NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
ERRO DE JULGAMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA
CONFISSÃO
LEGITIMIDADE
HERDEIRO
HERANÇA
ACORDO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ALIENAÇÃO
QUINHÃO HEREDITÁRIO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Sumário


I - A nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC, ocorre na construção lógica da decisão quando o julgador concluiu num sentido oposto/ou diverso do que resultaria face aos fundamentos em que alicerçou essa decisão.
II - A regra geral da ineficácia perante terceiros da declaração confessória ínsita em documento particular pode sofrer desvio relativamente aos herdeiros do de cujus confítente.
III - O herdeiro, desacompanhado dos demais, carece de legitimidade para proferir declaração confessória reportada a direitos integrados em herança que, nessa data, ainda não tenha sido partilhada.
IV - A determinabilidade do contrato prometido constitui elemento crucial na qualificação de um acordo enquanto contrato-promessa.
V - Ao tribunal ad quem está vedada a possibilidade de se pronunciar sobre matéria de conhecimento não oficioso, não submetida à apreciação do tribunal a quo.
VI - A conversão de um negócio nulo em negócio válido constitui questão de conhecimento não oficioso.

Texto Integral





Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – Relatório

1. AA instaurou acção declarativa com processo comum contra:
1. BB e marido CC;
2. DD;
3. EE
4. FF;
5. FF;
6. DD;
7. GG;
8. GG;
9. HH;
10. II;
11. JJ;
12. KK
deduzindo os seguintes pedidos:
1) Reconheça a qualidade da Autora de herdeira de seu pai, LL, de sua avó paterna MM e do marido desta, NN;
2) Declare a nulidade da habilitação de herdeiros de NN realizada por escritura pública de 6 de Maio de 1996, no ... Cartório Notarial ...;
3) Declare a nulidade da partilha, entre os Réus, da herança aberta por óbito de NN realizada por escritura pública em 6 de Maio de 1996, no ... Cartório Notarial ...;
4) Declare a nulidade das vendas a favor da Ré BB constantes da escritura pública outorgada no ... Cartório Notarial ..., em 16.02.1998;
5) Ordene o cancelamento do registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito e do registo de partilha dos seguintes prédios:
- Fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão, com entrada pelos n.ºs ...1 a ...3 do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ...;
6) Ordene o cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré BB e que esta seja condenada à respectiva restituição à herança relativamente aos seguintes prédios:
- Fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao ... andar, n.º ...9 do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...76 do livro BB;
- Fracção autónoma designada pela letra “I” correspondente ao ... andar, n.º ...9 do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...76 do livro BB;
- Prédio urbano denominado “...” sito na Rua ..., ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial desta freguesia sob o art. ...98, descrito na ... Conservatória do Registo predial ... com o n.º ...22, a fls. 85v do livro ...1;
7) Condene os Réus no pagamento à herança do valor correspondente aos imóveis indevidamente alienados a terceiros, em quantia não inferior a € 500.000,00, a liquidar em execução de sentença;
8) Condene os Réus no pagamento à herança do valor correspondente aos frutos que todos os imóveis produziram ou poderiam ter produzido, em valor não inferior a € 25.000,00, a liquidar em execução de sentença
- Fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao ... andar, n.º ...9 do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...76 do livro BB;
- Fracção autónoma designada pela letra “I” correspondente ao ... andar, n.º ...9 do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...76 do livro BB;
- Prédio urbano denominado “...” sito na Rua ..., ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial desta freguesia sob o art. ...98, descrito na ... Conservatória do Registo predial ... com o n.º ...22, a fls. 85v do livro ...1;
- Prédio urbano sito na Rua ..., ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...82 da ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...47 da freguesia ...;
- jazigo n.º ... do 2.º Cemitério … – ..., descrito a fls. 23 do livro n.º ...5 de registos de ... particulares;
9)  Condene os Réus no pagamento à herança de todas as despesas com o fiel depositário dos bens arrolados no processo n.º ...8, ... Vara, ... secção, no valor de € 12.023,06;
10)  Declare que a propriedade de todos os bens referidos, bem como dos bens móveis, é dos herdeiros de GG, de NN e de OO, condenando-se os Réus a reconhecerem o referido direito e a restituírem à herança os bens que lhe pertencem e que os Réus ilegitimamente detêm;
11)  Subsidiariamente, na impossibilidade de serem restituídos alguns dos bens actualmente na posse dos Réus, que sejam estes condenados a indemnizar a herança pelo seu valor, em quantia não inferior a € 9.038,24 a liquidar em execução de sentença;
12)  Condene os Réus no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes e danos não patrimoniais, em valor a apurar em sede de execução de sentença, de valor nunca inferior a € 40.000,00.
Alegou para o efeito e fundamentalmente:
- ser (juntamente com os seus irmãos germanos e consanguíneos e sua madrasta) herdeira e cabeça de casal das heranças abertas por óbito de seu pai, LL, de sua avó paterna, MM e do marido desta, NN;
- terem os Réus BB e marido, DD, o falecido HH e mulher, a Ré GG, a Ré II e seu falecido marido PP, o falecido QQ e o Réu KK KK (primos do falecido NN) procedido à apropriação indevida de parte dos bens que constituem a herança aberta por óbito de MM e de NN.

2. Após citação os Réus apresentaram contestação, deduziram pedido reconvencional (admitido no saneador) e requereram a intervenção principal dos herdeiros de OO (RR, AA, SS, TT, UU, VV e WW), admitida por despacho proferido nos autos.

3. A Autora apresentou réplica.

4. Foi homologada a desistência do pedido relativamente ao cancelamento do registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito e do registo de partilha da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão com entrada pelos n.ºs ...1 a ...3 do prédio constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o art. ...22 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ....

5. Foi proferido despacho-saneador no qual foi julgada improcedente a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria.

6.Após julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
1. Julga a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente:
1.1. Reconhece e declara a Autora AA herdeira de LL e herdeira testamentária de MM;
1.2. Declara a nulidade da habilitação de herdeiros de NN realizada por escritura pública outorgada em 6 de Maio de 1996, no ... Cartório Notarial ...;
1.3. Declara a nulidade da partilha entre os Réus da herança aberta por óbito de NN realizada por escritura pública outorgada em 6 de Maio de 1996 no ... Cartório Notarial ...;
1.4. Declara a nulidade das vendas realizadas a favor da Ré BB constantes da escritura pública outorgada em 16 de Fevereiro de 1998 no ... Cartório Notarial ...;
1.5. Ordena o cancelamento das seguintes inscrições:
1.5.1. ap. ...98 e ap. ...98 relativas à fracção autónoma designada pela letra “H” ..., n.º ...9 do prédio sito na Rua ... da freguesia ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...76 do livro BB;
1.5.2. ap. ...98 e ap. ...98 relativamente à fracção autónoma designada pela letra “I” ..., do prédio sito na Rua ... da freguesia ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...76 do livro BB;
1.5.3. Ap. ...6 de 270298 e Ap. ...7 de 270298 relativamente ao “...” sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o art. ...98.º e descrito na ... Conservatória do Registo predial ... com o n.º ...22, a fl. 85 verso do livro ...1;
1.5.4. Ap. ...8 de 1997/02/14 relativamente ao prédio urbano sito na Rua ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...82 da freguesia ... e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...47 da freguesia ...;
1.6. Ordena o cancelamento do registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos Réus de uma sexta parte do jazigo n.º ... do 2.º cemitério de Lisboa, descrito a fls. 23 do livro ...5 de registos de ... particulares.
1.7. Condena os Réus a reconhecerem como bens integrantes da herança de NN e a restituírem a ela:
1.7.1. Dois quintos da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao ... andar, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ...;
1.7.2. Dois quintos da fracção autónoma designada pela letra “I” correspondente ao ... andar, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ...;
1.7.3. Dois quintos do prédio urbano denominado “...” sito na Rua ..., em ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial desta freguesia sob o art. ...98, descrito na ... Conservatória do Registo predial ... com o n.º ...22;
1.7.4. Uma sexta parte do jazigo n.º ... do 2.º Cemitério … – ..., descrito a fls. 23 do livro n.º ...5 de registos de ... particulares;
1.8. Condena os Réus a reconhecerem como bens integrantes da herança de MM e a restituírem, respectivamente, a ela:
1.8.1. Um terço do prédio urbano sito na Rua ..., ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...82, da ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...47, da freguesia ...;
1.8.2. Os bens móveis que constituem o recheio do ... andar do prédio urbano sito na Rua ..., em Lisboa, melhor identificados no facto provado n.º 31, ou o valor correspondente, com o limite de € 9.038,24, a apurar em sede de liquidação de sentença.
1.9. Condena os Réus a pagarem à herança de NN o valor correspondente a dois quintos do valor dos seguintes imóveis, a apurar em sede de liquidação de sentença, com o limite de € 500.000,00:
- Do prédio urbano denominado “...” sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o art. ...6.º e descrito na ... Conservatória do Registo predial ... com o n.º ...21 da mesma freguesia;
- Da Fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente à cave, do prédio sito na Avenida ..., tornejando para a Rua ...-B, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...38.º;
- Da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao ... andar do prédio constituído em regime de propriedade horizontal sito na Avenida ... sito na Avenida ..., tornejando para a Rua ...-B, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...38.º;
- Da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao ... andar do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º,
- Da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão, com entrada pelos n.ºs ...3 a ...7, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ...;
2. Absolve os Réus dos demais pedidos.
3. Condena os Reconvintes AA, RR, SS, TT, UU, VV e WW, na qualidade de herdeiros de OO, a restituírem aos Réus Reconvintes a quantia global de trezentos e quarenta e dois mil, oitocentos e trinta e dois euros e oitenta e nove cêntimos (€ 342.832,89);
4. Absolve os Reconvintes AA, RR, SS, TT, UU, VV e WW, a pagarem aos Reconvintes as despesas com registos, escrituras, emolumentos, impostos, contribuições, taxas e deslocações resultantes do acordo que firmaram com OO.”

6. A Autora, a Interveniente UU e os Réus apelaram, tendo impugnado a matéria de facto fixada.

7. O tribunal da Relação de Lisboa, proferiu acórdão que julgou improcedentes os recursos, confirmando na íntegra, a sentença recorrida. Igualmente decidiu não condenar os Réus/Apelantes como litigantes de má-fé.

8. Inconformados os Réus interpuseram recurso de revista normal; subsidiariamente, revista excepcional. Concluíram nas suas alegações (transcrição relativamente ao objecto do recurso):

1.- O presente Recurso vem interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls, proferido nos autos do Recurso de Apelação (Procº nº 3284/07.0TVSLB, vindo do Juízo Central Cível … - Juiz ...) na parte em que decidiu:

a) Manter a decisão da 1ª Instância, no sentido de dar como não provado o facto descrito em 1, dos Factos não provados “O direito do falecido NN relativo aos imóveis identificados em M) sob os n.ºs 1 a 3, 6 a 8 e 10 tinha o valor de € 500.000,00 (art. 3.º da BI)”.

b) Em relação ao Acordo junto a fls. 598 e ss., na parte em que decidiu manter a qualificação de contrato de venda de herança (ou de quinhão hereditário) que lhe foi dada pela Iª Instância.

II- DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO (…)

B- Quanto ao Recurso de Revista na parte em que manteve a decisão da 1ª Instância de qualificar o Acordo de fls 598 e ss, como contrato de venda de herança (ou de quinhão hereditário), o seu fundamento é o da nulidade da decisão, nos termos da alínea c) do nº 1 do Artº 615º do CPC, aplicável ex vi do Artº 666º do mesmo Código.

7.- O supra-referido segmento decisório do Acórdão recorrido, encontra-se eivado de nulidade, por oposição, entre os fundamentos e a decisão, pelo que o mesmo é nulo, nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPC, aplicável ex vi do artº 666º, questão que sendo alegada ex novo, não forma dupla conforme sobre essa matéria e evita a obstrução ao acesso ao 3º grau de jurisdição; verificando-se, ademais, os pressupostos gerais de recorribilidade, de valor da causa e da sucumbência e da natureza recorrível da decisão, estão reunidos todos os pressupostos para a admissão do recurso.

8.-Se o Recurso referido em b) supra não proceder, a Revista deverá, subsidiariamente, proceder por se encontrarem reunidos todos os pressupostos especiais da revista excepcional (artº 672º do CPC), como se concluirá adiante.

9.- Decidindo, o Acórdão recorrido manteve a decisão da 1ª Instância partindo de um pressuposto errado, qual seja o de que a A e os Intervenientes são terceiros em relação ao Acordo de fls 598 e segs, por nele não serem partes e, por conseguinte, como a força probatória plena estabelecida no artigo 376.º, n.º 2, do Código Civil, apenas se reporta inter-partes, ou seja, nas relações entre declarante e declaratário, mas não no confronto de terceiros, as cláusulas 2ª nº 2 e 4ª nº 1 do Acordo de fls 598 e segs, não podem fazer prova a favor dos Recorrentes.

10.- Para tanto, o Acórdão recorrido louvando-se em diversos Arestos de Tribunais Superiores, interpreta a referida disposição legal no sentido de que “A força probatória plena estabelecida no artigo 376.º, n.º 2, do Código Civil, apenas se reporta inter-partes, ou seja, nas relações entre declarante e declaratário, mas não no confronto de terceiros”.

11.-Semelhante interpretação - de que o efeito probatório só tem lugar entre as partes de um contrato - é feita no Acórdão recorrido com relação ao artº 353, nºs 1 e 2, sobre a confissão e a eficácia da declaração confessória, concluindo, na hipótese de tais cláusulas consubstanciarem uma declaração confessória extrajudicial, na mesma direcção, ou seja, não sendo a autora e os intervenientes partes no contrato de fls 598, os efeitos das referidas cláusulas não lhe são oponíveis enquanto prova documental, pelo “que somente com base no teor daquelas cláusulas do acordo de fls 598 e segs, não podia dar-se como provado o facto quesitado no ponto 3º da Base Instrutória.” (sic no Acórdão recorrido).

11.- Tais Acórdãos estão circunscritos a processos de insolvência (reclamações de créditos e acções de verificação ulterior de créditos), e apreciando-se, neles, o valor probatório de certos documentos particulares (a eficácia probatória de contratos-promessa em relação à massa insolvente e a credores da sociedade insolvente), conclui-se, no primeiro Acórdão do STJ citado (de 29/10/2019) que “as declarações proferidas pela promitente vendedora não podem valer nestes autos de reclamação de créditos como confissão oponível quer à Massa Insolvente quer aos Credores da Massa, que não são parte negocial contrária do confitente (promitente-vendedora), mas terceiros”

12.-No segundo Acórdão do STJ citado no Acordão recorrido (de 12-02-2019) foi-se mais longe e definiu-se mesmo quem, para estes efeitos, são terceiros, como sendo todos aqueles que não são partes, sucessores ou representantes das partes no negócio jurídico em que se inserem as declarações.

13.- Para este efeito, a autora e os intervenientes não são terceiros, posto que, como se encontra provado, a autora e os intervenientes são herdeiros de OO, subscritor e parte no contrato de fls 598 e segs e com a morte de OO, por força da sua sucessão hereditária, a autora e os intervenientes deixaram de ser terceiros e entraram na esfera dos direitos e obrigações emergentes do referido contrato.

14.- Quer se conclua, como os Recorrentes sustentaram nas Instâncias que o Acordo de fls 598 e segs, consubstancia um contrato-promessa, quer se trate de um contrato de outra natureza, a autora e os intervenientes não são, em relação a ele, terceiros, uma vez que no primeiro caso, enquanto sucessores de OO, uma das partes naquele contrato, os direitos e obrigações emergentes de tal contrato que não são, de todo em todo, exclusivamente pessoais, foram-lhes transmitidos, por força do artº 412º do CC.

15.- Na segunda hipótese, a autora e os intervenientes sucederam nos direitos e obrigações decorrentes do aludido contrato, de acordo com os artºs 2097º ou 2098º do CC; em todo o caso, nunca poderão ser considerados terceiros para efeitos da aplicação dos artºs 376º, 352º e 353º, todos do CC, razão pela qual as cláusulas suprarreferidas do contrato de fls, sejam consideradas como declarações inseridas num documento particular, sejam declarações confessórias, fazem prova plena em relação aos sucessores das partes contratuais que, in casu, são a autora e os intervenientes.

16.- Nestes termos, a conclusão a tirar não pode deixar de ser outra que não seja a de considerar provado o ponto 3º da Base Instrutória, adicionando-se ao elenco de factos provados, o seguinte facto:

“O direito do falecido NN relativo aos imóveis identificados em M) sob os n.ºs 1 a 3, 6 a 8 e 10 tinha o valor de € 500.000,00”

17.-Neste ponto em particular, o Acórdão recorrido incumpriu os deveres que, nos termos do nº 1 do artº 662º do CPC, impendem sobre a Relação que devia ter alterado a decisão proferida sobre o referido ponto específico da matéria de facto, ao não valorar devidamente a eficácia probatória das aludidas cláusulas do contrato de fls 598º e segs que impunham decisão diversa, violando, destarte, os artºs 376º, 352º e 353º do CC, motivo pelo qual, nos casos do nº 3 do artº 673º do CPC, como o ora alegado, “pode constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respectiva força probatória. Afinal, em tais situações, defrontamo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspectiva, se integram também na esfera de competências do Supremo.” (XX, ob, cit, pag 463 e Acórdãos do STJ de 1-10.2002, CJ, t, III pag 65 e de 11.04.2013 www.dgsi.pt)

18.-A prova deste facto é de grande importância para as tarefas de qualificação do Acordo de fls 589 e segs, uma vez que se enquadra no contexto que está na sua origem, expresso nos Considerandos desse contrato e releva para se ajuizar do seu cumprimento.

19.-Termos em que se deve dar como provado o ponto 3º da Base Instrutória, adicionando-se ao rol de factos provados.

III- DO FUNDAMENTO DO RECURSO QUANTO À NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E QUANTO À DECISÃO SOBRE A QUALIFICAÇÃO DO ACORDO DE FLS 589, COMO SENDO DE VENDA DE HERANÇA (OU DE QUINHÃO HEREDITÁRIO)

20.- Nas alegações do Recurso de Apelação, os Recorrentes impugnaram a qualificação de contrato de venda de herança que a Sentença da 1ª Instância deu ao Acordo de fls 598 e sgs nos seguintes termos:

- Do Acordo de fls 598 e ss., não decorreu, directamente, qualquer transmissão do direito de propriedade dos bens que integram a massa da herança do “de cujus” NN a favor dos co-contratantes de LL.

- Concomitantemente, nenhuma das quantias monetárias entregues pelos co-contratantes a LL pode ser qualificado como preço de uma venda que inexistiu.

- Os Considerandos do Acordo de fls 598 e ss. e duas das suas Cláusula são instrumentos decisivos na interpretação da vontade das Partes em celebrar um Contrato-Promessa de Transacção para por fim ao litígio judicial que as opunha.

- As partes do Acordo de fls 598 e ss., estipularam na Cláusula Primeira, o seguinte: Os Primeiros Outorgantes, na sequência dos Considerandos supra e com o intuito de porem termo a todos litígios emergentes dos factos supra enunciados, renunciam aos direitos que reclamavam relativamente à herança aberta por óbito do Dr. DD reconhecendo, exclusivamente para efeitos do presente Acordo que dos mesmo é titular o Segundo Outorgante.” (negrito nosso)

- Em relação aos bens imóveis, as partes nessa convenção previram, no nº 1 da Cláusula Terceira, o modo de executar as obrigações decorrentes do nº 1 da Cláusula Segunda, anteriormente reproduzido, estipulando expressamente que o cumprimento daquelas obrigações “revestirá a forma jurídica de dação em pagamento ou de outra que os Outorgantes considerem a adequada e que igualmente permita concretizar a execução do presente Acordo” (negrito e sublinhado nosso)

- Esta Cláusula contratual, que a 1ª Instância desvalorizou por completo, é essencial para que, em sede de qualificação jurídica do Acordo de fls 598 e ss., possamos determinar, sem qualquer dúvida razoável, que as partes do Acordo não pretenderam, por seu intermédio, transmitir quaisquer “bens, direitos e valores” (cfr. nº 1, da Cláusula Segunda daquele Acordo, “in fine”), mas tão só definir algumas das “concessões” objecto do Acordo, deixando para outros actos e ou contratos em que as partes acordassem, a sua concretização ulterior.

21.- Nesta medida o Acordo de fls 598 e ss. revela-se, na sua letra e de acordo com a teoria da “impressão do destinatário” vertida no artº 236º do C. Civil, como um verdadeiro Contrato-Promessa de Transacção, de natureza bilateral.

22.- Neste sentido e de modo absolutamente claro, as Partes do Acordo de fls 598, estipularam no número 2 da Cláusula Décima Segunda que “No caso do presente Acordo se tornar impossível por factos exclusivamente imputáveis aos Primeiros Outorgantes, estes reconhecem ao Segundo o direito à execução específica do mesmo” (negrito nosso), sendo que a execução específica é um instituto próprio e exclusivo do contrato-promessa.

23.- O Acórdão recorrido, depois de analisar e considerar, com relevância para a decisão, diversas cláusulas do Acordo de fls 589 e sgs, entre as quais, para o que aqui interessa, destacamos a Cláusula 3ª, cujo nº 1 se transcreveu nas Alegações, pronunciou-se sobre esta questão, em síntese, nos seguintes termos:

“Ora, na situação dos autos, não se vislumbra, no acordo de fls 598 e segs, qual ou quais são o ou os contratos prometidos. A celebração de um ou mais contratos de transacção, como parece que defendem os réus/apelantes? Não nos parece. O compromisso que assumiram de posteriormente procederem à transmissão dos imóveis para o 2º outorgante (ou para quem este indicar) e ao pagamento, também a este, dos 22 000 000$ 00 em prestações, não constitui um contrato-promessa de vendas de bens nem de entrega de quantia monetária. O núcleo essencial do acordo consistiu no reconhecimento do 2º outorgante como herdeiro do Dr. DD e, no modo de operar a transmissão de bens e valores dessa herança, então (já) na posse/propriedade dos 1ºs outorgantes, para o 2º outorgante.” (ênfase a negrito e sublinhado nosso).

24.-Este ponto em concreto do Acórdão recorrido revela, de modo claro e impressivo, a contradição entre a decisão que rejeitou a qualificação do Acordo de fls 598 e segs, como contrato-promessa de transacção e os seus fundamentos, gerando, destarte, a nulidade deste segmento decisório, nos termos do artº 615º, nº 1 al c) do CPC, aplicável ex vi do artº 666º do mesmo diploma legal, uma vez que refere e reconhece expressamente, os seguintes fundamentos da decisão;

- O compromisso estabelecido entre as partes do contrato de fls 589 e sgs foi o “de posteriormente (em relação à data da respectiva celebração, precisamos nós) procederem à transmissão dos imóveis para o 2º outorgante” (sic) e não o de transmitir a propriedade dos imóveis descritos na Cláusula 2ª, nº 1 do contrato de fls 598 e segs por efeito directo desse convénio;

- “O núcleo essencial do acordo consistiu no reconhecimento do 2º outorgante como herdeiro do Dr. DD e, no modo de operar a transmissão de bens e valores dessa herança, então (já) na posse/propriedade dos 1ºs outorgantes, para o 2º outorgante.” (ênfase a negrito nosso).

25.-Ora, se as partes do contrato em causa se comprometeram, isto é, se obrigaram a proceder posteriormente à transmissão dos ditos imóveis, o objecto contratual consubstancia uma (ou várias) obrigações de facto positivo, de celebração futura de contratos, prestação que é própria do contrato-promessa, confinando o Acordo de fls 598 e segs a uma natureza não definitiva, mas sim de uma promessa de contratar posteriormente; isto mesmo também emerge, de um modo claríssimo, do outro fundamento da decisão em questão - o de que as partes no referido contrato acordaram, como seu núcleo essencial, o modo de operar a transmissão, para o 2º Outorgante, dos bens e valores da herança do Dr. DD, o qual, por vontade das partes, foi postergado para momento posterior e não resulta do referido Acordo de fls 589 e segs, como seu efeito directo e imediato, o que é um elemento caracterizador e exclusivo do contrato-promessa por contraponto aos contratos definitivos.

26.-As Instâncias, para emitirem o juízo sobre a qualificação de um negócio formal como é o caso do aludido acordo, podiam (e deviam), ter tido em consideração os elementos literais do Acordo em apreço como meio prevalecente para apurar o sentido da vontade das partes, em obediência ao disposto no nº 1 do artigo 238º do CC.

27.- A este respeito, a literalidade do Acordo, ao utilizar o tempo futuro para indicar quando deveriam ser celebrados os contratos que concretizariam as obrigações necessárias ao seu cumprimento, devia ter sido considerada, pela Relação, como elemento decisivo de interpretação da fórmula empregue pelas partes na Cláusula 3º, nº 1; e de tal fórmula, ao consagrar, por duas vezes, a natureza futura das obrigações dele resultantes, não podia deixar de se retirar, concludentemente, a qualificação do Acordo de fls 598 e segs, como de contrato-promessa; a este propósito, é concludente a redacção do nº 1 da Cláusula 3ª, “A transmissão, (…) revestirá a forma jurídica de dação em pagamento , ou de outra que os Outorgantes considerem a adequada e que igualmente permita concretizar a execução do presente Acordo” e a do nº 4 da mesma estipulação, “Todos os demais bens e direitos identificados no numero um da Clausula Segundo, exceptuando o referido na alínea h), serão transmitidos ao Segundo Outorgante, na mesma data de efetivação do presente Acordo.”; a letra da Cláusula 6ª do aludido contrato, corrobora, igualmente, o entendimento de que as partes pretenderam celebrar um contrato-promessa de transação quando estipularam que “Pelo presente Acordo e no âmbito da sua efetivação, os Outorgantes obrigam-se a celebrar termos de transação nas várias ações entre eles pendentes na modalidade apropriada em cada caso, com vista à integral efetivação do presente Acordo, ficando as respectivas custas a cargo do Segundo Outorgante.”

28.-A Relação dispunha também de elementos de facto suficientes, na factualidade dada por provada, para, em conjugação com as aludidas cláusulas, a auxiliar na tarefa de interpretação e qualificação do contrato em questão, como contrato-promessa. Com efeito,

29.- Os factos provados 48 e 49 provam, sem qualquer dúvida razoável, o “modo de operar a transmissão” (sic, nos fundamentos da decisão recorrida, atrás apontados) dos imóveis descritos, respectivamente, nas alíneas b) e) do nº 1 da Cláusula 2ª do Acordo em apreço e que representam o cumprimento das obrigações de facere prometidas ou, no dizer da Antunes Varela, na citação supra, “a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido”.

30.- Assim, a oposição entre os fundamentos e a decisão é certa, clara e inequívoca e a nulidade do Acórdão recorrido que dela nasce, não oferece dúvidas pelo que deve ser declarada pelo Supremo, nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPC, ex vi do artº 666º do mesmo Código.

Nestes termos e com o fundamento do artº 674º, nº 1, al c), deve proceder o presente Recurso, ficando com essa procedência precludido o Recuso de Revista Excepcional cuja admissão e procedência se irá requerer subsidiariamente, de seguida.

31.-Subsidiáriamente, no caso de não proceder o recurso acima interposto da nulidade do acórdão recorrido com fundamento em nulidade, por oposição entre os fundamentos e a decisão, oferecem-se as seguintes,

IV- DAS ALEGAÇÕES QUANTO À ADMISSÃO DO RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL, COM FUNDAMENTO NAS ALÍNEAS A), B) E C) DO Nº 1 DO ARTº 672º DO CPC.

(…)

V- DAS ALEGAÇÕES QUANTO AO MÉRITO DA CAUSA – DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À QUALIFICAÇÃO DO ACORDO DE FLS 589 E SEGS E DA SUA CONVERSÃO EM NEGÓCIO VÁLIDO.

43.- Vem o presente Recurso, interposto, nesta parte, do segmento decisório do Acórdão recorrido que confirmou a qualificação dada pela 1ª Instância ao Acordo de fls 589 e segs, como sendo um contrato de venda de herança, invocando-se como fundamento para o efeito, violação, no Acórdão recorrido, de lei substantiva por erro de interpretação ou de aplicação e erro de determinação da norma aplicável. (artº 674º, nº 1, al a).

44. No Recurso de Apelação, os Recorrentes pediram que contrato de fls 589 e segs, fosse considerado como contrato-promessa de transação ao invés da qualificação de contrato de venda de herança que lhe foi dada pela sentença da 1ª Instância, apresentando as Conclusões que se transcreveram anteriormente e se dão aqui por reproduzidas.

45.- Nas Alegações da Apelação, que se dão aqui por reproduzidas para todos os legais efeitos, os Recorrentes, invocaram a necessidade de se proceder a uma melhor interpretação do referido Acordo, tomando em consideração o teor de diversas das suas cláusulas do Acordo de fls 589 e segs (Cláusulas 1ª, 3ª e 12ª) que estipulavam que a transmissão dos bens, imóveis e móveis, objecto do referido contrato se faria através de outros contratos definitivos a celebrar posteriormente, alegando que o facto de na cláusula 3ª se ter utilizado o verbo no futuro para prever o modo de transmissão dos bens imóveis e móveis objecto de tal contrato, conjugado com a referência na Clª 12ª, nºs 1 e 2 à execução específica, cláusula que é própria dos contratos-promessa, devia alterar a qualificação do contrato dada pela 1ª Instância – contrato de venda de herança- por forma a que fosse decidido que se tratava de um contrato-promessa de transação.

- Nas referidas Alegações, os Apelantes sustentaram, ainda, que interpretação deste elemento literal, conjugado com os factos provados 33, 48, 49, 50, 51, 52 e 53, todos eles respeitantes ao modo como o Acordo em apreço foi executado e com o seu fim, expresso na Cláusula 1ª – o de por fim a todos os litígios decorrentes da morte do Dr. DD e dos demais factos constantes dos Considerandos do contrato, deveriam impor a alteração a qualificação do contrato dada pela 1ª Instância, por forma a considera-lo como um contrato-promessa de transacção, válido por respeitar a forma escrita e para o qual não são exigíveis as formalidades do nº 3 do artº 410 º do CC.

- Além disso, o Outorgante no Acordo, OO era titular do quinhão hereditário da herança de sua YY que herdara do de cujus Dr. DD, na qual se integrava o prédio sito na Rua ..., ..., sendo, conjuntamente com os seus referidos filhos, comproprietário daquela herança de GG pelo que, nessa qualidade, tinha poderes para assinar, desacompanhado dos outros herdeiros, seus filhos, o contrato promessa de transacção de fls 598 e ss.

- Alegaram ainda nesse Recurso que o Acordo de fls 589 e segs não é nulo e foi integralmente cumprido e dele não resultando quaisquer direitos exclusivamente pessoais, a autora e os intervenientes, como sucessores de OO, subscritor e nele parte, nos termos do artº 412º, nº 1 do CC dele se tornaram partes pelo que lhe deviam obediência, não tendo assim o direito de reclamar a herança do Dr. DD e legitimidade substantiva para por tal contrato em causa na Acção.

46.- No Acórdão recorrido, porém, assim se não entendeu e cometeu-se um erro de julgamento ao confirmar a qualificação de contrato de venda de herança (ou de quinhão hereditário), dada, pela 1ª Instância, ao Acordo de fls 589 e segs. Com efeito, o Acórdão recorrido, antes da decisão, procede a um resumo do teor das Cláusulas 1ª, 2ª, 3º, 4ª, 5ª, 9ª e 12ª, nºs 1 e 2 do contrato de fls 589 e segs, sendo de destacar, neste aspecto, a deficiente interpretação do teor da Cláusula 3ª resumida na fórmula “estabelecem a transmissão, a favor do segundo outorgante, OO (ou a quem este indicar) dos bens móveis especificados sob as alíneas a), b) e c) e, no pagamento, ao 2º outorgante, de 22 000 000$00 em prestações que definem” quando, na realidade, o seu teor, é bem diferente, estipulando as Partes, no seu nº 1 que “A transmissão, a favor do Segundo Outorgante, dos bens imóveis identificados nas alíneas a), b) e c) do nº1 da Cláusula anterior, revestirá a forma jurídica de dação em pagamento ou de outra que os Outorgantes considerem a adequada e que igualmente permita concretizar a execução do presente Acordo” e no seu nº 4 que “Todos os demais bens e direitos identificados no nº 1 da Cláusula Segunda, exceptuando o referido na alínea h), serão transmitidos ao Segundo Outorgante, na mesma data de efectivação do presente Acordo.” Esta precisão é importante para se compreender o sentido normal destas declarações (artº 236º do CC), como consubstanciando um objecto do Acordo constituído por obrigações de facere futuras, ou seja, contratos prometidos, próprias de um contrato-promessa e não de um negócio definitivo de venda, como erradamente as Instâncias o qualificaram. Na sua parte dispositiva, o Acórdão recorrido, em síntese, rejeita a qualificação do Acordo de fls 589 e sgs como contrato-promessa, para logo de seguida, contraditoriamente, como melhor se referiu supra, a propósito da alegada nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, reconhecer que “O compromisso que assumiram de posteriormente procederem à transmissão dos imóveis para o 2º outorgante (ou para quem este indicar) e ao pagamento, também a este, dos 22 000 000$ 00 em prestações, não constitui um contrato-promessa de vendas de bens nem de entrega de quantia monetária. O núcleo essencial do acordo consistiu no reconhecimento do 2º outorgante como herdeiro do Dr. DD e, no modo de operar a transmissão de bens e valores dessa herança, então (já) na posse/propriedade dos 1ºs outorgantes, para o 2º outorgante.”

47.- O Acórdão recorrido, ao manter uma errada qualificação do Acordo de fls 589 e segs, incorre em violação de lei substantiva a dois níveis: i) em primeiro lugar, por erro de interpretação e de aplicação e erro de determinação da norma aplicável, incumprindo as normas legais de interpretação e integração do negócio jurídico e ii) em segundo, por violação do princípio geral de direito do “favor negotti” que, como subprincípio da autonomia da vontade das partes, encontra consagração no artº 405 do CC, o que sempre imporia que as Instâncias, através dos instrumentos jurídicos ao seu alcance, fosse pela análise da real vontade das partes (integração da declaração negocial prevista no art. 239º do CC), fosse pelo sentido normal das declarações negociais (art. 236º do CC), fosse ainda pela sua conversão nos termos do art. 293º do CC, ponderassem sobre a possibilidade de salvação do negócio, e verificados os requisitos de substância, de forma e da vontade hipotética das partes, o convertessem num negócio jurídico válido.

a) Quanto ao erro na qualificação do Acordo de fls 589 e segs, por violação das normas legais sobre interpretação dos negócios jurídicos, por erro de aplicação de normas e por erro na determinação da norma aplicável.

48- O Acórdão recorrido, ao persistir na qualificação do Acordo de fls 589 e segs como sendo um contrato de venda de herança (ou de quinhão hereditário), viola as normas legais sobre a interpretação do negócio jurídico e erra na sua aplicação e na determinação de normas aplicáveis. Com efeito,

- A interpretação que as Instâncias fizeram do contrato de fls 589 e segs não respeitou o critério de interpretação do sentido normal da declaração previsto no artº 236º do CC.

- Da análise do aludido Acordo/contrato de fls 589 e segs, tendo em vista indagar qual o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, apreenderia dos nºs 1 e 4 da Cláusula Terceira e da Cláusula Sexta que se reproduziram noutro local das presentes Alegações, pela conjugação do verbo “transmitir” no tempo futuro, utilizada na Cláusula 3ª ou na fórmula “os Outorgantes obrigam-se a celebrar termos de transação” da Cláusula 6ª, conclui-se, de acordo com os critérios do artº 236º do CC, sem qualquer dúvida razoável, que o sentido normal destas declarações só pode ser o de que as partes do Acordo em apreço, não pretenderam transmitir o direito de propriedade sobre os bens, imóveis e móveis, dele objecto, como um efeito directo e imediato do Acordo (como sucede na compra e venda, vg artº 874º do CC), mas bem pelo contrário, prometeram celebrar contratos futuros e definitivos como modo de cumprir o referido contrato.

- Para suportar a sua tese a favor da qualificação do Acordo de fls 589 e segs como contrato-promessa, os Recorrentes, na Apelação, invocaram o teor da Clª 12ª, nºs 2 e 3 daquele contrato, como sendo típico de um contrato-promessa, uma vez que nessas estipulações contratuais, no caso de a execução do contrato se mostrar impossível por facto imputável a uma das Partes, ambas reconheceram, reciprocamente, o direito da parte não culposa à execução específica.

- O Acórdão recorrido também desvalorizou o teor dessa estipulação, declarando ser a mesma inócua, posto que se não vislumbrava que concreto contrato específico poderia ser objecto de execução específica, interrogando-se, ademais, se “seria viável a execução específica de uma obrigação impossível?”

- Cumpre assim, esclarecer este Supremo quanto a essas duas questões.

Quanto ao “concreto contrato específico que poderia ser objecto de execução específica”, a dúvida poderia ter sido facilmente resolvida se, ao invés de desvalorizar o contrato de fls 589 e segs, se tivesse procedido a uma análise cuidada do referido Acordo, nomeadamente à já aludida Clª 3ª, nº 1 na qual as Partes declararam que a transmissão dos direitos sobre os bens imóveis e móveis (incluindo as prestações pecuniárias) seria executada (“revestirá a forma jurídica”) através de “dação em pagamento” (desde logo um dos concretos contratos que poderiam ser objecto de execução específica) “ou de outra (forma jurídica, leia-se) que os Outorgantes considerem a adequada e que igualmente permita concretizar a execução do presente Acordo.”, permitindo-lhes, assim, que através de uma novação objectiva, acordassem em novas obrigações em substituição da dação em pagamento (artº 857º CC). Ora, não estando definidas à partida que novos contratos seriam esses, pode suceder que os outros contratos, escolhidos em alternativa à dação em pagamento, também estivessem sujeitos a execução específica, se reunissem condições para o efeito. Quanto à questão de saber se uma prestação impossível pode ou não ser objecto de execução específica, tudo depende da natureza da impossibilidade que vier a acontecer.

Desde logo a impossibilidade culposa, que é aquela que se encontra prevista na referida Cláusula, é legalmente equiparada ao incumprimento culposo (artº 801º, nº 1 CC).

E sendo assim, se a impossibilidade culposa for temporária ou parcial, nada obsta à execução específica da obrigação, seja de entrega de uma coisa, seja de facto fungível, por exemplo se as partes tiverem acordado, por novação, numa outra prestação futura como a mais adequada ao cumprimento do Acordo em apreço. (artºs 827º e 828º do CC)

Também por estas razões, as Instâncias podiam e deviam ter qualificado o contrato como contrato-promessa e não como venda de herança (ou de quinhão hereditário).

49.- Ao manter a qualificação do aludido contrato, que lhe foi dada pela 1ª Instância, e interpretando-o à revelia do sentido normal das declarações que o mesmo contém, o Acórdão recorrido fez, assim, errada aplicação do artº 236º do CC.

50.- O Acordo/contrato de fls 589 e segs consubstancia um negócio formal. Atenta essa natureza, “Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” (artº 238º do CC) Como se prevê no nº 2 do mesmo preceito, esta exigência de um mínimo de correspondência com a literalidade do documento, só comporta uma excepção quando esse sentido não correspondente ao texto do documento, ainda assim “corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.

51.-No caso dos Autos, não se verifica essa excepção, porquanto da factualidade provada não decorre a vontade real das partes do contrato de fls 589 e segs e não existem razões determinantes da forma do negócio que se oponham a essa validade. Aliás, as Instâncias não fizeram apelo a essa vontade real, tendo-se limitado a interpretar e qualificar o contrato em apreço nos termos do artº 236º do CC (de maneira errada, porém) visando alcançar o sentido normal das declarações das partes no Acordo de fls 589 e segs.

52.-Nesta conformidade, as Instâncias não deviam ter interpretado o aludido Acordo como se de um contrato definitivo de venda se tratasse, uma vez que o único sentido (normal e objectivo) que resulta das declarações contidas nas cláusulas contratuais que se transcreveram, só pode ser o de que as partes fizeram uma promessa de contratar, ou seja, prometeram concretizar aquele Acordo através da celebração de contratos de dação em pagamento, ou de outros que os Outorgantes considerassem adequados e que igualmente permitissem concretizar a sua execução (nºs 1 e 2 da Clª 3ª) e ainda os de transação judicial nas várias acções entre eles pendentes (Clª 6ª).

53.- A Relação para interpretar um negócio formal como é o Contrato de fls 589 e segs, deveria ter recorrido aos factos provados que fossem necessários para determinar se estava perante um contrato de compra e venda, definitivo por natureza, ou se, ao invés, estava confrontada com um contrato-promessa como os Recorrentes sustentaram no Recurso de Apelação.

54.- Se dúvidas houvesse quanto à natureza de contrato-promessa do Acordo em questão, os factos assentes sob os nºs 33, 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 53, reproduzidos anteriormente, demonstram, sem qualquer margem para dúvida razoável, que o Acordo de fls 589 e segs, foi cumprido (“in totum”), pelas suas Partes, por meio da celebração de outros contratos em datas posteriores ao da celebração do Acordo de fls 589 e segs e que tiveram como objecto os bens imóveis e móveis que dele são objecto (incluindo o recheio da casa em que residia o de cujus Dr. DD, saldos de contas bancários, propriedade deste último e quantias em dinheiro) e que estão identificados na Clª 2ª do mencionado Contrato.

Todavia, no Acórdão recorrido, a consideração de todos estes factos para auxiliar (e confirmar) a qualificação do referido Acordo, como contrato-promessa, foi completamente omitida pelo que,

55.- Também por aqui errou a Relação em manifesta violação do artº 238 do CC.

56.-O erro também se verifica na determinação da norma aplicável. As Instâncias ao qualificarem o Acordo de fls 589 e segs como contrato de venda de herança (ou de quinhão hereditário) consideram-no nulo por não ter sido objecto de escritura pública que era, à data, a forma exigível para a alienação de herança ou de quinhão hereditário, pelo artº 2126º do CC (referido por lapso, no Acórdão recorrido, como artº 1226º do CC) . Se tivessem, contudo, qualificado o aludido Acordo como contrato-promessa, como deviam ter feito, a norma que determinaria a respectiva forma não seria a do artº 2126º do CC, mas sim o artº 410º, nº 2 do CC que apenas se basta com a forma de documento assinado por ambas as partes, como é o caso do Acordo em apreço que consiste num contrato-promessa bilateral.

57.- Temos, pois, como conclusiva e sem lugar a dúvidas, a qualificação do Acordo de fls 589 e segs como contrato-promessa. À pergunta consistente em saber quais são, então, os contratos prometidos, os Recorrentes respondem continuando a sustentar que o contrato-promessa de fls 589 e segs é um contrato-promessa de transação.

58.- E fazem-no, aplicando de novo os critérios de interpretação dos negócios jurídicos vertidos nos artºs 236ª e 238º do CC. Neste aspecto em particular, os Considerandos do Acordo de fls 598 e ss. e duas das suas Cláusulas são instrumentos decisivos na interpretação da vontade das Partes em celebrar um Contrato-Promessa de Transacção para por fim ao litígio judicial que as opunha. Com efeito,

59.- Para que não restassem dúvidas, as partes do Acordo de fls 598 e ss., estipularam como seu objecto e fim, na Cláusula Primeira, o seguinte:

“Cláusula Primeira

Os Primeiros Outorgantes, na sequência dos Considerandos supra e com o intuito de porem termo a todos litígios emergentes dos factos supra enunciados, renunciam aos direitos que reclamavam relativamente à herança aberta por óbito do Dr. DD reconhecendo, exclusivamente para efeitos do presente Acordo que dos mesmos é titular o Segundo Outorgante.” (negrito nosso).

60.- Com esse objectivo, em relação aos bens imóveis, as partes no citado Acordo, previram, no nº 1 da Cláusula Terceira, o modo de executar as obrigações decorrentes do nº 1 da Cláusula Segunda, anteriormente reproduzido, estipulando expressamente que o cumprimento daquelas obrigações “revestirá a forma jurídica de dação em pagamento ou de outra que os Outorgantes considerem a adequada e que igualmente permita concretizar a execução do presente Acordo” (negrito e sublinhado nosso)

61.- Com a mesma finalidade, as partes estipularam na Clª 6ª que “Pelo presente Acordo e no âmbito da sua efetivação, os Outorgantes obrigam-se a celebrar termos de transação nas várias ações entre eles pendentes, na modalidade apropriada em cada caso, com vista à integral efetivação do presente Acordo, ficando as respectivas custas a cargo do Segundo Outorgante.” (ênfase a negrito nossa).

62.- Estas Cláusulas contratuais, que a 1ª Instância desvalorizou por completo e que a Relação desconsiderou na qualificação em que persistiu (resumindo deficientemente a Clª 3ª, nº 1, de modo que aparenta um sentido contrário) são essenciais para se poder concluir, de acordo com a teoria da “impressão do declaratário” vertida no artº 236º do C. Civil e de acordo com as regras de interpretação dos negócios formais (que impõem que se atenha obrigatoriamente ao texto do documento),que o Acordo de fls 589 e segs é um Contrato- Promessa de Transacção, de natureza bilateral para cuja validade será suficiente que esteja assinado por ambas as partes(artº 410º, nº 2 do CC), não lhe sendo exigíveis as formalidades de reconhecimento presencial de assinaturas e de certificação da existência de licença de utilização e de construção (artº 410º, nº 3 do CC)

63.- Se por mera hipótese, que apenas se concebe por dever de patrocínio, o Acordo de fls 589 e segs fosse qualificado como contrato-promessa de venda de herança (ou de quinhão hereditário), o mesmo seria válido, apesar de na 1ª Instância (Sentença de 7 de Abril de 2015), em resposta ao pedido subsidiário de conversão do Acordo, em contrato-promessa de venda, (que anteriormente já se precisou), para o caso de vir a ser considerado nulo por falta de forma (escritura pública), ter sido decidido que “o acordo em causa consubstancia uma alienação da herança de NN da qual fazem parte direitos de propriedade sobre bens imóveis. O acordo está formalizado num documento particular cujas assinaturas não foram objecto de reconhecimento presencial. Por conseguinte, e face ao disposto no art. 410.º, n.º 3, do Código Civil, o acordo em causa não é convertível em contrato-promessa de compra e venda.”

64.- É certo que as assinaturas das partes no Acordo de fls 589 e segs não foram reconhecidas notarialmente, mas essa omissão não o torna nulo. Em primeiro lugar porque a nulidade (híbrida) do nº 3 do artº 410º do CC, ao invés das nulidades “gerais”, invocáveis a todo o tempo, por qualquer interessado e do conhecimento oficioso do tribunal (artº 286º do CC), é uma nulidade “atípica” que, conforme se prevê naquela disposição legal, “in fine”, é, apenas, invocável pelo promitente comprador, salvo se a omissão das formalidades previstas naquela disposição legal, tiver sido causada culposamente por este, caso em que a nulidade também pode ser invocada pelo promitente vendedor.

65.- Os Outorgantes desse Acordo, porém, nunca invocaram essa nulidade e o Tribunal está impedido de oficiosamente o fazer, pelo Assento nº 3/95, publicado no Diário da República n.º 95/1995, Série I-A, de 1995-04-22 em cujo Sumário se pode ler: “No domínio do n.º 3 do artigo 410.º do Código Civil (redacção do Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho), a omissão das formalidades previstas nesse número não pode ser oficiosamente conhecida pelo tribunal.”

Por conseguinte, o Acordo de fls 589 e segs, ainda que seja qualificado como contrato-promessa de venda de herança (ou de quinhão hereditário) é válido por cumprir todos os requisitos de forma que lhe são aplicáveis.

b) Da conversão do Acordo de fls 589 e segs, no caso de continuar a ser considerado nulo, por falta de forma, em contrato-promessa válido.

66.- A segunda parte destas Alegações quanto ao mérito da causa respeita à possibilidade de conversão do Acordo de fls 589 e segs, se se continuar a entender que o mesmo nulo por falta de forma, num contrato-promessa que cumpra os requisitos formais de validade. Como se alegou e provou anteriormente, essa conversão foi oportunamente requerida na Acção julgada em 1ª Instância, quer por via de excepção (artºs 234º a 237º) quer em reconvenção (artºs 248º a 256º). O que está aqui em causa é, contudo, uma questão de alcance mais vasto e que consiste em saber se o respeito pelo princípio da preservação ou conservação dos actos e negócios jurídicos, consubstanciado no instituto do “Favor Negotti”, plasmado em numerosas disposições do Código Civil, impõe ou não tal dever aos tribunais.

67.- Em verdade, o Código Civil contém numerosos preceitos que emanam do “favor negotii”, enquanto princípio geral de direito orientador do exercício jurídico no sentido da limitação da invalidade e das possibilidades de aproveitamento do acto e do negócio jurídico que relevam de razões de tutela da confiança das partes nos negócios que celebraram e nos actos que praticaram. Desde logo, o “favor negotii” enforma o cumprimento do princípio da igualdade na vertente do tratamento igualitário de casos análogos plasmado no nº3 do artº 8º do Código Civil:

“Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito”.

Mas é nos artigos 239º (Integração), 288º (Confirmação), 292º (Redução) e 293º (Conversão) que o princípio do “favor negotii” se revela com maior intensidade e justificação.

68.- No plano dos contratos comerciais internacionais, o International Institute for the Unification of Private Law (UNIDROIT), com sede em Roma, aprovou em 1994, os Princípios sobre os Contratos Internacionais Comerciais, os quais são periodicamente revistos (a última revisão teve lugar em 2016). Pela correcção das soluções jurídicas que deles emergem, os referidos Princípios são de utilização generalizada no comércio internacional. De tal sorte que a própria Convenção das Nações Unidas sobre Contratos para Venda Internacional de Mercadorias, adotada em Viena, em 11 de Abril de 1980 (conhecida pelo acrónimo inglês CISG- Convention on International Sale of Goods) e que foi aprovada para adesão por Portugal, pelo Decreto nº 5/2020, de 7 de Agosto (40 anos após a sua aprovação) permite, ao abrigo do nº 2 do seu artº 9º, considerar aqueles Princípios, salvo acordo em contrário, como usos gerais de comércio internacional com características muito aproximadas às do costume, que são aplicáveis tacitamente aos referidos contratos.

Isto para dizer que no campo de aplicação dos Princípios, se tem entendido que o seu Artº 4.5., sob a epígrafe “All terms to be given effect”, é um corolário do princípio do “favor negotii”, ao prever que todas as cláusulas contratuais devem ser interpretadas por forma a conferir-lhes um efeito útil (“to give effect”) em lugar de os privar de tal efeito (“rather than to deprive some of them of effect”)

69.- No caso dos Autos, confrontadas com o Acordo de fls 589 e segs, as Instâncias julgaram-no nulo sem remissão, ferindo-o de morte nos seus efeitos futuros e reconduzindo-o à reintegração da situação que se verificava “ex ante”. Todavia, na jurisprudência recente é possível constatar várias decisões judiciais que vão consolidando uma corrente de arestos nos quais o Tribunal vai mais além da mera declaração de nulidade do contrato e, num esforço de salvamento de negócio, indaga das possibilidades de aproveitamento, por via da integração, redução ou conversão, do contrato nulo e sempre que possível procede a essas operações jurídicas.

70.- Exemplos de decisões judiciais de Tribunais Superiores que integram esta corrente são, sem preocupações exaustivas, desde logo, o Acórdão- fundamento, Ac. da Relação de Guimarães de 23.02.2017, Relatora Eva Almeida, Procº 264/15.5T8MAC.G, o Ac. da Relação de Coimbra de 19.09.2018, Relator Moreira do Carmo, Procº 1678/12.8TBGRD.C, e o Ac. do STJ de 27.01.2010, Relator Moreira Camilo, Procº 4221/06.4TBALM.S1, Ac. do STJ de 04-06-2002, Relator Garcia Marques, Procº 02ª1442, todos eles relativos à conversão de negócios nulos, o Ac. STJ de 24.05.2011, Relator Alves Velho, Procº 3310/07.2TVLSB.L1.S1 e o Ac. do STJ de 8.11.2018, Relatora Rosa Ribeiro Coelho, Procº 31488/15.4T8LSB.L1, relativos a casos de redução do negócio como manifestação do princípio do “favor negotii”, o Ac. da Relação de Coimbra, de 29.04.2008, Relator Ferreira de Barros, Procº 1784/05.5TBGRD.C, relativo à integração do negócio jurídico e o Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 29-11-1989, Relator Castro Mendes, Procº 074072, sobre a possibilidade de, por via de integração ou de conversão, o contrato-promessa bilateral de compra e venda de imóvel nulo por ser exarado em documento assinado apenas por um dos contraentes, poder considerar-se valido como contrato-promessa unilateral, desde que essa tivesse sido a vontade das partes.

71.- Nestes Arestos (ou na sua maioria), tanto quanto nos foi possível apurar do seu texto integral e dos resumos da factualidade assente e das peças processuais apresentadas pelas partes em juízo, os Recorrentes, longe de se resignarem com a nulidade dos contratos decretados pela 1ª Instância e de terem, nas suas Alegações, pugnado pela possibilidade de aproveitamento dos contratos nulos, manifestando expressamente a sua vontade no sentido de aqueles contratos serem salvos, não o fizeram, contudo, formalmente através de pedidos de integração, de redução ou de conversão dos contratos em causa. Mas em todos eles, as Relações e o Supremo, numa atitude pró-activa e após uma análise de verificação dos requisitos legais para o efeito, procederam, em obediência ao princípio do “favor negotii”, às operações jurídicas de integração, redução ou conversão dos contratos nulos que ao caso melhor convinham.

72.- Não se pode falar aqui de intervenção oficiosa dos tribunais porquanto as suas respostas foram determinadas pelo impulso processual das partes que, de modo mais ou menos, perfeito, manifestaram, processualmente a sua vontade de que os contratos em questão beneficiassem dos “remédios” apropriados, para usar um termo muito caro aos ordenamentos jurídicos da “common law”. Com efeito, o princípio do “favor negotii”, enquanto corolário jurídico do princípio mais vasto da autonomia privada, de que resultam também os da liberdade contratual (artº 405º do CC) e da liberdade de negociação (Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem pag 355), não dispensa o impulso dos interessados no aproveitamento dos contratos nulos.

73.-Do que se trata, sim, é de saber se o tribunal, tendo as partes manifestado a vontade de que o negócio nulo fosse aproveitado, embora não o tenham feito formalmente por via de excepção ou de reconvenção, pode suprir essa imperfeição, sem se substituir aos interessados e, ainda assim, proceder às operações jurídicas de integração, redução ou conversão que legalmente melhor se adequarem, em obediência ao princípio do “favor negotii”, à finalidade de validação dos negócios nulos em questão.

74.-A corrente jurisprudencial que se citou vai decididamente no sentido de uma resposta afirmativa, pelo que, nessa conformidade, analisaremos de seguida, os requisitos previstos no artº 293º do CC para a conversão do negócio nulo, com o fito de verificar se os mesmos se verificam em relação ao Acordo de fls 589 e segs, tendo em vista a sua conversão num contrato-promessa de transação ou, no limite, e em caso de não proceder essa qualificação, num contrato-promessa de venda de herança (ou de quinhão hereditário).

75.- O artº 293º do CC, para a conversão do negócio nulo, exige a verificação dos seguintes requisitos:

- a manutenção dos requisitos essenciais de substância e de forma (capacidade, objecto, vontade);

- o respeito pela vontade hipotética das partes.

76.-O Acordo de fls 589 e segs reúne todos os requisitos legais exigidos pelo artº 293º do CC, para a confirmação. Com efeito, tendo em consideração a interpretação que dele se fez supra e para a qual se remete, quer de acordo com o sentido normal depreendido, nos termos do artº 236º do CC, das declarações ínsitas nas suas Cláusulas (em particular, a Clª 3ª, nºs 1 e 2 e a Clª 6ª) e que encontra total correspondência na redacção dos seus Considerandos e clausulado (artº 238º do CC), não restam dúvidas de que o primeiro requisito de manutenção, com a conversão, dos elementos essenciais de substância e de forma, se encontra preenchido. O mesmo se dirá quanto ao segundo requisito, uma vez que quer do contexto em que tal Acordo foi negociado e celebrado, quer do modo como foi integralmente cumprido (cfr. a factualidade assente sob os nºs 33, 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 53 anteriormente transcrita) decorre, à evidência, que as partes daquele contrato, que sempre agiram de boa-fé, teriam querido convertê-lo em contrato-promessa, no caso de terem previsto que o mesmo Acordo poderia ser considerado nulo por falta de escritura pública.

77.-Isto quer o contrato em apreço fosse convertido em contrato-promessa de transacção que será o caminho mais adequado, tendo em conta, o fim que as partes visaram com a sua celebração, quer fosse convertido em contrato-promessa de venda de herança (ou de quinhão hereditário), hipótese que apenas se admite, sem conceder e por dever de patrocínio.

78.- Nesta última hipótese, como se alegou e provou, o contrato-promessa, apesar de a assinatura das partes não se encontrar reconhecida, manter-se-á válido, porquanto:

- nenhum dos Outorgantes invocou a nulidade atípica do nº 3 do artº 410º do CC, por omissão de formalidades;

- a mesma só podia ser arguida pelos ora Recorrentes enquanto Promitentes Compradores ou seus sucessores da herança (ou do quinhão hereditário)

- esta nulidade relativa não pode ser apreciada oficiosamente pelo tribunal- cfr Assento nº 3/95 do STJ publicado no Diário da República n.º 95/1995, Série I-A de 1995-04-22.

79.- A semelhante conclusão, no sentido da plena validade formal e substancial do Acordo de fls 589 e segs, se chega por via de integração, nos termos do artº 239º do CC. Com efeito, se se considerar que este contrato é omisso quanto a elementos necessários para o qualificar como contrato-promessa (seja de transação, seja de venda de herança ou de quinhão hereditário), o mesmo pode ser integrado com esses elementos. Neste aspecto remetemos para a interpretação feita anteriormente das suas cláusulas e da factualidade assente que permite concluir, à evidência, que, nos termos do artº 239º do CC, o referido Acordo pode ser denominado de contrato-promessa que é a única que é consentânea com a obrigação que dele resulta – a promessa de celebrar contratos que permitam transmitir os bens, imóveis e móveis e direitos que são dele objecto.

Termos em que também com este fundamento, deve o presente Recurso proceder, revogando-se a decisão recorrida.

9. Em conferência, o Tribunal a quo apreciou a nulidade de acórdão invocada pelos Réus considerando-a não verificada.

10. A Autora apresentou contra-alegações que não foram admitidas por se mostrarem extemporâneas (despacho deste tribunal de 31-01-2022).

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO
De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil[1]) mostram-se submetidas à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
ð Da admissibilidade da revista normal (questão prévia)
ð Da nulidade do acórdão (contradição entre a decisão e os fundamentos)
ð Do erro de julgamento da matéria de facto (violação de normas de direito probatório material)
ð Da qualificação do acordo celebrado a 29-10-2001 entre os Réus e OO
ð Da conversão do acordo nulo celebrado em contrato-promessa

Questão prévia – admissibilidade da revista

1. Os Recorrentes interpuseram revista normal circunscrevendo a sua discordância quanto ao acórdão recorrido no que respeita:

i. à decisão sobre a matéria de facto (de manter inalterado o ponto 1 dos factos não provados), pelo que fundamentaram o recurso no incumprimento pela Relação dos deveres previstos no artigo 662.º, do CPC, e na legitimidade deste tribunal para sindicar a decisão da matéria de facto nos termos do n.º 3 do artigo 674.º do CPC[2], afastando, por isso, a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista normal;

ii. à decisão de mérito, reportada à qualificação do acordo aludido no ponto n.º 47 da matéria de facto (junto a fls. 598 a 614 dos autos, subscrito pelos Réus e OO em 29-10-2001), arguindo, a tal respeito, a nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Quanto a este aspecto, os Réus recorreram também, subsidiariamente, de revista excepcional com fundamento nas alíneas a) b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, para o caso de ser entendido que a apreciação da nulidade do acórdão não tem cabimento no âmbito da revista normal.

2. Ao invés do que parece ser o entendimento dos Recorrentes, a invocação de nulidades do acórdão (independentemente da caracterização das mesmas) não prejudica a existência de dupla conformidade e os vícios da decisão não podem constituir, por si só, fundamento de revista[3].
No caso dos autos, porém, a conformidade da decisão de mérito por parte das instâncias não obsta à admissibilidade da revista normal por estar em causa acção instaurada em data anterior a 01-01-2008 e a decisão recorrida ter sido proferida em Janeiro de 2021. Nestas situações, atento o que dispõe artigo 7.º, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, há que aplicar o regime de recursos do actual Código de Processo Civil, com excepção da restrição de recorribilidade para este tribunal decorrente da dupla conforme.
Assim, há que enquadrar a pretensão recursiva dos Recorrentes não à luz dos requisitos da revista excepcional suscitada, mas sim da revista normal e, nessa medida, o objecto do recurso não se irá circunscrever apenas à decisão da matéria de facto.

1. Dos factos
1.1 Provados

1. A Autora e os Intervenientes UU, SS, TT, VV e ZZ são filhos de LL;

2. LL faleceu no dia 3 de Junho de 2004, no estado civil de casado com RR;

3. HH faleceu no dia 10 de Dezembro de 2005, no estado civil de casado, sob o regime da comunhão geral de bens, com a Ré EE;

4. Os Réus FF, AAA, DD, GG, GG e HH são filhos de HH;

5. LL era filho de MM, a qual faleceu no dia 11 de Maio de 1994, no estado civil de casada, sob o regime da separação de bens, com NN;

6. Em 27 de Outubro de 1977, em Lisboa, NN efectuou testamento público através do qual instituiu herdeiras de todos os seus bens e direitos a sua mulher MM; (al. J) dos Factos Assentes)

7. Em 16 de Março de 1978, no ... Cartório Notarial ..., MM efectuou testamento público através do qual declarou:

- Deixar ao seu marido o recheio da casa sua residência sita na Rua ..., ..., em Lisboa, bem como o direito a ocupá-la enquanto o mesmo fosse vivo, e ainda o usufruto vitalício de todos os seus bens que à data da sua morte constituíssem a sua quota disponível;

- Deixar a nua propriedade dos mesmos bens aos netos AA, UU e SS, documento esse que se encontra junto a fls. 112-116;

8. Em 16 de Junho de 1994, no ... Cartório Notarial ..., foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros, na qual foram habilitados como herdeiros de MM, o seu cônjuge NN e o filho LL e declarados herdeiros da nua propriedade da quota disponível dos seus bens, os seus netos AA, UU e SS;

9. MM deixou como herança o prédio urbano sito na Rua ..., ..., em Lisboa, inscrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...31 e o recheio dos 3.º e 4.º andares desse prédio, onde vivia; (al. H) dos Factos Assentes)

10. Em 18/04/1995, a Autora e os intervenientes UU e SS, LL e NN apuseram a sua assinatura no documento que se encontra junto de fls. 283 a 287, intitulado “Termo de Compromisso de Partilha”; (art. 1.º da Base Instrutória)

11. Pela Ap. ...4 de 1994/08/31 foi inscrita a favor de NN, LL, AA, SS e UU a aquisição, sem determinação de parte ou direito, por sucessão testamentária e dissolução da comunhão conjugal, o prédio urbano sito na Rua ...; (al. Z) dos Factos Assentes)

12. NN faleceu no dia .../.../1996, no estado civil de viúvo e com residência habitual na Rua ..., ..., em …;

13. Algumas semanas após a ocorrência do óbito de NN teve lugar uma reunião entre os RR., a Autora e o interveniente SS e o pai destes;

14. No decurso dessa reunião, o falecido OO comunicou aos demais presentes que segundo as informações que tinha obtido, não existia qualquer testamento de NN com validade;

15. No dia 6 de Maio de 1996, no ... Cartório Notarial ..., foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros, escritura essa que se encontra junta a fls. 142 a 146, da qual consta que «(…) compareceu como outorgante II, (…) no estado de casada com PP sob o regime da comunhão geral, (…) e pela outorgante foi dito:

Que tem perfeito conhecimento que no dia 6/2/1996 (…) faleceu NN, no estado civil de viúvo (…) Que o falecido não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado como herdeiros, seus primos, filhos da sua tia materna, BBB:

- BB, (…) No estado civil de casada com CC, sob o regime da comunhão geral de bens (…)

- DD, (…), no estado civil de casado com CCC sob o regime da separação de bens (…)

- HH, (…), casado com DDD de ..., que também usa II e seus primos, filhos de sua tia paterna, EEE:

- QQ, (…), casado com JJ sob o regime da separação de bens, (…)

- KK, (…), casado com FFF JJ sob o regime da separação de bens, (…)

Que não tem conhecimento que haja outras pessoas que, segundo a lei, prefiram ou possam concorrer, com os indicados herdeiros na sucessão à herança do mencionado NN, (…)». (al. L) dos Factos Assentes)

16. Usando como título a habilitação de herdeiros aludida em (15), BB e marido CC, DD, HH e sua mulher EE, II e seu falecido marido PP, o falecido QQ e KK inscreveram a seu favor nas respectivas Conservatórias do Registo Predial, a aquisição sem determinação de parte ou direito dos imóveis que compunham a herança deixada por NN nos seguintes termos:

1 - Dois quintos da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão, com entrada pelos n.ºs ...3 a ...7, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ..., com o valor patrimonial total de € 31.214,28;

2 - Dois quintos da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente ao rés-do-chão, com entrada pelos n.ºs ...1 a ...3, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ..., com o valor patrimonial total de € 13.707,02;

3 - Dois quintos da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao ... andar, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ..., com o valor patrimonial total de € 22.850,22;

4 - Dois quintos da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao ... andar, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ..., com o valor patrimonial total de € 4.025,92;

5 - Dois quintos da fracção autónoma designada pela letra “I” correspondente ao ... andar, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ..., com o valor patrimonial total de € 3.130,11;

6 – Dois quintos da fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente à cave, com entrada pelo n.º ...04... da Rua ..., do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ..., tornejando para a Rua ...-B, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...38.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...1 da mesma freguesia, com o valor patrimonial total de esc. 5.055.530$00;

7 – Dois quintos da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao ... andar, com entrada pelo n.º ...1, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ..., ..., tornejando para a Rua ...-B, em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...38.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...1 da mesma freguesia, com o valor patrimonial total de 11.925.303$00;

8 – Dois quintos do prédio urbano denominado “...” sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o art. ...6 e descrito na ... Conservatória do Registo predial ... com o n.º ...21 da mesma freguesia, com o valor patrimonial de € 2.625,20;

9 - Dois quintos do prédio urbano denominado “...” sito na Rua ..., em ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial desta freguesia sob o art. ...98, descrito na ... Conservatória do Registo predial ... com o n.º ...22, com o valor patrimonial de € 4.770,19;

10 – Um terço do prédio urbano sito na Rua ..., ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...82, da ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...47, da freguesia ..., com o valor patrimonial de € 68.920,26;

11 – Uma sexta parte do jazigo n.º ... do 2.º Cemitério … – ..., descrito a fls. 23 do livro n.º ...5 de registos de ... particulares, no valor de € 49,88; (al. M) dos Factos Assentes)

17. Em 13 de Agosto de 1997, II procedeu ao levantamento no ... Cartório Notarial ... da certidão do testamento público de NN; (al. Q) dos Factos Assentes)

18. Pela ap. ...5 de 970404 foi inscrita a favor de GGG de ... a propriedade do prédio urbano denominado “...” supra descrito; (al. N) dos Factos Assentes)

19. Em 19 de Fevereiro de 1998 foi outorgada no ... Cartório Notarial ... a escritura pública de partilha que se encontra junta a fls. 241 a 221, na qual foram outorgantes II, PP, HH, EE, DD, BB, por si e na qualidade de procuradora do seu marido CC, QQ, KK e através de qual declaram que:

«(…) Que no dia oito de Fevereiro de mil novecentos e noventa e seis,  ... faleceu NN, (…) no estado civil de viúvo, (...) sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, (…) Que encontrando-se os interessados de comum acordo, procedem à partilha de herança, que é constituída por dois quintos de cada uma dos imóveis constantes do documento complementar que me apresentaram e fica arquivado como parte integrante desta escritura, (…) Que aos identificados bens a partilhar, atribuem valores iguais aos patrimoniais de treze milhões cento e oitenta e oito mil dois escudos e quarenta centavos, que é o da presente partilha, pelo que a cada um dos herdeiros pertence o valor de dois milhões cento e noventa e oito mil escudos e quarenta centavos, valor do seu quinhão, correspondente a dois trinta avos do valor global dos bens, ou seja, um sexto dos referidos dois quintos.

Que procedem à partilha adjudicando os identificados bens, na proporção dos seus respectivos direitos, ou seja, de dois trinta avos para cada um dos interessados (primeiros, segundos, terceiro, quarta outorgante e seu marido representado e quinto e sexto outorgantes), no valor de dois milhões cento e noventa e oito mil escudos e quarenta centavos, igual ao seu correspondente direito, não havendo assim lugar a tornas entre si (…)»; (al. O) dos Factos Assentes)

20. Nessa mesma data, no ... Cartório Notarial ..., os mesmos outorgantes outorgaram a escritura de compra e venda que se encontra junta a fls. 222 a 226, através da qual declararam vender à Ré BB, que declarou aceitar a venda de:

- O direito correspondente a 47/60 avos da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente ao ... andar, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ... matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ...;

- O direito correspondente a 47/60 avos da fracção autónoma designada pela letra “I” correspondente ao ... andar, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ...;

- O direito correspondente a 47/60 avos do prédio urbano denominado “...”, sito na Rua ... em ..., freguesia ...; (al. P) dos Factos Assentes)

21. Pela Ap. ... de 1997/02/14 foi inscrita a favor de BB, DD, HH, II, QQ e KK a aquisição do direito que NN detinha relativamente ao prédio urbano sito na Rua ... e 129A, em ...; (al. A.… dos Factos Assentes)

22. Pela ap. ...98 foi inscrita a favor de II, PP, HH, DD, BB, QQ e KK, por partilha, a aquisição de 2/5 das fracções autónomas designadas pelas letras “H” e “I” do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ...; (al. R) dos Factos Assentes)

23. Pela ap. ...98 foi inscrita a favor de BB a aquisição, por compra, de 47/60 das fracções autónomas designadas pelas letras “H” e “I” do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., da freguesia ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...22.º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...12 da freguesia ...; (al. S) dos Factos Assentes)

24. Pela Ap. ...6 de 270298 foi inscrita a favor de II, PP, HH, DD, BB, QQ e KK a aquisição, por partilha, de 2/5 na proporção de 2/30 para cada um, do prédio urbano denominado “...”; (al. T) dos Factos Assentes)

25. Pela Ap. ...7 de 270298 foi inscrita a favor de BB a aquisição, por compra, de 47/60 desse mesmo prédio; (al. U) dos Factos Assentes)

26. Em 18 de Abril de 2000, no ... Cartório Notarial ..., foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros, escritura essa que se encontra junta a fls. 134 a 138 e da qual consta que pelos ali outorgantes foi dito que NN não deixou descendentes, nem ascendentes vivos e deixou testamento público lavrado em 27 de Outubro de 1977 «(…) no qual instituiu herdeiras de todos os seus bens e direitos a sua mulher MM, já falecida à data da abertura da sucessão, tendo deixado como único herdeiro descendente seu filho, LL que assim sucedeu ao referido NN, como único herdeiro LL, (…) em representação de sua mãe, pré-falecida (…)»; (al. K) dos Factos Assentes)

27. Em 08.10.2002 foi registada a aquisição, por compra, a favor de HHH, casado com III, na comunhão de adquiridos, da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao ... andar do prédio sito na Rua ..., em ...; (al. V) dos Factos Assentes)

28. Em 05.12.2002, foi registada a aquisição, por compra, a favor de JJJ da fracção autónoma designada pela letra “A2 correspondente ao ... do prédio sito na Rua ..., em ...; (al. W) dos Factos Assentes)

29. Em 06/12/2002 foi registada a aquisição, por compra, a favor de KKK, casada no regime da comunhão geral com LLL, da fracção autónoma designada pela ..., correspondente à cave, nº 104-B da Rua ..., do prédio sito na Avenida ..., ..., tornejando para a Rua ..., ..., em ...; (al. X) dos Factos Assentes)

30. Em 06/12/2002 foi registada a aquisição, por compra, a favor de MMM e de NNN, da fracção autónoma designada pela ..., correspondente ao ... andar, nº 71, da Avenida ..., do prédio sito na Avenida ..., ..., tornejando para a Rua ..., ..., em ...; (al. Y) dos Factos Assentes)

31. No dia 9 de Junho de 1997 teve lugar um leilão particular organizado pela Leiloeira … e M.…, Lda., relativo aos bens móveis que faziam parte da habitação dos falecidos MM e NN, no qual participaram os RR., tendo sido atribuídos aos mesmos os seguintes bens:

1. À Ré BB:
- Duas molduras com pratos, no valor de €44,89;
- Pequena salva em prata, no valor de € 9,98;
- Campainha em prata, no valor de €99,76;
- Argola, moldura e tambuladeira, no valor de €14,96;
- Galheteiro em casquinha, no valor de €49,88;
- Quatro chávenas com pires, no valor de €19,95;
- Serviço de porcelana Vista Alegre, no valor de €399,03;

2. Ao Réu DD:
- Tabuleiro, cafeteira, no valor de €49,88;
- Cesto para o pão, em prata, no valor de €189,54;
- Caneca, no valor de €49,88;
- Prato Mandarim, no valor de €29,93;
- Quadro assinado por Alfredo Keil, no valor de €1.097,36;
- Quadro assinado por Silva Uno, no valor de €1.745,80;
- Santo António de madeira, no valor de €448,92;
- Conjunto chinês, no valor de €79,81;
- Seis pratos, duas travessas e dois pratos, no valor de €748,20;
- Caneca azul, porcelana Vista Alegre, no valor de €89,78;
- Dois pratos chineses, no valor de €149,64;
- Paliteiro em prata, no valor de €399,03;
- Seis chávenas e pires, no valor de €74,82;
- Seis chávenas e pires, no valor de €14,96;
- Saladeira, no valor de €74,82;
- Conjunto de três frascos de cristal, no valor de €1.745,80;

3. A HH:
- Tabuleiro, no valor de €2,49;
- Duas chávenas de café, no valor de €74,82;
- Sete chávenas e seis pires, no valor de €5,99;
- Prato antigo, no valor de €7,48;
- Saladeira Vista Alegre, no valor de €24,94;

4. À Ré II:
- Salva de prata, no valor de €498,80;
- Faqueiro, no valor de €124,70;
- Prato oitavado, no valor de €74,82;
- Duas chávenas, no valor de €12,47;
- Chávena com pires, no valor de €44,89;
- Dois pratos Vista Alegre, no valor de €19,95;
- Frascos de chá, no valor de €89,78;

5. A QQ:
- Cesto para pão em prata, no valor de €174,58;
- Nove pratos, no valor de €29,94;
- Oito pratos, no valor de €14,96;
- Quatro pratos, no valor de €4,99;
- Terrina, no valor de €29,94;
- Molheira, no valor de € 2,49;
- Travessa, no valor de € 0,50;
- Compoteira, no valor de € 2,49;
- Pequena Taça, no valor de € 1,00;
- Saladeira, duas azeitoneiras, no valor de € 34,92;
- Travessa de galos, no valor de € 74,82 e
6. Ao Réu KK, um desenho, no valor de € 59,86; (al. A2 dos Factos Assentes)

32. Os RR. Instauraram, em 1 de Setembro de 1997, um procedimento cautelar de arrolamento contra a Autora, os intervenientes UU e SS e o seu pai LL, no âmbito do qual foram arrolados os bens constantes do auto de arrolamento cuja cópia consta de fls. 307 a 321, os quais foram entregues à depositária designada pelos ali requerentes, a Leiloeira … e M..., Lda.; (al. A3 dos Factos Assentes)

33. Em 26/11/2003 foi homologada, por sentença, a transacção lavrada na acção de reivindicação de que o arrolamento constituía apenso, tendo os bens arrolados e o prédio sito na Rua ..., ..., descrito na matriz predial urbana sob o art. ...82.º da freguesia ... e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...47 da freguesia ..., sido atribuídos aos Réus naquela acção, na proporção de 1/3 para a Autora e seus irmãos OOO e 2/3 para o falecido LL; (al. A4 dos Factos Assentes)

34. A Autora enviou aos RR. BB e CC, DD, HH, GG, II e PP, PPP e KK, as cartas que se encontram junta a fls. 243 a 254, respectivamente datadas de 24 de Novembro de 2004, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido; (al. A.… dos Factos Assentes)

35. A Autora e o interveniente SS coabitaram com a avó MM e NN nos 3º e 4º andares do prédio sito na Rua ..., ..., tendo sido educados por estes; (al. A.… dos Factos Assentes)

36. Por escritura de habilitação de herdeiros lavrada no dia 10 de Fevereiro de 2004, no ... Cartório Notarial ..., foi habilitada como única herdeira de PP, falecido em ..de ... de 2003, a sua mulher II; (al. A7 dos Factos Assentes)

37. Os RR. declararam à Autora que se encontravam disponíveis para outorgar a escritura pública para efeitos de averbamento do prédio sito na Rua ..., ... em nome da Autora, do seu pai e dos intervenientes; (al. A8 dos Factos Assentes)

(DA BASE INSTRUTÓRIA)

38. A Autora e os intervenientes UU, SS, TT, VV e ZZ tiveram conhecimento do testamento de NN referido em J) em data não concretamente apurada do ano 2000, mas anterior a 18 de Junho;

39. Alguns dos bens aludidos em A4) quando foram entregues à Autora, aos intervenientes e seu pai encontravam-se degradados em virtude de estarem em depósito há 8 anos;

40. A Autora e os Intervenientes pagaram à Leiloeira o valor de € 12.023,00 a título de despesas com o depósito, incluindo o transporte dos bens e a sua armazenagem e receberam pela venda de tais bens a quantia de € 1.442,58;

41. Após ter tido conhecimento do testamento aludido em J), a Autora sofreu angústia e perturbação em virtude do que consta das alíneas L) a P) e das respostas aos artigos 5.º a 7.º;

42. A Ré II apenas teve conhecimento do testamento aludido em J) na data referida em Q), ou seja, em 13 de Agosto de 1997;

43. Dado o facto de tal testamento ter sido feito a favor de MM e da mesma ter falecido antes do autor do testamento, a Ré II pensou que tal testamento não tinha qualquer validade e não comentou o assunto com nenhum dos restantes RR;

44. O pai da Autora e dos intervenientes teve conhecimento de tal testamento em 19 de Fevereiro de 1996;

45. Pelos mesmos motivos que constam do artigo 12º, o pai da Autora e dos Intervenientes não atribuíu qualquer relevância a tal testamento;

46. Os restantes RR. apenas tomaram conhecimento do testamento aludido em J) no âmbito do processo nº ...8, da ... Vara, ... Secção, após a junção ao mesmo do articulado superveniente apresentado pelo então Réu OO, em 26.05.2000, tendo aí sido alertados pelos seus mandatários para o erro em que haviam incorrido ao julgarem que eram herdeiros de NN;

47. Com vista a resolver a situação decorrente desse erro, os RR. e OO, após a realização de inúmeras reuniões e troca de informações, subscreveram, em 29/10/01, o documento que se encontra junto de fls. 598 a 614;

48. A fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio sito na Rua ..., correspondente ao rés-do-chão com entrada pelos nºs ...3 a ...7, em ..., foi vendida à pessoa indicada por OO, tendo este recebido dos RR., em 29/11/2002, o valor de € 45.000,00;

49. A fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio sito na Avª ..., ..., correspondente à cave com entrada pelo nº ...04... da Rua ..., em ..., foi igualmente vendida a terceiros indicados por OO, tendo este recebido dos RR., em 28/11/2003, o montante de € 174.579,26;

50. O original do título do Jazigo referido na cláusula segunda, n.º 1, alínea d) do documento junto a fls. 598 – 614 e a chave da respectiva porta de acesso foram também entregues a OO;

51. Os RR. disponibilizaram a OO a conta aberta em nome do Dr. DD junto da CGD, com o nº 11276-330 e o respectivo saldo no valor de €8.099,81;

52. O mesmo recebeu ainda 1/3 do saldo da conta bancária existente na CGD com o nº ...50, no montante de € 600,09 e também 1/2 do saldo da conta bancária existente no Banco Totta & Açores com o nº ...1 de que era titular o pai da A. e o interveniente SS, no montante de € 105,00;

53. No âmbito da negociação e em cumprimento do que consta do documento aludido no artigo 18º, os RR. entregaram ainda ao pai da A. os seguintes montantes:

- em 18/07/2000 - € 5.756,12;

- em 30/07/2000 - € 4.987,98;

- em 26/09/2000 - € 1.641,92;

- em 29/10/2001 – 69.831,71 e € 1.132,52 e

- em 28/05/2004 – 39.903,83;

54. À data da morte de NN encontrava-se averbado na Câmara Municipal ..., em comum e sem determinação de parte, a favor de II, BB e DD, o direito a 1/6 do jazigo n.º ... do 2.º Cemitério …;

55. Por força da celebração do acordo aludido no artigo 18º, os RR. efectuaram despesas com registos, escrituras, emolumentos, impostos, contribuições, taxas e deslocações;

56. Em 29 de Outubro de 2001, OO padecia de cancro na garganta, doença para a qual estava a realizar tratamento na ... e que, devido a tal doença, apresentava rouquidão, o que era do conhecimento dos RR.;

57. Os RR. declararam que só outorgavam a escritura referida em A8) se não tivessem que suportar quaisquer custos com a escritura, impostos e emolumentos registrais.

1.2. Não provados
1. O direito do falecido NN relativo aos imóveis identificados em M) sob os n.ºs 1 a 3, 6 a 8 e 10 tinha o valor de € 500.000,00 (art. 3.º da BI).

2. O direito

2.1 Da nulidade do acórdão (conclusões 20 a 30)
Os Recorrentes imputam ao acórdão recorrido o vício de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão quanto ao segmento da decisão que qualificou o acordo celebrado entre os Réus e OO.
Defendem a tal respeito que o acórdão, não obstante reconhecer que o compromisso estabelecido entre as partes foi o de posteriormente procederem à transmissão dos imóveis para o 2º outorgante, acabou por concluir que o núcleo essencial do acordo foi o de operar a transmissão de bens e valores da herança de DD, qualificando-o como contrato de compra e venda de herança (e não como contrato-promessa de transação), contrariando o entendimento explanado na análise que fez das cláusulas do mesmo.
Mostra-se pacífico o entendimento quanto à caracterização da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do CPC, que ocorre na construção lógica da decisão quando o julgador concluiu num sentido oposto/ou diverso do que resultaria face aos fundamentos nela indicados, isto é, perante os alicerces dessa decisão.
Consideram os Recorrentes que os elementos literais do contrato (tendo em particular conta o emprego do tempo verbal futuro para indicar quando deveriam ser celebrados os contratos que concretizariam as obrigações necessárias ao seu cumprimento) e o teor da factualidade constante dos pontos n.ºs 48 e 49 da matéria de facto provada impõem a conclusão de que o referido acordo consubstancia um contrato-promessa.
O posicionamento dos Réus evidencia equívoco quer quanto aos efectivos fundamentos da decisão recorrida, que se mostram plenamente perceptíveis, como decorre da leitura atenta do aresto, quer quanto à caracterização da nulidade que imputa à decisão proferida que, sublinhe-se, não integra o erro de julgamento.
As razões por que o tribunal recorrido concluiu pela não qualificação do acordo como contrato promessa mostram-se explanadas na decisão, conforme excerto aqui parcialmente transcrito e onde não conseguimos vislumbrar o alegado vício:
- “A pretensão dos réus apelantes de revogação da sentença radica na invocada errada qualificação do acordo de fls 598 e segs como “venda da herança”.
(…) Defendem igualmente os réus/apelantes que o acordo de fls 598 consubstancia um “contrato-promessa de transacção” e, para tanto, argumentam que na cláusula primeira as partes acordaram que, por esse acordo, pretendem por termo a todos os litígios; na cláusula 3ª nº 1 estabeleceram que o cumprimento das obrigações revista a forma de dação em pagamento ou outra que considerem adequada; que as partes não pretenderam transmitir quaisquer bens, direitos ou valores, mas somente definir algumas concessões e, na cláusula 12º nº 2, previnem a necessidade de execução específica, o que é típico do contrato-promessa.
Vejamos.
Do acordo de fls 598 e segs consta, em síntese e com relevância que:
- Cláusula 1ª: as partes reconhecem que o 2º outorgante, OO é titular dos direitos relativos à herança do Dr. DD;
- Cláusula 2ª: os 1ºs outorgantes abdicam dos bens, direitos e valores que integram essa herança, referidos nessa cláusula 2ª;
- Cláusula 3ª: estabelecem a transmissão, a favor do segundo outorgante, OO (ou a quem este indicar) dos bens móveis especificados sob as alíneas a), b) e c) e, no pagamento, ao 2º outorgante, de 22 000 000$00 em prestações que definem;
-Cláusula 4ª: acordam que com a entrega daqueles bens e valores, que avaliam em 100 000 000$000, o 2º outorgante reconhece que “ficou na posse” do valor correspondente à totalidade da herança do Dr. DD;
- Cláusula 5ª: o 2º outorgante obriga-se a assinar documentos necessários para que os demais bens que constituem o acervo hereditário do Dr. DD fiquem propriedade exclusiva dos primeiros outorgantes;
- Cláusula 9ª: por esse acordo declaram nada mais terem a receber uns dos outros, dando as respectivas quitações;
- Cláusula 12ª nº 1: estipulam uma cláusula de reversão do acordo;
- Cláusula12ª nº 2: estipulam que se a execução do acordo se tornar impossível por facto imputável aos 1ºs outorgantes, reconhecem ao 2º outorgante o direito à execução específica do mesmo.
Pois bem, percebe-se o porquê da insistência dos réus – 1ºs outorgantes no acordo de fls 598 – em qualificá-lo como contrato-promessa: estaria sujeito à simples forma escrita, sem necessidade de observar a exigência de celebração por escritura pública como decorre da regra do artº 410º do CC.
Mas tratar-se-á de contrato-promessa?
Como é sabido, em termos simples, o contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar um contrato-prometido, ou seja, um novo contrato. Digamos que o contrato-promessa se caracteriza especificamente pelo seu objecto, uma obrigação de contratar. Refere Ana Prata (Contrato-promessa e seu Regime Civil, 2ª reimpressão, 2006, pág. 568) “…para que de contrato-promessa se possa falar, ponto é que ele se identifique pela referência ao negócio que constitui o seu objecto, e, para que tal identificação seja bastante, é necessário que nele se encontram desde logo os elementos essenciais desse negócio definitivo.”
Ora, na situação dos autos, não se vislumbra, no acordo de fls 598 e segs, qual ou quais são o ou os contratos prometidos. A celebração de um ou mais contratos de transacção, como parece que defendem os réus/apelantes?
Não nos parece. O compromisso que assumiram de posteriormente procederem à transmissão dos imóveis para o 2º outorgante (ou para quem este indicar) e ao pagamento, também a este, dos 22 000 000$ 00 em prestações, não constitui um contrato-promessa de vendas de bens nem de entrega de quantia monetária. O núcleo essencial do acordo consistiu no reconhecimento do 2º outorgante como herdeiro do Dr. DD e, no modo de operar a transmissão de bens e valores dessa herança, então (já) na posse/propriedade dos 1ºs outorgantes, para o 2º outorgante.
A referência na cláusula 12ª nº 2 do acordo à execução específica é inócua: não se vislumbra que concreto contrato específico poderia ser objecto de execução específica. Além de que, pergunta-se, seria viável a execução específica de uma obrigação impossível? É que nessa cláusula 12ª nº 2 referem que “…se a execução do acordo se tornar impossível por facto imputável aos 1ºs outorgantes, reconhecem ao 2º outorgante o direito à execução específica do mesmo.”
Por conseguinte, somos a concluir que o acordo de fls 598 e segs não consubstancia um contrato-promessa de transacção.”.
O teor da fundamentação transcrita permite facilmente extrair a conclusão de que inexiste qualquer ilogicidade no decidido, pois que as premissas em que o tribunal recorrido fez assentar o respectivo raciocínio (o significado conferido à vontade das partes interpretando as declarações proferidas, que considerou no sentido de as mesmas terem assumido um compromisso para a transmissão dos bens imóveis, constituindo o núcleo essencial do acordo operar a transmissão de bens e valores da herança) não são colidentes, em termos de coerência lógica, com a conclusão a que chegou ao atribuir ao contrato uma natureza onerosa e translativa da titularidade do direito à herança (qualificando-o de compra e venda de herança).
Conforme denuncia o posicionamento dos Recorrentes (cfr. conclusões 25, 27 e 29), a questão que quiseram colocar em termos de nulidade do acórdão situa-se em parâmetro que não assume assento no domínio dos vícios de decisão, porquanto o diferendo mostra-se no desacerto da decisão, ou seja, do âmbito do erro de julgamento, pois que a sua discordância está reportada à solução de direito por que o acórdão enveredou.
Improcede, por isso, a nulidade arguida.

2.2 Do erro de julgamento quanto à matéria de facto (conclusões 2 a 19)

Invocam os Recorrentes o incumprimento pelo tribunal a quo dos deveres que a lei lhe impõe no artigo 662.º, do CPC, ao julgar improcedente a impugnação da matéria de facto reportada ao ponto n.º 1 dos factos não provados, por ter incorrido em erro de aplicação e interpretação dos artigos 376.º, n.ºs 1 e 2, 318.º (norma que se mostra referenciada, certamente, por lapso), 352.º e 358.º, do Código Civil,[4] ao determinar o alcance das cláusulas 2.ª, n.º 1 e 4.ª, n.º2, do acordo celebrado em 29-10-2001 entre os Réus e OO, pai da Autora.

Está em causa a seguinte matéria (reportada ao artigo 3.º da BI), que a sentença deu como não provada, decisão que o tribunal a quo manteve: “1-O direito do falecido NN relativo aos imóveis identificados em M) sob os n.ºs 1 a 3, 6 a 8 e 10 tinha o valor de € 500.000,00”, fundado nos seguintes termos:

- “Os apelantes, para fundamentarem a pretendida modificação da decisão sobre a matéria de facto apenas invocam o teor de duas cláusulas do contrato de fls 598 e segs., portanto, não se baseia em outros meios de prova para além do documento de fls 598 e segs.

Ora a questão que se coloca é a de saber se esse documento é apto ou se se revela suficiente e eficaz para prova de que o direito do falecido NN, relativo aos imóveis mencionados, tinha um valor de 500 000€.

Vejamos.

É o seguinte o teor da cláusula 2ª nº 2 e da cláusula 4ª nº 1 do acordo de fls 598 e segs.:

“Cláusula Segunda.

(…)

2- Os outorgantes e para efeitos do presente acordo, atribuem os seguintes valores aos imóveis:

a)- 40 000 000$00 …ao identificado na alínea a) do número anterior (direito de acção sobre o prédio urbano sito na Rua ..., ...…);

b)- 30 000 000$00 … ao identificado na alínea b) do número anterior (Fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio sito na Av. ..., ...…);

c)- 8 000 000$00… ao identificado na alínea c) do número anterior (Fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio sito na Rua ...…).

(…)

Cláusula 4ª

1- O segundo outorgante reconhece expressamente que, com a entrega dos bens e valores identificados nas alíneas a), b) e i) do nº 1 da Cláusula Segunda, no montante global de 100 000 000$oo, fica na posse do valor correspondente à totalidade da herança do Dr. DD.”

(…).

Serão essas cláusulas suficientes para dar como provado o facto quesitado em 3º da Base Instrutória?

Pois bem, desde já se saliente que a autora e intervenientes não são partes naquele acordo de fls 598 e segs. Portanto, são terceiros nesse convénio e respectivo documento.

Ora, a resposta à questão colocada passa por se perceber qual é a eficácia probatória de uma declaração feita por um terceiro.

Vejamos então.

Assim, em primeiro lugar, importa qualificar esse escrito enquanto meio de prova.

Se o considerarmos como prova documental, teremos de convir que se trataria de mero documento particular.

E qual é a eficácia probatória dos documentos particulares relativamente a terceiros?

Segundo entendemos, de acordo com o artº 376º nºs 1 e 2 do CC, o documento particular só faz prova plena quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que sejam contrárias aos interesses dos declarantes e, deste modo, pode ser invocado pelo declaratário contra o declarante; já em relação aos terceiros, aquela declaração não tem eficácia plena. Esta é a posição do STJ (…).

E à mesma conclusão se chegaria caso considerássemos que se tratava de declaração confessória (extrajudicial) enquanto reconhecimento de um facto desfavorável ao declarante e que favorece a parte contrária (artº 352º do CC). Na verdade, em face das disposições do artigo 353º nºs 2 e 3 do CC – relativos á confissão feita por litisconsorte e por substituto processual - resulta que a confissão é ineficaz, em face de terceiros, com um interesse que seja paralelo ao do confitente bem como em face de terceiros titulares de um interesse concorrente com o do declarante.

Por conseguinte, somos a entender que somente com base no teor daquelas cláusulas do acordo de fls 598 e segs, não podia dar-se como provado o facto quesitado no ponto 3º da Base Instrutória. E, não tendo sido produzido outro meio de prova sobre o facto – de resto, os réus/apelantes também não o alegam – resta concluir que não há razão para alterar a decisão sobre o ponto 3º da Base Instrutória.”

O acórdão recorrido, analisou o teor de duas cláusulas do acordo em que os Recorrentes se sustentavam visando a alteração à decisão fáctica e alicerçou a sua decisão na força probatória do documento particular relativamente a terceiros, entendendo que a norma constante do n.º 2 do artigo 376.º do CC, não se aplica à Autora e Intervenientes por não terem intervindo como partes no contrato.

Refutam os Recorrentes a qualidade de terceiros por parte daqueles atento o facto de serem sucessores de um dos outorgantes.

Vejamos.
Dispõe o artigo 376.º, do Código Civil, que O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento. (n.º 1), estatuindo o seu n.º 2 que “Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.”.
Esta última norma estabelece o mesmo princípio que está na base do instituto da confissão.
Com efeito, a confissão repousa na regra da experiência segundo a qual ninguém afirma um facto contrário ao seu interesse se ele não for verdadeiro, mas a força vinculativa da mesma só regula para as relações entre o confitente e a pessoa a quem é dirigida a confissão (a parte contrária de que fala o art. 352.º do CCivil), posto que esta última saia efetivamente favorecida. Em relação a terceiros não há, por definição, qualquer confissão que se lhes possa opor obrigatoriamente, pois que eles não são a parte contrária do confitente. Quanto aos terceiros apenas se concebe a confissão extrajudicial que lhes seja feita, mas neste caso é a confissão apreciada livremente pelo tribunal, como, de resto, decorre do n.º 3 do art. 358.º do CCivil[5].

Nesse sentido, salienta Lebre de Freitas, que o referido n.º 2 do artigo 376.º do CC, constitui uma excrescência, desprovida “de qualquer aplicabilidade fora da figura da confissão e subordinando-se, em sede desta, ao disposto no art. 358.º do Código Civil.[6].

Não parece suscitar dúvida nos autos que a declaração ínsita no acordo prestada por OO quanto ao valor dos bens, por se lhe afigurar desfavorável e favorecer a parte contrária, configura uma declaração confessória extrajudicial constante de documento particular (cfr. artigos 352.º e 355.º, n.º 4, do CC).

A questão que os Recorrentes colocam é a de saber se o efeito de prova plena prevista no n.º 2 do artigo 358.º do CC, se pode produzir relativamente aos herdeiros do confitente.

Estamos no domínio da problemática dos limites subjetivos da eficácia da confissão em que a doutrina[7] e a jurisprudência deste tribunal[8] têm vindo a considerar que a regra geral da ineficácia perante terceiros da confissão pode sofrer desvio relativamente aos herdeiros do de cujus confitente.

Porém, prévia a esta questão, impõe-se a da verificação dos requisitos da capacidade e legitimação da confissão, porquanto, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 353.º do CC[9], a “confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira”, exigências que, no caso, assumem crucial relevância para os efeitos pretendidos.

Na verdade, tendo presente o disposto no artigo 2091.º, n.º 1, do CC, OO não dispunha de legitimidade para desacompanhado dos demais herdeiros, poder dispor dos direitos que integravam a herança de MM, a qual, à data da celebração do acordo, ainda não tinha sido partilhada (cfr. pontos n.ºs 5 a 11 da matéria de facto provada), sendo certo que o facto confessado, indubitavelmente, se mostra reportado a esses direitos.

Por conseguinte, por ausência de legitimidade do confitente, a confissão incidente sobre o facto relativo ao valor dos imóveis carece de força probatória plena, inexistindo prova tabelada a impor a demonstração da realidade de tal matéria, conforme concluiu o tribunal a quo, ainda que por diversa fundamentação.

Improcedem, também, nesta parte, as conclusões das alegações.


2.3 Da qualificação do acordo (conclusões n.ºs 43 a 65)
.Pretendem os Réus ver alterada a qualificação atribuída pelo tribunal recorrido ao acordo (constante de fls. 586- 614 dos autos) que, em 29-10-2001, celebraram com LL, pai da Autora.
.Defendem que, ao invés do considerado pelas instâncias (que o qualificaram de contrato de venda de herança ou de quinhão hereditário), as partes não pretenderam, como efeito directo do acordo, transmitir o direito de propriedade sobre os bens objecto do mesmo, mas apenas se comprometeram a celebrar contratos futuros (de dação em pagamento ou de outros que considerassem adequados e permitissem concretizar a sua execução[10]) para atingir tal propósito. Consideram, por isso, estar em causa um contrato-promessa de transacção.
.Sustentam o seu posicionamento invocando a vontade real das partes e a adequada interpretação do acordo, nos termos do artigo 236.º, do Código Civil, atento o teor das cláusulas 3.ª, n.ºs 1 e 4, 6.ª e 12.ª, n.ºs 2 e 3.
.A pertinência da qualificação do acordo como contrato-promessa prende-se com a sua validade por forma a que os respectivos efeitos se possam impor aos herdeiros do falecido LL[11], que, nessa medida, nada teriam a reclamar da herança de NN (por através do referido acordo se encontrarem restituídos pelos Réus a LL o acervo da herança de NN).
.Para melhor compreensão dos contornos da questão, cremos que se impõe explicitar o contexto do referido acordo.

2.3.1 Na presente acção encontra-se fundamentalmente em causa a pretensão da Autora em reaver bens que faziam parte da herança aberta por óbito de MM (avó paterna daquela) e de NN (marido de MM, casada em segundas núpcias no regime de separação de bens), que foram objecto de partilha (realizada por escritura pública em 6 de Maio de 1996, no ... Cartório Notarial ...) e alienação por parte dos Réus, na qualidade de herdeiros de NN (primos deste), qualidade que não possuíam face à existência de testamento válido (outorgado em 27 de Outubro de 1977) através do qual o referido NN instituiu herdeira universal, sua mulher, MM (cfr. facto provado n.º 6) [12].
.Atento o facto de MM, herdeira universal de NN, ter falecido previamente, o beneficiário da vocação representativa da herança de NN foi LL, filho único de MM.
.É no contexto decorrente da alteração dos sucessores legítimos de NN, que se enquadra o acordo (datado de 29-10-2001), subscrito pelos Réus e por LL, cuja invalidade (nulidade), declarada pelas instâncias, os Recorrentes vêm, neste âmbito, colocar em causa, pugnando pela qualificação do mesmo como contrato-promessa de transacção e pela sua validade face à legitimidade de OO para o celebrar desacompanhado dos demais co-herdeiros.
Na interpretação que as instâncias fizeram do acordo concluíram estar em causa uma situação de alineação da herança (ou de quinhão hereditário) de NN aos Réus por parte de OO, tendo-o classificado de contrato de compra e venda de herança (ou de quota hereditária).

Justificaram tal posicionamento no teor das seguintes cláusulas:

- 1.ª (onde as partes reconhecem que OO - 2º outorgante - é o titular dos direitos relativos à herança de NN);

- 2ª (onde os Réus - 1ºs outorgantes - abdicam dos bens, direitos e valores que integram essa herança e que discriminam[13]);

- 3ª (onde as partes estabelecem a transmissão, a favor de OO - ou a quem este indicar - dos bens imóveis especificados sob as alíneas a), b) e c) e, no pagamento ao mesmo de 22.000.000$00 em prestações que definem);

- 4ª (onde o referido OO reconhece que com a entrega daqueles bens e valores, que avaliam em 100 000 000$000, ficar “na posse do valor correspondente à totalidade da herança do Dr. DD”);

- 5ª (onde o 2º outorgante se obriga a praticar todos os actos e a assinar documentos necessários para que os demais bens que constituem o acervo da herança de NN fiquem propriedade exclusiva dos 1.ºs outorgantes);
- 9ª (onde as partes declaram nada mais terem a receber uns dos outros, dando as respectivas quitações).
            Por sua vez, como acima referido, os Recorrentes, na leitura que fazem do acordo, perspectivando-o como contrato-promessa de transacção, dão ênfase:
            - ao teor dos n.ºs 1 e 4 da cláusula 3.ª (forma verbal no tempo futuro utilizada);
            - ao teor da cláusula 6.ª (onde é referido “os Outorgantes obrigam-se a celebrar termos de transação nas várias acções entre eles pendentes”);
            - ao teor dos n.ºs 2 e 3 da cláusula 12.ª (onde é referido que se a execução do contrato se mostrar impossível por facto imputável a uma das partes reconhecem reciprocamente à outra parte o direito à execução específica do mesmo).  
Cabe, pois, qualificar o acordo determinando o sentido a dar às cláusulas que nele se mostram estipuladas.

2.3.2 Como tem vindo a ser uniformemente decidido, a determinação do sentido das declarações negociais que compõem um negócio jurídico bilateral em termos de fixação do sentido da vontade da real dos intervenientes integra matéria de facto; como tal, não compreendida nas atribuições deste Supremo Tribunal de Justiça (n.º 3 do artigo 674.º do CPC).
Cabe, porém, no âmbito dos poderes deste tribunal o controlo da aplicação dos critérios legais de interpretação, ou seja, averiguar se o resultado interpretativo alcançado pelas instâncias se mostra (ou não) coincidente com os ditames que emergem das regras legais contidas nos artigos 236.º a 238.º, do CC[14].
Atento o disposto nos artigos 236.º a 238.º, ambos do CC, o sentido negocial a ter na interpretação - teoria da impressão do destinatário – é o do destinatário razoável (pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente), colocado na posição concreta do real declaratário (o sentido que lhe atribuiria em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário até onde ele podia conhecer), sendo que, tratando-se de um negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto[15]. Contudo, esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (n.º 2 do artigo 238.º do CC).
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração prevalece nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam se tivessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta – artigo 239.º, do CC.
Conforme se encontra sublinhado por Menezes Cordeiro, a doutrina actual encara a interpretação do negócio jurídico como algo de essencialmente objectivo[16], o seu ponto de incidência não é a vontade interior, ela recai antes sobre um comportamento significativo e tem necessariamente de ser temperada com o princípio da tutela de confiança[17].
No mesmo caminho, Evaristo Mendes e Fernando Sá salientam que a interpretação de um contrato é uma operação jurídico-valorativa sujeita ao princípio da boa-fé, devendo, na sua prossecução, atender-se aos princípios:
- da primazia do fim do negócio, elegendo o sentido que lhe seja mais conforme;
- da interpretação sistemáctica e contextual, perspectivando o negócio na sua globalidade, à luz das circunstâncias ou do ambiente em que determinadas expressões verbais utilizadas hajam sido proferidas;
- da coerência, por forma a evitar contradições com o texto a interpretar, visto como um todo;
- do favor negotii, se estiverem em confronto sentidos divergentes, um dos quais originador de invalidade e/ou ilicitude;
- da tendencial validação de uma interpretação mais directa, quando em causa estejam fórmulas muito claras e evidentes[18].
Na apreciação do sentido das declarações ínsitas do acordo escrito indicado no n.º 47 dos factos provados, por forma a ser alcançada a natureza do contrato celebrado, importa ter presente que não tendo resultado provado o conteúdo da vontade real dos contraentes, o sentido das declarações negociais a ser encontrado terá de ser feito de acordo com os imperativos que emergem das regras legais contidas nos artigos 236.º a 238.º, do Código Civil.
A questão que se coloca neste âmbito é, por isso, saber se o acórdão recorrido na valoração que fez violou tais normas.
Vejamos.
Na sequência do acima referido, os Recorrentes, em defesa da qualificação do acordo como contrato-promessa de transação, fazem apelo ao declarado quanto à intenção das partes de “pôr fim (…), a todos os litígios judiciais e extrajudiciais conexionados com a herança do Dr. DD[19], ao clausulado quanto à remessa para outros atos e/ou contratos futuros a acordar entre as partes como forma de concretização das obrigações resultantes do acordo, bem como à circunstância de ter sido previsto o direito à execução específica (no caso do acordo se tornar impossível por factos exclusivamente imputáveis às partes), instituto que consideram ser próprio e exclusivo do contrato-promessa.
Conforme passaremos a justificar, tais aspectos, mostram-se insuficientes para a caracterização do acordo como contrato-promessa sabendo-se que, enquanto convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato[20] se traduz num preliminar que tem por objecto a celebração de um contrato futuro, o contrato prometido.
A tratar-se, pois, de um contrato-promessa, como defendem os Recorrentes, impunha-se que o contrato prometido tivesse sido individualizado pelas partes. Tal, porém, não aconteceu, pois que as mesmas deixaram em aberto uma multiplicidade de vias negociais para efectivar o acordo (dação em pagamento ou outra, que não especificaram).
Reportando-se à caracterização do contrato-promessa, como foi assinalado no acórdão recorrido, o mesmo assume individualidade por o seu objecto constituir uma obrigação de contratar e, nessa medida, socorrendo-nos das palavras de Ana Prata, para que de contrato-promessa se possa falar, ponto é que ele se identifique pela referência ao negócio que constitui seu objecto, e, para que tal identificação seja bastante, é necessário que nele se encontrem desde logo determinados os elementos essenciais desse negócio definitivo. Trata-se de uma exigência, que, como refere a citada Autora, na ordem jurídica portuguesa, encontra o seu suporte no princípio da equiparação, esclarecendo ainda que a questão da medida da exigência da determinabilidade do conteúdo da promessa vive paredes meias com a da qualificação do negócio.[21]
Na situação sob apreciação, embora as partes se tenham também obrigado à realização futura de actos jurídicos, como a assinatura de documentos (cfr. cláusula 5.ª, n.º 1), e de contratos de transação judicial (cláusula 6.ª), verifica-se que relativamente a estes se limitam a referir a “termos de transação nas várias acções entre eles pendentes, na modalidade apropriada em cada caso”, sem terem previsto os respectivos elementos essenciais por forma a permitir determinar, suficientemente, tais supostos contratos definitivos (tais como discriminando concretamente as acções pendentes visadas[22] e, bem assim, o âmbito das concessões recíprocas a realizar e os termos em que se desenharia a constituição, modificação ou extinção dos direitos controvertidos).
Ao invés do pugnado pelos Réus, o sentido interpretativo alcançável por um declaratário normal medianamente diligente e sagaz colocado na posição concreta dos reais outorgantes assenta em duas declarações negociais cruciais ínsitas nas cláusulas 2.ª, n.º 1 e 4.ª, n.º 1, respectivamente, a declaração por parte dos 1.ºs outorgantes (os Réus) de abdicar da titularidade dos bens, direitos e valores indicados na cláusula 2.ª, n.º 1 do acordo e a declaração do 2.º outorgante (OO) de que com a entrega dos bens, ficava “na posse do valor correspondente à totalidade da herança do Dr. DD”.
Estão em causa expressões que identificam o âmago do acordo celebrado que foi o de, efectivamente, transferir para OO a titularidade dos direitos sobre parte dos bens integrantes da herança de NN, assumindo, por isso, pleno acerto a conclusão retirada pelo acórdão recorrido de que o núcleo do acordo se traduz no reconhecimento do 2º outorgante como herdeiro do Dr. DD e, no modo de operar a transmissão de bens e valores dessa herança, então (já) na posse/propriedade dos 1ºs outorgantes, para o 2º outorgante, sendo certo que, a nosso ver e em bom rigor, a interpretação integrada do acordo leva a concluir que as partes celebraram, não propriamente um contrato de compra e venda da herança, mas um contrato de alienação de uma quota da herança ou quinhão hereditário, desde logo por não decorrer claramente do clausulado o carácter gratuito ou oneroso dos contratos causais da alienação.
Assim, a referência feita no acordo quanto à celebração de actos futuros de transmissão susceptíveis de concretizar o acordo em causa (cfr. cláusula 3.ª, n.º 1)[23] apenas poderá ser entendida como referente aos negócios jurídicos causais da alienação, previstos pelo artigo 2124.º, do CC, e que são aptos a transferir a propriedade dos respetivos direitos.
Como observa Capelo de Sousa, a alienação da herança ou de quinhão hereditário pode resultar de negócios jurídicos onerosos (como a dação em cumprimento, a compra e venda ou a troca ou outros contratos onerosos), mas também de negócios jurídicos gratuitos (como a doação)[24].
Importa, pois novamente sublinhar que tais actos futuros deverão ser perspectivados, não como contratos prometidos, mas como negócios jurídicos causais da alienação do quinhão hereditário – uns a celebrar no momento do acordo (cláusula 3.ª, n.º 3, alínea a)); outros, em data posterior (cláusula 3.ª, n.º 3, alínea b) e nºs. 4 e 5).
Por conseguinte, há que concluir que as cláusulas (5.ª e 6.ª)[25] em que os Recorrentes pretendem sustentar a classificação do acordo como contrato-promessa não se mostram idóneas para descaracterizar o tal “núcleo essencial” do acordo considerado no acórdão recorrido que, como afirmado, se reconduz, precisamente, à transmissão para o 2.º outorgante dos direitos integrantes de parte da herança de NN.
Cumpre por fim realçar que a referência feita na cláusula 12.ª relativamente à “execução específica” do contrato, igualmente não apresenta a virtualidade de qualificar o acordo como contrato-promessa.
Com efeito, ainda que a previsão da cláusula fosse reportada à impossibilidade temporária ou parcial e não definitiva[26], conforme invocam os Recorrentes (conclusão 48[27]) por forma a ser compatível com a execução específica, não é possível escamotear dois aspectos incontornáveis:
1. a execução específica não é um instrumento privativo do contrato-promessa, como se depreende, aliás, do título da subsecção II da Secção III (realização coativa da prestação) do capítulo VII do Livro II do CC, que trata das “formas de obter a prestação devida por via coativa, quando o devedor recusa o cumprimento, sendo este possível e mantendo interesse para o credor (…) Os arts. 827.º a 829.º tratam de providências que se exercem no quadro da ação executiva e o art.830.º consubstancia uma acção declarativa constitutiva.”)[28].
- a alusão à execução específica surge no acordo desprovida de operatividade jurídica, uma vez que as partes não identificam suficientemente o contrato prometido, o que inviabilizaria que se pudesse obter uma sentença apta a produzir os efeitos da declaração negocial do contraente faltoso (cfr. artigo 830.º, do CC).
Mostra-se por isso correcta a aplicação que, no caso, o acórdão recorrido fez dos critérios interpretativos fixados na lei, afastando a qualificação do acordo enquanto contrato-promessa, não tendo ocorrido a alegada violação dos artigos. 236.º e 238.º, ambos do CC.

2.3.3. Assumindo o acordo (datado de 2001) a natureza de contrato de alienação de quinhão hereditário respeitante a bens imóveis, por força do disposto nos artigos 2126.º, 875.º, do CC[29] e 939.º, do mesmo código, deveria ter sido celebrado por escritura pública.
Assim, porque titulado por documento particular, o acordo celebrado enferma de nulidade por preterição da forma legalmente exigida para o efeito (artigo 220.º, do CC), conforme foi bem concluído pelo tribunal a quo.
Por fim, na sequência do que foi realçado no acórdão recorrido a título de argumentação subsidiária, ainda que se qualificasse o acordo como contrato de transação extrajudicial (privilegiando o intuito declarado das partes na cláusula 1.ª de “pôr fim a todos os litígios judiciais e extrajudiciais conexionados com a herança do Dr. DD”, implicando as recíprocas concessões dos intervenientes a transmissão, para o 2.º outorgante, da titularidade sobre os direitos controvertidos), sempre se encontraria ferido de nulidade por vício de forma, à luz do determinado no então vigente artigo 1250.º, do CC.
Improcedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações.

2.4. Da conversão do acordo em contrato-promessa (conclusões n.ºs 66 a 79)
Pretendem os Recorrentes que a considerar-se o acordo nulo por falta de forma, em esforço de salvar o negócio e por obediência ao princípio do favor negotii e ainda que, em sede de apelação não tenham pedido expressamente tal conversão, caberia a este tribunal proceder ao suprimento da imperfeição formal fazendo operar a conversão do mesmo em contrato-promessa (de transação ou, subsidiariamente, de venda de herança ou de quinhão hereditário), por se encontrarem reunidos todos os requisitos exigidos para o efeito (cfr. artigo 293.º, do CC).
Alegam para o efeito que tendo o acordo sido integralmente cumprido, as partes nele outorgantes teriam querido convertê-lo em contrato-promessa no caso de terem previsto que o mesmo poderia ser considerado nulo por preterição de escritura pública.
Tal pretensão não pode, porém, ser acolhida, pois que o pedido reconvencional deduzido pelos Réus (consubstanciado na declaração de conversão do acordo em contrato promessa de transacção), mostra-se definitivamente decidido na sentença (que dele conheceu e julgou improcedente) já que não foi objecto de impugnação na apelação.
Não tendo os Réus reagido à sentença relativamente à improcedência do pedido reconvencional, tal decisão transitou em julgado, pelo que não pode ser conhecida na revista. Nessa medida, a questão da conversão do negócio que os Réus fazem ressurgir neste recurso consubstancia questão nova porquanto constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos que os mesmos visam a reapreciação de decisões proferidas pelos tribunais recorridos (artigo 627º, nº 1, do CPC).
Ao tribunal ad quem está, pois, vedada a possibilidade de se pronunciar sobre matéria não submetida à apreciação do tribunal a quo. Não pode, por isso, o recurso de revista ter por objecto questões que as partes não tenham suscitado à apreciação do tribunal recorrido na apelação e que não foram por ele conhecidas.
Acresce que, tem vindo a ser pacificamente entendido neste Supremo Tribunal, que a conversão de um negócio, nulo ou anulável, em negócio válido, envolve matéria que não é de conhecimento oficioso,[30] sendo que o facto de os Recorrentes se insurgirem na apelação quanto à nulidade do contrato decidida na sentença nunca poderia assumir relevância processual para efeito de se considerar que a questão da conversão foi tacitamente impugnada, uma vez que não imputaram ao acórdão recorrido qualquer nulidade por omissão de pronúncia a esse respeito.
Improcedem, assim, na sua totalidade, as conclusões da revista.

IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista.

Lisboa, 27 de Abril de 2022


Graça Amaral (Relator)

Maria Olinda Garcia

Ricardo Costa

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Doravante CPC.

[2] A alegada a violação de regras de direito probatório material suscitada pelos Recorrentes consubstancia questão de direito do âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.
[3] Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2017, 4ª edição, p. 355.
[4] Doravante CC.
[5] Acórdão do STJ de 12-02-2019, Processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.S.
[6] A confissão no direito probatório (um estudo de direito positivo), Coimbra Editora, 1991, pp. 247-248.
[7] José Lebre de Freitas, obra citada, p. 329
[8] Acórdão do STJ de 12-02-2019, Processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.S1.
[9] Cfr. José Lebre de Freitas, Código Civil anotado, coordenação de Ana Prata, vol. I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 445, acórdão do STJ de 14-01-2020, Processo n.º 30326/15.2T8LSB.L1.S1.
[10] Referem que a factualidade provada constante dos n.ºs 33, 47, 48, 50, 51, 52 e 53, demonstra o cumprimento efectivo da referida promessa.
[11] Autora e seus irmãos germanos.

[12] Habilitação que foi julgada nula por contrariar o disposto no supra citado artigo 2131.º, do CC, assim como a partilha realizada (artigo 280.º, do Código Civil). Em consequência impunha-se que fossem restituídos:

ü à herança de DD:
- Dois quintos das fracções autónomas designadas pelas letras “H” e “I”, correspondentes ao … andar esquerdo e ao … andar direito, respectivamente, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua…, da freguesia …;

- Dois quintos do prédio urbano denominado “…” sito na Rua …, freguesia …;

- Uma sexta parte do jazigo n.º …20;
ü à herança de EE:

- Um terço do prédio sito na Rua…, descrito na matriz predial urbana sob o art. …2.º da freguesia…;
- O recheio do … andar do referido prédio (facto provado n.º 31).

[13]a) Direito e acção sobre o prédio urbano sito na Rua…, freguesia…, em …, (…);

b) Fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio sito na … e Rua …, correspondente à cave com entrada pelo n.º … da Rua…, em …, (…);

c) Fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio sito na Rua…, correspondente ao rés-do-chão com entrada pelos n.ºs … da freguesia…, em …, (…);

d) Jazigo n.º …47, sito na Rua n.º…, lado direito, do 2.º Cemitério…;

e) Direito ao saldo existente na conta bancária n.º …50 da Caixa Geral de Depósitos relativa à consignação de rendas a favor de GG (…);

f) Direito ao saldo existente na conta bancária n.º …01 do Banco Totta & Açores titulada pelo falecido Dr. NN e SS;

g) Os bens móveis que presentemente se encontram na posse do fiel depositário identificado no Considerando n.º 6;

h) Direito aos rendimentos da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio sito na…, n.º … e Rua..., n.ºs …, correspondente à cave com entrada pelo n.º … da Rua…, em … e da fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio sito na Rua…, n.ºs…, correspondente ao rés-do-chão com entrada pelos n.ºs … da freguesia…, em…, a partir de 1 de Outubro de 2001;

i) Quantia em numerário de esc. 22.000.000$00.”.
[14] Assim, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-11-2006, proferido no processo n.º 06A3344 e acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[15] Reconhece-se, pois, à letra uma função negativa que consiste em excluir sentidos ou significados que nela não tenham qualquer apoio, correspondência ou, pelo menos, ressonância – Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, p. 182.
[16] extraindo das declarações um sentido juridicamente vinculante  - cfr. Manuel Pita, Código Civil anotado, coordenação de Ana Prata, Coimbra, Almedina, 2017, p. 291.
[17] Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral Tomo I, 1999, cfr. pp 478-483.
[18] Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 535-536
[19] Os considerandos n.ºs 1 a 10.
[20] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, volume 1.º, p. 301.
[21] O contrato-promessa e o seu regime civil, Coimbra, Almedina, 1999, p. 568
[22] Note-se que não se mostra explícito na cláusula 6.ª se as referidas acções são as identificadas nos considerandos n.ºs 5, 7 e 10 ou outras.
[23] Nos termos da qual “A transmissão a favor do Segundo Outorgante ou a quem este indicar, dos imóveis identificados nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 da Cláusula anterior, revestirá a forma jurídica de dação em pagamento, ou de outra que os Outorgantes considerem a adequada e que igualmente permita concretizar a efectivação do presente Acordo.”.
[24] Lições de Direito das Sucessões, volume II, 3.ª edição renovada, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 66

[25] Numa perspectiva da coerência interna do acordo importa realçar que a obrigação de “celebrar termos de transação” nas várias ações pendentes surge apenas na cláusula 6.ª, ou seja, numa posição periférica na arrumação sistemáctica do acordo, que pouco se coaduna com o entendimento que os Réus defendem no sentido de que tais contratos de transacção corresponderiam aos contratos prometidos, tendo em conta que a declaração de que os Réus renunciam e abdicam dos direitos sobre os bens hereditários de António Jorge (com o recurso ao tempo verbal presente do indicativo) surge na primeira e segunda cláusulas, apontando para a centralidade e para o imediatismo da transferência de tais direitos na economia do negócio.
[26] Determinativa da extinção da obrigação.
[27] Objectando o entendimento do acórdão recorrido quanto a colocar em causa a viabilidade da “execução específica de uma obrigação impossível? É que nessa cláusula 12ª nº 2 referem que “…se a execução do acordo se tornar impossível por facto imputável aos 1ºs outorgantes, reconhecem ao 2º outorgante o direito à execução específica do mesmo”.
[28] Ana Prata, Código Civil anotado, Coimbra, Almedina, 2017, p. 1039
[29] Na redação vigente antes da entrada em vigor do DL 116/2008, de 04-07.
[30] Entre outros, acórdão de 19-03-2019, Processo n.º 1227/16.9T8FAR.L1.S2.