1 - Na ação de demarcação ainda que se invoque e peça conjuntamente o reconhecimento do direito de propriedade, o que verdadeiramente está em causa é apenas uma parcela daquele todo.
2 - O reconhecimento do direito de propriedade, neste âmbito, corresponde apenas a uma pretensão de fundo, que não define o litígio. O que o define é o pedido de demarcação dos prédios de AA. e RR., devido a uma zona de conflito.
3 - Pelo que o valor da ação se deverá determinar com referência ao valor da parcela em litígio e não com referência ao valor dos prédios confinantes.
(Sumário elaborado pela Relatora)
E são Réus: R…, e mulher A…
Em 11-05-2022 vieram os AA. interpor recurso de parte do seguinte despacho proferido em 22-04-2022, do seguinte teor:
«(…)
II - Da reconvenção:---
Decorre da petição inicial que os autores pedem a condenação dos réus:
(i) a verem demarcados os prédios identificados em 1.º, 2.º e 20.º da petição inicial pela linha delimitadora cadastral definida pelas coordenadas fornecidas pela Direção Geral do Território e melhor indicadas no levantamento topográfico junto aos autos,
(ii) a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre os prédios identificados nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial até à linha delimitadora indicada pelos autores ou a que vier a ser fixada, abstendo-se consequentemente de praticar qualquer ato que, de um qualquer modo impeça, dificulte ou diminua o exercício do direito dos autores sobre os prédios até à linha delimitadora,
(iii) uma vez definida a linha delimitadora dos prédios, a demolirem e retirarem tudo o que estiver a ocupar os prédios dos autores no prazo de 15 dias, entregando-o aos autores completamente livres e desocupados,
(iv) a pagarem aos autores, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €100,00, por cada dia além dos 15 dias referidos, que demorarem a limpar e desocupar o prédio destes,
(v) a pagarem as custas e demais encargos do processo – cfr. ref.ª citius n.º 8176114.---
O réu R…, no articulado de contestação, veio deduzir pedido (reconvencional) contra os autores, peticionando, em síntese, que:
“Em caso de improcedência da argumentação que antecede deve, subsidiariamente, ser o pedido reconvencional formulado ser julgado totalmente procedente, por provado e, em consequência, ser reconhecido o direito de propriedade do Réu sobre a faixa de terreno referente à estrema comum entre os artigos 45 e 46 numa largura de cerca de 1 metro e numa extensão de cerca de 110 metros, uma vez que a adquiriu por usucapião” – ref.ª citius n.º 8259230.---
Isto posto, cumpre apreciar.---
A lei permite a dedução de pedido reconvencional em determinadas situações, de entre as quais avulta a hipótese de o pedido do réu emergir do facto jurídico que serve de fundamento a ação ou à defesa – cfr. artigo 266.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Civil.---
In casu, analisada a causa de pedir que constitui o substrato da ação, bem como daquela em que se alicerça o pedido reconvencional, constata-se que são diferentes os efeitos jurídicos pretendidos pelas partes.---
(…)
Atento o exposto, por estarem verificados os respetivos pressupostos de natureza processual e substantiva, admite-se o pedido reconvencional deduzido nestes autos – cfr. artigos 266.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 530.º, n.º 2 e 583.º, n. ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.---
Notifique.---
*
III - Do valor da causa:---
Verifica-se que os autores atribuíram à ação o valor de €15.000,00 e o ré-reconvinte atribuiu à reconvenção o valor de €15.000,01 e, após, de €2.000,00 – vd. ref. ªs citius n.ºs 8176114, 8259230 e 8510196.---
Importa assinalar que as partes não impugnaram reciprocamente os valores atribuídos à ação e à reconvenção – cfr. artigo 305.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.---
Todavia, em face dos contornos desta ação, suscitou-se ao Tribunal a questão da correção do valor da causa e, por tal motivo, os autores foram notificados para se pronunciarem sobre essa questão, explicitando por que razões atribuíram o valor de €15.000,00 – cfr. artigo 104.º, n.º 2, do Código de Processo Civil; e ref.ª citius n.º 89339903.---
No exercício do contraditório, os autores sufragaram, no essencial, que “o que está em causa não é a totalidade dos prédios referenciados na petição inicial, mas sim uma parcela deles, pelo que o valor da ação corresponde ao da parcela em litígio. Daí terem os AA. atribuído à ação o valor de €15.000,00, e não o valor total dos prédios. Este valor não foi contestado pelos RR” – cfr. ref.ª citius n.º 8533222.---
*
Atendendo aos elementos documentais juntos aos autos, aos pedidos deduzidos nesta ação e tendo presentes, de resto, as normas legais aplicáveis, afigura-se que o valor atribuído à ação não se encontra corretamente indicado por referência aos critérios previstos na lei.---
Nesta medida, importa, antes de mais, fixar o valor da causa, uma vez que se trata de matéria que deve ser tratada em despacho pré-saneador – cfr. artigos 306.º, n.º 1 e 590.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código de Processo Civil.---
*
Sabe-se que a toda a causa devem as partes atribuir um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, sendo certo que se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa – cfr. artigos 296.º, n.º 1 e 302.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.---
Além disso, preceitua o artigo 299.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que “O valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos (…)”.---
Ora, analisados os elementos documentais constantes do processo, constatamos que da caderneta predial referente ao prédio urbano identificado no artigo 1.º da petição inicial resulta um valor patrimonial atual de €67.002,99 e, já no que respeita ao prédio rústico identificado no artigo 2.º do mesmo articulado, extrai-se um valor patrimonial atual de €489,44.---
Defendem os autores que “o que está em causa não é a totalidade dos prédios referenciados na petição inicial, mas sim uma parcela deles, pelo que o valor da ação corresponde ao da parcela em litígio”. Sucede, porém, que, conforme já deixamos evidenciado nas linhas que antecedem, um dos pedidos formulados pelos autores corresponde precisamente ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre os prédios identificados nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial até à linha delimitadora indicada pelos mesmos ou a que vier a ser fixada, abstendo-se, consequentemente, de praticar qualquer ato que, de um qualquer modo, impeça, dificulte ou diminua o exercício do direito de propriedade dos autores sobre os prédios até à linha delimitadora. E tanto assim é que este pedido esteve na base, aliás, da invocação da exceção dilatória de nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, com fundamento, além do mais, numa eventual incompatibilidade substancial de pedidos e causas de pedir.---
Nesta medida, considerando os elementos dos autos, importa fixar à ação o valor de €67.492,43 (€67.002,99 + €489,44) e à reconvenção o valor de €2.000,00.---
Dessarte, decide-se fixar à presente causa o valor global de €69.492,43 [sem prejuízo da necessidade de futuro reforço do pagamento da taxa de justiça devida em face da mudança de escalão tributário, doravante, por força da correção do valor da causa, o 8.º] – cfr. artigos 296.º, n.º 1, 299.º, n.ºs 1 e 2, 302.º, n.º 1, 308.º e 530.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.---
Notifique.---
*
IV - Da incompetência:---
Verifica-se que a infração das regras de competência fundadas no valor da causa ou na divisão judicial do território determina a incompetência relativa do tribunal – cfr. artigos 102.º e 105.º, ambos do Código de Processo Civil.---
A incompetência em razão do valor, tratando-se de exceção dilatória, é do conhecimento oficioso do tribunal, seja qual for a ação em que se suscite e deve ser suscitada pelo juiz até ao despacho saneador – cfr. artigos 104.º, n.ºs 2 e 3 e 577.º, alínea a), ambos do Código de Processo Civil.---
As leis de organização judiciária determinam as causas que, pelo seu valor, se inserem na competência dos juízos centrais e dos juízos locais, competindo aos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a €50.000,00 – cfr. artigo 66.º do Código de Processo Civil; e artigo 117.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º62/2013, de 26.08.---
Perante o valor da causa fixado no despacho que antecede, é de concluir que o presente Juízo Local Cível não é legalmente competente, em razão do valor, para a tramitação da presente causa, cabendo a competência aos Juízos Centrais Cíveis de Santarém, para os quais deverão ser oportunamente remetidos os presentes autos – cfr. artigos 93.º, n.º 2, 104.º, n.ºs 2 e 3, 296.º, n.º 2, 310.º, n.º 1 e 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil; e Anexo I do Decreto-Lei n.º 86/2016, de 27.12.---
*
Verificando-se que os autores deram causa ao incidente de verificação do valor da causa, deverão os mesmos suportar as custas do incidente, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal – cfr. artigos 527.º, n.º 1 e 539.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil; e artigo 7.º, n.º 4, do Reg. das Custas Processuais.---
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*
Atento o exposto, decide-se:---
I - Fixar o valor da causa no montante global de €69.492,43 (sessenta e nove mil, quatrocentos e noventa e dois euros e quarenta e três cêntimos);---
II - Julgar este Juízo Local Cível de Torres Novas, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, incompetente, em razão do valor, para a tramitação e decisão da causa, declarando-se competentes os Juízos Centrais Cíveis de Santarém, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém;---
III - Condenar os autores nas custas deste incidente, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal;---
IV - Notifique e registe.---
V - Após trânsito em julgado da presente decisão, remetam-se os autos ao tribunal competente.---
Torres Novas, 22.04.2022.»
Concluem os AA/ apelantes nas suas alegações que:
1- O Despacho/Decisão de que se recorre fixou o valor à ação em € 67.492,43 (sessenta e sete mil quatrocentos e noventa e dois euros e quarenta e três cêntimos).
2- Os AA., aqui Recorrentes atribuíram à ação o valor de € 15.000,00 (quinze mil euros).
3- Este valor de € 15.000,00 não foi contestado por nenhum dos RR.
4- O que se pretende com a presente ação é exclusivamente a demarcação e colocação de marcos que limitem as estremas dos prédios confinantes de AA. e RR.
5- O artigo 296 do CPC no seu nº 1, estatui que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido. E, no seu nº 2, dispõe que se atente a este valor para determinar a competência do Tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do Tribunal.
6- Estabelece-se no artigo 302 nº 1 do CPC que “se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa”.
7- Por outro lado, quando na ação se discuta ou vise exercer alguma das faculdades a que alude o artigo 1305 do C.C. (gozo, uso, fruição e disposição), o valor processual corresponde ao valor da coisa a determinar por referência ao respetivo rendimento ou, se o não produzir, ao que derivar de um juízo relativo à respetiva matéria, utilidade e estado de conservação ou de manutenção.
8- Na presente ação o que está em causa não é a totalidade dos prédios referenciados na petição inicial, mas sim uma parcela deles, pelo que o valor da ação corresponde ao da parcela em litígio.
9- O tribunal “a quo” na determinação do valor da ação ateve-se aos elementos matriciais já constantes do processo e, por esse motivo, fixou o valor da ação em € 67.492,43.
10- Entendeu o tribunal “a quo” que um dos pedidos formulados pelos AA. corresponde precisamente ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos AA. sobre os prédios identificados nos artigos 1.º e 2.º da P.I. até à linha delimitadora indicada pelos mesmos ou a que vier a ser fixada, abstendo-se, consequentemente, de praticar qualquer ato que, de um qualquer modo, impeça, dificulte ou diminua o exercício do direito de propriedade dos autores sobre os prédios até à linha delimitadora. Nesta medida, entende o tribunal “a quo”, considerando os elementos dos autos, “importa fixar à ação o valor de € 67.492,43 (€67.002,99 + €489,44).
11- Entendem os Recorrentes que tal valor patrimonial nunca poderá ser atendido.
12- O douto Despacho/Decisão proferido enferma de erro na parte referente à fixação do valor da causa, concretamente na forma como apurou e determinou o valor da ação.
13- Pelo que, não fez a melhor aplicação do disposto nos artigos 296 nº 1, 302 nº 1, 308 do CPC e artigo 1305 do Código Civil.
14- Em virtude do novo valor fixado extraem-se consequências do disposto no nº 2 do artigo 296 do CPC, nomeadamente quanto à competência do Tribunal e à relação da causa com a alçada do Tribunal.
15- Se os elementos constantes do processo se revelarem insuficientes para proceder à fixação do valor da ação, deve o tribunal “a quo” ordenar diligências para apurar tal valor.
Nestes termos e nos melhores de direito que VV. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, e em consequência ser retificado o valor da causa.
Por essa forma fazendo VV. Exas. a COSTUMADA JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra-alegações.
O objeto do recurso consiste em apurar se o valor da causa se mostra erradamente fixado no despacho recorrido, sendo de manter o indicado pelos AA.. Está em discussão a utilidade económica do pedido dos AA.
Os factos com relevo para o recurso resultam do relatório supra a que se acrescentam os seguintes:
Na petição os AA. invocam como causa de pedir mediata, o serem donos e legítimos possuidores de determinados prédios (um urbano e um rústico onde aquele se mostra implantado), posse essa que proveio dos antecessores, vendedores de ambos os prédios aos AA e, o registo de propriedade a seu favor.
Invocam ainda como causa de pedir imediata a seguinte factualidade (sublinhados nossos):
« 20.º- A confrontar do lado nascente com os prédios dos AA., encontra-se o prédio composto de casa de rés do chão para habitação, páteo e logradouro e terra com olival, figueira, horta e oliveiras pertença dos RR., sito na Rua …, concelho de Torres Novas (…)
21.º- Os prédios dos AA. e RR. são assim prédios contíguos e confinantes entre si, nas suas estremas nascente/poente, respetivamente.
22.º - Acontece que as referidas estremas nascente/poente nunca estiveram definitivamente assentes e definidas entre AA. e RR..
23.º - Os marcos que existiam nos limites das propriedades foram arrancados e os demais sinais naturais existentes no terreno delimitadores das estremas, nunca foram aceites pelos RR.
24.º - Os RR. tem vindo ao longo dos tempos, de forma abusiva e de modo unilateral, a ultrapassar, para o lado da propriedade dos AA., os sinais naturais da linha divisória dos terrenos.
25.º - Caso evidente desta situação respeita a uma caixa de água proveniente de uma linha de água existente, que, neste momento e devido a obras efetuadas pelos RR., se encontra, aparentemente na propriedade destes, quando até à pouco tempo atrás e antes das obras, se encontrava dentro da propriedade dos AA.
26.º - Os RR., entre a sua propriedade e a dos AA., procederam à construção de um muro, em blocos de cimento e rede, numa extensão de cerca de 15 metros com 2,20 metros de altura, tendo posteriormente e após oposição dos AA., retirado já, parte da rede.
27.º - Procederam também os RR. à construção de uma garagem e de uma dependência da habitação, em terreno que os AA. consideram ser já seu.
28.º - Desde o início destas construções por parte dos RR., que os AA. sempre manifestaram o seu inconformismo e oposição com tal ocupação de terreno, sem que previamente estivessem acordadas e fossem definidas e assentes os limites das duas propriedades.
29.º - Os AA. sempre se opuseram e nunca consentiram essas construções, manifestando tal discordância ora pessoalmente, ora através da sua Mandatária, tanto verbalmente, como por escrito, conforme doc. nº 7 que se junta e se dá por reproduzido.
30.º - Os RR. têm agido de forma abusiva e de má-fé, fazendo as obras à socapa e aproveitando-se da ausência dos AA. que ali não residem, pois residem em … e só esporadicamente se deslocam a esta sua propriedade, sita em …, Torres Novas.
31.º - Os AA. para que não restassem dúvidas e numa derradeira tentativa de resolver de forma amigável a situação com os RR., solicitaram junto da Direção Geral do Território, informação correta e fidedigna sobre coordenadas gráficas dos marcos e pontos de estrema do seu prédio rústico (artigo …, onde se encontra implantado o artigo urbano …), tendo a dita Direção Geral do Território enviado aos AA. a certidão que ora se junta e que se dá por inteiramente reproduzida – doc. nº 8
32.º - De posse desta certidão e com base na informação aí constante das coordenadas gráficas e do cadastro, os AA. mandaram proceder ao levantamento topográfico georreferenciado da sua propriedade, tudo conforme documento 9 que ora se junta.
33.º - Ora, tais documentos provam e comprovam à evidência a ocupação, por parte dos RR, de parcela de terreno pertencente aos AA., parcela que se encontra delimitada a cor azul no levantamento topográfico que ora se junta doc. 10.
(…)
38.º - Pelo que e desde já requerem os AA. que deverá ser esta a linha delimitadora que, entre os dois prédios, deverá ser fixada.
39.º - O artigo 1353 do CC consagra o direito potestativo do dono de um prédio obter concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles.
40.º - A ação de demarcação visa resolver o “conflito de prédios”, no sentido de se saber onde acaba um e começa o outro, ou seja, definir as estremas entre dois prédios contíguos, propriedade de donos diferentes.
41.º- Requerem assim os AA., perante o conflito existente com os RR., que seja efetuada a demarcação entre o seu prédio e o prédio dos RR., pelo limite do cadastro nos termos definidos pelo levantamento topográfico georreferenciado ora junto, o qual foi elaborado pelas coordenadas fornecidas pela Direção Geral do Território.
O Direito:
O art. 296º do CPC no seu nº 1, dispõe que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido.
E no nº 2, estatui que se atende a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
Na petição o autor deve declarar o valor da causa e se o réu não o impugnar, tal significa que aceita o valor atribuído pelo autor (cf. artºs. 552º, nº 1, al. f) e 305º, nº 4 do CPC).
Porém, compete ao juiz que fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, sendo o momento processualmente adequado para tal efeito o despacho saneador (cf. art. 306º, nº 1 e 2 do CPC).
A determinação do valor da causa, quando as partes não tenham chegado a acordo ou quando o juiz o não aceite, faz-se em face dos elementos que constam do processo ou, mostrando-se estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar (cf. art. 308º do CPC).
Assim, o acordo das partes não obsta a que o juiz altere o valor se os elementos constantes do processo e o normativo que o rege, impuserem valor diferente. A alteração não é arbitrária, assenta em critérios legais.
No caso em apreço os AA. atribuíram à ação o valor de €15.000. E quando notificados para o efeito explicaram que: “[o] que está em causa não é a totalidade dos prédios referenciados na petição inicial, mas sim uma parcela deles, pelo que o valor da ação corresponde ao da parcela em litígio. Daí terem os AA. atribuído à ação o valor de €15.000,00, e não o valor total dos prédios”.
A Mmª Juíza, porém, entendeu que “um dos pedidos formulados pelos autores corresponde precisamente ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre os prédios identificados nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial até à linha delimitadora indicada pelos mesmos ou a que vier a ser fixada, abstendo-se, consequentemente, de praticar qualquer ato que, de um qualquer modo, impeça, dificulte ou diminua o exercício do direito de propriedade dos autores sobre os prédios até à linha delimitadora. (…) Nesta medida, considerando os elementos dos autos, importa fixar à ação o valor de €67.492,43 (€67.002,99 + €489,44) e à reconvenção o valor de €2.000,00”.
Sendo os valores de €67.002,99 e de €489,44, os que resultam das respetivas cadernetas prediais, respetivamente urbana e rústica.
Tal decisão assenta no pressuposto de que os AA. formularam pedidos cumulativos : o de reivindicação de propriedade e o de demarcação. Sendo o primeiro, de reconhecimento de propriedade e sujeito à norma do art. 302º nº 1 do CPC: « 1 - Se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa», - aquele que deve predominar.
Sucede que, o valor patrimonial dos prédios em causa têm em conta toda a área dos prédios dos AA (urbano e rústico) com todas as construções e edificações nele existentes. E não apenas a parte em litígio.
O reconhecimento do direito de propriedade, neste âmbito, corresponde apenas a uma pretensão de fundo, que não define o litígio. O que o define é o pedido de demarcação dos prédios de AA. e RR., devido a uma zona de conflito.
Por isso a doutrina tem entendido que, quando o que verdadeiramente está em causa é apenas uma parcela daquele todo, o valor da ação se deverá determinar com referência ao valor da parcela em litígio. Nesse sentido, Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, Almedina, 4ª ed., pág. 45.
Também a jurisprudência adere a esse entendimento, numa breve pesquisa in www.dgsi.pt:
Assim, o Ac. TRE, P.080740, datado de 28-05-1991 (Leite Marreiros), com o seguinte sumário:
«I - Na ação de demarcação o valor da causa deve ser fixado em atenção ao valor da faixa de terreno em litígio e não em atenção ao valor dos prédios confinantes.»
Também o Ac. TRG, P.527/17 .5T8BCL -A.G1, datado de 18-12-2017 (Maria Purificação Carvalho):
« - Numa ação em que se pretende fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa o seu valor processual corresponde ao valor real da coisa, a determinar por referência ao respetivo rendimento ou, se o não produzir, ao que derivar de um juízo relativo à respetiva matéria, utilidade e estado de conservação ou de manutenção o que não se confunde com o respetivo valor matricial.
- Mas se estiver em causa apenas uma parte de uma coisa, ainda que se peça a declaração do direito de propriedade sobre toda ela, é o valor da parte em litígio que define o valor processual da causa.»
Importa reter que o pedido dos AA. que diretamente se conforma com a resolução do litígio é o que indicaram à cabeça do seu petitório: a condenação dos RR (i) a verem demarcados os prédios identificados em 1.º, 2.º e 20.º da petição inicial pela linha delimitadora cadastral definida pelas coordenadas fornecidas pela Direção Geral do Território e melhor indicadas no levantamento topográfico junto aos autos.
Ora, o valor que indicaram como valor da ação (€15.000) corresponde a um valor situado entre 1/5 e 1/4 do valor matricial conjunto dos prédios rústico e urbano dos AA. (€67.492,43).
Sendo por isso um valor que, sem dificuldade, se aceita como cobrindo a área em discussão (numa largura de cerca de 1 metro e numa extensão de cerca de 110 metros), logo, representativo da utilidade económica do pedido.
Devendo ser esse o valor a considerar para a demanda dos AA..
No que procede o recurso.
Sem custas.
Anabela Luna de Carvalho (Relatora)
Maria Adelaide Domingos
José António Penetra Lúcio