Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
MANDATO FORENSE
PROCURAÇÃO
Sumário
I - O “convencimento pessoal de uma realidade material” é um facto psicológico pelo que deve basear-se em dados objetivos que o demonstrem facto psicológico, para apoiar a prova em julgamento tem de partir de uma base objetiva que o demonstre a qual não foi trazida aos autos. II - Não é suficiente para convencer que houve mandato forense o Autor declarar que a advogada lhe disse que iria propor a ação, não sabendo se passou ou não passou procuração, nada esclarecendo quanto aos honorários, e não se lembrando se assinou ou não qualquer documento ao mesmo tempo que durante cerca de 4 anos não se efetivaram contactos com a advogada.
Texto Integral
Proc.º 27189/18.0T8PRT.P1
Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC)
…………………………………….
…………………………………….
…………………………………….
ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
AA, casado, reformado vem propor acção declarativa de condenação com processo comum contra BB, Advogada, portadora da Cédula ….P, e K... Company Se, pedindo a condenação solidária das Rés a:
a) Indemnizar o Autor pelos danos patrimoniais causados e cujo montante deve ser fixado em €103.500,00 (centro e três mil e quinhentos euros), correspondente a 90% do montante global dos danos patrimoniais sofridos pelo Autor;
b) Compensar o Autor pelos danos não patrimoniais sofridos, fixando uma quantia nunca inferior a €5.000 (cinco mil euros);
c) A pagar ainda ao Autor os respetivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, sobre as quantias acima peticionadas, calculados desde a data da Citação e até efectivo e integral pagamento.
A SENTENÇA JULGOU A AÇÃO IMPROCEDENTE.
CONVOCOU OS SEGUINTES FACTOS:
I. PROVADOS:
1º No dia 24 de Dezembro de 2012, o autor dirigiu-se ao supermercado “C...” situado no interior do Centro Comercial ... sito na R...., ... ... em Matosinhos para ali fazer compras.
2.º Ao sair do referido supermercado e quanto se dirigia para o parque de estacionamento subterrâneo, cujo acesso é proporcionado por um tapete rolante, escorregou e caiu no mesmo sobre a perna direita.
3.º Após a queda foi assistido pelo segurança do centro comercial, CC.
4º Como consequência do acidente, o Autor sofreu lesões físicas, dando entrada na urgência do Hospital ..., tendo sido colocada uma tala na perda direita.
5.º No dia seguinte, foi internado no C..., EPE, no serviço de ortopedia, onde, após vários exames, foram constatadas as seguintes lesões: fratura do osso da perna, diáfise da Tíbia e Maléolo peronial à direita, com o diagnóstico de fratura da tíbia e perónio, Diáfise fechada.
6.º No dia 27/12/2012 o autor foi intervenção cirúrgica para encavilhamento da tíbia direita com vareta ETN; colocação de tala gessada posterior na perna direita, antibioterapia e profilaxia anti trombótica.
7.º Nesse mesmo dia sofreu uma infeção no tornozelo na parte interna e externa (flictenas)
8.º Foi submetido a tratamento a ferida cirúrgica em 28.12.2011.
9.º O autor teve alta hospitalar no dia 01/01/2013, com indicação de tratamento ambulatório na consulta externa de Ortopedia, profilaxia antitrombónica com lovenox – 1 injeção por diaanalgesia e drenagem postural do membro operado.
10.º Após a queda, o Autor pretendeu ser indemnizado pelos danos sofridos.
11.º A F... era a companhia para quem estava transferida a responsabilidade civil da gestora do Centro Comercial ..., a sociedade S..., SA, através da apólice nº ....
12.º O Autor participou, então, a queda à companhia de Seguros F... em 06 de Janeiro de 2013 que abriu o processo de sinistro nº ....
13.º Feita a participação, o Autor recebeu da companhia de seguros F..., uma resposta negando a atuação negligente da sua segurada e recusando o pagamento de qualquer indemnização.
14.º Em Fevereiro de 2013, o Autor procurou a Senhora Doutora BB, advogada de profissão, aqui Primeira Ré, no sentido de receber a ajuda e o aconselhamento necessários para ver satisfeita a sua pretensão de ser indemnizado pelo acidente ocorrido no dia 24 de Dezembro de 2012.
15.º Nessa altura, o Autor expos à Primeira Ré a sua situação.
16.º Nessa primeira reunião, que se realizou em Fevereiro de 2013, a Primeira Ré aceitou prestar apoio e patrocínio jurídico na questão apresentada pelo Autor.
17.º Dando cumprimento ao acordado na reunião, a Primeira Ré contactou a companhia de seguros F... por email datado 11 de fevereiro de 2013, aduzindo que “responsabilidade é do V/ segurado” para que lhe fornecesse “… alguma informação no que respeitante ao assunto em epígrafe, nomeadamente a fase em que se encontrava o processo, para que pudesse melhor aferir os factos…”
18.º A resposta da seguradora foi dada no dia 14 de Fevereiro de 2013, também via e-mail, onde esta referiu que o processo se encontrava encerrado.
19.º Posição que foi reafirmada, por e-mail, no dia 17 de Julho de 2013.
20º A Primeira Ré informou então a seguradora F... que não restava outra alternativa “senão recorrer à via judicial”.
21.º Após a troca da referida correspondência, a Primeira Ré, em mais uma reunião no seu escritório Setembro de 2013 informou o Autor que lhe não restava outra solução para além daquela que implicava o recurso ao tribunal para propor acção contra a companhia de seguros.
22.º Durantebastantetempo não houve qualquer contacto entre o Autor e a Primeira Ré, apesar dos telefonemas que este fazia para o escritório da Primeira Ré para se inteirar o estado do processo.
23.º Em 2017 ocorreu nova reunião do autor com a 1ª Ré.
24.º Após a reunião o Autor nunca conseguiu falar com a Ré.
25º Em Outubro de 2017 o autor dirigiu-se à A..., RL no intuito de contratar esta sociedade para substituir a Primeira Ré no seu patrocínio relativo à queda sofrida em 24 de Dezembro de 2012, tendo entregue as comunicações entre a Primeira Ré e a Companhia de Seguros F....
26.º Face ao exposto na reunião, a advogada subscritora desta peça, DD, sócia da referida sociedade de advogados, contactou pela primeira vez a sua colega, Primeira Ré, através de uma carta registada datada de 10 de Outubro de 2017 com o intuito de assumir o patrocínio do processo relativo ao acidente ocorrido no dia 24 de dezembro de 2012.
27.º Nessa carta, solicitou à Primeira Ré o envio urgente de toda a documentação que esta tinha em seu poder bem como a petição inicial e respetivos documentos e, caso existissem, a indicação dos montantes relativos a custas e honorários.
28º Não houve resposta da Primeira Ré.
29º Foram enviados dois e-mails, o primeiro no dia 9 de novembro de 2017 e o segundo no dia 24 de novembro de 2017, onde se solicitou novamente uma resposta da Ré à carta enviada em 10 de outubro.
30.º No dia 3 de Janeiro de 2018, a subscritora, contactou novamente a Ré, através de e-mail dizendo que se não obtivesse resposta no prazo de 10 dias, iria aconselhar o autor a indagar, junto do Tribunal de Matosinhos, sobre o número e Juízo onde fora requerida a notificação judicial e onde decorreria a eventual ação de responsabilidade civil, após o que iriam pedir a revogação do mandato por parte do Autor no processo em curso.
31.º Passaram os 10 dias sem qualquer resposta por parte da Primeira Ré, pelo que, o autor, a conselho da subscritora, pediu duas certidões para fins judiciais ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto que foram emitidas, a primeira em 06 de Março de 2018, a segunda a 09 de Março de 2018, respetivamente pela Unidade Central do Núcleo de Matosinhos e pela Unidade Central do Núcleo da Póvoa do Varzim.
32º Não foram localizados quaisquer processos nem quaisquer registos referentes à existência de acção cível ou notificação judicial avulsa em que este se figurasse como autor.
31º O Autor esteve cerca de 1 ano a fazer tratamento ambulatório no CICA-Centro Integrado de Cirurgia de Ambulatório- que só terminou em fevereiro de 2014 e em acompanhamento de ortopedia no Centro Hospitalar ....
32º Durante todo esse ano andou com muletas necessitando de ajuda de terceiros para todos os atos do dia a dia, como tomar banho, vestir-se, etc.
34.º O quantum doloris é fixável no grau 4/7;
35º À data do acidente o Autor estava desempregado, tendo auferido, anteriormente um ordenado de €776,67 como trabalhador da construção civil - trolha.
36.º Depois de terminar os tratamentos ambulatórios, em consequência direta e necessária da queda o Autor esteve de baixa médica emitida pelos médicos do Centro de Saúde ..., até que passou à situação de reforma.
37º O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 3 pontos;
38.º A repercussão Permanente na atividade profissional é compatível com o exercício da atividade habitual, mas implica esforços suplementares.
39º À data do acidente o A. tinha 60 anos de idade, tendo nascido em .../.../1952. O Autor sofreu de angústia e é agora uma pessoa ansiosa.
40º O autor consegue manter-se de pé durante muito tempo, não consegue manter-se sentado durante muito tempo e não consegue caminhar durante muito tempo.
41º Com data de início a 1 de Janeiro de 2018, foi celebrado o primeiro contrato de seguro entre a K... Company, Se e a Ordem dos Advogados, titulado pela apólice de seguro ...;
42º Tendo a K... Company assumido, perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados), nos termos expressamente definidos nas condições particulares do contrato, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia, conforme regulado no estatuto da Ordem dos Advogados, desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor), garantindo, até ao limite de capital seguro e nos termos expressamente previstos nas referidas condições particulares da apólice de seguro, o eventual pagamento de indemnizações “pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados”.
43º À data da citação da ora contestante para a presente ação, encontrava-se já efetivamente em vigor a apólice de seguro ... (ora junta como Doc. 1), sendo o limite indemnizatório máximo contratado para o seu período de vigência/ “período seguro” (0:00 horas do 01 de Janeiro de 2018 às 0:00 de 1 de Janeiro de 2019) fixado em €150.000,00, prevendo-se a aplicação de uma franquia contratual, a cargo dos segurados, cujo valor ascenderá à quantia de €5.000,00 por sinistro.
II. NÃO PROVADOS:
1. A queda foi provocada pelo facto de o piso do tapete rolante estar molhado e escorregadio.
2. O Autor desconhecia tal facto.
3. Não existia qualquer aviso de piso escorregadio e o tapete não possuía piso antiderrapante.
4. Ficou acordado na reunião de Setembro de 2013 que o pagamento de honorários seria feito a final em função do valor que o Autor recebesse e que a 1ª Ré iria começar a preparar a acção para dar entrada em tribunal dizendo ao Autor que esta não iria receber nunca menos de €50.000,00.
5. Na reunião de 2017 a 1ª Ré prometeu que na segunda-feira da semana seguinte à da reunião daria entrada da ação no Tribunal da Póvoa de Varzim, por ser o tribunal competente e que iria pedir cerca de €90.000,00.
6. A 1ª Ré entregou ao autor um requerimento de notificação judicial avulsa.
7. O Autor deixou de ter perspetivas de trabalho, mesmo por sua conta.
DESTA SENTENÇA APELOU O AUTOR QUE LAVROU AS CONCLUSÕES SEGUINTES: I- No presente recurso Autor, recorre da matéria de facto e de direito, não concordando, com a resposta dada pelo Tribunal, na Sentença Recorrida, aos Pontos 1 e 5 dos factos não provados e, em consequência, não concordando com a aplicação de direito que é feita aos factos que o Tribunal considerou provados e àqueles que o Autor pretende sejam dados como provados. II- Quanto ao Ponto 1 dos factos não provados, entende o Autor que, das suas declarações de parte, prestadas na audiência de julgamento no dia 29/10/2021, cujo depoimento ficou gravado (…) e dos depoimentos das testemunhas CC, (…) e EE, (…) resulta que na altura da queda, estava a chover e que o piso do tapete rolante estava molhado e escorregadio. III- Resultando provados estes factos e, através de presunção judicial e com base nas regras da experiência, é lógico concluir que o Autor escorregou porque o piso do tapete rolante estava molhado e escorregadio. IV- As presunções judiciais não são meios de prova próprios mas meios lógicos e mentais que permitem ao julgador, utilizando as regras da experiência, retirar conclusões de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos. V- Pelo que deveserdadocomoprovadoque:NaalturadaquedadoAutor,chovia.Opiso dotapeterolanteestavamolhadoeescorregadio.AquedadoAutorfoiprovocadapelofactodeopisodotapeterolanteestarmolhadoeescorregadio. VI- O Tribunal considerou não provado, noponto5dosfactosnãoprovados,que:Nareunião de2017a1ªRéprometeuquenasegunda-feiradasemanaseguinteàdareuniãodariaentradada açãonoTribunaldaPóvoadeVarzim,porserotribunalcompetenteequeiriapedircercade€90.000,00 VII- Ora, do depoimento da Testemunha FF, mulher do Autor. que o acompanhou nessa reunião, resulta provado que “Nareuniãode2017,aPrimeiraRéinformouoAutoreasuamulherqueiaproporaaçãonasemanaseguinte.”, pelo que tal facto deve ser dado como provado nos termos ora requeridos. IX- O Tribunal a quo entende que o Autor “mostroudesinteresse” o que contraria o facto provado no Ponto 22 da Douta Sentença. X- Depois, resulta claramente dos factos dados como provados nos pontos 25.º a 31.º da matéria de facto provada, e dos documentos que lhes servem de prova, que a Sociedade de Advogados contratada pelo Autor, contactou a Primeira Ré no sentido de a substituir numa ação judicial que já estaria em curso e não para intentar a competente ação, como contraditoriamente decidiu o Tribunal a quo, comunicações que não receberam qualquer resposta da Primeira Ré, o que releva para a aplicação do Direito, como adiante se concluirá. XI- O facto de o Autor não se lembrar de ter assinado uma procuração e o pedido de apoio judiciário, ou de efetivamente, não os ter assinado, não é da sua responsabilidade. XII- Cabia à Primeira Ré, enquanto profissional do foro, munir-se dos documentos necessários para o patrocínio judiciário e não ao Autor ter conhecimento que tais documentos eram necessários. XIII- Por fim, os AA são pessoas com baixa condição económica e social, daí muitas vezes a dificuldade em perceberem as perguntas durante os respetivos depoimentos e as explicações que lhes foram dadas pela Primeira Ré. XIV- Assim, ou se considera que a Primeira Ré estava incumbida de propor ação judicial, resultando tal facto designadamente dos factos dados como provados nos pontos 14.º a 31.º da sentença, ou considerando-se que tal facto não resulta desses factos- devem os mesmos ser conjugados com o depoimento da Testemunha FF, ouvida na audiência de julgamento no dia 29/10/2021, (…) dar-se como provado que: APrimeiraRéestavaincumbidapeloAutordeintentaraçãojudicial.
*
XV- Aplicando o direito aos factos que o Tribunal considerou provados e àqueles que o Autor pretende sejam considerados provados, entende o Autor se encontra verificada a responsabilidade civil das Rés por perda chance processual. XVII- Ora, resulta também da matéria dada como provada na Sentença e daquela que o Autor pretende ver dada como provada, que o Autor provou os requisitos da responsabilidade civil referentes à queda que sofreu no ... Shopping, gerido pela S..., SA, cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a F..., isto é, provou o facto ilícito, os danos e o nexo de causalidade entre estes e aquele. XVIII- Sendo que, estando em causa o dever geral de prevenção de perigo, presume-se a culpa da S..., SA, enquanto gestora do Centro Comercial ..., nos termos do artigo 493.º nº 1 do Código Civil, como se presumiria, se a ação tivesse sido intentada no prazo de 3 anos, nos termos do artigo 498.º nº 1 do CC. XIX- (…) a culpa da gestorasóseriaafastadacomaefetivainterdiçãodotapeteemdiasdechuva, - sendo que resultou claramente provado que o acesso ao tapete não estava interdito. XX- Entende, por fim, o Tribunal que a culpa da Primeira Ré se encontra excluída porquanto, quando cessou o contrato de mandato celebrado entre o Autor, ainda não haviam decorrido cinco anos desde a data da queda, pois os factos alegados na PI, a serem provados, constituem um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido no artigo 148.º do CP. XXI- Desde logo, neste raciocínio o Tribunal desconsidera as consequências, para o Autor, caso a ação fosse proposta após os 3 anos previstos no artigo 498.º do CC: o Autor, para beneficiar de uma prescrição mais longa,teriaquefazerprovaqueosfactosconstituíramumcrime, e não um ilícito meramente civil. (…) XXIII- Ora, se o Autor tivesse proposto ação dentro dos 3 anos previstos no artigo 498. º nº 3 do CC, para além de não ter que fazer essa prova reforçada (a prova do crime), ainda beneficiava de uma presunção de culpa da parte contrária, da qual, obviamente, deixa de beneficiar, após os referidos 3 anos, sendo que essa presunção de culpa faz toda a diferença, em termos de probabilidade de sucesso da ação. XXIV- Acresce que, tendo a Segunda Ré seguradora alegado que os factos alegados na PI, constituem um crime de ofensas corporais por negligência, e portanto sujeitos ao prazo de prescrição mais alargado, teriaqueprovarqueexistiaaprobabilidadesériadesucessonaprovadoreferidocrime,naaçãoaintentardecorridosos3anosdeprescrição,paraverexcluídaaresponsabilidadedasuasegurada, Primeira Ré, pois cabia-lhe esse ónus de prova, o que não fez, pelo que não podia o Tribunal ter decidido pela exclusão da responsabilidade da Primeira Ré. XXV- Entende, ainda, o Autor que, para além da questão referida supra, o tribunal ignorou, na decisão que tomou quanto à exclusão da responsabilidade da primeira Ré, as circunstâncias concretas da atuação desta após a cessação do contrato de mandato em outubro de 2017, designadamente, ignorando os factos dados provados nos pontos 26.º a 30.º dos quais se extrai que existia um efetivoconvencimento de que a ação já estava intentada, sendo que, como resulta de tais factos, a Primeira Ré, nuncarespondeu a qualquer comunicação enviada- e foram várias- o que lhe era exigível, nos termos do artigo 112.º nº 1 alínea b) do EOA - e sendo que a sua resposta, neste caso, era essencial para se aferir de uma eventual propositura da ação com a alegação de prescrição mais longa, resultante da aplicação da prescrição criminal (claro que com todas as dificuldades já referidas). XXVI- Ora, no contrato de mandato, a boa-fé é recíproca e mantém-se mesmo após a cessação do contrato, pelo que não podia o Tribunal ter decidido pela exclusão da responsabilidade da Primeira Ré. XXVII- Violou, pois a Douta Sentença, o disposto nos artigos 483.º, 493.º nº 1 e 498.º nº 1 e 342.º nº 2 do Código Civil e o disposto no artigo 112.º nº 1 alínea b) do EOA. XXVIII- Aqui chegados, dando-se por verificada a probabilidade séria de sucesso de ação não intentada, e atento os danos provados nos Pontos 4º a 9.º e 31.º a 40.º da Douta Sentença, o Autor, ora Recorrente, devia ser indemnizado, a título de compensação por danos de natureza moral, bem como a título de indemnização devida pela violação do direito à sua integridade física e psíquica - Dano biológico- na quantia de €20,000.00 XXIX- Devia também ser indemnizado a título de perda da capacidade de ganho, na quantia de €40.000,00, segundo um juízo equitativo, no qual o capital produtor de rendimento deve ser determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa. XXX- Entende-se como razoável, face à factualidade provada, fixar o grau de probabilidade de recebimento da indemnização em pelo menos 90% e ser assim, em consequência, serem as Rés condenadas a pagar ao Autor, solidariamente, a título de danos patrimoniais pela perda de oportunidade, o valor de €54.000,00 (cinquenta e quatro mil euros)
RESPONDERAM AS RECORRIDAS a sustentar o acerto da sentença proferida.
Nada obsta ao mérito.
O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Em consonância e atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1. SABER SE HÁ ERRO NO JULGAMENTO DOS PONTOS IMPUGNADOS DA MATÉRIA DE FACTO.
2. PROCEDENDO O RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO QUALIFICAR O ACORDO COM A RÉ, APURAR O SEU OBJETO E APRECIAR A EXECUÇÃO (IM)PERFEITA.
O MÉRITO DO RECURSO:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação de facto supra.
I
A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
O Réu pretende ver alterada a resposta aos pontos não provados nº s 1 a 5 da sentença acentuando que se fez prova suficiente para concluir que tais factos ocorreram. Propõe que a matéria correspondente passe a provada.
II
É a seguinte a factualidade não provada impugnada:
1. A queda foi provocada pelo facto de o piso do tapete rolante estar molhado e escorregadio.
2. O Autor desconhecia tal facto.
3. Não existia qualquer aviso de piso escorregadio e o tapete não possuía piso antiderrapante.
4. Ficou acordado na reunião de Setembro de 2013 que o pagamento de honorários seria feito a final em função do valor que o Autor recebesse e que a 1ª Ré iria começar a preparar a acção para dar entrada em tribunal dizendo ao Autor que esta não iria receber nunca menos de €50.000,00.
5. Na reunião de 2017 a 1ª Ré prometeu que na segunda-feira da semana seguinte à da reunião daria entrada da ação no Tribunal da Póvoa de Varzim, por ser o tribunal competente e que iria pedir cerca de €90.000,00.
III
Para a alteração desta factualidade o Autor adita o teor das suas declarações de parte e das testemunhas CC, EE e da sua mulher FF.
Da audição da gravação da prova, resulta o seguinte:
III.1
O Autor no que respeita ao sinistro afirmou que não sabe o que é que aconteceu. Não sabe como é que caíu. “não faço uma pequena ideia do que aconteceu. Simplesmente escorreguei e caí“ acrescentou que o segurança o veio ajudar e disse que “você teve azar. Vinha agora mesmo por as fitas” e que “não havia lá sinal nenhum”.
Quanto às reuniões com a Ré afirma que não se lembra quando procurou a Drª BB. Que a Drª BB tomou conta do caso. Não sabe o que a drª BB fez. Que depois da 1ª reunião não conseguia contactar com ela. Nesse caso teve que procurar outra advogada. Teve mais duas reuniões com a advogada estas com a sua mulher presente. Que a mulher lembra-se melhor. Entendeu que qualquer coisa não estava bem, por isso foi procurar outra sociedade de advogados. Fez o que a Drª DD lhe mandou que foi saber se havia ação em tribunal. Procurou a Drª BB porque queria uma indemnização. Que esteve na expectativa que a advogada falasse com ele ou coisa no género, mas como ela não disse nada “se eu me farto de ligar para ela e ela não me atende nem nada tenho de procurar outra solução” (sic) “que não se lembra se assinou alguma coisa.”
Depoimentos de testemunhas:
III.2
A testemunha CC segurança do ... Shopping à data dos factos depôs que se recorda de ter caído um senhor no tapete rolante, foi por altura do natal, que não sabe se estava a chover, não sabe se o tapete estava molhado, mas que normalmente logo que houvesse avisos de chuva o centro colocava aviso de piso escorregadio. Não sabe se o aviso estava colocado. Que crê que sim. Confrontado com a informação escrita junta aos autos preenchida pelo seu punho confirmou o que escreveu a saber que “(…)No momento da queda a zona dos tapetes rolantes encontrava-se seca mesmo tendo começado a chover minutos antes. No local já se encontrava uma placa de piso escorregadio no momento da queda e levava os sacos de compras(…)”
III.3
A testemunha EE, amigo do filho do Autor que chegou ao local já depois deste ter caído, depôs que não assistiu à queda do Autor. Estava no shopping. Quando se aproximou do Autor este disse-lhe que o segurança tinha estado no local e que tinha chegado o INEM. Que chamou o filho do autor por telemóvel. Subiu e desceu no mesmo tapete em que caiu o Autor. Não havia qualquer aviso. Quando chegou ao shopping não estava a chover. O piso estava molhado, quando saíu do shopping. Não tem a certeza absoluta que a placa lá não estivesse. Acha que o Autor não trazia nada com ele. Mas não tem a certeza. Começou a prestar mais atenção às escadas depois do sinistro. Que se o que se lá estivesse fosse uma fita, a dizer piso escorregadio aí com certeza absoluta que veria… não sabe se o autor caiu no principio, meio ou fim do tapete. Que o Autor disse que levantou uma perna e escorregou.
III.4
A testemunha FF mulher do Autor, acompanhou-o às segunda e terceira reuniões com a Ré mas não se lembra quando ocorreram.
Referiu que a Ré disse que o seguro não concordava pagar uma indemnização e que “estava a tentar que o seguro concordasse. Que se o seguro não concordasse tinham que ir para tribunal”.
Entre a 1ª e a 3ª vez demorou bastante tempo…mas não sabe precisar.
“Na 3ª vez ela disse que tinha pedido apoio judiciário não se aflija que eu já vou meter revogação do prazo ou não sei quê ao juiz…” para a semana isto já deve estar arrumado”.
À pergunta se esta reunião ocorreu em 2017 a testemunha disse “que acha que sim” (…) que deu o nome das testemunhas à Ré mas não sabe quando …acha que foi na segunda vez …
III.5
A sentença na sua motivação explica que “ aquedadoautorocorreuem2012,equeroautorquerastestemunhasjánãoserecordavammuitobemdosfactos.Opróprioautornassuasdeclaraçõesdepartereferiuqueescorregounotapeterolante,masquenãosabeoqueaconteceu.TambémnãoserecordavadequasenadarelativamenteàsreuniõesquetevecomaRé/advogada. AtestemunhaCC(oSegurançaquesocorreuoautor)nãopresenciouaquedaeconfirmouoteordodocumentonº6elaboradopoucoapósoacidente.A testemunhaEE(amigodofilhodoautor)tambémnãopresenciouaqueda,mas viuoautorsentadonochãoaaguardarpelachegadadaambulância,ejánãotemacertezaseexistiamplacasasinalizarquepisoestavaescorregadio. AtestemunhaFFAcompanhouomaridoemduasreuniõescomasenhoraDrªBB,masnãoserecordaqueomaridotenhapassadoumaprocuraçãoouassinadoumrequerimentoparaopedidodeapoiojudiciário.Referiuquenaprimeirareuniãoemqueestevepresente(naprimeiraomaridofoisozinho)contaramtodaasituaçãorelacionadacomaquedadomaridoàDrªBB.(…)Enfatizouadificuldadedecontactarcomaadvogada.Aausênciadeprocuração,derequerimentoparaobtençãodeapoiojudiciário,asparcasinformaçõessobreoconteúdodasreuniõesaliadasaodesinteressedoautorpeloassuntodurantecercadetrêsanos,nãopermitiramaotribunalconcluirqueoautorincumbiua1ªrédeintentarumaaçãotribunaldestinadaaserressarcidosdosdanossofridosemconsequênciadaquedadadanavésperadeNatalde2012.
IV
DECIDINDO:
IV.1 O Autor observou os requisitos formais do recurso da impugnação da matéria de facto impressos no artigo 640º do CPC.
O juízo da Relação sobre a matéria de facto é autónomo e dentro dos poderes de livre apreciação dos meios de prova, havendo motivo para tal, devem ser introduzidas as modificações que se justificarem em face dos elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.
Teoricamente podemos afirmar que as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para um convencimento adequado.
É a afirmação da corrente probabilística que considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto. Mas terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficiente que justifique a decisão, que não pode ser, de modo algum, arbitrária, funcionando aquela justificação (fundamentação) como base de compreensão do processo lógico e convincente da sua formação. O juízo conclusivo da prova deve assentar na premissa: é mais provável que sim do que não.
IV.2 Importa, pois, reexaminar as provas indicadas pelo recorrente e que, deste modo, serviram para formar a convicção da Ex.ma Juiz, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade.
A prova produzida pelo Autor não é concludente quanto aos factos não provados.
IV.2.a Quanto aos factos não provados 1 a 3:
Com efeito, o Autor não foi suficientemente assertivo no esclarecimento das causas da queda, tendo referido que não sabia porque tinha caído, que escorregou. Sendo o mero desequilíbrio nas escadas rolantes uma possível causa de quedas, na ausência de um esclarecimento cabal nesta matéria de causalidade quanto à queda, não está suficientemente sustentada nesta prova a afirmação de que a queda do autor se ficou a dever ao piso molhado, tanto mais que foi referido, pela testemunha CC que o mesmo seguia com sacos de compras, portanto com as mãos ocupadas. Nada foi dito quanto ao piso do tapete ser ou não ser antiderrapante.
Por outro lado, o autor declarou que o segurança lhe terá referido “teve azar vinha agora mesmo por as fitas” mas esta declaração não foi confirmada pelo próprio segurança. Este depôs, confirmando o relatório assinado por si e junto aos autos do qual consta: “ no momento da queda a zona dos tapetes rolantes encontrava-se seca mesmo tendo começado a chover poucos minutos antes” (sic).
A testemunha EE (amigo do filho do autor) não assistiu à queda e não trouxe informação concludente, quanto ao objeto da discussão.
Os depoimentos das testemunhas e as declarações do autor são imprecisas, e contraditórias entre si, não permitindo uma convicção positiva sobre o que realmente aconteceu, pelo que são inidóneos à formação de um convencimento. positivo sobre a prova.
IV.2.b Quanto aos factos não provados 4 e 5:
O autor nas declarações que presta é também aqui muito pouco preciso. Não aborda a questão dos honorários e o acordo em relação aos mesmos, acentuando apenas que não conseguia contactar a ré que esta lhe declarou que ia propor a ação e que a “mulher se lembra melhor”. A mulher do autor também não logrou esclarecer suficientemente os factos. Não se lembrava das datas das duas reuniões
com a Ré. Sabia que a mesma não era contactável porque diversas vezes telefonaram para o escritório e ela estava sempre ocupada. Que a mesma lhe tinha afirmado que iria interpor a ação na “semana seguinte”, mas não sabia em qual das reuniões ocorreu essa conversa. Não se lembrava se o Autor tinha sido assinado papéis. Os depoimentos da testemunha FF pautam-se pela pouca clareza e uma certa ambiguidade acostada sempre na falta de memória.
Com efeito, cinco anos é um período de tempo demasiado longo para credivelmente os AA manterem a expectativa na propositura de uma ação, relativamente à qual apenas tiveram três reuniões com a 1ª Ré, por não conseguirem sequer contactá-la por telefone. Note-se que durante este tempo, em face da frustração dos contactos telefónicos, o Autor não se deslocou pessoalmente ao escritório da advogada, (para lá das referidas três reuniões), não foi falada qualquer insistência presencial, no escritório da ré para saber a razão da demora ou do não atendimento.
A míngua de uma explicação cabal para este comportamento, e bem assim a ausência de esclarecimento sobre as demais matérias que implicam um mandato forense (procuração, honorários, apoio judiciário), aliados à falta de memória, do Autor e da mulher, constituem contributo insuficiente ao conhecimento do tribunal sobre o que efetivamente terá ocorrido, mantendo-se por consequência um estado de séria duvida sobre o que realmente ficou acordado com a Ré. Nem vale para aqui a razão invocada nas conclusões de que se trata de pessoas de modesta condição económica e socio cultural, já que o Autor foi procurar outro advogado como uma pessoa de cultura adequada, (embora, quase cinco anos depois do sinistro). Certo, também que a asserção constante do ponto 22 da matéria de facto, convocada nas conclusões “bastante tempo” referida ao período de insistências telefónicas frustradas, para sustentar o recurso, é demasiado vaga (podendo significar de 1 mês a 4 anos) para constituir premissa de fundamentação sobretudo numa situação como a presente em que a janela de oportunidade se cifrou em cinco anos.
Conclui-se que não é razoável em face da experiência comum que, uma pessoa, mesmo, que de condição económica e socio cultural modesta perante uma situação destas, em que visava uma indemnização para ressarcimento de danos, não procure efetivamente o advogado mandatado para a competente ação, pelo menos uma dúzia de vezes a saber do estado das coisas, e que frustrando-se o contacto telefónico se não desloque pessoalmente ao escritório a requerer informações sobre ao assunto. Ainda mais, quando cinco anos depois do sinistro vai procurar outro advogado; sendo certo que o “convencimento de que a ação foi proposta” sendo um facto psicológico, para apoiar a prova em julgamento tem de partir de uma base objetiva que o demonstre, a qual não foi trazida aos autos.
Em síntese os meios de prova apresentados ao tribunal são inconcludentes. Cheios de hesitações com falta de memória, insuficientes, confusos, não asseguram um juízo objetivamente sustentado de que a realidade decorreu de acordo com o que se pretende ver provado.
Sufragamos, por consequência o julgamento feito no tribunal recorrido, pelo que, improcede a impugnação da matéria de facto, no seu todo.
V
DO DIREITO.
Improcedendo a impugnação da matéria de facto, o Autor decai desde logo, na tutela do direito reclamado.
Cabe ao Autor o ónus da prova de que constituiu a Ré sua mandatária para propor a ação e de que esta a não propôs podendo e devendo fazê-lo (artigos 342º nº 1 e 1157º do CC, assim como lhe cabe o ónus da prova de que a conduta da A. conduziu a uma perda de chance processual consistente e séria (conforme o AUJ 2/2022 de 26-012022, in DR Iª Série, nº 18 p 20 e ss).
Este ónus em face dos factos não provados não se cumpriu.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
IMPROCEDE A APELAÇÃO. MANTÉM-SE A SENTENÇA.
Custas pelo Autor.
Porto, 8 de junho de 2022
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Carlos Portela