Apelantes porque não tinha informação em contrário por parte da cadeia de custódia, não se compreende, com todo o respeito por diferente entendimento, como pode concluir que tal pagamento não foi realizado por conta da Emitente.
RR. Face ao exposto, conclui-se que a Sentença aplicou incorretamente o direito aos factos provados, infringindo o disposto no artigo 767.º, n.º 1 do CC e nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do CPC, errando, além do mais, na qualificação jurídica atribuída ao crédito realizado pelo Apelado na conta dos Apelantes (rectius, ao não qualificar juridicamente tal operação de crédito), razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra que, fazendo uma correta aplicação do direito, conclua que tal crédito teve a natureza de pagamento realizado por conta da Emitente e, consequentemente, pela ilegalidade do posterior débito de tal quantia aos Apelantes (legítimos credores de tal quantia).
Da aplicação da Cláusula 8.9 das Condições Gerais de Abertura de Conta
SS. Resulta da matéria de facto dada como provada (cfr. pontos 2.1.1, 2.1.2 e 2.1.3) que as condições gerais aplicáveis ao contrato celebrado entre os Apelantes e o Apelado são as que se encontram corporizadas nos Documentos n.ºs 1 e 2 da Contestação, onde não consta qualquer cláusula com o teor da que foi invocada pelo Apelado para sustentar o débito na conta dos Apelantes (cfr. artigo 27.º da Contestação).
TT. Nada vem demonstrado (ou alegado) nos autos que permita concluir que as Condições Gerais de Abertura de Conta juntas pelo Apelado através do requerimento de 12 de maio de 2021 (com a referência eletrónica 7701949), vinculam os Apelantes ou fazem parte integrante do Contrato de Abertura de Conta celebrado entre as partes.
UU. Não tendo concluído que as Condições Gerais aplicáveis são as que constam dos Documentos n.ºs 1 e 2 da Contestação e que não contêm qualquer cláusula com o teor que vem alegado pelo Apelado no artigo 27.º da Contestação, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, aplicando incorretamente o direito aos factos provados.
VV. Acresce que, a Cláusula 8.9 das Condições Gerais que vem transcrita na Sentença está, claramente, pensada para os casos em que se verifiquem erros ou lapsos, ou qualquer situação análoga, nos movimentos efetuados pelo Apelado, o que, como resultou amplamente demonstrado nos autos, não se verificou no presente caso.
WW. Assim não tendo concluído, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pois aplicou ao caso uma estipulação contratual (i) não acordada entre as partes e (ii) cuja previsão não tem aplicação ao presente caso.
Da nulidade da Cláusula 8.9 das Condições Gerais de Abertura de Conta
XX. Como resultou provado nos autos, os Apelantes limitaram-se a assinar o formulário de abertura de Conta, não tendo tido qualquer influência, nem oportunidade para discutir o clausulado das respetivas Condições Gerais (cfr. ponto 2.1.3 dos Factos Provados), pelo que, nos termos do disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, o Contrato celebrado entre o Apelado e os Apelantes está sujeito ao Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.
YY. A formulação da Cláusula 8.9 das Condições Gerais concede ao Apelado uma arbitrariedade absolutamente inadmissível, porquanto, de acordo com os seus termos literais, o Apelado poderia supostamente anular qualquer movimento realizado na conta de todos os seus clientes, incluindo na conta dos Apelantes (i) sempre que o quisesse; (ii) sempre que no seu critério exclusivo o entendesse “justificado”; (iii) sem qualquer limitação temporal e/ou quantitativa, iv) sem qualquer aviso prévio e, bem assim, (v) sem qualquer controlo quanto aos respetivos motivos.
ZZ. Pelo que tal cláusula é, desde logo, manifestamente contrária ao princípio da boa-fé e, nessa medida, proibida e ilícita, sendo cominada com o vício de nulidade, de acordo com o disposto no artigo 15.º do LCCG: “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”.
AAA. A referida Cláusula recai, ainda, no âmbito da proibição absoluta prevista na alínea a) do artigo 21.º da LCCG, na medida em que, de acordo com a mesma, o Apelado poderia anular qualquer movimento a crédito que tivesse realizado na conta dos seus clientes há vários anos, de qualquer valor, sem qualquer aviso e/ou justificação o que, manifestamente, é inadmissível à luz do princípio da boa-fé.
BBB. Face ao exposto, impõe-se concluir que a Sentença enferma, também por este motivo, de erro de julgamento manifesto, por violação do disposto nos artigos 15.º e 21.º, a) da LCCG, devendo ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade da Cláusula 8.9 das Condições Gerais.
Do ressarcimento dos danos morais sofridos pelos Apelantes
CCC. Resultou demonstrado nos autos que o Apelado violou grosseiramente os deveres de informação a que está adstrito no âmbito da relação contratual estabelecida com os Apelantes e que estes, em virtude do incumprimento contratual do Apelado – realização do débito não autorizado da quantia de € 98.477,13 e violação do dever de informação quanto à movimentação realizada – sofreram danos não patrimoniais (cfr. pontos 2.1.15 a 2.1.17, 2.1.19 a 2.1.23, 2.1.26 a 2.1.29 dos Factos Provados).
DDD. Está, assim, demonstrada nos autos a ilicitude da conduta do Apelado – débito realizado pelo Apelado sem fundamento contratual ou legal e, nessa medida, em incumprimento do Contrato de Abertura de Conta celebrado entre as partes e das normas legais aplicáveis e violação do dever de informação – bem como a existência de um nexo de causalidade entre essa conduta censurável e os danos morais sofridos pelo Apelante A..
EEE. Não tendo o Tribunal a quo condenado o Apelado a pagar aos Apelantes uma indemnização pelos danos morais sofridos em consequência do incumprimento contratual, impõe-se concluir que a Sentença enferma, também por este motivo, de erro de julgamento manifesto, por violação do disposto nos artigos 74.º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), na alínea a), do n.º 1, do artigo 334.º do Código dos Valores Mobiliários (CVM), no n.º 1, do artigo 304.º do CVM, nos artigos 325.º e segs. do CVM, no artigo 799.º, n.º 1 do CC e no n.º 2 do artigo 304.º-A do CVM, bem como nos artigos 562.º, 563.º e 496.º, todos do CC.
FFF. Deve, por isso, a Sentença ser revogada e substituída por outra que, fazendo uma correta aplicação do direito aos factos, condene o Apelado a pagar aos Apelantes uma indemnização pelos danos morais sofridos em consequência do incumprimento contratual daquele, nos termos peticionados na p.i..
Resposta ao recurso
A recorrida defendeu a improcedência da apelação e a confirmação da sentença.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
«Com interesse para a decisão da causa o tribunal considera provados os seguintes factos:
2.1.1. Os AA são clientes do Banco BPI, balcão de Ourém, desde 1989.
2.1.2. Em 1989, os AA abriram junto do Banco BPI, a Conta de Depósito de Valores com o nº 0-6867418-000-001 (conta valor) e celebraram para o efeito, o correspondente Contrato de Abertura de Conta.
2.1.3. Como é prática do sector bancário, os AA limitaram-se a assinar o referido contrato que foi exclusivamente elaborado pelo BPI, subscrevendo as condições gerais sem qualquer negociação prévia individual e, bem assim, sem que tivesse ou pudessem ter tido qualquer influência no seu conteúdo.
2.1.4. Em 2012, por recomendação de (…), gestor de conta, funcionário da Orey Financial, Instituição de Crédito S.A., que lhe apresentou o produto como sendo seguro e adequado para o seu perfil de risco, o A. A., subscreveu 1 obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829, com o valor nominal de €100.000,00, e com data de maturidade de 30 de Novembro de 2016.
2.1.5. De acordo com o resumo das condições deste instrumento financeiro, o emitente foi Araras Finance BV, o banco depositário da emissão foi o Deutsche Bank que era também o Agente Pagador Principal, sendo a denominação de €100.000,00, e o montante de investimento mínimo inicial também de €100.000,00 [Vide doc. de fls. 23]
2.1.6. Ainda de acordo com o referido resumo, o Agente Distribuidor e Agente de Cálculo de emissão foi a Orey Mangement Cayman. [Vide doc. de fls. 23]
2.1.7. A obrigação em causa era de “cupão zero” pelo que não pagava juros periódicos. [Vide doc. de fls. 23]
2.1.8. A data inicial de maturidade – 30 de Novembro de 2016 - foi posteriormente modificada, em assembleia de obrigacionistas, para o dia 30 de Novembro de 2019.
2.1.9. De acordo com a convenção do “Convenção do Dia Útil Seguinte Modificado”, quando a data de pagamento não seja um Dia Útil de Liquidação, esse pagamento será ajustado para o Dia útil de Liquidação imediatamente seguinte, excepto se o primeiro dia útil imediatamente seguinte pertencer ao mês seguinte, caso em que deverá ser considerado o Dia útil imediatamente anterior,
2.1.10. Assim, tendo o dia 30 de Novembro de 2019, correspondido a um dia não útil (sábado) e o primeiro dia útil seguinte pertencer ao mês seguinte ( 2 de Dezembro de 2019 – 2ª Feira) pelo que o pagamento foi antecipado para o dia 29 de Novembro de 2019 (sexta-feira).
2.1.11. No dia 28 de Novembro de 2019, encontrava-se depositada na conta dos AA junto do BPI, a obrigação obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829, com o valor nominal de €100.000,00, de que o Banco BPI era custodiante.
2.1.12. No dia 29 de Novembro de 2019, o BPI, ora Réu, creditou na conta dos Autores, com o número 0-6867348-000-001, a quantia de €98.477,13, com a mesma data/valor e com a descrição “Operações com títulos Araras BV-CZ-19”, tendo a referida conta ficado, em consequência, com um saldo positivo de €105.794,31 [Vide Extrato junto a fls. 24 a 26]
2.1.13. Após o crédito da referida quantia, o Autor A., procedeu a cinco operações de pagamento com a descrição “pagamento serviços internet” e ao levantamento de numerário numa Caixa Automática, ficando a conta com um saldo de €105.144,24 [Vide Extrato junto a fls. 24 a 26]
2.1.14. Realizou ainda operações em bolsa tendo adquirido acções (Altri GPS e The Navigator Company) no valor global de €31.700,00 [Vide Extrato junto a fls. 24 a 26]
2.1.15. Com data de valor de 29 de Novembro de 2019, ao Banco BPI, ora Réu, debitou a conta dos Autores pela quantia de €98.477,13, com a descrição “Operações com títulos Araras BV-CZ-19”. [Vide Extrato junto a fls. 24 a 26]
2.1.16. Em consequência desse débito a conta dos Autores ficou com um saldo negativo de € 25.053,48, tendo o Réu debitado juros, que veio a repor mais tarde. [Vide Extrato junto a fls. 24 a 26]
2.1.17. No Extrato junto a fls. 24 a 26, consta, ainda, no campo “Obrigações” e relativamente ao instrumento Araras BV-CZ-19-30-11-2019, o movimento “Substituição de Títulos”, com data de movimento e data valor de 29.11.2019, com a quantidade/montante 100.000,000 e valor aplicado 100.000,00 e com um saldo atual de 100.000,00 [Vide Extrato junto a fls. 24 a 26]
2.1.18. (…) e 44.000.0000 da Soc. Comercial Orey Antunes com o valor aplicado de 44.000,00 e saldo actual de 40.964,00 [Vide Extrato junto a fls. 24 a 26]
2.1.19. Os AA não autorizaram o débito da quantia de € 98.477,13, nem autorizaram ou ordenaram a aquisição ou subscrição de quaisquer obrigações ou substituição de títulos,
2.1.20. Em 4 de Dezembro de 2019 o Autor A., apresentou uma reclamação aos Réu, interpelando-o para restituir a quantia debitada e bem assim, para não serem cobrados juros pelo descoberto gerado pelo débito da referida quantia. [Vide doc. de fls. 28]
2.1.21. Em 26 de Dezembro de 2019, o Réu, foi, ainda, interpelado pelo mandatário dos Autores para restituir a quantia de € 98.,447,13 [Vide doc. de fls 27]
2.1.22. No dia 10 de Janeiro de 2020, foi apresentada, em representação do Autor A., uma reclamação junto do Banco de Portugal, através do Portal do Cliente Bancário, a qual à data de entrada da acção se encontrava a aguardar análise e resposta, tenho o BPI já sido interpelado para prestar informação ao Banco de Portugal.
2.1.23. Já depois da apresentação da referida reclamação junto do Banco de Portugal, o BPI enviou carta ao Autor datada de 10 de Fevereiro de 2020, mas recebida a 19 de Fevereiro, na qual, além do mais refere:
“(..) Em resposta ao assunto exposto esclarecemos que a emitente OREY, em, Processo Especial de Revitalização (PER) não pagou a amortização do cupão ARARAS BV-CZ- 30.11.2019 – XS071211282 que estava prevista para o dia 30 de Novembro de 2019, pelo que o Banco procedeu ao estorno da quantia que antecipou e que seria devida pelo emitente.
Informamos ainda que, ao abrigo do disposto na cláusula 8.9 das Condições Gerais de Abertura de Conta, o titular expressamente reconhece ao Banco o direito de estornar quaisquer movimentos efectuados, nomeadamente em caso de erro ou lapso e, ainda, nas demais circunstâncias em que tal estorno se justifique, sendo o estorno efectuado com data-valor igual à do movimento original.
Aproveitamos para comunicar que o Banco procedeu ao estorno dos juros devidos da conta de depósitos à ordem e respectivo imposto de selo, no total de 20,50 euros, relativos aos dias 3 e 4 de dezembro de 2019. Mais informamos que não se verificou comunicação ao Banco de Portugal relativa ao descoberto registado na conta de depósitos à ordem de V. Exa. Nas datas referidas” [Vide doc. de fls. 28]
2.1.24. Na “Declaração IRS – Registo de Valores Mobiliários” emitido pelo Banco BPI, em 20.01.2020., da Autora M., referente ao ano de 2019, consta, além do mais, uma subscrição/aquisição e o reembolso de 1 obrigação Araras BV-CZ-30.11.2019, com o saldo a zero em 31.12.2019. [Vide docs. de fls.29 e 29v]
2.1.25. O circuito dos valores mobiliários faz do seguinte modo:
O Banco BPI recebe da “Euroclear”, que por sua vez recebe do Deutshe Bank, que por sua vez recebe da entidade emitente.
2.1.26. Em consequência do débito efectuado na Conta, o Autor A. sentiu-se frustrado e revoltado, face à ausência de informações por parte do BPI e por todo tempo que despendeu junto do BPI para obtenção das mesmas. 2.1.27. Em virtude da conduta do Banco BPI, o Autor A. deixou de praticar e retirar prazer de algumas actividades que apreciava, tais como pequenos trabalhos de horticultura e de criação de animais que se viu forçado a vender
2.1.28. O Autor A. sofre de hipertensão e em virtude da conduta do Banco BPI, o seu estado de saúde agravou-se consideravelmente, tendo passado a sofrer de episódios frequentes de tensão arterial descontrolada, fruto da ansiedade e a sofrer tonturas que determinou, além do mais, e necessidade de realização de consultas médicas e medicação com ansiolíticos. [Vide docs de fls.61v a 68]
2.1.29. (..) e passou a sentir-se frequentemente deprimido e triste, tendo entrado em quadro de depressão. [Vide doc. de fls.67v e 68]
2.1.30. O Autor A. tem um perfil de investidor em produtos financeiros de risco. [Vide extracto de fls. 25]
2.1.31. Em 11 de Dezembro de 2019, o Autor A., a fim de apresentar reclamação de créditos no PER da Sociedade Comercial Orey Antunes S.A., solicitou ao Banco BPI, declaração em como na sua conta de títulos se encontrava depositadas obrigações no valor de €44.000,00 [Vide doc. de fls. 53 e extracto de fls. 25]
2.1.32. Em 13 de Dezembro de 2019, e a fim de participar em Assembleia Geral, o Autor A., identificando o título Araras BV, solicitou ao Banco BPI declaração urgente em como era portador de 100.000 obrigações daquele produto. [Vide doc. de fls. 54]
2.2. Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa não logram provar-se os seguintes factos:
2.2.1. O Banco BPI recebeu fundos do Deutsche Bank para reembolso da obrigação. ARARAS BV-CZ- 30.11.2019 – XS071211282
2.2.2. O Banco BPI recebeu instrução do Deutsche Bank para proceder ao reembolso da obrigação ARARAS BV-CZ- 30.11.2019 – XS071211282.
2.2.3. O pagamento do reembolso ao reembolso da obrigação ARARAS BV-CZ- 30.11.2019 – XS071211282., pelo Banco BPI, foi feita por conta do Deutsche Bank.
2.2.4. O Autor A. já tinha assumido compromissos perante terceiros que implicavam a utilização de parte da quantia que lhe foi debitada.»

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
- Nulidades da sentença;
- Reapreciação da decisão de facto;
- Do erro de julgamento na aplicação da lei aos factos provados.

2. Nulidades da sentença
2.1. Os Apelantes vêm arguir a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) e c), do CPC.
As nulidades da sentença encontram-se taxativamente elencadas nas várias alíneas do n.º 1 do referido artigo 615.º, do CPC, e correspondem a vícios formais que afetam a decisão em si mesma, mas não se confundem com erros de julgamento de facto ou de direito, suscetíveis de determinar a alteração total ou parcial da decisão proferida.
Assim, excetuando a falta de assinatura do juiz [alínea a) do n.º 1 do artigo 615.º], as alíneas b) a e) do preceito reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença.
«Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) [falta de fundamentação] e c) [oposição entre os fundamentos e a decisão e ocorrência de ambiguidades, obscuridades que tornem a decisão ininteligível]. Respeitam aos seus limites os das alíneas d) [omissão ou excesso de pronúncia] e e) [pronúncia ultra petitum].»[1]
A falta de fundamentação a que alude o n.º 1, alínea b) do artigo 615.º, do CPC, está em consonância com o dever de fundamentação as decisões, consagrado na CRP e na lei ordinária (artigo 205.º, n.º 1, da CPR, artigos 154.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, do CPC).
Porém, como tem sido entendido de forma consensual, a arguida nulidade só ocorre quando a falta de fundamentação for absoluta, o que não se verifica quando haja insuficiente ou errada fundamentação de facto e/ou de direito, vícios para os quais a lei tem remédios diversos que não passam pela declaração de nulidade do decidido (cfr., assim, artigos 639.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), 640.º e 662.º, n.º 1 e 2, alíneas c) e d), todos do CPC).
Estipula o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, primeira parte, que a decisão é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Já a segunda parte prescreve que a sentença é nula quando for ambígua ou obscura de tal modo que a torne ininteligível.
Conforme é comumente aceite, a nulidade prevista na primeira parte da alínea c), verifica-se quando haja uma contradição lógica no processo de decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devam conduzir logicamente ao resultado oposto ao que veio a ser expresso na decisão.[2] Este vício formal não se reporta a situações em que se parte de pressupostos errados (por exemplo, apreciação e interpretação dos factos ou do direito), caso em que existe um vício de conteúdo (“error in judicando”), mas não nulidade da decisão.[3]
Já a ambiguidade ou obscuridade da sentença reporta-se à sua parte decisória e apenas ocorre quando um gera ininteligibilidade, ou seja, quando um declaratário normal, nos termos do artigo 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.[4]

2.2 Vejamos, em concreto, a fundamentação dos Apelantes quanto às arguidas nulidades, seguindo as conclusões do recurso.
2.2.1 Alegam que a sentença é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC), porquanto e apesar de resultar dos pontos 2.1.8 a 2.1.12 e 2.1.24 dos factos provados que o movimento a crédito na conta dos Autores ocorreu na data da maturidade da obrigação (pagamento/vencimento), não tendo dado como provado, como alegado pelo Réu, que esse movimento a crédito foi devido a lapso operacional ou de processamento antes da data em que o reembolso deveria ocorrer, «(…) o Tribunal a quo aplicou o direito aos factos como se tal lapso ou erro tivesse efetivamente existido, o que configura contradição entre os fundamentos (de facto) e a decisão», acrescentando que «Ao analisar a legalidade do estorno (débito) realizado pelo Apelado após o crédito da quantia de € 98.477,13 na conta dos Apelantes, a título de reembolso da Obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829, o Tribunal a quo concluiu que o referido estorno tinha suporte na Cláusula 8.9 das Condições Gerais da Conta de Valores, o que decidiu no pressuposto da existência de um erro/lapso por parte do Apelado na realização do referido crédito.» (conclusões C a F)
Está em causa a primeira parte da previsão inserta na alínea c) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC (oposição entre os fundamentos fáctico-jurídicos e a decisão).
Ora, no caso, não foi dado como provado (nem não provado) que o movimento a crédito se deveu a um erro operacional ou de processamento, que permitiria o correspondente movimento a débito por aplicação da cláusula 8.9 das Condições Gerais da Conta de Valores.
Com base nestes factos, não se poderia retirar a conclusão que o movimento a débito ocorreu por causa do referido erro.
E, numa primeira linha de argumentação, assim parece ser, pois a sentença diz claramente que o Réu na qualidade de depositário da obrigação custodiada não tem a obrigação de proceder ao reembolso do valor da mesma com fundos próprios.
Acrescentando de seguida: «Mas a verdade é que o fez. Ao tê-lo feito não está a assumir uma obrigação de terceiro, nem a fazer um pagamento por conta de outrem. Está actuar, de forma automática, dentro da normalidade do mercado de transação de títulos, não dispondo de informação que levasse a concluir que o emitente não procederia ao pagamento na data de maturidade.
Ao aperceber-se de que o emitente não procedeu ao pagamento fez o estorno do movimento (…).»
Porém, quando analisou a nulidade aposta pelos Autores à cláusula 8.9 das Condições Gerais da Conta de Valores, por ser contrária ao princípio da boa-fé, e, consequentemente, absolutamente proibida ao abrigo dos artigos 15.º e 21.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, considerou que essa nulidade não se verifica, e concluiu:
«A obrigação assumida é como se disse a guarda e a restituição dos fundos. Mas se houve um erro, um, lapso, uma circunstância que levou o Banco a fazer um crédito indevido, o normal, o que é proporcional, é que esse erro ou lapso possa ser emendado, e não deva ser aproveitado pelo depositante.
Face ao exposto, e tal como está redigida a cláusula 8.9 entendemos que não enferma de qualquer nulidade, pelo que o estorno feito com fundamento na mesma é legal, pelo que também como este fundamento a acção terá que improceder.» (sublinhado nosso)
É patente que existe um desacerto nesta conclusão, pois a mesma não se ancora na decisão de facto, que omite totalmente a questão do estorno ter sido feito com base em erro operacional ou de processamento, retificado ao abrigo da dita cláusula contratual.
Mas será que a sentença é nula por essa razão?
Não cremos.
A nulidade prevista na primeira parte da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, reporta-se à contradição lógica no processo de decisão, entre os fundamentos e a decisão, e não a uma incorreta apreciação da prova ou aplicação do direito, que, no caso, se reconduz à consideração de factualidade que não consta da decisão de facto e à interpretação jurídica de uma cláusula que não se aplica porque a situação fáctica pressuposta na mesma, não ficou provada.
Assim, o que se verifica é um erro de julgamento, um error in iudicando (a apreciar em termos de mérito) e não a nulidade da sentença.

2.2.2 Os Apelantes também invocam a nulidade da sentença prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, por existir contradição insanável com os fundamentos de facto, uma vez que as Condições Gerais do Contrato de Abertura de Conta juntas como documento 1 e 2 da contestação não contêm qualquer cláusula com o teor da cláusula 8.9, o que significa que considerou «(…) aplicável ao presente caso as Condições Gerais de Abertura de Conta juntas pelo Apelado através do requerimento de 12 de maio de 2021 (com a referência eletrónica 7701949) [ o que ] está em absoluta e insanável contradição com os Factos Provados.» (conclusões G a K).
A oposição entre os fundamentos e a decisão aludida pelos Apelantes não se verifica, pelas razões que passamos a concretizar.
O que resulta dos pontos provados 2.1.1 a 2.1.3 é que a Conta de Depósitos de Valores subscrita pelos Autores tem associada condições gerais. Porém, não constam do teor destes pontos quais as condições gerais que o Tribunal a quo teve em conta, sendo que aos autos foram juntos três documentos que se reportam a condições gerais, a saber: As condições gerais anexadas ao Contrato de Abertura de Conta (docs 1 e 2 da contestação), cuja cláusula 8 não contem qualquer menção a estornos por terem sido efetuados movimentos por erro ou lapso; as condições gerais juntas como docs 1 e 2 com o requerimento dos Autores de 12.05.2021, que efetivamente preveem o estorno em caso de erro ou lapso (cláusula 8.9), tendo os Autores alegado que corporizam «(…) as “Condições Gerais” de conta aberta no banco, deles constando no respetivo ponto “8. Provisões e Débitos na Conta” as condições e pressupostos de estorno de movimentos efetuados (cfr., aliás artigo 27 da contestação)».
Importa, assim, perceber quais as condições gerais que tribunal recorrido considerou no ponto 2.1.3 dos factos provados.
A resposta encontra-se na fundamentação da decisão de facto.
Quando ali são elencados documentos que coadjuvaram a formação da convicção da 1.ª instância em relação aos factos provados, consta a menção «Condições Gerais do contrato de Conta de Depósitos de Valores de fls. 349 a 361», ou seja, as juntas aos autos com o requerimento dos Autores de 12-05-2021.
Por outro lado, não consta da fundamentação de facto qualquer menção aos documentos 1 e 2 juntos com a contestação no que concerne às condições gerais.
Porém, a menção às condições gerais que foram tidas em conta pelo Tribunal a quo e, posteriormente, na fundamentação de direito ao aludir expressamente à cláusula 8.9 das condições gerais para concluir que o erro operacional invocado pelo Réu permitia o estorno e que daí também resultava a improcedência da ação, leva a concluir que as condições gerais do contrato de abertura de conta consideradas na decisão de facto e de direito são as que foram juntas com o requerimento de 12-05-2021.
O que não significa que os fundamentos estejam em contradição lógica, insanável, com a decisão. A questão é outra. É se ocorreu um erro de julgamento ao nível da decisão de facto, que apenas pode ser ponderado em sede de reapreciação daquela decisão se a impugnação a abranger.
Improcede, assim, também a arguição da nulidade da sentença com este fundamento.

2.2.3 Os Apelantes ainda invocam a nulidade da sentença, agora, por aplicação da alínea b) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, por falta de fundamentação, precisamente por não conseguirem «(…) descortinar que Condições Gerais apresentadas com o requerimento do Apelado de 12 de maio de 2021 está o Tribunal a quo a considerar que têm aplicação ao presente caso, pelo que não estão em condições de compreender e sindicar a decisão tomada pelo Tribunal a quo a este respeito.» (conclusões L a N)
Resulta do acima referido que decorre da fundamentação da decisão de facto que as condições gerais levadas em conta pelo tribunal foram as juntas com o requerimento de 12-05-2021.
É certo que com esse requerimento foram juntos dois exemplares de condições gerais, constando do documento 1, no topo de cada folha, incorporada a menção «V.03/09/2020» e do documento 2, manuscrito no verso da página 1 «2005», aparentando tratar-se de datas a que se reportam as duas versões. Em qualquer dos documentos consta a cláusula 8.9 com igual redação.
Porém, em termos de arguição de nulidade, esta questão é irrelevante.
A decisão de facto encontra-se fundamentada por recurso aos documentos juntos com o requerimento de 12-05-2021. Assim, existe fundamentação da decisão de facto, o que arreda a nulidade arguida, porquanto a mesma apenas se verifica quando existe falta absoluta de fundamentação, como acima se mencionou.
Nestes termos, igualmente improcede a arguição desta nulidade.

2.2.4 Finalmente, os Apelantes invocam a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão no que respeita à absolvição do Réu do pedido de condenação por danos não patrimoniais, invocando para o efeito a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Alegando que a decisão de absolvição se encontra em contradição com os factos provados 2.1.15 a 2.1.17, 2.1.19 a 2.1.23, 2.1.26 a 2.1.29.
É manifesto que a arguida nulidade não se verifica, porquanto o alegado pelos Apelantes situa-se ao nível do erro de julgamento em termos de direito, o que não encontra arrimo normativo na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, pelas razões já supra explicitadas aquando da apreciação da arguição de nulidade referida em, primeiro lugar (cfr. 2.2.1).
Nestes termos, improcede a arguida nulidade da sentença com este fundamento.

3. Reapreciação da decisão de facto
3.1. Os Apelantes impugnaram a decisão de facto (conclusões R a BB), pedindo a sua alteração quanto a alguns factos provados e não provados, pedindo, ainda, o aditamento de nova factualidade.
Por se encontrarem preenchidos os pressupostos da impugnação da decisão de facto consignados no artigo 640.º do CPC, passamos à reapreciação da prova gravada concatenando-a com a documentação junta aos autos, em ordem à formação de convicção própria por parte desta segunda instância.

3.2. Para melhor se compreender o pedido de impugnação, importa ter em conta o seguinte:
ARARAS FINANCE BV é a entidade Emitente das obrigações em causa nos autos (1 obrigação Araras Finance BV com o ISIN XS0712112829, com o valor nominal de €100.000,00, com maturidade a 29-11-2019).
O DEUTSCHE BANK é o Banco Depositário e o Agente Pagador Principal.
EUROCLEAR é a entidade europeia de liquidação de transação de valores mobiliários e, no caso, também a entidade Custodiante Central.
O BPI, S.A. é a entidade Custodiante Local (que presta um serviço de depósito e de guarda de títulos mobiliários).
No caso, também é a instituição de crédito onde os Autores abriram a Conta de Depósitos de Valores n.º 0-6867418-000-001 (Conta Valor), celebrando para o efeito o correspondente Contrato de Abertura de Conta.
ONEY FINANCIAL, INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO, S.A. é a intermediária financeira que, no caso, mediou a transação financeira em causa nos autos.

3.3 Os Apelantes, com base no depoimento de parte do Réu, prestado por (…), e testemunho de (…) (Coordenador da equipa de custódia do departamento de mercados financeiros do BPI), pedem a alteração da redação do ponto 2.1.25, que tem o seguinte teor: «2.1.25. O circuito dos valores mobiliários faz do seguinte modo:
O Banco BPI recebe da “Euroclear”, que por sua vez recebe do Deutshe Bank, que por sua vez recebe da entidade emitente.»
E propõem a seguinte redação:
«2.1.25. O circuito dos valores mobiliários faz-se do seguinte modo:
A Entidade Emitente do valor mobiliário transfere fundos para o Agente Pagador, que por sua vez transfere fundos para o Euroclear que, por sua vez, transfere os fundos para o Apelado». (conclusão R)
Não vemos qual o interesse da alteração peticionada, porque a redação proposta só altera a forma como se diz e não a substância do que ficou dito.
E também os Apelantes não dizem de modo claro a razão de ser desta alteração. Referem que a redação dada ao ponto «(…) é equívoca quanto ao objeto do referido circuito», mas não vemos onde haja tal equívoco, pois é patente que o objeto em causa é o valor mobiliário, ou dito, de doutro modo, o valor do reembolso/pagamento daquele produto financeiro.
Sendo que nas declarações prestadas pela legal representante do Réu, bem como pela testemunha (…), foram profusamente utilizados os termos «receber», «pagar» e «adiantar o dinheiro».
Ora, não se descortinando em que termos a alteração é indispensável à boa decisão da causa, improcede o pedido de alteração da redação do ponto provado 2.1.25.

3.4 Os Apelantes, na conclusão S, pugnam pelo aditamento de nova factualidade, que consideram provada com base nas declarações de parte prestadas por (…) e no depoimento de (…), propondo a seguinte redação:
«O Banco BPI parametriza os seus sistemas informáticos introduzindo a informação da data e valor de reembolso definida na ficha técnica do valor mobiliário e posteriores atualizações comunicadas pela Entidade Emitente.
Na ausência de informação em contrário pela Entidade Emitente do valor mobiliário, o Banco BPI, durante o processamento noturno da data parametrizada no seu sistema para o reembolso do valor mobiliário, procede ao crédito nas contas dos seus clientes, de forma automática e com recurso a fundos próprios, da quantia correspondente ao reembolso do valor mobiliário e só depois recebe os fundos correspondentes por parte dos seus custodiantes;
No dia 29 de novembro de 2019, a informação que existia no mercado era que a Obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829 iria ser paga, não havia nenhuma informação de que a Entidade Emitente iria incumprir e, por esse motivo, o Banco BPI procedeu ao crédito da quantia de €98.477,13 na conta dos Apelantes, de acordo com a informação que tinha parametrizada nos seus sistemas.»
Alegam que «(…) constituem factos instrumentais relativamente à factualidade vertida no artigo 51.º da p.i. – “Por outro lado, ainda que o BPI tivesse realizado tal pagamento com fundos seus (o que se duvida) sempre se trataria de um pagamento por conta ou por indicação do Deutsche Bank e, consequentemente, por conta da Emitente” – que faz parte integrante da alínea c) dos Temas da Prova, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, a) e 607.º, n.º 4, ambos do CPC. »
Vejamos.
O que foi factualmente alegado no artigo 51.º da p.i., descontado a alegação hipotética e conclusiva que insere, é que o movimento a crédito na conta dos Réus foi feito por conta ou indicação do Deutsche Bank e da Emitente da obrigação.
Esta alegação, ainda que de pendor conclusivo, enforma a causa de pedir apresentada pelos Autores que se consubstancia, no essencial, na alegação de que foram reembolsados, no dia do vencimento, do valor da obrigação que tinham subscrito; que o movimento a crédito foi feito pelo Réu por conta e por indicação do Agente Principal Pagador (Deutche Bank), e que o Réu de forma ilegítima procedeu, no mesmo dia, ao estorno desse valor da conta dos Autores.
Ora, os factos que agora os Apelantes pretendem introduzir ex novo, qualificando-os como instrumentais por referência à alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, revelam o procedimento interno do BPI que determinou que fosse creditado na conta dos Autores o reembolso da obrigação no montante de €98.477,13 e, na mesma data, o estorno da mesma quantia.
E também elucidam a razão da atuação do BPI.
Nesse sentido, podem-se ter como instrumentais em relação à alegação dos Autores no que concerne à atuação do Réu.
Efetivamente, na economia do artigo 5.º do CPC, há que ter em conta os factos instrumentais que resultem da instrução da causa (n.º 2, alínea a), do CPC).
Os factos instrumentais (também ditos acessórios ou probatórios) permitem a prova indiciária dos factos essenciais, embora, só por si, não sejam indispensáveis à procedência das pretensões das partes.
Têm uma função auxiliadora da demonstração dos factos essenciais e, nesse sentido, correspondem aos factos base das presunções judiciais e servem para evidenciar, em termos probatórios, os factos essenciais.
No caso, verifica-se a instrumentalidade dos factos referentes aos procedimentos internos do Réu relativos aos reembolsos do valor das obrigações na conta dos clientes, e, no caso concreto, em relação às obrigações subscritas pelos Autores, para melhor se compreender o que ficou provado nos pontos 2.1.12 (crédito) e no ponto 2.1.15 (débito).
Não se pode, contudo, acompanhar em toda a linha a redação que vem proposta, desde logo, porque resultou claro das declarações de parte e do depoimento testemunhal supra referido, que o Réu não tem qualquer relação com a Emitente ou sequer com o Agente Principal Pagador. A sua interação é apenas com a Euroclear.
A depoente disse de forma muito assertiva e segura que o relacionamento do banco Réu é com a Euroclear e que a informação que recebe é recebida via Euroclear, sendo o valor pago na conta do BPI junto dessa entidade e, depois, o BPI processa internamente os valores nas contas dos seus clientes.
Por sua vez, o depoimento da testemunha corroborou as declarações da legal representante do Réu.
Porém, no caso, e nas palavras da testemunha (…), ocorreu uma situação atípica, porque a informação sobre a inexistência de pagamento por parte da Emitente não foi divulgada antes, mas posteriormente, a ser processado o movimento a crédito.
Assim, o movimento a crédito na conta dos Autores foi realizado no dia 29-11-2019 porque era esse o procedimento interno do Réu com base nas informações que existiam no sistema, tendo o mesmo sido processado, como é habitual nesse tipo de produto financeiro, durante a noite. Porém, o Réu veio a ter conhecimento durante o mesmo dia 29, através da Euroclear, que a Emitente não ia pagar, ou seja, após a realização do movimento a crédito, pelo que procederam, então, ao estorno do mesmo valor.
Em face do exposto, importa aditar aos factos provados a pertinente factualidade dada a sua instrumentalidade em relação aos factos provados que se encontram vertidos nos pontos 2.1.12 e 2.1.15.

Assim, adita-se aos factos provados a seguinte factualidade:

«O Banco BPI parametriza os seus sistemas informáticos introduzindo a informação da data e valor de reembolso definida na ficha técnica do valor mobiliário e posteriores atualizações comunicadas pela Entidade Emitente, recebidas pelo BPI através da Euroclear.
Na ausência de informação em contrário, o Banco BPI, durante o processamento noturno da data parametrizada no seu sistema para o reembolso do valor mobiliário, procede ao crédito nas contas dos seus clientes, de forma automática e com recurso a fundos próprios, da quantia correspondente ao reembolso do valor mobiliário e só depois recebe os fundos correspondentes por parte dos seus custodiantes.
No dia 29 de novembro de 2019, a informação que existia no mercado era que a Obrigação Araras Finance BV, com o ISIN XS0712112829 iria ser paga, não havia nenhuma informação de que a Entidade Emitente iria incumprir e, por esse motivo, o Banco BPI procedeu ao crédito da quantia de €98.477,13 na conta dos Apelantes, de acordo com a informação que tinha parametrizada nos seus sistemas, nos termos referidos no ponto 2.1.12 dos factos provados.
Durante do dia 29-11-2019, o BPI através da Euroclear foi informado que o pagamento não iria ser efetuado porque a Euroclear não o tinha recebido do Deutsche Bank, que, por sua vez, não o recebeu da Emitente, pelo procedeu em conformidade com o dado como provado no ponto 2.1.15 dos factos provados».

Nestes termos, procede, em parte, o pedido de aditamento da decisão de facto.

3.5 Pretendem os Apelantes que o facto não provado no ponto 2.2.2 deva ser considerado provado.
Este ponto tem a seguinte redação:
«2.2.2. O Banco BPI recebeu instrução do Deutsche Bank para proceder ao reembolso da obrigação ARARAS BV-CZ- 30.11.2019 – XS071211282.»
Pretendem os Apelantes que seja dado como provado:
«O Banco BPI tinha parametrizado os seus sistemas de acordo com a informação constante da Ficha Técnica da responsabilidade da Entidade Emitente - que lhe foi transmitida pelo Euroclear e a este pelo Deutsche Bank - para proceder ao reembolso da obrigação ARARAS BV-CZ- 30.11.2019 – XS0712112829” na data em que creditou a conta dos Apelados, não tendo recebido nenhuma informação em contrário até essa data.»
Ora, como resulta do que foi dito aquando da apreciação da impugnação imediatamente anterior, ficou estabelecida a forma como o BPI recebeu a informação para creditar o reembolso da obrigação em causa, não se justificando o aditamento, que é meramente repetitivo.
Por outro lado, não ficou provado que o BPI tenha recebido do Deutsche Bank instruções para proceder ao reembolso da dita obrigação, pelo que a matéria do ponto 2.2.2 se encontra corretamente julgada.
Nestes termos, improcede este segmento da impugnação.

3.6 Apelando, agora, aos depoimentos de (…) e (…) (filhos dos Autores), os Apelantes pretendem que a factualidade do ponto 2.2.4 dos factos não provados seja dada como provada.
Este ponto tem a seguinte redação:
«2.2.4. O Autor A. já tinha assumido compromissos perante terceiros que implicavam a utilização de parte da quantia que lhe foi debitada.»
Consta da fundamentação da decisão de facto sobre esta matéria, o seguinte:
«(…) quanto aos compromissos financeiros alegadamente assumidos pelo Autor, tal como descrito no ponto 2.2.4., cumpre referir que não só a prova em relação a tal facto não foi concludente, com a conduta do próprio Autor deixa dúvidas em relação a tal compromisso.
Com efeito, logo que se apercebeu do crédito da quantia de €98.477,13, o Autor investiu na compra de acções. Ora a ter um compromisso financeiro para o qual aguardava o reembolso não faz sentido investir em acções.
Por outro lado, e no que diz respeito a estas obrigações em particular, o Autor sabia que era um produto de risco, tanto mais que a maturidade do mesmo já tinha sido alterada uma vez. Assim e face às regras da experiência comum, não faz sentido, alguém esperar o reembolso de um produto de risco para saldar um compromisso financeiro. Existe sempre a possibilidade de não haver reembolso.»

Contrapõem os Apelantes que o Autor já antes tinha assumido perante a sua irmã um compromisso de utilização de parte do valor do reembolso para saldar uma dívida para com a mesma, no valor de €40.000,00. O que foi declarado pelas ditas testemunhas.
Mais sublinhando que o investimento de parte do valor reembolsado em nada colide com o honrar do compromisso anteriormente assumido.
Em nosso entender, a prova produzida sobre esta questão não permite com segurança dar como provada a factualidade em discussão.
Estando em causa uma dívida de um valor significativo, o que se esperava probatoriamente para daí se inferir a assunção do compromisso da mesma vir a ser saldada, era a prova da dívida. Ora, nenhum documento chegou aos autos a comprovar tal dívida, nem a alegada credora foi ouvida em julgamento.
Os depoimentos prestados, provindos dos filhos dos Autores, que, dada a relação de filiação com os Autores, tendencialmente prestarão depoimentos favoráveis aos Autores, não pode ser valorado como suficientemente demonstrativo da realidade em apreciação, sem que haja outros meios de prova a coadjuvar o sentido dos depoimentos. O que não ocorreu.
Dada a insuficiência de prova sobre a factualidade do ponto 2.2.4 dos factos não provados, improcede a impugnação.

3.7 Os Apelantes também pedem que seja eliminado dos factos não provados o ponto 2.2.3 (por ter natureza conclusiva), e que seja levada ao elenco dos factos não provados a seguinte factualidade: «O crédito da quantia de €98.477,13, realizada na conta dos Apelantes em 29 de novembro de 2019, deveu-se a um erro operacional.»
A pretensão impugnatória dos Apelantes não tem qualquer viabilidade.
A matéria em causa não consta dos factos provados, pelo que a pretensão dos Apelantes não é dar como não provado determinado facto por ter sido dado como provado. É pura e simplesmente introduzir matéria não provada.
Ora, a matéria não provada é inócua para a boa decisão da causa, dela nada se pode extrair, pela simples razão que a resposta negativa a um facto não significa que se prova o facto contrário.
Daí que também a eliminação de matéria inserida nos factos não provados por ter natureza conclusiva também é inútil, pois nunca pode ser atendida, tenha natureza factual ou jurídica.
Donde, a introdução dessa matéria na decisão de facto é um ato inútil, logo não pode ser praticado (artigo 130.º do CPC).
Nestes termos, também improcede este segmento da impugnação da decisão de facto.

4. Do erro de julgamento na aplicação da lei aos factos provados
A primeira questão que importa analisar é a da qualificação jurídica do contrato celebrado entre os Autores e o Réu. E, depois, aferir da responsabilidade imputada ao Réu.
Os Autores são clientes do Réu desde 1989, tendo aberto nessa data uma Conta de Depósito de Valores (Conta Valor) tendo celebrado o correspondente Contrato de Abertura de Conta.
Em 2012, o Autor subscreveu um produto financeiro denominado Araras Finance BV, com valor nominal de €100.000,00 e data de maturidade a 30-11-2019 (após prorrogação da data inicial).
Como prescreve o artigo 348.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais «1 - As sociedades anónimas podem emitir valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais e que se denominam obrigações.»
São instrumentos financeiros que representam um empréstimo contraído junto de investidores, mormente, particulares, pela entidade que os emite, pelo que o subscritor (o investidor) ao subscrever/adquirir tais produtos fica credor da entidade emitente.
Formalmente, a obrigação enquanto valor mobiliário «(…) consiste num documento representativo de um direito de crédito que confere ao seu titular, a faculdade de exigir a restituição da quantia monetária avançada, a que acrescem juros acordados, na data de vencimento do empréstimo.»[5]
As caraterísticas do produto financeiro (condições de subscrição e de reembolso, valores a reembolsar, data da maturidade, custos associados, etc.) constam da ficha técnica do mesmo.
No caso, a entidade emitente do produto foi a Araras Finance BV.
Como ocorre no caso em apreço, o mercado financeiro para este tipo de valor mobiliário (obrigações – cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea b), do Código de Valores Mobiliários, aprovado pela Lei n.º 486/99, de 13-11 (CVM), aplicável ao caso na versão vigente à data da subscrição do produto em causa nos autos) funciona, em regra, através de cadeias de custódia.
A custódia, em termos simples, representa um processo de guarda de ativos (ações, obrigações e outros títulos mobiliários) que são mantidos, mormente, por instituições bancárias, em nome do titular, o investidor.
As instituições depositárias são responsáveis pela custódia e atuam como um depositário dos referidos ativos. Podem ter funções mais ou menos alargadas.
O negócio jurídico celebrado entre o investidor (no caso, os Autores) e o custodiante (no caso, local, o Réu) é diverso do negócio jurídico celebrado entre o investidor e o emitente do valor mobiliário (Arrasas Finance BV).
Na situação em apreço, como consta dos factos provados no ponto 2.1.4, o Autor não adquiriu o produto financeiro ao custodiante, mas à entidade emitente, ainda que através de terceiro, pois a entidade que apresentou o produto ao Autor-investidor, de acordo com o seu perfil de risco, foi a Orey Financial, Instituição de Crédito, S.A.
O contrato celebrado entre os Autores (investidores) e o Réu (custodiante local) carateriza-se por ser um contrato de depósito de valores, que comunga com o contrato de depósito civil e comercial (cfr. artigos 1185.º e 1187, alínea a), do Código Civil e artigo 408.º do Código Comercial) a principal caraterística deste tipo de contratos: a guarda do valor mobiliário subscrito pelos investidores.
A guarda ou custódia da coisa que é entregue ao depositário constitui a obrigação fundamental do contrato de depósito.
Tendo sido celebrado em relação a um produto financeiro atuando o Banco Réu com entidade custodiante, há especificidades normativas a ter em conta.
Desde logo, ao contrato de depósito e registo de instrumentos financeiros aplicam-se os artigos 280.º, n.º 1, alínea b), 291.º, alínea a), 293.º, n.º 1, alínea a), e 343.º do CVM, ou seja, o depositário deste tipo de instrumentos financeiros é tido como intermediário financeiro.
Como refere PEDRO COSTA[6], citado no Ac. RL, de 08-01-2019[7], quando estão em causa contratos para registo e depósito no âmbito da intermediação financeira, «(…) neste caso específico, o contrato versa sobre a obrigação do intermediário em registar e/ou manter em depósito os instrumentos financeiros que o seu cliente seja titular, assim como prestar todos os serviços relativos a estes mesmos instrumentos.
O contrato para registo e depósito encontra-se regulado pelo art. 291º, al. a) e art. 343º do CVM, está sujeito à forma escrita quando os titulares dos instrumentos financeiros são investidores não qualificados e não deve ser confundido com outros tipos de contratos como por exemplo, o contrato de depósito bancário.
No que concerne ao seu conteúdo podemos encontrar duas modalidades distintas: depósito de simples custódia e depósito de administração. O primeiro consiste na simples guarda dos instrumentos financeiros depositados e na cobrança dos respetivos rendimentos – art. 405º CCom. e art. 1187º, al. c) do CC. Existe assim uma obrigatoriedade do intermediário em manter o registo e depósito dos instrumentos e valores por conta do titular até este último, exigir a sua restituição. O intermediário está ainda obrigado a prestar um conjunto de serviços com vista à conservação e frutificação dos instrumentos financeiros. Quanto ao segundo, o depósito de administração, o intermediário vincula-se a uma obrigação de administração dos valores depositados ou seja, para além do depósito, o intermediário pode por exemplo, subscrever e adquirir novos instrumentos financeiros, gerir a tesouraria e garantias, entre outros. Parece-nos que esta última modalidade é uma mistura entre o contrato para registo e depósito e o contrato de gestão de carteira.
Quanto aos deveres associados a este tipo contratual, o intermediário está sujeito às obrigações de caráter geral bem como a obrigações de carater especial presentes no art. 306º-A, nº 1 do CVM.»
No caso sub judice, nada se tendo provado (nem alegado) em relação à administração/gestão de carteira, é de concluir que estamos perante uma modalidade de depósito de simples custódia.
O Banco Réu, nos termos do artigo 291.º, al a), do CVM, obrigou-se perante os Autores a prestar serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento, que correspondem ao registo e depósito de instrumentos financeiros, bem como os serviços relacionados com a sua guarda.
Da configuração jurídica que vem sendo mencionada, decorre que o custodiante, ora Apelado, não contraiu perante os Autores qualquer obrigação de reembolso do capital investido quando se verificasse a maturidade (vencimento) da obrigação subscrita.
Por conseguinte, não impendia sobre o Banco Réu a obrigação de pagamento, por a sua obrigação principal ser tão só de guarda e custódia. O reembolso apenas é exigível ao Emitente da obrigação aquando do vencimento.
O modo como o valor chegava à conta do cliente, ora Apelantes, encontra-se identificada no ponto 2.1.25: o BPI recebia da Euroclear (entidade custodiante central) que, por sua vez, recebia do Deutsche Bank (Agente Principal Pagador) que, por sua vez, recebia da emitente Araras Finance BV.
Corrobora-se, assim, a fundamentação da sentença quando refere:
«Em termos simples podemos concluir que o reembolso é exigível ao emitente. Existindo um Agente Pagador, é este agente pagador que paga por conta do emitente. Ao Banco Réu como simples depositário não é exigível o reembolso.
Na prática o que acontece é que o registo está na Euroclear é esta entidade que recebe do Agente Pagador, que por sua vez recebe do Emitente. Ao Banco que detém o depósito dos valores (Banco Réu), cabe proceder ao crédito do reembolso quando recebe o pagamento da Euroclear.
Concluímos pois que sobre o Banco Réu não recai a obrigação de reembolso na data da maturidade.»
Sucede, contudo, que o valor do reembolso foi creditado na conta dos Autores e, no mesmo dia, foi feito um movimento a débito (estorno) pelo mesmo valor.
Encontra-se, agora, plasmado nos factos provados aditados em sede de reapreciação da decisão de facto, a razão de tal procedimento.
Apurou-se que não se tratou de qualquer erro de processamento por parte do Banco Réu, mas sim do cumprimento dos procedimentos internos que o mesmo adotou nesta matéria, que se traduzem no seguinte: não havendo no sistema informação em contrário no sentido da Emitente não ir proceder ao reembolso na data da maturidade, creditou o valor devido na conta dos Réus, adiantando valores próprios.
Porém, posteriormente, obtida a informação que a Emitente não procedeu ao reembolso disponibilizando os necessários fundos, o Banco Réu reverteu o procedimento e procedeu ao débito do valor antes creditado.
Com base nesta operação, os Autores vêm defender que o Banco Réu «(…) atuou ao abrigo de uma «cadeia de custódia» com a única finalidade de cumprir uma obrigação “em vez de/em representação” de um terceiro (…)», defendendo, ademais, que «O facto de o Apelado ter realizado o crédito da quantia de €98.477,13 na conta dos Apelantes ainda antes de ter recebido os fundos por parte do Euroclear não afasta, em nenhuma medida, a conclusão de que o Apelado agiu em cumprimento de uma obrigação de terceiro e por indicação desse terceiro – da Entidade Emitente – e que quis, efetivamente, realizar a prestação a que se vinculou.»
Não se pode subscrever a tese defendida pelos Apelantes.
Como resultou provado, o Banco Réu nenhuma relação mantém com a entidade Emitente ou com o Agente Principal Pagador, donde o argumento que o Réu atuou por conta ou sob as instruções da(s) mesma(s), não tem qualquer apoio na realidade apurada.
A interação do Banco Réu é com a Euroclear.
No mais, seguem-se os procedimentos normalizados e instituídos na instituição bancária ré para processar este tipo de produto financeiro, enquanto entidade depositária.
O facto de ter adiantado o valor do reembolso não obnubila o facto das suas obrigações serem apenas as decorrentes da modalidade de depósito de simples custódia. Não contraiu qualquer obrigação de garantia perante os Autores de, em determinada circunstância, mormente se a Emitente não procedesse ao reembolso na data da maturidade, assegurar esse reembolso.
Ou sejam quem assumiu o risco associado a este produto financeiro foram os Autores e não o Réu, que apenas assumiu perante os Autores as funções e obrigações de um depositário.
A tese dos Autores, a vingar, transferia para o Banco Réu, mero depositário e custodiante do valor mobiliário, o risco associado à subscrição do produto, sem que houvesse qualquer negócio jurídico que sustente tal obrigação, nem qualquer contrapartida associada a essa assunção de risco.
Nestes termos, conclui-se que o Banco Réu nenhuma obrigação tem de restituir aos Autores a quantia referente ao reembolso da obrigação.
O Réu na contestação veio invocar um erro de processamento que retificou ao abrigo da cláusula 8.9 das condições gerais associadas à abertura de conta (Conta Valor).
Essa matéria não ficou provada, pois a prova revelou que não existiu qualquer erro de processamento; houve sim, falta de informação atempada sobre o não reembolso por parte da Emitente. A razão de ser dessa falta, não foi apurada. Será uma situação atípica, como dito em sede de julgamento, o que é plausível considerando que estamos a lidar com mercados financeiros e entidades financeiras altamente especializadas neste tipo de produtos e circulação dos mesmos.
De qualquer modo, não se pode considerar que o débito da quantia antes creditada tem respaldo nas condições gerais do contrato (independentemente de saber quais as concretas condições gerais aplicáveis ao contrato).
O que significa que as questões que os Apelantes suscitam em relação às condições gerais ficaram prejudicadas na sua apreciação (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
Resta aferir da regularidade do movimento a débito na conta dos Autores.
A nosso ver, o estorno do valor depositado enquadra-se no âmbito das funções a cargo do depositário.
A regra da boa-fé, em geral, prevista no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, impõe tal entendimento.
Esse mesmo princípio também é inerente às funções do intermediário financeiro como decorre do n.º 2 do artigo 304.º do CVM ao estipular «2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.»
Efetivamente, o princípio da boa-fé impõe que objetivamente o comportamento negocial, seja na formação do contrato, seja na sua execução, seja pautado pela correção, honestidade e lealdade, que são impostas pela ordem jurídica com base na razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta.
A conduta do ora Apelante ancora-se nesses princípios, considerando o circunstancialismo que determinou a atuação do Réu.
Donde a mesmo não pode ser censurada no sentido pretendido pelos ora Apelantes quanto à devolução do valor do reembolso.
Afigura-se-nos, contudo, que a conduta do Banco Réu já merece censura quanto ao comportamento posterior a esse momento.
Os factos provados nos pontos 2.1.20 a 2.23 revelam que o Réu durante mais de dois meses e meio nenhuma explicação deu aos Autores quanto à razão dos movimentos realizados, sobretudo do movimento a débito, não obstante, e desde logo, o Autor (por si e através do seu Advogado) ter diligenciado junto do Banco nesse sentido, tendo, finalmente, dirigido reclamação ao Banco de Portugal.
E, ainda, assim, quando recebeu resposta do Réu, a mesma ancora-se em factos que não veio o mesmo a demonstrar serem verdadeiros, apresentando desculpas e explicações que em nada têm a ver com a realidade apurada sobre o que efetivamente causou a necessidade do movimento a débito (cfr. pontos provados 2.1.21 a 2.1.24).
Provou-se ainda que, em consequência da falta de resposta informando-o sobre a razão do débito, o Autor sentiu o gravame de forma severa, com reflexos na sua saúde (cfr. pontos 2.1.26 a 2.1.29).
Existindo uma relação contratual de natureza bancária entre os Autores e o Réu, é inquestionável que a entidade bancária se encontra sujeita ao dever de informação.
Par além da obrigação de informar, asiste-lhe ainda o dever de o fazer com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, no âmbito daquela relação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes.
Em termos gerais, o dever de informação entre a instituição bancária e cliente é inerente à própria relação e é exigível pela natureza da atividade em causa, já que as operações bancárias impõem extrema precisão de tal modo que é defensável dizer-se que, no âmbito do direito bancário, o direito do cliente à informação é uma obrigação principal (não meramente acessória) que onera o banco.
Esse dever de informação decorre, desde logo, de prescrições indeterminadas (cláusula gerais), com relevo para a boa-fé in contrahendo e boa-fé na execução do contrato (cfr. artigos 227.º, n.º 1, 762.º, n.º 2, do Código Civil), mas também decorre de concretas prescrições legais que inculcam tal dever genérico (cfr. artigo 573.º do Código Civil) ou específico (cfr. artigos 73.º, 74.º e 75.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12).
Veja-se a propósito dos intermediários financeiros o artigo 304.º-A, n.º 2, do CVM, que estipula que incorrem em responsabilidade civil, presumindo-se a culpa, quando o dano seja causado em consequência da violação dos deveres de informação.
O dever de informação está, por outro lado, intimamente conexionado com exigências de competência técnica atinentes à atividade bancária, mas igualmente com o dever de diligência e de transparência que deve nortear a atuação dos responsáveis pela administração e gestão da instituição para com os assuntos que interessam e envolvem os seus clientes, sob pena de quebra de confiança na própria instituição.
Assim, no decurso de uma relação entre a instituição bancária e o cliente e por assuntos diretamente relacionados com a mesma, o banco está adstrito a prestar informações que, ex bona fide, tenham a ver com a mesma, sem prejuízo dos específicos deveres de informação relativos aos concretos contratos celebrados.
Ora, a violação dos deveres principais e/ou acessórios acima referidos de forma negligente, pode gerar vários danos ao cliente, suscetíveis de indemnização nos termos dos artigos 483.º, 484.º, 494.º, 485.º, n.º 2, 496.º, 562.º e seguintes do Código Civil, sendo que, verificados no âmbito relação contratual estabelecida, vigora a presunção de culpa prevista no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, incumbindo ao devedor (no caso, o Banco réu) provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua (artigo 344.º do Código Civil), sendo a culpa apreciada nos termos previstos no n.º 2 do artigo 799.º e 487.º, n.º 2, do Código Civil.
Os danos indemnizáveis tanto podem ter a vertente patrimonial como não patrimonial, sendo estes indemnizáveis desde que preenchidos os pressupostos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil (gravidade dos danos justificativa da tutela concedida).
Importando acentuar que a indemnização por danos não patrimoniais tem uma feição ressarcitória, mas igualmente punitiva, que deve ser considerada aquando da concretização do respetivo montante.
No caso em apreço, os pontos 2.1.26 a 2.1.29 revelam os danos de natureza não patrimonial que o Autor (não a Autora, pois em relação a esta nada se provou) experienciou e que, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, pela sua gravidade justificam que sejam ressarcidos.
Tudo ponderado, considerando as circunstâncias do caso em apreço vertidas no quadro fatual apurado, resulta evidenciada, à luz de um critério objetivo (tendo como padrão a diligência do bonus pater familiae - artigos 799.º, n.º 2 e 487.º, n.º 2, do Código Civil) que a conduta do Banco réu violou, negligentemente, os deveres de diligência e de informação.
Assim, apelando a critérios de equidade, como prescrito pelo artigo 494.º do Código Civil, julga-se adequado fixar em €5.000,00 a indemnização devida ao Autor a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Procede, assim, em parte, o pedido formulado sob a alínea c) do petitório.

Finalmente, importa atentar no pedido formulado sobre a alínea b), ou seja, custos suportados e a suportar pelos Autores com a defesa dos seus direitos, incluindo patrocínio e assessoria jurídica.
Este pedido improcede totalmente, porquanto, e em suma, as despesas com custas processuais e honorários de advogado por representação judiciária estão sujeitas a um regime jurídico específico, só podendo ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil (artigo 535.º) e no Regulamento das Custas Processuais (artigos 25.º e ss).

5. Dado o recíproco decaimento, as custas devidas na 1.ª instância e na apelação ficam a cargos dos Autores/Apelantes e do Réu/Apelado, na proporção do respetivo vencimento (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.


IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente:
Revogam a sentença recorrida quanto à absolvição do Réu do pedido formulado na alínea c) do petitório, condenando-o, outrossim, a pagar ao Autor A. a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais;
No demais, confirmam a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 30-06-2022
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

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[1] LEBRE DE FREITAS et al., Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 3.ª ed., 2017, Vol. 2.º, p. 735 (3).
[2] Cfr. Ac. STJ, de 02/03/1999, proc. nº 709-1.ª Secção, em www.dgsi.pt
[3] Cfr. Ac. STJ, de 03/02/1999, proc. n.º 1216/98- 1.ª Secção, em www.dgsi.pt
[4] Idem, p. 735 (2).
[5] A. BARRETO MENEZES CORDEIRO, Manual dos Valores Mobiliários, Almedina, 2016, p. 162.
Nem sempre são associados juros, podendo existir outras formas de aumento do valor investido.
[6] Investidores e Intermediários: Diferentes Contratos de Intermediação Financeira, Diferentes Deveres?, UC, Porto, 2014, pp. 30-31.
[7] Proc. n.º 2115/17.7T8VFX.L1.7 (Luís Filipe Sousa), em www.dgsi.pt