PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
SUSPENSÃO DE PRAZO
COVID-19
EXTEMPORANEIDADE
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário


I - O prazo de interposição de recurso em processo não urgente não foi objeto de suspensão por aplicação do art. 6.º- B da Lei n.º 1 -A/2020, introduzido pela Lei n.º 4-B/2021, e do art. 4.º desta última Lei.
II - A lei assim interpretada e a decisão judicial que, com base nessa interpretação, considera extemporâneo o recurso de apelação interposto, não violam o princípio do contraditório, o princípio do direito de acesso aos tribunais, o princípio da igualdade, nem enfermam de desproporcionalidade ou arbitrariedade.

Texto Integral




Processo nº 7192/19.3T8ALM.L1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Lisboa

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA demandou, pelo Juízo Central Cível de Almada, Novo Banco, S.A.

Seguindo o processo seus termos, veio a ser proferido saneador-sentença onde foi decidido absolver o Réu do pedido.

Inconformado com tal decisão, apelou o Autor.

Esse recurso de apelação foi admitido na 1ª instância.

Mas na Relação de Lisboa foi decidido - inicialmente por despacho da Exma. Relatora e depois por acórdão produzido em sede de reclamação para a conferência - que o recurso era extemporâneo, razão pela qual foi rejeitado.

Insatisfeito com tal desfecho decisório, pede o Autor revista.

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Da respetiva alegação extrai o Recorrente as seguintes conclusões:

1ª. No seguimento do processo 7192/19.3T8ALM no qual foi proferida sentença a 31 de dezembro de 2020, cujo a notificação às partes ocorreu no dia 31 de dezembro de 2020 (como se alcança do despacho reclamado e é aceite pelo autor), o mesmo, ao ser iniciado nesta data, ficou suspenso por força da aplicação da Lei nº 1-A/2020 de 19 de março, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 4-B/2021 de 02 de fevereiro.

2ª. Ao momento da entrada em vigor da Lei nº 4-B/2021 de 02 de fevereiro, veio o ora Recorrente interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa no dia 02 de março de 2021.

3ª. A Lei nº 1-A/2020 visou estabelecer um conjunto de medidas excecionais e temporárias para dar resposta à situação epidemiológica provocada pelo vírus SARS-COV-2, donde, foi naturalmente sofrendo alterações em virtude da evolução pandémica.

4ª. Decorre que, no primeiro trimestre do ano 2021, em virtude do agravamento da situação pandémica, foram determinadas novas medidas excecionais de carater temporário e urgente no que respeita à atividade judicial que se extraem da Lei nº 4-B/2021 que veio assim alterar a Lei nº 1-A/2020, mais concretamente fazemos referência expressa ao artigo 6º-B que tem como epigrafe “Prazos e diligências”.

5ª. As ilações que retiramos da norma que consta no artigo 6º B, tiveram efeito retroativo a 22 de janeiro de 2021 (cf. artigo da sobredita Lei 4-B/2021).

6ª. A suspensão da realização de diligências e de prazos para a prática de atos processuais não urgentes, visou, essencialmente a deslocação de pessoas para se evitar a propagação da transmissão do vírus SARS-COV-2, não se pode olvidar que desta suspensão existiram reflexos na atividade judiciária, mais concretamente de pessoas que aguardam decisões definitivas.

7ª. Ainda no que respeita, à Lei nº 4-B/2021, e muito embora que a mesma decorra numa aparência de regulação no futuro, é certo que para o Recorrente, à semelhança do que decidido pela Meritíssima Julgadora, de que o legislador veio salvaguardar a suspensão de prazos disponíveis às partes para reagir à decisão final, o que no caso do recorrente se aplicaria o prazo do recurso.

8ª. Ora, a Lei 4-B/2021 consagra medidas suspensivas e restritivas do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais que, nessa medida, devem-se adequar à finalidade prosseguida e não podem ser desproporcionadas aos objetivos a alcançar – arts. 19º nº 1 e18º nº 2 da Constituição –devendo salvaguardar o princípio da igualdade processual.

9ª. A interpretação defendida pelo Recorrente mostra-se afrontadora deste princípio, porquanto implicaria a aplicação de regimes diversos de prática do mesmo ato processual, de acordo com um critério arbitrário, porquanto sem qualquer fundamento objetivo que o legitime.

10ª. Se verificarmos os acórdãos proferidos ao processo 709/21.5T8ACB.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra e o acórdão ao processo 792/20.0T8STR.E1 do Tribunal da Relação de Évora, ambos são convergentes á causa que suscita ao recorrente a vontade de ver esclarecida a sua interpretação á norma, tanto que, e não olvidando os doutos acórdãos tenham algumas diferenças, ambos contem na sua base a interpretação da norma.

11ª. Facto é que, não aceitar o recurso do ora Recorrente por extemporaneidade, demonstra que as matérias de facto e de direito não foram analisadas pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, Tribunal que é conhecido como Tribunal de Apelação, e que naturalmente viola o principio do Contraditório.

12ª. Atento o disposto nos acórdãos nºs 792/20.0T8STR.E1 do Ac. e TRLC nº 709/21.5T8ACB.C1 (sic) verifica-se uma contradição com o acórdão recorrido na medida em nesses acórdãos é sustentado que que o Legislador no âmbito da Lei nº 4-B/2021, al. d) do nº 5 do artº 6º B salvaguarda a suspensão dos prazos de recurso, independentemente da prolação da decisão final, sendo esse o sentido e alcance de tal norma enquanto que no acórdão recorrido se sustenta que não se encontra salvaguardada tal suspensão dos prazos de recurso.

13ª. Impõe-se, pois, uma uniformização da Jurisprudência sobre tal questão concreta!

Termina dizendo que “Respeitosa e humildemente, submete-se assim a V. Exma. a apreciação da inconstitucionalidade do entendimento ou interpretação perfilhados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos em que deve o presente Recurso ser admitido, com efeito suspensivo e subindo nos próprios autos, e julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e declarando-se que a Lei nº 4-B/2021, al. d) do nº 5 do artº 6º B salvaguarda a suspensão dos prazos de recurso, independentemente da prolação da decisão final, sendo esse o sentido e alcance de tal norma enquanto que no acórdão recorrido se sustenta que não se encontra salvaguardada tal suspensão dos prazos de recurso”.

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A Ré contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Mais suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso.

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A essa questão prévia teve o Recorrente oportunidade de responder (uma vez que foi notificado da contra-alegação), motivo pelo qual não se abriu novo contraditório[1].

Mas nada respondeu.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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Quanto à questão prévia suscitada pelo Recorrido da inadmissibilidade do recurso

Tal inadmissibilidade vem justificada pelo Recorrido no pressuposto de se estar perante recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência ou perante revista excecional. Não tendo o Recorrente observado certos ónus inerentes a tais tipologias de recursos, seria então inadmissível o recurso.

É verdade que o Recorrente diz na sua alegação que se impõe “uma uniformização de jurisprudência”, do mesmo passo que (e citando aquilo que parece ser o sumário de algum acórdão) faz uma referência à sujeição da revista excecional a certos requisitos gerais dos recursos (relação do valor da causa com a alçada e sucumbência).

Contudo, e ultrapassando a falta de propósito de menção à revista excecional, cremos que não suscita dúvidas de maior que a finalidade do Recorrente foi interpor uma revista ordinária. A alusão que faz à uniformização de jurisprudência terá tido em vista significar simplesmente que lhe interessa que seja dilucidada pelo Supremo a divergência que, na sua visão, existe entre o acórdão recorrido e certa outra jurisprudência (os acórdãos que menciona).

Mas mesmo que assim não fosse, sempre haveria que corrigir o patente erro de qualificação do meio processual utilizado e mandar seguir os termos recursivos cabidos (art. 193º, nº 3 do CPCivil), e estes seriam precisamente os da revista ordinária. A este propósito importa observar que a admissibilidade do presente recurso como revista ordinária colhe respaldo no art. 671º do CPCivil,[2].

Termos em que improcede a questão prévia da inadmissibilidade do presente recurso de revista, competindo conhecer do seu objeto.

II – ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

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É questão a conhecer:

- Se o prazo de interposição do recurso de apelação se suspendeu desde 22 de janeiro de 2021, sendo por isso tempestivo o recurso.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Relevam para o presente recurso os seguintes factos:

- A sentença da 1ª instância foi proferida no dia 16 de dezembro de 2020;

- A notificação dessa sentença às partes foi inserida no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais (citius) no dia 31 de dezembro de 2020;

- O Autor interpôs contra a sentença recurso de apelação no dia 2 de março de 2021.

De direito

Diferentemente do que sustenta o Recorrente, a boa interpretação do art. 6º-B da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, aditado pela Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro (a qual “estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei nº 1-A/2020, de 19 de março”), vai no sentido assumido no acórdão recorrido, e não no sentido pretendido pelo Recorrente.

Estabelece tal artigo, no que para aqui importa, que:

“1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

(…)

5 - O disposto no nº 1 não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;

b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;

c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no nº 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.”

Nos termos do art. 4º da referida Lei nº 4-B/2021, o disposto neste artigo 6º-B produzia efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.

Pretende o Recorrente que o prazo para a interposição do recurso se suspendeu a 22 de janeiro de 2021, de acordo precisamente com o disposto neste art. 4º e no nº 1 daquele artº 6º-B.

Mas não é assim.

Aceita-se que a letra do referido art. 6-B possa prestar-se a dúvidas interpretativas.

Mas a letra da lei não é tudo.

É certo que, como nos ensina Oliveira Ascensão (O Direito. Introdução e Teoria Geral, p. 350), aliás em concordância com o que dispõe o nº 2 do art. 9º do CCivil, “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”.

Porém, para além da letra deve o intérprete considerar o sentido ou o espírito da lei, ou seja, atender ao chamado elemento lógico da interpretação, onde se inclui o elemento teleológico.

Como ainda nos elucida Oliveira Ascensão (ob. cit. pp. 359 e 360), o elemento teleológico aponta para a justificação social da lei, para as finalidades ou objetivos visados na lei (o “para quê” da lei). Ainda de acordo com a lição deste autor (ob. cit., p. 366), da conjugação dos diversos elementos que devem intervir na interpretação “resulta o sentido, espírito ou razão de ser da lei, que é o elemento decisivo para se fazer a interpretação. Tradicionalmente designa-se este sentido por ratio legis: o art. 9º do Código Civil fala em «pensamento legislativo», em acepção que será, ao menos no essencial, coincidente com esta. (…) Com base nesta ratio se determinará o tratamento a dar à letra. O princípio absoluto é o da preferência do espírito sobre a letra: aqui como noutras ciências vale a afirmação de que a letra mata, o espírito vivifica. (…) A ratio legis será, pois, o resultante de todos os elementos, mas iluminada por uma pretensão de máxima racionalidade, que permitirá escolher entre possibilidades divergentes de interpretação”.

Também Miguel Teixeira de Sousa (Introdução ao Direito, 2016, pp. 367 e 371) aduz que «o elemento teleológico procura encontrar a finalidade que justifica a vigência da lei. O elemento teológico visa responder à pergunta “para que é que serve a lei?”. Este elemento impõe que o intérprete procure descobrir a ratio legis e utilizá-la na determinação do espírito da lei». (…) «[O elemento teleológico] é também o elemento da interpretação que menos provém do sistema e que mais apela ao intérprete, pois que lhe permite utilizar valores éticos, políticos ou económicos na procura da optimização do princípio que subjaz à lei que interpreta».

Ora, como justamente se aponta no acórdão recorrido, “Não pode deixar de se ter em conta a finalidade que o legislador pretendeu com esta regulamentação que estabeleceu para a tramitação dos processos não urgentes e que resulta da conciliação de duas ideias: por um lado, a proteção da saúde de todos em resultado da grave situação de pandemia que aconselhava à restrição dos contactos presenciais; por outro lado, não parar a tramitação processual nos processos em que não houvesse a necessidade da realização de diligências ou de atos processuais que exigissem a presença dos intervenientes, já que neste caso, não existe aquela necessidade de proteção.”

E como também se observa no acórdão da Relação de Évora 13/05/2021 (processo nº 2161/19.6T8PTM.E1, com texto em www.dgsi.pt), o citado art. 6-B «teve origem na Proposta de Lei nº 70/XIV que, em face do agravamento da situação pandémica provocada pela Covid-19 em Portugal, surgiu como medida excecional de caráter urgente no âmbito do desenvolvimento da atividade judicial e administrativa, e à semelhança do sucedido no primeiro semestre de 2020, suspendeu a generalidade dos prazos processuais e procedimentais, mas mitigando tal suspensão, tal como se diz na exposição dos motivos, de modo a garantir, mesmo no que respeita aos processos não urgentes “a tramitação daqueles que se apresentem como indispensáveis estabelecendo-se uma série de exceções que permitem mitigar os efeitos genéricos da suspensão”, assegurando a realização de todos os atos que razoavelmente possam ter lugar. (…)

Da análise que fazemos do regime inicial da suspensão dos prazos no âmbito da pandemia, que vigorou no primeiro semestre de 2020, com o regime que foi instituído pela Lei nº 4-B/2021, resulta que no âmbito deste último regime, sem pôr em causa a regras da segurança das pessoas, pretendeu-se, na mediada do possível, que a máquina do judiciário, continuasse a tramitar e julgar os processos, constituindo, assim, uma das diferenças concretas entre os dois regimes o facto de proferida sentença em processos não urgentes pelos tribunais de 1.ª instância, os prazos para a prática dos atos subsequentes não se suspenderem, devendo os recursos ser interpostos nos prazos legalmente fixados (de 15 ou 30 dias consoante os casos).

Resulta que existiu preocupação do legislador em não parar totalmente a tramitação dos processos e procedimentos não urgentes, aceitando que possa avançar quando não implique contactos presenciais com sujeitos ou participantes processuais, o que é o caso da interposição de recursos que é efetuada por via eletrónica.»

É dentro deste espírito e com esta abrangência que deve ser interpretado, pois, o art. 6º-B aqui em causa, e nomeadamente a alínea d) do seu nº 5.

Deste modo, estando-se perante situação em que não há lugar à realização de novas diligências tendentes ao proferimento da decisão final, como é o que sucede no caso de esta já ter sido proferida, não opera - por não ser identificável a razão (contenção da pandemia, proteção da saúde de todos os que possam estar envolvidos no processo) que presidiu à paralisação da atividade judiciária - qualquer suspensão de prazos. E, entre estes, o prazo de interposição de recurso, como, aliás, consta expressamente de tal alínea. Nesta situação não se cumpre a ratio que presidiu à suspensão de diligências e prazos, querendo a lei que, por assim ser, o processo seguisse a sua tramitação.

Dentro deste registo, afirma-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13 de outubro de 2021 (processo nº 24015/19.6T8LSB.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt) que “[a] alínea d) do nº 5 não só permite ao Tribunal apesar da regra do nº 1 proferir a decisão final como esclarece que nesse caso também não está suspenso o prazo para interposição do recurso (precisamente porque este não implica, em regra, a prática de quaisquer atos presenciais).”

O mesmo se diga do acórdão também deste Supremo de 22 de abril de 2021 (processo nº 263/19.8YHLSB.L1.S1, com texto em www.dgsi.pt), de cujo sumário se pode ler que “I - Nos termos do nº 5, alínea d) do art. 6º-B da Lei nº 4-B/2021 de 01.02.2021, não estão abrangidos pelo regime de suspensão de prazos processuais fixado no nº 1, entre outros actos, os requerimentos de interposição de recurso”.

Atente-se de igual forma no sumário do acórdão ainda deste Supremo de 25-05-2021 (processo nº 11888/15.0T8LRS.L1-A.S1, sumário em www.stj/jurisprudência/sumários): “III - Nos termos da Lei nº 4-B/2021, de 01-02, que veio alterar a Lei nº 1-A/2020, de 19-03, aditando a esta última Lei, entre outros, o art. 6º-B, resulta com clareza que o legislador, neste momento de combate à pandemia, quis proceder de forma diversa da atuação ocorrida na primeira fase. Enquanto na primeira fase, suspendeu os prazos, neste momento de combate à pandemia decidiu que nos tribunais superiores os processos não urgentes prosseguiriam a não ser que fosse necessário a realização de atos presenciais e, nesse caso, determinou que se procedesse nos termos da al. c) do citado nº 5. Determinou ainda que devia ser proferida a decisão final nos processos e, nesse caso, os prazos de interposição de recurso não se suspendiam.”

De outro lado, é de acrescentar que a não suspensão do prazo de recurso tanto operava no caso de se estar em situação de poder ser proferida decisão final como no caso desta já ter sido proferida (como é precisamente o caso vertente). Exatamente como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/05/2021 (proferido no processo nº 598/18.7T8LSB.L1-8, com texto em www.dgsi.pt) “Não há razão plausível na economia da lei para o legislador vir salvaguardar da suspensão dos prazos de recurso decisões proferidas durante o período em vigor da lei e estabelecer essa suspensão para as decisões que foram proferidas antes da data da entrada em vigor da lei. Razão de ser num e noutro caso é a mesma. Evitar deslocações de pessoas aos tribunais finalidade que é prosseguida de igual modo num e noutro caso (…)”.  

Também no já citado acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/05/2021 (processo nº 2161/19.6T8PTM.E1, com texto em www.dgsi.pt) se aponta que “O fim visado pelo legislador ao editar a norma contida na al. d) do nº 5 do artº 6-B) foi o de impedir que operasse a suspensão nos prazos de recurso, quando se esteja perante decisão final proferida no processo, independentemente do momento em que se dê a prolação da sentença”.

Aduz-se nesse acórdão, e subscreve-se, que:

“Embora o texto da norma pareça apontar para futuro, a ratio legis a ter em consideração visa limitar ao essencial a presença física nas diligências e permitir que, desde que haja decisão final, o processo possa prosseguir os seus termos até tal decisão se tornar definitiva, sendo que nos recursos, quer as decisões tenham sido proferidas antes ou depois da entrada em vigor da norma, a sua interposição que é efetuada via eletrónica, não implica presença física de qualquer pessoa ou interveniente processual no tribunal, pelo que nessa medida, não há justificação para distinção entre decisões anteriores ou posteriores à entrada em vigor da lei.

Acresce que, se na vigência da legislação mais restritiva em que a generalidade dos prazos estão suspensos, das decisões que no âmbito da mesma vierem a ser proferidas, quanto a elas, não se suspendem os prazos de interposição de recurso, não faz sentido, até por maioria de razão, que das decisões já proferidas nos processos em que a legislação até era menos restritiva se faça operar a suspensão do prazo para interposição do recurso, que se encontrava em curso, por tal conduzir a situações de manifesta desigualdade ao deixar paralisadas de produção de efeitos as decisões mais antigas, permitindo-se que decisões mais recentes consigam alcançar tal desiderato em virtude da inexistência de barreiras à contagem de prazos à tramitação e julgamento dos recursos.

Entendemos assim, que o fim visado pelo legislador ao editar a norma contida na al. d) do nº 5 do artº 6-B) foi o de impedir que operasse a suspensão nos prazos de recurso, quando se esteja perante decisão final proferida no processo, independentemente do momento em que se desse a prolação da mesma, por ser essa a interpretação que se deve dar ao texto por ser mais consentânea e correspondente quer ao pensamento legislativo quer à razão e espírito da lei.”

O que fica referido significa que improcede tudo aquilo que, de sentido contrário (direta ou indiretamente), sustenta o Recorrente. Diferentemente do preconizado pelo Recorrente, o prazo para interposição do recurso de apelação aqui em causa não se suspendeu a partir do dia 22 de janeiro de 2021, pelo contrário correu normalmente sem qualquer suspensão.

Deste modo, tendo a notificação da sentença, que foi proferida em 16 de dezembro de 2020, sido disponibilizada no sistema (citius) no dia 31 de dezembro de 2020, segue-se que essa notificação ao ora Recorrente se presume operada no dia 4 de janeiro de 2021 (art.s 248º, nº 1 do CPCivil). O prazo legal de 30 dias (art. 638, nº 1 do CPCivil) para recorrer da sentença iniciou-se assim no dia 5 de janeiro de 2021 (e esgotou-se no dia 3 de fevereiro de 2021), e, nos termos sobreditos, sobre ele não incidiu qualquer suspensão. E se não incidiu qualquer suspensão, também não vem ao caso falar-se da produção de efeitos dessa (inexistente) suspensão desde 22 de janeiro de 2021 (nos termos do art. 4º da Lei nº 4-B/2021). Acontece, porém, que o recurso só foi apresentado no dia 2 de março de 2021. Muito para além, pois, do referido prazo legal de 30 dias.

Argumenta o Recorrente que “não aceitar o recurso (…) por extemporaneidade, demonstra que as matérias de facto e de direito não foram analisadas pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, Tribunal que é conhecido como Tribunal de Apelação, e que naturalmente viola o princípio do Contraditório”.

Mais argumenta que “a Lei 4-B/2021 consagra medidas suspensivas e restritivas do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais que, nessa medida, devem-se adequar à finalidade prosseguida e não podem ser desproporcionadas aos objetivos a alcançar – arts. 19º nº 1 e18º nº 2 da Constituição – devendo salvaguardar o princípio da igualdade processual” e que “A interpretação defendida pelo Recorrente[3] mostra-se afrontadora deste princípio, porquanto implicaria a aplicação de regimes diversos de prática do mesmo ato processual, de acordo com um critério arbitrário, porquanto sem qualquer fundamento objetivo que o legitime.”

É verdade que a rejeição do recurso por extemporaneidade impede o conhecimento do objeto do recurso de apelação.

Não se duvida também que a Lei nº 4-B/2021 consagra, em parte, medidas suspensivas.

Simplesmente, nada disso implica a violação do princípio do contraditório, ou implica uma restrição ao direito de acesso aos tribunais, ou vai contra a igualdade, ou é desproporcionado ou é arbitrário.

Se para certas situações a lei em causa optou por estabelecer a suspensão do iter processual e se para outras não (como é o que sucede com o prazo de interposição de recurso), tal está perfeitamente justificado por, respetivamente, estarem ou não estarem em causa exigências de saúde pública. A situações desiguais, soluções desiguais.

A partir daqui se vê que tudo o que afirma o Recorrente carece de aceitação jurídica.

Desde logo, precisamente porque a opção da lei tem subjacente um racional perfeitamente justificado, razão pela qual não há que falar em desigualdade, desproporcionalidade e arbitrariedade.

Depois porque nenhum “contraditório” foi indevidamente suprimido, na medida em que o Recorrente não estava impedido de, cumprindo a lei em vigor, recorrer normalmente dentro do prazo legal. E daqui que também não foi imposta qualquer restrição ilegítima ao seu direito de acesso ao tribunal de recurso.

Finalmente porque o facto da lei não ter optado pela suspensão do prazo para recorrer, tal não desfavoreceu em nada o Recorrente nem lhe concede agora direitos adicionais. Essa não suspensão apenas significou que se manteve incólume a vigência do regime normal (tal como estabelecido no CPCivil) em termos de prazo de recurso. Se o Recorrente, ou porque não quis ou por má interpretação da lei, não observou o que estava estabelecido, sibi imputat.

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Do que fica dito conclui-se que improcede em toda a linha o recurso, sendo de confirmar o acórdão recorrido.

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

O Recorrente é condenado nas custas da revista.

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Lisboa, 27 de abril de 2022

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

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Sumário (art.s 663º, nº 7 e 679º do CPCivil).

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[1] V. art.s 655.º, n.º 2 e 654.º, n.º 2 do CPCivil.
[2] No despacho que recebeu a revista no tribunal recorrido faz-se referência aos art.s 671.º, n.º 2, al. a) e 629.º, n.º 2, al. d), ambos do CPCivil. Tais normas não regulam, porém, para o caso vertente. O acórdão recorrido, embora tenha recaído unicamente sobre a relação processual, não apreciou uma decisão interlocutória, e muito menos uma decisão interlocutória da 1ª instância, como está suposto no n.º 2 do art. 671.º (v. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 297). Pelo contrário, o acórdão recorrido recaiu sobre questão (inadmissibilidade do recurso) que apenas foi tratada (oficiosamente) na Relação, sendo, pois, uma decisão que ali foi suscitada ex novo e de caráter final.
[3] Não se entende esta menção ao “Recorrente”. Deve ter querido reportar-se ao acórdão recorrido, pois que o Recorrente é ele próprio.