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PRÁTICAS DE PUBLICIDADE EM SAÚDE
Sumário
Práticas de publicidade em saúde – Elementos descritivos e normativos do tipo objectivo de ilícito – Violação dos direitos de defesa na fase administrativa – Falta de indicação dos factos e da motivação – Tipo subjectivo de ilícito negligente
Texto Integral
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa
1.–A recorrente, veio interpor o presente recurso da decisão judicial proferida em 8.3.2022 (referência citius 345054), pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (doravante também Tribunal de primeira instância ou Tribunal a quo), que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela recorrente contra a decisão da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) no processo administrativo AV/047/2017 e condenou a recorrente pela prática de três contraordenações ao Regime Jurídico das práticas de publicidade em saúde (DL 238/2015) no pagamento da coima única de 6.500,00 euros.
2.–É a seguinte a parte decisória da sentença recorrida:
“Decisão Face ao exposto e pelos fundamentos expendidos, julgo totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente MED&CR – SERVIÇOS DE GESTÃO DE CARTÕES DE SAÚDE, UNIPESSOAL LDA., contra a decisão da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e, em consequência, decido: a)-Julgar totalmente improcedentes as nulidades, questões prévias ou incidentais suscitadas pela Recorrente na impugnação judicial deduzida; b)-Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação respeitante à concessão e difusão de campanha publicitária relativa à oferta de um plano de saúde, que incluía actos e serviços grátis na área de medicina dentária (denominado como “cartão Medicare Silver”), difundida por via electrónica, pelo menos, entre 11 de Outubro de 2016 e 17 de Julho de 2017, em violação das disposições conjugadas do artigo 5.º, do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea b), todos do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de Outubro, bem como do artigo 3.º, n.º 2, alíneas e) e g) do Regulamento da ERS n.º 1058/2016, aplicável ex vi do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 238/2015l (infracção n.º 1), na coima que fixo em € 4.000,00 (quatro mil euros); c)-Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação respeitante à concepção e difusão de campanha publicitária relativa à oferta de análises clínicas (denominada “campanha Medicare Gold”), difundida por via electrónica, pelo menos, entre 31 de Julho e 24 de Agosto de 2018, em violação das disposições conjugadas do artigo 5.º, do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea b), todos do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de Outubro, bem como do artigo 3.º, n.º 2, alínea g) do Regulamento da ERS 1058/2016, aplicável ex vi do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de Outubro (infracção n.º 3), na coima que fixo em € 4.000,00 (quatro mil euros); d)-Condenar a Recorrente pela prática da contra-ordenação respeitante à concepção difusão de campanha publicitária relativa à oferta de um plano de saúde, que supostamente consubstanciava um “complemento à ADSE”, difundida por via electrónica, pelo menos, no dia 2 de Abril de 2019, em violação das disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 1, alínea d) e alínea e), ponto i) do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de Outubro (infracção n.º 4), na coima que fixo em € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); e)-Operar ao cúmulo jurídico das coimas acima fixadas sob os pontos b) a d) e, em consequência, condenar a Recorrente no pagamento de uma coima única no valor de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros).”
3.–Neste recurso a arguida/recorrente, formula os seguintes pedidos:
(i)-o presente processo ser declarado nulo desde o Despacho Acusatório, por violação do direito de defesa da Arguida, em virtude de não terem sido comunicados à Arguida todos os elementos relevantes (factos e prova) para o respetivo exercício; (ii)-caso assim não se entenda, deve a Decisão da ERS ser declarada nula, por terem sido incluídos no processo novos elementos probatórios que foram considerados e relativamente aos quais não foi dado direito ao contraditório à Arguida; (iii)-caso assim não se entenda, deve a Decisão da ERS ser declarada nula, por ter condenado a Arguida por factos que não lhe foram comunicados; (iv)-caso assim não se entenda, deve o presente processo ser arquivado, por não se mostrarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos dos três ilícitos pelos quais a Arguida vem condenada; (v)-caso assim não se entenda, deve ser recusada a aplicação da norma inconstitucional invocada e, em consequência, deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que observe a proibição de reformation in pejus, nos termos consagrados no artigo 72.º-A do RGCO;
(vi)-caso assim não se entenda, deve a coima ser aplicada à MEDICARE ser reduzida.
4.–Nas alegações e conclusões, a recorrente invoca, em síntese, argumentos que serão agrupados como se segue:
Nulidade por violação do direito de defesa na fase administrativa
§ A nulidade do processo de contraordenação por não terem sido comunicadas à arguida, pela ERC, as exposições e queixas juntas antes de ser proferida a acusação, restringindo o acesso ao processo, o direito de defesa da arguida e o direito a um processo equitativo previstos nos artigos 20.º n.º 4, 32.º n.º 10 da CRP (Constituição da República Portuguesa) e 50.º do RGCO (Regime Geral das Contraordenações)
§ O que constitui nulidade insanável da acusação por força do artigo 283.º do CPP (Código de Processo Penal) aplicável ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO;
§ A restrição ao direito de a arguida aceder ao processo constitui uma nulidade prevista nos artigos 86.º n.º 1 e 6 – c) do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO;
§ A decisão da ERC é nula por ter condenado a arguida com base nos seguintes elementos probatórios juntos ao processo após a apresentação da defesa da arguida por violação do direito de defesa e de audição da arguida previsto no artigo 50.º do RGCO e 32.º n.ºs 5 e 10 da CRP: (i)-reclamação, recebida em 31.12.2019, subscrita por LDS.....; (ii)-mensagem de correio eletrónico, em 09.04.2020, remetida pela Dra. CT....., na qualidade de Diretora-Geral da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor; (iii)-reclamação da Direção-Geral do Consumidor de 25.08.2020; (iv)-prints da sua página de Internet capturados em 18.06.2021 e em 02.07.2021.
Nulidade por alteração dos factos constantes da acusação na fase administrativa
§ A decisão da ERS é nula por condenar a arguida por factos praticados a título de negligência que não constavam do despacho de acusação, que não imputava os factos a título de negligência nem de dolo, não contendo assim factos relativos ao preenchimento do elemento subjectivo do tipo de ilícito;
§ O que constitui uma alteração dos factos não previamente comunicada à arguida, que infringe o disposto no artigo 359.º do CPP ou, subsidiariamente, no artigo 358.º do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º do RGCO, acarretando a nulidade da decisão condenatória nos termos do artigo 379.º n.º 1 - b) do CPP, aplicável por força do artigo 41.ºdo RGCO;
Âmbito de aplicação do RJPPS
§ O RJPPS (Regime Jurídico das Práticas de Publicidade em Saúde, aprovado pelo DL 238/15) não se aplica à arguida uma vez que esta não é entidade prestadora de cuidados de saúde, não se enquadrando nas definições previstas nos artigos 1.º e 2.º - a) e b) desse diploma;
Absolvição quanto às infracções n.ºs 1 e 3
§ A ERS interpreta incorrectamente o artigo 5.º n.º 1 do RJPPS e o artigo 3.º n.º 2 – e) e g) do Estatuto da ERS (Estatuto da Entidade Reguladora da Saúde, aprovado pelo DL 126/2014) na medida em que não levou em conta que a publicidade em análise tem por objecto um plano de saúde e não os actos ou serviços de saúde nele incluídos e que o dever de objectividade não se confunde com o dever de exaustão dos termos e condições aplicáveis, objecto de esclarecimento no momento da susbcrição, o que diminui o risco suscitado pela publicidade em questão;
§ A ERS interpreta incorrectamente o artigo 7.º n.º 1 – b) e n.º 2 – b) do RJPPS, que visa evitar a publicidade de serviços ou de acto de saúde concreto e sujeito a prescrição médica, o que não é o caso, pois a arguida publicita cartões ou planos de saúde que envolvem actos e serviços não sujeitos a prescrição médica (e.g. a ida a consulta de dentista), cuja publicidade é licita;
§ Perante a interpretação correcta dos preceitos acima referidos, a arguida deve ser absolvida das infracções n.ºs 1 e 3 uma vez que não se mostra preenchido o tipo objectivo de ilícito previsto no artigo 8.º n.º 1, a) e b) e n.º 2, do RJPPS, tendo sido violados os princípios da legalidade e da tipicidade consagrados nos artigos 29.º n.º 1 da CRP e 1.º e 2.º do RGCO;
Absolvição quanto à infracção n.º 4
§ A ERS interpreta incorrectamente o artigo 7.º n.º 1, d) e e), ponto i) do RJPPS, na medida em que tal norma visa proteger o utente de práticas enganosas e a expressão usada para publicitar o plano como “complemento à ADSE” não viola essa norma por não ser compaginável como atribuição de qualquer ligação entre a arguida e a ADSE;
§ Pelo que, não se mostrando preenchido o tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 8.º, n.º 1, a) do RJPPS, foram violados os princípios da legalidade e da tipicidade consagrados nos artigos 29.º n.º 1 da CRP e 1.º e 2.º do RGCO, devendo a arguida deve ser absolvida da infracção n.º 4
Reformatio in pejus
§ A arguida cessou espontaneamente a prática que lhe é imputada nos autos antes da decisão condenatória proferida pela ERS, o que diminui as exigências de prevenção geral e torna injustificado o agravamento da coima pelo Tribunal de primeira instância;
§ O artigo 67.º n.º 3 do Estatuto da ERS que permite ao Tribunal, em caso de impugnação judicial, aumentar a coima aplicada pela autoridade administrativa, é inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 13.º, 18.º n.º 2, 32.º n.º 10, 20.º n.ºs 1 e 4 e 268.º da CRP, inconstitucionalidade que deve ser declarada;
§ A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que observe o princípio da reformatio in pejus previsto no artigo 72-A do RGCO e, no caso de condenação, a coima deve aproximar-se do limiar mínimo da moldura aplicável à negligência.
5.–A recorrida respondeu, pedindo que seja negado provimento ao recurso, alegando e concluindo, em síntese
§ A sentença recorrida deve manter-se na parte em que julgou as nulidades invocadas improcedentes ou sanadas pela conduta da arguida, não tendo esta alegado qualquer vício da sentença a esse respeito;
§ A decisão do Tribunal a quo não enferma de erro na aplicação do direito, tendo interpretado correctamente os artigos 5.º, 7.º n.º 1 – b), d) e e) ii) e n.º 2 -b) do RJPPS, bem como o artigo 3.º n.º 2 – e) e g) do Regulamento da ERS n.º 1058/2016, aplicável ex vi artigo 10.º do RJPPS;
§ O RJPPS inclui no seu âmbito de aplicação a actividade publicitária levada a cabo pela arguida a qual deve observar as exigências de objectividade e transparência previstas nesse diploma legal;
§ O Tribunal Constitucional, nos acórdãos 373/2015 e 141/2019, já se pronunciou pela constitucionalidade de outras regras idênticas ao artigo 67.º n.º 3, que admitem a reformatio in pejus noutros domínios da regulação;
§ As coimas aplicadas pelo Tribunal de primeira instância são adequadas aos fins das coimas e respeitam o artigo 18.º n.º 2 da CRP e os princípios da necessidade e da proporcionalidade.
6.–O Ministério Público respondeu, pugnando pela absolvição da arguida quanto à infracção n.º 1 e pelo indeferimento da restante parte do recurso, alegando, em síntese:
§ Relativamente às questões da nulidade da decisão da ERC e da improcedência das condenações pelas infrações n.º 1, 3 e 4, a arguida não impugna a sentença recorrida, pelo que o recurso deve ser, nessa parte, liminarmente indeferido;
§ Quanto à questão da reformatio in pejus – tendo a ERC, pela prática das três contraordenações em causa, condenado a arguida na coima única de 3.000,00 euros e o Tribunal a quo, condenado a arguida pelas mesmas contraordenações, na coima única de 6.500,00 euros – o Tribunal Constitucional (TC) já validou essa possibilidade em várias decisões (acórdãos 373/2015 e 422/2016 e decisões sumárias TC 300/2016 e TC 8/2020), pelo que, o recurso deve improceder nessa parte;
§ Certamente por lapso, o dispositivo da sentença recorrida não indica a norma principal pela qual a arguida foi condenada relativamente a cada uma das contraordenações, que é o artigo 8º do RJPPS, pelo que, importa indicar que se trata do nº 1, alínea a) como resulta da linha 1746/parágrafo 70 da sentença, optando-se pela alínea a) e não pela alínea b) para evitar a punição pela norma mais grave;
§ O elemento subjetivo sob a forma de negligência não foi suficientemente descrito nos pontos 33, 44 e 49 da matéria de facto, pois nestes não está incluído o elemento intelectual, ficando sem se saber se a arguida conhecia o teor da proibição aplicável à actividade que exerce profissionalmente;
§ A matéria de facto não permite concluir se, ao nível do elemento cognitivo do tipo subjetivo, a negligência foi consciente ou inconsciente, ou seja, se se aplica o artigo 15º alínea a) ou b) do CP (Código Penal) (cf. linhas 1143, 1150, 1153 a 1167 da sentença recorrida);
§ Quanto à infração n.º 1, há que atender ao ponto 31 da matéria de facto, do qual resulta a dúvida sobre a falta de prestação de informação ao consumidor, censurada à arguida;
§ Pelo que, na dúvida, a arguida deve ser absolvida da infracção n.º 1;
§Ao ter optado por colmatar as deficiências da decisão administrativa (cf. linhas 634-637 da sentença recorrida) que, na ótica do Ministério Público justificavam a declaração de nulidade desta e a consequente devolução dos autos à entidade administrativa, a sentença recorrida acabou por ficar contaminada por essas deficiências;
7.–Na segunda instância, o digno magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser dado provimento parcial ao recurso, reformulando-se a final o cúmulo jurídico das coimas, acompanhando a resposta do digno Magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal de primeira instância.
8.–Foi cumprido o disposto no artigo 417.º do CPP, tendo a arguida respondido ao parecer do digno magistrado do Ministério Público junto a este Tribunal, manifestando, em síntese, a sua concordância com o pedido de absolvição pela prática da infracção n.º 1 e discordando, no mais, quer da aplicação da reformatio in pejus, quer da alegada limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação, invocados como motivo de indeferimento da restante parte do recurso.
9.–Admitido o recurso, mantido o seu efeito e corridos os vistos, cumpre decidir.
Delimitação do âmbito do recurso
10.–São as seguintes, as questões relevantes para a decisão do recurso:
A.–Nulidades resultantes da violação dos direitos de defesa na fase administrativa B.–Falta de preenchimento dos elementos descritivos e normativos do tipo objectivo de ilícito C.–Falta de indicação do preceito legal violado no dispositivo da sentença e insuficiência da motivação quanto aos elementos do tipo subjectivo de ilícito D.–Reformatio in pejus
Factos provados constantes da decisão recorrida
Nota preliminar: a numeração dos factos provados e não provados, assim como os subtítulos dados a cada conjunto de factos, na sentença recorrida, são a seguir indicadas para facilitar a leitura e as remissões feitas nas peças processuais.
11.–(1)-À data dos factos em causa nos autos, a marca MEDICARE era detida pela sociedade comercial Passos Firmes, Lda., titular do NIPC 5.......0, com sede na Avª. ....., n.º..., Piso ..., 1...-... - L____, e cujo objecto social incluía, entre outras matérias, a produção e comercialização de cartões integrados de saúde, bem como a publicidade e o marketing.
12.–(2)-No dia 5 de Junho de 2017, por via de uma operação de fusão, a sobredita sociedade comercial, juntamente com outras, foi incorporada na sociedade comercial GESTICLUB, Unipessoal Lda., com o NIPC 5.......5, tendo sido, também nessa data, alterada a firma da sociedade incorporante para MED&CR – Serviços de Gestão de Cartões de Saúde, Unipessoal Lda., sociedade que não se encontrava registada no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados (SRER) da ERS.
13.–(3)-A sociedade MED&CR – Serviços de Gestão de Cartões de Saúde, Unipessoal Lda., NIPC 5.......5, com sede na Avª. ....., n.º ..., Piso ..., 1...-... - L____, tinha, nessa data, como objecto social: “A produção e comercialização de cartões integrados de saúde e bem-estar; publicidade e marketing; serviços de consultoria para os negócios; gestão e formação; elaboração de estudos, projetos e auditorias; organização de eventos; comércio, representação, importação e exportação de produtos alimentares e bebidas, cosmética, equipamentos industriais e de escritório, informáticos e de telecomunicações, viaturas, mobiliário, produtos e serviços de bem-estar; outsourcing comercial. Prestação de cuidados de saúde de clínica geral e assistência médica ao domicílio, nomeadamente, prestação de serviços médicos de urgência, cuidados de saúde, medicina do trabalho, segurança, higiene e saúde no trabalho, entre outras atividades com estas conexas.”.
14.–(4)-A recorrente não presta cuidados de saúde, não realizando actos médicos, tratamentos, consultas ou diagnósticos.
15.–(5)-Comercializa planos de saúde.
16.–(6)-Os planos de saúde comercializados pela MEDICARE permitem ao subscritor o acesso a uma rede convencionada de prestadores de cuidados de saúde (rede Medicare), mediante o pagamento de uma contrapartida monetária mensal ou anual (mensalidade ou anuidade), com condições vantajosas previamente acordadas entre a Medicare e a rede de prestadores.
17.–(7)-O contrato subjacente à subscrição dos planos de saúde é celebrado exclusivamente entre a MEDICARE e o aderente, então subscritor do plano de saúde, não existindo qualquer intervenção por parte de qualquer um dos prestadores da rede convencionada MEDICARE nesse acto.
18.–(8)-A relação e consequente prestação de serviços médicos entre os subscritores dos planos e a rede de prestadores de cuidados de saúde é realizada de forma directa, sem qualquer interferência da Medicare.
19.–(9)-É a MEDICARE que negoceia, junto dos prestadores que compõem a rede Medicare, as condições de acesso aos serviços disponibilizados nos seus planos de saúde, os quais se gerem por uma tabela de valores convencionados, mediante a celebração de convenções onde se encontram definidas as condições, os preços, descontos e ofertas referentes aos serviços prestados, sendo que cada parceiro tem a sua própria tabela, já que a negociação é individual.
20.–(10)-As condições de cada plano de saúde são definidas pelo departamento comercial da Recorrente e pelo departamento de gestão de parceiros.
21.–(11)-A rede de prestadores da MEDICARE encontra-se disponível na sua página www.medicare.pt.
22.–(12)-Entre 2016 e 2018 a MEDICARE comercializou os planos de saúde denominados de plano Silver, plano Platinium, plano Platinium Mais, plano Platinium Mais Vida e plano Sénior.
23.–(13)-Os planos de saúde da MEDICARE podem ser comercializados via atendimento telefónico, presencial e online, sendo disponibilizados aos clientes, aquando da adesão, a informação contratual sobre o plano subscrito.
24.–(14)-As campanhas publicitárias associadas aos planos de saúde por si comercializados são, em regra, publicitadas na sua página web (www.medicare.pt) sendo que, no que respeita em particular aos planos de saúde comercializados entre 2016 a 2019, os mesmos foram igualmente difundidos na televisão, nas rede sociais e, no respeitante ao plano Silver, com recurso a campanhas de e-mail marketing.
25.–(15)-Os anúncios dos planos de saúde, ao estarem disponíveis em ambiente digital, contêm links com a indicação “Saber Mais” que direccionam o potencial aderente interessado para uma página, existente no website da Medicare, onde poderá encontrar toda a informação necessária à contratação e esclarecimento, incluindo o detalhe das vantagens e ofertas.
26.–(16)-Em particular, poderá encontrar todo o detalhe dos termos e condições, incluindo as ofertas e limitações de cada Campanha, nomeadamente quais os actos que são gratuitos, quais as condições e pressupostos para poder beneficiar desses actos gratuitos, o período durante o qual os mesmos permanecem gratuitos e as respectivas exclusões.
27.–(17)-Essas informações são também prestadas pelo Serviço de Apoio ao Cliente, operacional nos dias úteis das 09h às 20h, que pode esclarecer todas as questões que surjam quanto aos seus “serviços, planos de saúde e campanhas comercializadas”.
28.–(18)-Para além disso, a MEDICARE informa – e posteriormente envia aos aderentes – as condições gerais e particulares dos Planos de Saúde da MEDICARE;
“Da concreta campanha publicitária relativa à oferta de um plano de saúde, que incluía actos e serviços grátis na área de medicina dentária (denominado como “cartão Medicare Silver”) – Infracção identificada na decisão administrativa com o n.º 1.”
29.–(19)-Pelo menos, entre 11 de Outubro de 2016 e 17 de Julho de 2017, a recorrente publicitou uma campanha relativa à oferta de um plano de saúde, que incluía actos e serviços grátis na área de medicina dentária (denominado como “cartão Medicare Silver”).
30.–(20)-Nessa sede anunciava a oferta de 6 mensalidades de um plano de saúde (o plano Silver), que incluía, para além do acesso a valores convencionados com a rede MEDICARE, a possibilidade do aderente da campanha ter acesso a actos e tratamentos de medicina dentária gratuitos, sendo destacados no anúncio os seguintes actos como sendo gratuitos: Consulta Dentista/Check up dentário; Limpeza dentária; e Extração de dentes.
31.–(21)-A sobredita campanha publicitária “Medicare Silver” foi difundida exclusivamente online, tendo a sua comercialização sido difundida através de anúncios na rede social Facebook e através de campanhas de Email Marketing que apontavam para a página da campanha (Landing Page).
32.–(22)-No âmbito da campanha eram oferecidas as 6 mensalidades do plano silver (que se traduzia no acesso gratuito à sua rede convencionada durante 6 meses), sendo que, à excepção dos serviços publicitados como gratuitos, todos os serviços médicos prestados pela rede de prestadores convencionados, acarretavam um custo para o aderente.
33.–(23)-Findo o período de 6 meses sem que o aderente subscrevesse um outro Plano de Saúde da MEDICARE pago, a Credencial SILVER ficava sem efeito, não sendo cobrada qualquer quantia ou imposta qualquer penalização ou reembolso de qualquer natureza ao aderente.
34.–(24)-Relativamente ao serviço de extracção de dentes, dependendo do meio adoptado para difusão da campanha, era – por vezes – feita alusão a alguns dos serviços excluídos de tal gratuitidade, constando a menção inscrita em alguma da publicidade: “Excepto Extração de Dente incluso”, a qual era efectuada com recurso a um asterisco com letra pequena, geralmente no fim da mensagem publicitária.
35.–(25)-Contudo, nem sempre tal menção se encontrava incluída nas mensagens publicitárias associadas à campanha em apreço.
36.–(26)-Pontualmente também era feita a referência à destartarização (associada à limpeza dentária).
37.–(27)-Nessas campanhas nunca foi colocada a referência à necessidade de avaliação ou de diagnóstico individual prévio, feito por um profissional de saúde habilitado, médico dentista.
38.–(28)-Existem várias tipologias de extracção de dentes, sendo que a extracção de dente é realizada em situações muito distintas, às quais estão, consequentemente, associados tratamentos/actos médicos diferentes, quer na sua técnica como complexidade.
39.–(29)-Uma consulta dentária ou check-up dentário pressupõe a realização de distintos actos, exames ou meios de diagnóstico.
40.–(30)-Uma extracção ou limpeza dentária envolve a prática de actos, exames e meios auxiliares de diagnóstico à sua realização (por exemplo: radiografia, suturas).
41.–(31)-Se o potencial cliente clicasse no “Saber Mais” (vide facto provado n.º 15), seria direccionado para uma página onde constava a menção de que os actos/tratamentos gratuitos podiam estar incluídos em planos de tratamentos dentários e que a oferta dos mesmos era sujeita a confirmação junto do prestador de cuidados de saúde, sendo advertido para que deveria ser realizada uma consulta de diagnóstico e que os actos e serviços gratuitos não incluíam dentes do siso ou dentes inclusos.
42.–(32)-Os actos complementares de diagnóstico costumam ser cobrados individualmente pelo prestador de saúde, constituindo rúbricas autónomas da Tabela de Nomenclatura da Ordem dos Médicos Dentistas.
43.–(33)-A Recorrente, ao publicitar nos moldes em que o fez e dados como provados, não actuou com a diligência e cuidado que lhe eram exigíveis, não tendo desenvolvido todos os esforços possíveis e exigíveis ao cumprimento das obrigações legalmente impostas e previstas no regime jurídico das práticas de publicidade em saúde.
“Da concreta campanha publicitária relativa à oferta de análises clínicas (denominada “campanha Medicare Gold”) – Infracção indicada na decisão administrativa com o n.º 3.”
44.–(34)-Pelo menos entre 31 de Julho e 24 de Agosto de 2018, a recorrente publicitou uma campanha publicitária relativa à oferta de análises clínicas, denominada “Campanha Medicare Gold”, difundida por via electrónica, que consistia na oferta de 6 (seis) mensalidades do plano de saúde pago Gold, o qual possibilitava ao subscritor a realização de análises clínicas a quatro parâmetros: Glicose, colesterol total, creatinina e hemograma total.
45.–(35)-Tais análises clínicas eram realizadas pelo parceiro GS....., com a qual a MEDICARE havia celebrado um protocolo.
46.–(36)-Nessa campanha publicitária, a recorrente fez constar os seguintes dizeres, designadamente: “Campanha Análises Saúde 2018, Faça Análises de prevenção GRÁTIS, glicose (diabetes); Colesterol total (doenças cardiovasculares), Creatinina (Doenças renais), Hemograma total (Avaliação Saúde geral)”, nos termos das configurações constantes de fls. 123 e 128 dos autos que aqui se consideram integralmente reproduzidas.
47.–(37)-As análises clínicas em si mesmas, sem estarem associadas a uma determinada avaliação por profissionais habilitados para o efeito (por regra, médicos), não servem como “prevenção” de nenhum problema de saúde.
48.–(38)-Pelo contrário, os resultados obtidos, se não foram interpretados por profissionais qualificados, podem inclusivamente gerar uma falsa sensação de segurança no utente, que pode não corresponder à realidade do seu estado de saúde ou, em última instância, podem até vir a revelar-se contraproducentes, gerando no utente um receio infundado quanto à existência de um problema de saúde.
49.–(39)-A mensagem publicitária em apreço, da forma como foi publicitada, não é suficiente para esclarecer o destinatário sobre as análises em causa, nomeadamente no que concerne à natureza, aos seus fins, bem como implicações da realização dos exames em causa e respectivos resultados.
50.–(40)-As análises, de per si, não têm qualquer utilidade, já que qualquer exame ou análise clínica tem de ser interpretada e contextualizada, exigindo-se uma avaliação posterior por profissional habilitado para o efeito, não contendo a mensagem publicitária em causa se tal avaliação era, ou não, efectuada no caso em apreço.
51.–(41)-A referência utilizada “análises de prevenção grátis” é susceptível de criar nos utentes a ideia de que qualquer pessoa pode obter informação correcta sobre o seu estado de saúde sem recurso a orientação prévia de um médico e, portanto, levá-los a efectuar análises de que não necessitam, que sejam desadequadas e que, por estes motivos, de que nada lhes sirvam posteriormente.
52.–(42)-A realização das análises publicitadas como gratuitas é acessível em algumas farmácias e para-farmácias.
53.–(43)-As análises em causa não carecem de prescrição médica ou avaliação médica prévia.
54.–(44)-A Recorrente, ao publicitar nos moldes em que o fez e se deram como provados, não actuou com a diligência e cuidado que lhe eram exigíveis, não tendo desenvolvido todos os esforços possíveis e exigíveis ao cumprimento das obrigações legalmente impostas e previstas no regime jurídico das práticas de publicidade em saúde.
“Da concreta campanha publicitária associada ao plano de saúde “Plano Silver”, no âmbito da qual anunciava um “Plano de Saúde Grátis”, “Para todos os Portugueses incluindo funcionários públicos” e que constituirá “Um complemento à ADSE” – Infracção indicada na decisão administrativa com o n.º 4.”
55.–(45)-No decurso do ano de 2019 a MEDICARE publicitou uma campanha associada a um dos seus planos de saúde, o Plano Silver, no âmbito da qual anunciava um “Plano de Saúde Grátis”, “Para todos os Portugueses incluindo funcionários públicos” e que constituiria “Um complemento à ADSE”.
56.–(46)-A Recorrente não obteve, em momento prévio à divulgação de tal campanha, autorização junto da ADSE, para utilização da sua designação (1). Nota 1: A decisão administrativa aludia a “marca”. O tribunal optou pela expressão “designação”, por ser uma expressão mais neutra, susceptível de causar menos problemática. A alusão a “marca” pode remeter para a conclusão de estar em causa a violação de normas respeitantes a marcas e patentes, o que não é obviamente o caso.
57.–(47)-Não existia qualquer “acordo” ou “relação contratual” entre a Recorrente e a ADSE.
58.–(48)-A campanha não identificava os serviços que estavam em causa, quais os termos e condições de tal complemento e do que se trata, em concreto, esse complemento, de que forma era realizado tal complemento, isto é, se os benefícios associados eram, ou não, cumuláveis com os valores comparticipados pela ADSE e quais os benefícios cobertos pelo plano de saúde que, ao invés, não eram cobertos pelo subsistema de saúde ADSE.
59.–(49)-Ao publicitar nos moldes dados como provados, a recorrente não actuou com a diligência e cuidado que lhe eram exigíveis, não tendo desenvolvido todos os esforços possíveis e exigíveis ao cumprimento das obrigações legalmente impostas e previstas no regime jurídico das práticas de publicidade em saúde.
“Outros factos com relevo para a boa decisão da causa”
60.–(50)-A Recorrente MED&CR – Serviços de Gestão de Cartões de Saúde, Unipessoal Lda. possui vários departamentos responsáveis pela verificação interna de procedimentos.
61.–(51)-O pagamento de quaisquer serviços/actos médicos realizados no âmbito dos planos de saúde publicitados é feito directamente ao prestador, limitando-se a sociedade MED&CR – Serviços de Gestão de Cartões de Saúde, Unipessoal Lda. a cobrar a mensalidade associada ao plano subscrito.
62.–(52)-As informações referentes aos respectivos planos de saúde encontram-se disponíveis online (na página www.medicare.pt), sendo que, aquando da subscrição os aderentes recebem as respectivas condições contratuais via correio electrónico.
63.–(53)-Após pelo menos 18.06.2021, a Recorrente continuou a publicitar os seus Planos de Saúde, na página electrónica www.medicare.pt, tendo reformulado as mensagens publicitárias associados a esses planos e campanhas publicitárias por si concebidas e difundidas, destacando-se, dessas alterações, a inclusão de informação referente aos planos de saúde propriamente ditos, aos serviços e actos englobados em cada um dos planos e/ou cartões associados, dando-se particular ênfase à discriminação dos actos e serviços de medicina dentária considerados gratuitos e à inclusão do aconselhamento à realização de uma consulta de diagnóstico prévia à realização de qualquer um dos procedimentos.
64.–(54)-No ano de 2015, no âmbito do processo de inquérito n.º ERS/040/2015, a ERS procedeu à análise de uma campanha publicitária da MEDICARE, intitulada “Vamos pôr Portugal a sorrir”, que era realizada através do envio de mensagens de correio electrónico para potenciais clientes/utentes, nas quais era feita publicidade à oferta de um cartão de saúde, que, alegadamente, daria acesso a um conjunto de cuidados de saúde grátis, na valência de medicina dentária.
65.–(55)-Por deliberação do Conselho de Administração da ERS, de 18 de Novembro de 2015, foi emitida uma recomendação à sociedade comercial Passos Firmes, Lda. (à data, detentora da marca MEDICARE), nos seguintes termos: “(i)- A PASSOS FIRMES, LDA., deve-se abster de conceber e/ou difundir qualquer publicidade com o mesmo teor das mensagens de correio eletrónico que foram por si difundidas no âmbito da campanha “Vamos pôr Portugal a sorrir”, ou com outros termos semelhantes que incorram nos mesmos vícios (violação do princípio da identificabilidade da entidade responsável pela comercialização dos cartões de saúde, violação dos princípios da veracidade ou fidedignidade, da licitude e da objetividade da informação), bem como deve impedir que terceiros o façam em seu benefício; (ii)- A PASSOS FIRMES, LDA., deve garantir que toda a publicidade alusiva a si, aos estabelecimentos e marcas por si detidos, bem como aos bens e serviços por si comercializados, na área da saúde, seja verdadeira, clara, precisa, objetiva e, nessa medida, não seja suscetível de induzir em erro os utentes.”
66.–(56)-A Recorrente, por referência ao ano de 2020, apresentou vendas e serviços prestados no valor de € 69.268.631,46 e um resultado líquido do período de € 25.918.797,26, tendo ao seu serviço 147 pessoas.
67.–(57)-Não são conhecidos antecedentes contra-ordenacionais à Recorrente.
Factos não Provados
68.–(1)-A Recorrente, ao publicitar nos moldes em que publicitou, julgava não estar a violar qualquer normativo legal.
Quadro legal relevante 69.–São os seguintes os textos legais mais relevantes para adecisão:
Constituição da República Portuguesa Artigo 32.º n.º 2
Garantias de processo criminal
(…) 2.-Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Lei 48/90 de 24 de Agosto, Lei de Bases da Saúde (em vigor à data do início dos factos e revogada pela Lei 95/19)
Base II, 1 – f)
Política de saúde 1-A política de saúde tem âmbito nacional e obedece às directrizes seguintes:
(…)
f)- É apoiado o desenvolvimento do sector privado da saúde e, em particular, as iniciativas das instituições particulares de solidariedade social, em concorrência com o sector público;
Base XXXVII
Apoio ao sector privado
1- O Estado apoia o desenvolvimento do sector privado de prestação de cuidados de saúde, em função das vantagens sociais decorrentes das iniciativas em causa e em concorrência com o sector público. 2-O apoio pode traduzir-se, nomeadamente, na facilitação da mobilidade do pessoal do Serviço Nacional de saúde que deseje trabalhar no sector privado, na criação de incentivos à criação de unidades privadas e na reserva de quotas de leitos de internamento em cada região de saúde.
Base XLII
Seguros de saúde
A lei fixa incentivos ao estabelecimento de seguros de saúde.
Lei 95/19 de 4 de Setembro, Lei de Bases da Saúde (que entrou em vigor 60 dias após a sua publicação e revogou a Lei 48/90)
Base 2, n.º 1 – c)
Direitos e deveres das pessoas 1-Todas as pessoas têm direito:
(…)
c)- A escolher livremente a entidade prestadora de cuidados de saúde, na medida dos recursos existentes;
(…).
Base 27
Seguros de saúde 1-A subscrição de um seguro ou plano de saúde deve ser precedida da prestação, pelo segurador, de informação, clara e inteligível quanto às condições do contrato, em especial no que diz respeito ao âmbito, exclusões e limites da cobertura, incluindo informação expressa quanto à eventual interrupção ou descontinuidade de prestação de cuidados de saúde caso sejam alcançados os limites de capital seguro contratualmente estabelecidos. 2-Os estabelecimentos de saúde informam as pessoas sobre os custos a suportar pela prestação de cuidados de saúde ao abrigo de seguros e planos de saúde, incluindo os da totalidade da intervenção proposta, salvo quando justificadamente não dispuserem dos elementos necessários à prestação dessa informação.
Portaria 301/2009 de 24 de Março, que regula o funcionamento do programa nacional de saúde oral (PNPSO)
Preâmbulo
Desde há mais de duas décadas que os centros de saúde desenvolvem programas no âmbito da saúde oral. De facto, as doenças orais afectam desde muito cedo as crianças e os jovens, pelo que tais actividades se revelam de grande importância, em termos de prevenção primária.
(…)
Por outro lado, pretende -se equacionar a possibilidade de o PNPSO poder expandir-se através de parcerias entre as administrações regionais de saúde e as autarquias locais, aproveitando as iniciativas e os recursos existentes ao nível local, por forma a abranger grupos populacionais específicos ou ampliar os actos preventivos e curativos destinados a cada utente local.
Regime Jurídico das Práticas de Publicidade em saúde, aprovado pelo DL 238/15 ou RJPPS
Artigo 2.º - a)
Definições
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
a)-«Intervenientes», todos aqueles que beneficiam da, ou participam na, conceção ou na difusão de uma prática de publicidade em saúde;
(...).
Artigo 5.º
Princípio da objetividade 1-A mensagem ou informação publicitada deve ser redigida de forma clara e precisa, e deve conter todos os elementos considerados adequados e necessários ao completo esclarecimento do utente. 2-Para efeitos do disposto no número anterior, devem ser preenchidos os requisitos de informação exigidos para as comunicações ao utente nos termos da legislação em vigor. 3-A mensagem ou informação publicitada não deve conter expressões, conceitos, testemunhos ou afirmações que possam criar no utente expectativas potenciadoras de perigo ou potencialmente ameaçadoras para a sua integridade física ou moral. 4-Qualquer que seja o meio utilizado, a mensagem publicitária deve ser inteligível, assegurando uma interpretação adequada, de modo a que a informação transmitida seja facilmente compreendida pelo utente.
Artigo 7.º n.º 1 – b), d), e) ponto i) e n.º 2 – b)
Práticas de publicidade em saúde 1-São proibidas as práticas de publicidade em saúde que, por qualquer razão, induzam ou sejam suscetíveis de induzir em erro o utente quanto à decisão a adotar, designadamente:
(...) b)-Aconselhem ou incitem à aquisição de atos e serviços de saúde, sem atender aos requisitos da necessidade, às reais propriedades dos mesmos ou a necessidade de avaliação ou de diagnóstico individual prévio;
(...) d)-Enganem ou sejam suscetíveis de criar confusão sobre a natureza, os atributos e os direitos do interveniente a favor de quem a prática de publicidade em saúde é efetuada, designadamente sobre a identidade, as qualificações ou o preenchimento dos requisitos de acesso ao exercício da atividade; e)-No seu contexto factual, tendo em conta todas as suas características e circunstâncias, conduzam ou sejam suscetíveis de conduzir o utente médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo, e envolvam uma atividade que seja suscetível de criar: i)-Confusão entre atos e serviços, marcas, designações comerciais e outros sinais distintivos ou competências de um concorrente direto ou indireto; ou,
(...) 2-São ainda proibidas as práticas de publicidade em saúde que:
(...) b)-Sejam suscetíveis de induzir o utente ao consumo desnecessário, nocivo ou sem diagnóstico ou avaliação prévios por profissional habilitado;
(...)
Artigo 8.º
Regime sancionatório 1-A infração ao disposto no presente decreto-lei constitui contraordenação punível com as seguintes coimas: a)-De (euro) 250 a (euro) 3 740,98 ou de (euro) 1 000 a (euro) 44 891,81, consoante o infrator seja pessoa singular ou coletiva, por violação do disposto nos artigos 3.º a 7.º; b)-De (euro) 250 a (euro) 3 740,98 ou de (euro) 3 000 a (euro) 44 891,81, consoante o infrator seja pessoa singular ou coletiva, por violação do disposto no artigo anterior. 2-A negligência é punível, sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade. 3-São ainda aplicáveis, em função da gravidade da infração, do potencial impacto e da culpa do agente, as seguintes sanções acessórias: a)-Apreensão de suportes, objetos ou bens utilizados na prática das contraordenações; b)-Interdição temporária, até ao limite de dois anos, de exercer a atividade profissional ou publicitária; c)-Privação de direito ou benefício outorgado por entidades reguladoras ou serviços públicos, até ao limite de dois anos. 4-Cabe à Entidade Reguladora da Saúde a fiscalização e a instrução dos processos de contraordenação, competindo ao respetivo conselho de administração a aplicação das correspondentes coimas e sanções acessórias. 5-Às contraordenações previstas no presente decreto-lei é subsidiariamente aplicável o disposto nos artigos 63.º a 67.º dos Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto e o regime jurídico do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 356/89, de 17 de outubro, 244/95, de 14 de setembro, e 323/2001, de 17 de dezembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro. 6-O produto da aplicação das coimas reverte a favor das seguintes entidades: a)-60 % para o Estado; b)-40 % para a Entidade Reguladora da Saúde.
Artigo 10.º
Regulamentação
A Entidade Reguladora da Saúde define os elementos de identificação para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º e os elementos previstos no n.º 1 do artigo 5.º
Regulamento n.º 1058/2016 da Entidade Reguladora da Saúde (Diário da república 2.ª série N.º 226 de 24 de Novembro de 2016) ou Regulamento ERC 1058/2016
Artigo 3.º n.º 2 – e) e g)
Elementos da mensagem ou informação publicitada, adequados e necessários ao completo esclarecimento do utente
(...) 2 — Para efeitos do disposto no número anterior e no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, são considerados elementos adequados e necessários ao completo esclarecimento do utente, e que devem constar obrigatoriamente da mensagem ou informação publicitada, os seguintes:
(...) e)-Sempre que a mensagem ou a informação publicitada utilizar expressões como «grátis», «gratuito», «sem encargos», «com desconto» ou «promoção», deve explicitar que atos e/ou serviços se encontram efetivamente compreendidos e abrangidos por tais expressões; g)-Sempre que a mensagem ou a informação publicitada se referir a atos e/ou serviços que para serem efetivamente prestados necessitem de uma avaliação prévia, de um diagnóstico individual prévio ou de uma prescrição médica prévia, de acordo com a Lei ou com as legis artis, deve conter expressamente essa menção;
(...)
Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde (Estatutos da ERS) aprovado pelo DL 126/2014 de 22 de Agosto
Artigo 67.º
Controlo pelo tribunal competente 1-Cabe recurso das decisões proferidas pela ERS cuja irrecorribilidade não estiver expressamente prevista no presente decreto-lei. 2-A ERS tem legitimidade para recorrer autonomamente de quaisquer sentenças e despachos que não sejam de mero expediente, incluindo os que versem sobre nulidades e outras questões prévias ou incidentais, ou sobre a aplicação de medidas cautelares. 3-O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela ERS uma coima ou uma sanção acessória, podendo reduzir ou aumentar a coima ou alterar a sanção acessória. 4-As decisões da ERS que apliquem sanções mencionam o disposto na parte final do número anterior. 5-O recurso tem efeito meramente devolutivo, podendo o recorrente, no caso de decisões que apliquem coimas ou outras sanções previstas na lei, requerer, ao interpor o recurso, que o mesmo tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe caprejuízo considerável e se ofereça para prestar caução em substituição, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação de caução no prazo fixado pelo tribunal. 6-Interposto recurso da decisão final condenatória, a ERS remete os autos ao Ministério Público, no prazo de 30 dias úteis, não prorrogável, podendo juntar alegações e outros elementos ou informações que considere relevantes para a decisão da causa, bem como oferecer meios de prova, sem prejuízo do disposto no artigo 70.º do regime geral do ilícito de mera ordenação social. 7-A ERS, o Ministério Público ou o arguido podem opor-se a que o tribunal decida por despacho, sem audiência de julgamento. 8-A desistência da acusação pelo Ministério Público depende da concordância da ERS. 9-O tribunal notifica a ERS da sentença, bem como de todos os despachos que não sejam de mero expediente. 10-Se houver lugar a audiência de julgamento, o tribunal decide com base na prova realizada na audiência. 11-A atividade da ERS de natureza administrativa fica sujeita à jurisdição administrativa, nos termos da respetiva legislação.
Portaria 166/2014, de 21 de Agosto sobre os requisitos de organização e funcionamento dos laboratórios de patologia e análises clínicas (em vigor à data dos factos)
Artigo 5.º Resultados dos exames
Os resultados dos exames efetuados por cada laboratório devem constar de relatório validado pelo diretor técnico ou por especialistas inscritos nas Ordens dos Médicos ou dos Farmacêuticos, nos quais aquele delegue funções, nos termos do regulamento interno.
Despacho 8835/2001, de 27 de Abril de 2001 que aprova o Manual de Boas Práticas Laboratoriais (em vigor à data dos factos)
Ponto III.6
6— Transmissão dos resultados: 6.1—Considerações gerais — a transmissão dos resultados deve assegurar o respeito pelo segredo profissional. Os resultados só podem ser fornecidos ao próprio e ao médico prescritor ou a qualquer outro médico designado pelo doente, com excepção dos casos específicos previstos pela lei ou regulamentos em vigor. Os resultados são de um modo geral entregues em mão ou enviados pelo correio. Regra geral, a entrega deve ser efectuada em envelope fechado. Quando o doente está hospitalizado, os resultados são enviados ao médico prescritor e remetidos ao doente, a seu pedido, segundo a regulamentação em vigor. Se os resultados são transmitidos através de um processo telemático a um outro laboratório ou ao médico prescritor, o especialista deve assegurar a validade dos resultados transmitidos e o respeito pela confidencialidade. Quando o doente é um adulto incapaz ou um menor, o especialista só pode dar os resultados ao representante legal, excepto nas situações previstas na legislação. Quando o resultado de um exame laboratorial põe um jogo um prognóstico vital, o especialista deve avisar o médico assistente do doente o mais rapidamente possível.
Se os resultados não podem ser comunicados ao médico assistente, compete ao especialista informar o doente dos mesmos com tanto mais prudência e sensibilidade quanto mais preocupantes sejam, devendo, então, recomendar ao doente a consulta a um clínico o mais rapidamente possível. 6.2—Casos particulares: 6.2.1 — A transmissão dos resultados de exames laboratoriais efectuados num quadro de uma investigação médico-legal e de medicina do trabalho deve respeitar a legislação em vigor.
6.2.2 — Os resultados de exames laboratoriais requisitados por companhias de seguros só poderão ser entregues à companhia mediante autorização escrita do doente para o efeito Apreciação das questões suscitadas pelo recurso A.–Nulidades resultantes da violação dos direitos da defesa na fase administrativa
70.–A arguida alega ainda a violação dos direitos de defesa, por ter sido infringido, pela autoridade administrativa:
§ O artigo 50.º do RGCO, o que constitui nulidade prevista no artigo 86.º n.º 1 e 6 – c) do CPP aplicável, por força do artigo 41.º do RGCO;
§ Os artigos 358.º e 359.º do CPP, o que constitui nulidade prevista no artigo 379.º n.º 1 – b) do CPP aplicável por força do artigo 74.º do RGCO;
71.–Segundo defende a arguida, estas nulidades infringem igualmente os preceitos constitucionais mencionados supra, no parágrafo 4.
72.–A este propósito, o digno Magistrado do Ministério Público alega que, não tendo sido impugnada a decisão judicial recorrida com base em tais vícios, mas apenas a decisão administrativa, o Tribunal da Relação não pode conhecer destes vícios. A arguida, pelo contrário, defende que este Tribunal pode conhecer de tais nulidades, na medida que apenas lhe é vedado conhecer da matéria de facto. Vejamos se assim é.
73.–Resulta do artigo 75.º do RGCO, aplicável na fase do recurso, por força do disposto nos artigos 8.º n.º 5 do DL 238/2015, que este Tribunal tanto pode alterar/revogar a decisão recorrida, como pode anulá-la e devolver o processo à primeira instância para repetir o julgamento.
74.–Importa também recordar que, este Tribunal conhece apenas da matéria de direito, nos termos do artigo 75.º do RGCO aplicável por força do artigo 8.º n.º 5 do DL 238/2015. Porém, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 4 do RGCO, pode conhecer dos vícios constantes do artigo 410.º n.ºs 2 e 3, 374.º n.ºs 2 e n.º 3 – b) e 379.º do CPP, desde que sejam invocados e resultem da análise da sentença recorrida, sem prejuízo das questões das quais o Tribunal deve conhecer oficiosamente.
75.– Resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de fixação de jurisprudência, nº 1/2003 de 16-10-2002, publicado no Diário da República, Série A de 27.02. 2003, mencionado na decisão recorrida, que: «Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.»
76.–Porém, a interpretação do artigo 50.º do RGCO no sentido de não ser obrigatória a comunicação de todos os elemenstos de prova, não é insconstitucional, nomeadamente, não viola os artigos 32.º n.º 10 e 267.º n.º 5 da Constituição da República Portugyuesa – cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 537/2011.
77.–Assim, à luz da jurisprudência citada nos dois parágrafos que antecedem e do regime constante dos artigos 86.º n.º 1 e n.º 6 – c) e 120.º do CPP, aplicáveis por força do artigo 41.º do RGCO, afigura-se que, a infracção ao cumprimento do artigo 50.º do RGCO, aplicável por força do artigo 8.º n.º 5 do DL 238/2015, que, segundo alega a arguida, teve lugar na fase administrativa do processo perante a ERS, constitui uma nulidade sanável que pode ser invocada, como foi, pela arguida, perante o Tribunal de primeira instância (cf. Augusto Silva Dias, Direito das Contra-Ordenações, Almedina, páginas 229 e 230). Pelo que, a decisão recorrida sobre essa questão pode ser revogada ou anulada pelo Tribunal da Relação, como prevê o artigo 75.º do RGCO, desde que este Tribunal disponha de elementos de facto para isso.
78.–O que sucede é que, ao julgar improcedente a nulidade invocada pela arguida com base na infracção, pela ERS, do disposto no artigo 50.º do RGCO (nela incluída a falta de acesso aos elementos constantes dos autos, como foi decidido pelo acórdão do STJ citado no parágrafo 75), a sentença recorrida não enumera, entre os factos provados, os autos e termos do processo administrativo em que fundamenta tal decisão e, portanto, nessa parte, a decisão judicial recorrida enferma, como resulta da sua análise, do vício da nulidade previsto no artigo 374.º n.º 2 do CPP, aplicável por força dos artigo 379.º n.º 1 – a) e 410.º nº 3 do CPP e dos artigos 74.º do RGCO e 8.º n.º 5 do DL 238/2015. Este vício, de falta de motivação da decisão judicial, infringe o disposto no artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Porém, não foi esta falta de motivação da decisão da primeira instância que a arguida invocou, estando assim vedado a este Tribunal declarar oficiosamente a nulidade da decisão com base em tal vício.
79.–Mas, ainda que assim não fosse, quod non, seria inútil decretar a nulidade e a baixa do processo à primeira instância, para sanar a falta de motivação de facto quanto à questão da nulidade da decisão administrativa resultante da infracção ao artigo 50.º do RGCO, porque tal questão se encontra prejudicada pela falta do preenchimento dos elementos do tipo objectivo de ilícito, decidida na análise da questão seguinte (questão B). Ou seja, a falta de preenchimento daqueles elementos descritivos e normativos do tipo objectivo das contraordenações aqui em causa torna inútil, para a decisão de mérito, a anulação e repetição do processado, na fase judicial, para completar a motivação da decisão sobre a infracção ao disposto no artigo 50.º do RGCO, uma vez que, a prova dos elementos do tipo objectivo de ilicito, aqui em falta, não depende da sanação dessa falta de motivação da decisão judicial recorrida.
80.–Já relativamente à nulidade prevista no 379.º n.º 1 – b) do CPP, por infracção ao disposto nos artigos 358.º e 359.º do CPP, invocada pela recorrente, esta defende que na fase administrativa, a ERS alterou, na decisão que proferiu, os factos relativos aos elementos do tipo subjectivo de ilícito constantes da nota de ilicitude/acusação. Importa todavia sublinhar que, tal nulidade pode ocorrer na fase judicial, se a decisão de primeira instância proceder à alteração (susbstancial ou não, consoante o caso) dos factos constantes da decisão administrativa da ERS, que foi enviada ao Ministério Público, nos termos do artigo 67.º do DL n.º 126/2014. Porém, a alteração dos factos no que diz respeito aos elementos do tipo subjectivo de ilícito, alegada pela arguida, ocorreu na fase administrativa, pelo que, afigura-se que a questão deve ser resolvida à luz do disposto no artigo 50.º do RGCO, nos termos já acima explicados nos parágrafos 78 e 79.
81.–Assim, embora a nulidade prevista no artigo 379.º n.º 1-b) do CPP, se ocorrida na fase judicial, possa ser conhecida pelo Tribunal da Relação em sede de recurso, como já foi explicado supra no parágrafo 74, tem razão o digno magistrado do Ministério Público quando defende que, a arguida não alega que a sentença recorrida enferme deste vício. Ou seja, nem este Tribunal pode conhecer da questão oficiosamente, nem foi essa a questão suscitada pela arguida. Mas, ainda que assim não fosse, quod non, a sua apreciação é inutil para a decisão da causa por se encontrar prejudicada pela falta de preenchimento dos elementos do tipo objectivo de ilicito, que conduz à absolvição da arguida, como será explicado na apreciação da questão B.
B.–Falta de preenchimento dos elementos descritivos e normativos do tipo objectivo de ilícito
82.–Este Tribunal começa por recordar que, as infracções objecto do presente recurso, são três e são designadas na decisão recorrida por infracção 1, infracção 3 e infracção 4, designação que aqui se manterá, correspondendo tais infracções às campanhas publicitárias feitas pela recorrente, a seguir indicadas:
§ Infracção 1:campanha publicitária relativa à oferta de um plano de saúde, que incluía actos e serviços grátis na área de medicina dentária (denominado como “cartão Medicare Silver”);
§ Infracção 3:campanha publicitária relativa à oferta de análises clínicas (denominada “campanha Medicare Gold”);
§ Infracção 4:campanha publicitária associada ao plano de saúde “Plano Silver”, no âmbito da qual anunciava um “Plano de Saúde Grátis”, “Para todos os Portugueses incluindo funcionários públicos” e que constituirá “Um complemento à ADSE”.
83.–A recorrente, alega que não está abrangida pelo âmbito de aplicação do DL 238/2015 por não prestar directamente serviços de saúde, não estando assim abrangida pelas definições que resultam dos artigos 1.º e 2.º desse diploma legal. Porém, nos termos do artigo 2.º- a) do DL 238/2015, intervenientes, para efeitos da aplicação do diploma, são todos aqueles que beneficiam da, ou participam na, concepção ou na difusão de uma prática de publicidade em saúde. Ora é essa a situação da arguida/recorrente, tal como resulta dos factos provados (cf. parágrafos 13 a 17/factos 3 a 7). Pelo que, a arguida está abrangida pelo âmbito de aplicação do DL 238/2015.
84.–A recorrente, alega ainda que nenhuma das referidas campanhas, nos termos em que acima ficaram provados, preenche os elementos objectivos do tipo legal de contraordenação pelos quais foi condenada. E tem razão nessa parte, pelos motivos que serão a seguir indicados. Aliás, a este propósito, o digno magistrado do Ministério Público promove a absolvição da arguida pela prática da infracção 1.
85.–O que está em causa nos presentes autos é a condenação da arguida pela prática, negligente, em concurso efectivo, de três contraordenações previstas e punidas no artigo 8.º n.º s 1 e 2 do DL n.º 238/2015, embora o dispositivo da sentença não indique este preceito legal, como será apreciado infra, na questão C, sendo que, pelo menos quanto a duas delas – a infracção 1 e a infracção 3 – por força da acessoriedade administrativa consagrada no artigo 10.º do DL 238/2015, o tipo contraordenacional, contém, entre os elementos do tipo objectivo de ilícito, a violação de deveres administrativos constantes do Regulamento ERS 1058/2016. O artigo 8.º n.º 1 do DL n.º 238/2015 prevê que a infracção a esse diploma constitui contraordenação, sendo as molduras abstractas da coima diversas, consoante sejam infringidos os artigos 3.º a 7.º ou apenas o artigo 7.º do mesmo.
86.– A este propósito, importa levar em conta, para concretizar a ilicitude, os elementos descritivos (que referem realidades materiais do mundo exterior) e os elementos normativos (cuja representação pressupõe uma norma jurídica ou valor cultural) de que se servem os tipos contraordenacionais aqui em causa servem-se. Não sendo fácil e nem sempre possível, a distinção entre uns e outros, o Tribunal indicará a seguir os elementos que julga pertencerem a uma categoria, a outra, ou a ambas, para facilitar a motivação que se segue, no caso concreto (cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª Edição, GESTLEGAL, páginas 335 a 336).
87.–Dito isto, quanto à infracção 1 (medicina dentária), são os seguintes os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo de iilícito, imputados à arguida e previstos nas disposições conjuntas dos artigos 5.º, 7.º n.º 1 – b) e n.º 2 -b), do DL 238/2015, tendo em conta que, por força da acessoriedade administrativa consagrada no artigo 10.º do DL 238/2015, os deveres impostos pelo artigo 5.º n.º 1 desse diploma, cuja violação lhe é imputada, são os previstos no artigo 3.º n.º 2 – e) e g) do Regulamento ERS 1058/2016:
§ Elementos descritivos: Sempre que a mensagem ou a informação publicitada utilizar expressões como «grátis», «gratuito», «sem encargos», «com desconto» ou «promoção», deve explicitar que atos e/ou serviços se encontram efetivamente compreendidos e abrangidos por tais expressões ;
§ Elementos descritivos e normativos: Sempre que a mensagem ou a informação publicitada se referir a atos e/ou serviços que, para serem efetivamente prestados necessitem de uma avaliação prévia, de um diagnóstico individual prévio ou de uma prescrição médica prévia, de acordo com a Lei ou com as legis artis, deve conter expressamente essa menção;
§ Elementos descritivos e normativos: A mensagem não deve conter expressões, conceitos, testemunhos ou afirmações que possam criar no utente expectativas potenciadoras de perigo ou potencialmente ameaçadoras para a sua integridade física ou moral e deve ser inteligivel;
§ Elementos descritivos e normativos: práticas publicitárias que induzam ou sejam suscetíveis de induzir em erro o utente quanto à decisão a adotar, nomeadamente: ü- aconselhem ou incitem à aquisição de atos e serviços de saúde, sem atender aos requisitos da necessidade, às reais propriedades dos mesmos ou a necessidade de avaliação ou de diagnóstico individual prévio; ü-sejam suscetíveis de induzir o utente ao consumo desnecessário, nocivo ou sem diagnóstico ou avaliação prévios por profissional habilitado.
88.–Ora resulta dos factos provados que a campanha publicitária relativa ao plano de medicina dentária não só especificou os concretos actos ou serviços nela compreendidos (cf. parágrafo 30/facto provado 20), sendo nessa medida inteligível, como foi disponibilizada, online, nessa campanha, o acesso a informação detalhada sobre esses actos e serviços concretos e sobre o diagnóstico individual prévio (cf. parágrafo 41/facto 31), o que exclui o risco de erro ou consumo desnecessário. Acresce que, a lei não faz depender de prescrição médica a marcação de uma consulta no dentista e os actos e serviços médicos anunciados – consulta dentista/check up dentário; limpeza dentária; e extração de dentes – envolvem necessáriamente a intervenção de médicos dentistas e o respectivo diagnóstico no acto da consulta e não previamente à mesma, cabendo ao paciente a iniciativa de marcar consulta no dentista, o que, por tais fundamentos, não é contrario às legis artis, nem potenciador de perigo ou ameaçador para integridade física ou moral. Com efeito, é o próprio Estado que reconhece a necessidade de melhorar a saúde oral da população portuguesa e o alargamento dos cuidados preventivos de saúde oral, como prevê o preâmbulo da Portaria 301/2009 de 24 de Março, que estabelece um programa nacional de saúde oral. De onde se extrai que, consultar regularmente o dentista é necessário, deve ser facilmente acssível a todos, não é nocivo, não é enganador, não carece de indicação médica prévia, nem constitu ameaça à integridade física ou moral, sendo o próprio Estado que, através do programa nacional de saúde oral, incentiva os cuidados preventivos de saúde oral.
89.–Em consequência, não é possível concluir que a conduta da arguida preencheu os elementos normativos e descritivos do tipo mencionados no parágrafo 87, ou seja, nem existe violação dos princípios da objectividade porque os utentes não foram induzidos em erro, nem se apuraram práticas publicitarias que incitassem ou pudessem incitar à aquisição de actos e serviços desnecessários ou nocivos, nem se verifica a falta de explicitação dos serviços e actos médicos, nem existe necessidade, imposta por lei ou pelas legis artis, de avaliação, diagnóstico ou prescrição médica prévia para consultar o dentista. Deve, por isso, a arguida ser absolvida da contraordenação 1, absolvição esta que, aliás, é doutamente promovida pelo digno Magistrado do Ministério Público.
90.–Relativamente à infracção 3 (análises clinicas), são os seguintes os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo de iilícito imputado à arguida, previsto nos artigos 5.º, 7.º n.º 1 – b) e n.º 2 -b), do DL 238/2015 e tendo em conta que, por força da acessoriedade administrativa consagrada no artigo 10.º do DL 238/2015, os deveres impostos pelo artigo 5.º n.º 1 desse diploma, cuja violação lhe é imputada, são os previstos no artigo 3.º n.º 2 – g) do Regulamento ERS 1058/2016:
§ Elementos descritivos e normativos: Sempre que a mensagem ou a informação publicitada se referir a atos e/ou serviços que, para serem efetivamente prestados necessitem de uma avaliação prévia, de um diagnóstico individual prévio ou de uma prescrição médica prévia, de acordo com a lei ou com as legis artis, deve conter expressamente essa menção;
§ Elementos descritivos e normativos: A mensagem não deve conter expressões, conceitos, testemunhos ou afirmações que possam criar no utente expectativas potenciadoras de perigo ou potencialmente ameaçadoras para a sua integridade física ou moral e deve ser inteligivel;
§ Elementos descritivos e normativos: Práticas publicitárias que induzam ou sejam suscetíveis de induzir em erro o utente quanto à decisão a adotar, nomeadamente: ü-aconselhem ou incitem à aquisição de atos e serviços de saúde, sem atender aos requisitos da necessidade, às reais propriedades dos mesmos ou a necessidade de avaliação ou de diagnóstico individual prévio; ü-sejam suscetíveis de induzir o utente ao consumo desnecessário, nocivo ou sem diagnóstico ou avaliação prévios por profissional habilitado.
91.–Neste caso, tanto a autoridade administrativa como o Tribunal a quo parecem ter julgado que a arguida cumpriu o dever de explicitar os actos e serviços anunciados como gratuitos (cf. parágrafo 46/facto 36), não existindo, por isso, infracção ao dever imposto pelo artigo 3.º n.º 2 – e), mas apenas infracção ao dever imposto pelo artigo 3.º n.º 2 – g), do Regulamento ERS 1058/2016, além da infracção aos demais preceitos citados no parágrafo anterior. Com efeito resulta do facto provado constante do parágrafo 46 que a mensagem explicita os actos e serviços e é, nessa medida, inteligível.
92.– A este propósito importa levar em conta que, de acordo com os factos provados, as análises clinicas em questão consistem em glicose (diabetes), colesterol total (doenças cardiovasculares), creatinina (doenças renais), hemograma total (avaliação saúde geral) que não carecem de prescrição médica prévia (cf. parágrafo 46/facto 36 e parágrafo 53/facto 43). Afigura-se que o utente médio destinatário desta campanha é composto por pessoas a quem já foram diagnosticados diabetes, doenças cardiovasculares e doenças renais, que fazem análises regularmente e que já são acompanhadas por um médico, assim como por pessoas que pretendam fazer uma avaliação geral do seu estado de saúde, de carácter preventivo.
93.–A realização de análises clinicas em laboratórios de análises está actualmente sujeita ao regime previsto na Portaria 392/2019 de 5 de Novembro e no Despacho 10009/2019 de 5 de Novembro (Diário da República n.º 212/2019, 2.ª série, de 5.11.2019) que aprova o Manual de Boas Práticas Laboratoriais de Patologia ou Análises Clinicas. À data dos factos, porém, esta actividade estava enquadrada pela Portaria 166/2014 de 21 de Agosto e pelo Despacho n.º 8835/2001, de 27 de Abril, que aprovou o Manual de Boas Práticas Laboratoriais (Diário da República n.º 98, de 27 de Abril de 2001, II série). Os artigos 4.º, 5.º, 6.º, 8.º e 14º da Portaria 166/2014, prevêem a responsabilidade ética e deontológica do director clínico, os deveres de informação ao público e a existência de um regulamento, em cada laboratório. No caso das análises aqui em questão que, não carecendo de prescrição médica, como apurou o Tribunal a quo, podem ser feitas a pedido do utente e sob a responsabilidade ética e deontológica do director técnico do laboratório, o ponto III. 6.1 do Despacho n.º 8835/2001 acima citado prevê o seguinte, sobre a transmissão dos resultados: “Se os resultados não podem ser comunicados ao médico assistente, compete ao especialista informar o doente dos mesmos, com tanto mais prudência e sensibilidade quanto mais preocupantes sejam, devendo então recomendar ao doente a consulta a um clínico o mais rapidamente possível”. Ora, sendo este o enquadramento legal e as legis artis adoptadas na colheita de análises sem prescrição médica, não foram, nesse contexto, criadas expetativas ameaçadores para a integridade física ou moral dos utentes, através da campanha publicitária em análise, uma vez que os deveres deontológicos e profissionais dos especialistas do laboratório, que resultam da lei, impedem a produção dos efeitos referidos nos parágrafos 47 a 49, supra.
94.–Não carecendo a realização das análises em questão de prescrição médica, nem se afigurando ser contrario às legis artis a possibilidade de os laboratórios clinicos realizarem esse tipo de análises a pedido do utente e sem prescrição médica, a arguida não tinha o dever de mencionar, na campanha publicitária a necessidade de diagnóstico e/ou prescrição médica, não se verificando o preenchimento desse elemento normativo do tipo objectivo de ilicito. Acresce que, tal como resulta dos factos provados (cf. parágrafos 25 a 28/factos 15 a 18 e do parágrafo 44/ facto 34), as campanhas publicitárias aqui em causa foram feitas em ambiente digital, do qual consta um link com a indicação “Saber Mais” que direcciona o público consumidor para os termos e condições concretos em que são prestados os serviços e actos anunciados, informação complementar essa que é enviada em caso de adesão ao plano. De onde se infere que a campanha publicitária não era de molde a induzir os utentes em erro. Por último, pelos motivos já expostos no parágrafo 92, as análises em questão não são nocivas, não carecem de prescrição médica, podem ser feitas sob a responsabilidade de um director técnico do laboratório e são necessárias às categorias de utentes aí indicadas.
95.–Pelo que, não é possível concluir que a conduta da arguida violou o dever previsto no artigo 3.º n.º 2 – g) do Regulamento ERS 1058/2016 ou preencheu os demais elementos descritivos e normativos do tipo mencionados no parágrafo 90. Na verdade, nem existe violação dos princípios da objectividade, porque os utentes não foram nem podiam ser induzidos em erro, nem se apuraram práticas publicitarias que incitassem ou pudessem incitar à aquisição de actos e serviços desnecessários ou nocivos, nem se verifica a falta de explicitação dos serviços e actos médicos, nem a necessidade de avaliação, diagnóstico ou prescrição médica prévios, de acordo com a lei ou com as legis artis, nem os utentes foram colocados em perigo ou situação ameaçadora para a sua integridade física ou moral, dado o enquadramento legal das análises feitas sob a responsabilidade do director técnico dos laboratórios. Assim, não se apuraram práticas publicitarias proibidas, à luz dos artigos 5.º e 7.º n.º 1 – b) e n.º 2 – b) do DL 238/2015, por não estarem preenchidos os elementos descritivos e normativos do tipo acima enunciados no parágrafo 90. Deve, por isso, a arguida ser absolvida da contraordenação 3.
96.–Quanto à infracção 4 (plano de saúde grátis para todos os portugueses incluindo funcionários públicos e que constituirá um complemento à ADSE), os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo de ilícito imputado à arguida constam do artigo 7.º n.º 1 – d) e e), ponto i) do DL 238/2015, como se segue:
§ Elementos descritivos e normativos: Práticas de publicidade em saúde que enganem ou sejam suscetíveis de criar confusão sobre a natureza, os atributos e os direitos do interveniente a favor de quem a prática de publicidade em saúde é efetuada, designadamente sobre a identidade, as qualificações ou o preenchimento dos requisitos de acesso ao exercício da atividade;
ou
§ Elementos descritivos e normativos: Práticas de publicidade em saúde que no seu contexto factual, tendo em conta todas as suas características e circunstâncias, conduzam ou sejam suscetíveis de conduzir o utente médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo
e
envolvam uma atividade que seja suscetível de criar confusão entre atos e serviços, marcas, designações comerciais e outros sinais distintivos ou competências de um concorrente direto ou indireto.
97.–Atendendo ao conjunto das circunstâncias apuradas, mencionadas nos parágrafos 24 a 28/factos 14 a 18, as campanhas publicitárias no período temporal aqui em causa foram feitas em ambiente digital, do qual consta um link com a indicação “Saber Mais”, que direcciona o público consumidor para os termos e condições concretos em que são prestados os serviços e actos anunciados, informação complementar essa que é, adicionalmente, enviada ao consumidor, em caso de adesão ao plano. Pelo que, não é possível concluir que, em tais circunstâncias, o utente/consumidor, fosse conduzido a fazer uma transacção que de outro modo não faria.
98.– Na verdade, tomando como base o utente médio dos planos de saúde – em regra trabalhadores por conta própria, que carecem de planos de protecção de saúde, trabalhadores por conta de outrém ou funcionários públicos que querem complementar os planos ou subsistemas de saúde de que fazem parte, para si ou para os seus familiares e dependentes, e empresas que adquirem planos de saúde para o seu pessoal – e a circunstância de os planos de saúde terem um custo, o Tribunal conclui que o utente médio é atento e procura informar-se sobre as condições e vantagens suplementares dos planos de saúde, comparando-as com a oferta do sistema nacional de saúde ou de outros subsistemas de saúde, de natureza pública, de que faça parte, como o ADSE (Instituto de Proteção e Assistência na Doença, que é um organismo autónomo da Administração do Estado).
99.–Daqui resulta que, ao mencionar que o plano era um complemento à ADSE, não foi criada confusão sobre a natureza, atributos ou direitos dos intervenientes, ou sobre os serviços ou competências em causa. Na verdade, o utente aqui em causa é medianamente atento e informado e, por isso, não incorre em confusão entre os serviços prestados ao abrigo do sistema ADSE e os prestados ao abrigo de um plano de saúde adquirido a uma entidade privada. Ou seja, o utente médio dos planos de saúde é razoavelmente informado e sabe que os planos de saúde oferecidos por entidades privadas, como a arguida, complementam a oferta do sistema nacional de saúde (SNS) e de outros subsistemas de saúde de natureza pública, como o ADSE, dependendo das possibilidades económicas de cada utente e das suas preferências em termos de entidades prestadoras de serviços. 100.–A este propósito, era a própria Lei de Bases da Saúde, Lei 48/90 de 24 de Agosto, em vigor durante quase todo o ano de 2019, ano em que decorreu a campanha publicitária aqui em análise, que previa, nas suas base II, 1 – f), XXXVII e XLII o apoio ao desenvolvimento do sector privado da saúde, em concorrência com o sector público e o incentivo à celebração de seguros de saúde. Essa lei foi revogada pela actual Lei de Bases da Saúde, a Lei 95/2019 de 4 de Setembro, que entrou em vigor 60 dias após a sua publicação, ou seja já após o início do mês de Novembro de 2019, em cujas bases 2.n.º 1 – c) e 27 continua a ser prevista a subscrição de planos de saúde junto de entidades privadas, precedida da prestação de informação quanto ao âmbito e condições do contrato e que, os utentes devem ter a liberdade de escolher o prestador de serviços de saúde. Ora, como já foi explicado, resulta dos factos provados mencionados nos parágrafos 24 a 28, que cobrem o período temporal em que foi feita a campanha publicitária aqui em causa, que a arguida observou os deveres de informação que sobre ela impendem. Ou seja, não obstante o texto da campanha publicitária não conter essa informação (cf. parágrafo 58/facto 48), tendo as campanhas publicitárias nesse período – como sucede com a campanha aqui em causa – sido feitas em ambiente digital, a informação complementar respeitante a esta campanha constava de um link com a indicação “Saber Mais” que direccionava o potencial consumidor para os termos e condições concretos da prestação dos serviços e actos anunciados, informação complementar essa que, adicionalmente, era enviada individualmente na ocasião da adesão ao plano (cf. parágrafos 24 a 28/factos 15 a 18).
101.–O digno magistrado do Ministério Público refere aliás, na resposta ao recurso, que o facto 15, constante do parágrafo 25 supra, deve ser apreciado de modo favorável à arguida. Embora o Ministério Público se refira à infracção 1, cuja absolvição promove, com base no facto 15 combinado com o facto 31, o certo é que, do facto 15 resulta que foi prestada pela arguida a mesma informação, durante as três campanhas publicitárias aqui em causa, uma vez que o facto 15 cobre o período temporal em que ocorreram essas três campanhas publicitárias, como resulta do facto 14 constante do parágrafo 24. Em conformidade, este Tribunal julga que, na apreciação da prova dos factos que preenchem os elementos do tipo objectivo de ilícito, nomeadamente dos factos 14 e 15, deve aplicar-se o princípio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32.º n.º 2 da CRP, que cobre igualmente a responsabilidade contraordenacional, do qual resulta a presunção da inocência e a consequente inversão do ónus da prova.
102.–Pelo que, não é possível concluir que a arguida incorreu em práticas publicitarias proibidas, à luz do 7.º n.º 1 – d) e e), ponto i), do DL 238/2015, por não haver prova, além da dúvida razoável, de que se encontram preenchidos os elementos descritivos e normativos do tipo, mencionados no parágrafo 96, devendo, por isso, a arguida ser absolvida da contraordenação 4.
C.–Falta de indicação do preceito legal violado no dispositivo da sentença e insuficiência da motivação quanto aos elementos do tipo subjectivo de ilícito 103.–O digno magistrado do Ministério Público alega que o dispositivo da sentença recorrida não indica a norma principal pela qual a arguida foi condenada relativamente a cada uma das contraordenações, que é o artigo 8º do DL 238/2015, pedindo, segundo este Tribunal julga perceber, que seja indicado na decisão que se trata do nº 1, alínea a) como resulta da linha 1746/parágrafo 70 da sentença recorrida, optando pela alínea a) e não pela alínea b) para evitar a punição pela norma mais grave.
104.–O Ministério Público suscita ainda a seguinte questão: o elemento subjetivo sob a forma de negligência não foi suficientemente descrito nos pontos 33, 44 e 49 da matéria de facto, pois nestes não está incluído o elemento intelectual, ficando sem se saber se a arguida conhecia o teor da proibição aplicável à actividade que exerce profissionalmente; a matéria de facto não permite concluir se, ao nível do elemento cognitivo do tipo subjetivo, a negligência foi consciente ou inconsciente, ou seja, se se aplica o artigo 15º alínea a) ou b) do CP (Código Penal) (cf. linhas 1143, 1150, 1153 a 1167 da sentença recorrida).
105.–Enfim, o Ministério Público alega que, ao ter optado por colmatar as deficiências da decisão administrativa, em vez de a declarar nula como teria sido preferível na óptica do Ministério Público, a decisão recorrida ficou contaminada pelas mesmas deficiências de que enferma a decisão da ERS.
106.–Afigura-se que tem razão o digno magistrado do Ministério Público pois, neste caso, a norma que consagra o regime sancionatório e confere a natureza de contraordenação, à violação das proibições objecto dos presentes autos é o artigo 8.º n.º 1 do DL 238/2015. O artigo 8.º n.º 2 do DL 238/2015 prevê a punibilidade por negligência. Ora o dispositivo da sentença recorrida não menciona essa norma, nem se aplicou a moldura abstracta da coima prevista na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do DL 238/2015, para determinar a medida concreta das coimas, o que infringe o disposto no artigo 374.º n.º 3 – a) do CPP.
107.–Este vício dá origem à simples correcção, que pode ser feita pelo Tribunal da Relação, nos termos previstos no artigo 380.º n.º 2 do CPP, aplicável por força dos artigo 74.º n.º 4 do RGCO e 8.º n.º 5 do DL 238/2015.
108.–Porém, essa correcção é inútil pelo facto de a arguida dever ser absolvida por não se terem apurado os elementos descritivos e normativos dos tipos objectivos de ilicito que lhe foram imputados, conforme explicado na apreciação da questão B.
109.–Relativamente à segunda questão acima enunciada, suscitada pelo Ministério Público, a mesma prende-se com a falta de indicação, na sentença recorrida, de todos os factos necessários para saber se a conduta foi cometida com negligência, por falta de conhecimento da proibição legal e, nesse caso, se a negligência foi consciente ou inconsciente. O que convoca a aplicação dos artigos 8.º n.ºs 2 e 5 do DL 238/2015, 8.º e 32.ºdo RGCO e 15.º - a) e b) do Código Penal.
110.–A propósito da questão de falta de prova sobre o erro sobre a proibição, há que ter em conta que, o erro sobre a proibição exclui o dolo em matéria de contraordenações, uma vez que as condutas são aqui éticamente neutras ou têm relevo axiológico diminuto, ficando, porém ressalvada a punibilidade por negligência – artigo 8.º n.º 2 e 3 do RGCO. Acresce que, ainda que se provasse o conhecimento da proibição, por força do disposto no artigo 359.º n.º 1 do CPP aplicável ex vi artigo 42.º do RGCO, o Tribunal de primeira instância não poderia alterar os factos imputados a título negligente para a factos dolosos.
111.–Assim, a questão colocada terá de circunscrever-se à prova da negligência e a saber se a mesma foi consciente ou inconsciente. A negligência é uma entidade complexa que releva ao nível do tipo de ilícito e do tipo de culpa. Ou seja, enquanto violação de um dever de cuidado e criação de um risco não permitido, é um elemento constitutivo do tipo de ilícito; enquanto expressão de uma atitude de descuido ou leviandade perante o dever-ser, é um elemento constitutivo do tipo de culpa negligente.
112.–Tendo em conta as contraordenações aqui imputadas à arguida, afigura-se que estamos perante delitos de mera actividade em que a violação do cuidado objectivamente devido se conexiona, não com a produção de um resultado mas com a realização de um facto que preeche o tipo contraordenacional. Neste contexto, assume importância a questão de saber que medida de cuidado era exigida à arguida. Com efeito, tal como alega o digno Magistrado do Ministério Público, a sentença não contém, na motivação de facto, os critérios concretizadores do cuidado devido, sendo insuficientes para esse efeito, os factos 33, 44 e 49 (cf. parágrafos 43, 54 e 59 deste acórdão).
113.–Além disso, afigura-se que a questão colocada se prende essencialmente com os factos que devem integrar tipo de ilicito negligente na medida em que, a não observância do cuidado objectivamente devido, não torna perfeito o tipo negligente; adicionalmente, é necessário que isso conduza a uma representação imperfeita (negligência consciente) ou a uma não representação (negligência inconsciente) da realização do tipo (cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3ª Edição, GESTLEGAL, páginas 317, 323 e 1014 a 1035).
114.–Ora, da leitura da sentença recorrida resulta que a motivação de facto sobre os critérios concretizadores do cuidado devido e sobre a representação da realização do tipo, é insuficiente, como alega o digno magistrado do Ministério Público. Contudo, isso não constitui um mero lapso, que possa ser corrigido ao abrigo do disposto no artigo 380.º n.º 2 do CPP; constitui antes uma nulidade prevista no artigo 379.º, por violação do disposto no artigo 374.º n.º 2 , do CPP e do artigo 205.º n.º 1 da CRP. Tendo sido invocado este vício pelo digno magistrado do Ministério Público, na resposta ao recurso, embora com diversa qualificação jurídica, é licito a este Tribunal conhecer do mesmo, sem estar sujeito à qualificação jurídica dada nas alegações.
115.–A distinção entre representação imperfeita e a não representação da realização do tipo, tem importância prática essencialmente para legitimar a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, levando, porém, em conta que, neste caso, não pode haver lugar a uma alteração substancial dos factos (negligentes para factos dolosos), por força do artigo 359.º do CPP, como já foi referido supra. Todavia, não tendo sido apurados os elementos descritivos e normativos dos tipos objectivos de ilícito imputados à arguida, é inutil para a decisão da causa anular a sentença recorrida e reenviar o processo à primeira instância para completar a motivação sobre o elemento em falta do tipo subjectivo de ilícito negligente, mencionado no parágrafo 113. D.–Reformatio in pejus 116.–A arguida alega a inconstitucionalidade do artigo 67.º n.º 3 do Estatuto da ERS, que permite a reformatio in pejus, com base no qual o Tribunal de primeira instância aumentou a coima única aplicada pela autoridade administrativa. Segundo a arguida, tal norma infringe os artigos 2.º, 13.º, 18.º n.º 2, 32.º n.º 10, 20.º n.ºs 1 e 4 e 268.º da CRP.
117.–Tal como já foi explicado na apreciação da questão B, não tendo sido apurados os elementos descritivos e normativos dos tipos objectivos de ilícito imputados à arguida, torna-se inútil apreciar a questão da reformatio in pejus, uma vez que a arguida deve ser absolvida.
Decisão
Acordam as juízes que compõem a presente secção em conceder provimento ao recurso e em conformidade:
I.–Revogar a decisão recorrida. II.–Absolver a arguida de todas as contraordenações que lhe foram imputadas nos presentes autos. III.– Sem custas – artigos 92.º do RGCO e 513.º n.º 1 do CPP.
Lisboa, 13 de Julho de 2022
Paula Pott - (relatora) Eleonora Viegas - (1.ª adjunta) Ana Pessoa - (Presidente) *
* Vencida por entender que, pelos fundamentos de facto e de direito que da decisão recorrida constam – de resto muito bem fundamentada quanto às nulidades invocadas e aos elementos de cada um dos ilícitos em causa - se mostram verificados os elementos objetivos e subjetivos dos ilícitos imputados à ora Recorrente, tanto mais que já tinha sido emitida uma recomendação à ora Recorrente pela Entidade Administrativa nos termos que constam dos factos provados (ponto 55 dos mesmos), pelo que manteria a condenação. Ana Pessoa