REVISTA
ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
Sumário


Verificando-se dupla conforme, não é admissível o recurso de revista, interposto em termos gerais, nos termos do artº 671º, nº 3, do CPC,

Texto Integral





Processo 9665/21.8TLSB.L1-A
Reclamação - artº 643º do CPC
22/22

                       

Autora: AA

Ré: Hospital Cuf Descobertas, S. A.

Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

Nos presentes autos foi proferido despacho saneador-sentença que, certificando-se previamente da validade e regularidade da instância, atendendo à falta de oposição da Ré e ao disposto pelo artº 57º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, considerou confessados os factos articulados pela Autora na petição inicial, julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.

Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação, pedindo que a sentença proferida seja revogada e substituída por outra que venha a julgar a acção procedente e a Ré condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde 15/05/2015 e bem assim a indemnização por antiguidade, por que optou em detrimento da reintegração.   

O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, negando provimento à apelação e confirmando a sentença recorrida.

A Autora veio interpor recurso de revista em termos gerais.

O Sr. Desembargador não admitiu este último recurso, conforme o  o seguinte despacho:

“A apelante autora veio recorrer de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão que, por unanimidade e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a sentença apelada.

Estatui o art.° 671.°, n.° 3 do Código de Processo Civil que "sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na l.a instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte".

A lei não estabelece que no caso sub iudicio é sempre admissível recurso, peio que a revista não é admissível.

Termos em que não admito a revista da autora.

Custas pela recorrente (art.° 527.°, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil)”.

É desta decisão que vem interposta a presente reclamação, que a Autora rematou com as seguintes conclusões:

Termos em que se requer que o despacho reclamado seja declarado:
1. Nulo, por despacho reclamado não ter o mínimo fundamento legal, devido a que, ao Recurso de Revista, não estar previsto na iei a faculdade desse Recurso, não ser admitido pelo Tribunal Recorrido, muito menos a lei prevê o indeferimento do Requerimento do Recurso, como expressamente referido no despacho Reclamado.

2. Motivação do Recurso de Revista tem por base, Artigo o 674°,
n° 1, ai. a), ai. b), ai. c) do Código de Processo Civil,
com o fundamento de ter havido violação da lei substantiva por erro de interpretação e de aplicação como erro de determinação da norma aplicável e nulidades constantes nos Artigos 615°e 666°do C.P.C., de acordo com o estipulado no Artigo 87° do C.PT.

3. O despacho de Indeferimento do Recurso de Revista é ainda,
inconstitucional
, violando ainda o artigo, 202°, n° 1 e n°2, Artigo 205°,
n°1, Artigo 20°, n° 4 e n° 5 da Constituição da República Portuguesa, Autora/ Recorrente, impedindo-a de exercer os seus direitos e ainda ao seu direito fundamental de poder interpor recurso de uma decisão que lhe foi desfavorável e violadora da lei substantiva.

Por despacho do Relator neste STJ, foi decidido: “confirma-se o despacho reclamado, não se admitindo o recurso de revista interposto, em termos gerais, pela Autora.

Inconformado com o teor deste despacho, reclamou o Recorrente para a Conferência, ao abrigo do disposto no artº 652º, nº 3, do CPC, terminando com as seguintes conclusões:

Termos em que se requer que o despacho reclamado seja declarado:
1. Nulo, por despacho reclamado não ter o mínimo fundamento legal, devido a que, ao Recurso de Revista, não estar previsto na iei a faculdade desse Recurso, não ser admitido pelo Tribunal Recorrido, muito menos a lei prevê o indeferimento do Requerimento do Recurso, como expressamente referido no despacho Reclamado.

2. Motivação do Recurso de Revista tem por base, Artigo o 674°,
n° 1, ai. a), ai. b), ai. c) do Código de Processo Civil,
com o fundamento de ter havido violação da lei substantiva por erro de interpretação e de aplicação como erro de determinação da norma aplicável e nulidades constantes nos Artigos 615°e 666°do C.P.C., de acordo com o estipulado no Artigo 87° do C.PT.

3. O despacho de Indeferimento do Recurso de Revista é ainda,
inconstitucional
, violando ainda o artigo, 202°, n° 1 e n°2, Artigo 205°,
n°1, Artigo 20°, n° 4 e n° 5 da Constituição da República Portuguesa, Autora/ Recorrente, impedindo-a de exercer os seus direitos e ainda ao seu direito fundamental de poder interpor recurso de uma decisão que lhe foi desfavorável e violadora da lei substantiva.

Cumpre apreciar e decidir:

É o seguinte o teor do despacho do Relator:   

“Quanto ao invocado na conclusão 1ª da Reclamante, é manifesto que o Sr. Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa podia e devia, como o fez, proferir despacho no sentido da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso de revista, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 641º e 679º do CPC.

No que toca à conclusão 2ª, temos que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa decidiu em sentido que é, exactamente e em tudo, coincidente com a sentença da 1.ª instância: verifica-se uma coincidência e sobreposição total das decisões das duas instâncias, não houve por parte do Tribunal da Relação de Lisboa qualquer alteração da factualida de jurídica, qualquer reordenação da matéria de facto, qualquer alteração da fundamentação jurídica e/ou mesmo qualquer densificação das normas jurídicas de direito material que fundaram a decisão de 1ª instância.

E, nos termos do art 671º, nº 3, do CPC, citado pelo Exmº Desembargador, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo         nos casos previstos no artigo seguinte”.

Verificando-se, assim, dupla conforme, bem andou o despacho reclamado ao indeferir o recurso de revista.          

Finalmente, e relativamente à inconstitucionalidade apontada na conclusão 3, permitimo-nos, pela sua pertinência e abrangência, citar o recente acórdão deste STJ e secção social de 30/03/2022, proc. 12429/18.3T8LSB. L1, no sentido de que a limitação do recurso a dois graus de jurisdição nos casos de dupla conforme não viola o direito de “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva” consagrado no artigo 20º da CRP, nem nenhuma das restantes normais constitucionais invocadas.

Aí se escrevendo:

“Este entendimento e interpretação, que perfilhamos, do artigo 671º, nº 3, do C.P.C., contrariamente ao que sustentam os reclamantes não viola o direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa nem contende com qualquer outro preceito ou princípio constitucional. Com efeito,
Segundo jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional, recentemente reiterada no acórdão nº 70/2021, de 27 de Janeiro de 2021, no sentido de que, o direito de acesso aos Tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Por maioria de razão, a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum (cf. Acórdão do TC nº 125/98). A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso” (cf. Acs. do TC. nºs 72/99, 431/02, 374/02 e 106/06).
Tal como o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar uniformemente, não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.° da Constituição, reconhecendo-se, nesse âmbito, ao legislador ordinário uma ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos, com o limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores que lhe veda suprimir em blocos a recorribilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade.
Na mesma linha de entendimento, em recurso em que estava em causa a constitucionalidade da interpretação normativa do artigo 400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal segundo a qual não é admitido recurso de acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça quando tenham sido arguidas nulidades desse mesmo acórdão, sendo objecto do recurso saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista nesse preceito, o Tribunal Constitucional no acórdão nº 659/11, de 21 de Dezembro, no qual afirmou o seguinte:
“Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objecto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.
Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resul­tado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.
Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objecto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.
O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objecto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.
Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).
Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos”.
E mais à frente, apreciando a conformidade da interpretação normativa sindicada com o artigo 20º da Constituição, afirmando que: “A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente, o direito de agir em juízo através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.

A exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Impõe, no entanto, que no seu núcleo essencial os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.

Na interpretação normativa sob fiscalização não estamos perante uma situação de negação de acesso aos tribunais, mas sim de restrição do acesso, em via de recurso, a um determinado tribunal – o Supremo Tribunal de Justiça.

Conforme se referiu, a arguição de nulidade do acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação não tem de ser superada pela abertura de nova via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo legítimo, como tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, reservar a intervenção do Supremo Tribu­nal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, tenha sido aplicada. Por isso, o estabelecimento de um critério normativo que exclui o recurso nas aludidas situações, fundado em razões justificativas racionalmente inteligíveis, não contraria de forma alguma os princípios do acesso ao direito e aos tribunais e de um processo equitativo.

Assim sendo, e pelas razões expostas, impõe-se concluir que interpretação normativa objecto de fiscalização também não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição ou qualquer outro parâmetro constitucional, pelo que o presente recurso não merece provimento”.

Este entendimento, perfilhado, no âmbito do processo penal, no acórdão citado, e anteriormente no acórdão nº 390/2004, de 2 de Junho de 2004, no qual foi afirmado que “a apreciação de nulidades de acórdão condenatório não postula a necessidade de existência de mais um grau de recurso. A reclamação perante o órgão jurisdicional que exerce o segundo grau de jurisdição configura-se, assim, como um instrumento jurídico adequado de garantir o acesso aos tribunais, na sua dimensão de direito a obter uma decisão formalmente válida, que é a dimensão que o recorrente aqui questiona. Aliás, admitindo-se a constitucionalidade das normas que prevêem a existência apenas de um duplo grau de jurisdição, mesmo quando está em causa a “bondade” do julgamento efectuado, maiores razões existem para não se terem por desconformes com a Lei Fundamental aquelas disposições que limitam o recurso ao mesmo segundo grau de jurisdição em caso de existência de nulidades da decisão, que advêm essencialmente da violação de regras processuais ou procedimentais, quando está aí garantido o direito de reclamação para apreciação dessas nulidades para o órgão jurisdicional que exerceu o último grau de jurisdição”, reiterada depois nos acórdãos nº 194/12, de 18 de abril de 2012, nº 399/2013, de 15 de Julho, e  nº 290/14, de 26 de março de 2014, é transponível, mutatis mutandis, para o domínio do processo civil e aplicável no caso vertente.
Não se mostra, pois, em suma e conclusão, violado, na interpretação perfilhada do artigo 671º, nº 3 do Código de Processo Civil, o disposto no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa”.
O assim  decidido merece  a total concordância dos subscritores deste acórdão, aderindo à respectiva fundamentação.
Aliás, a reclamante não contrapõe qualquer tipo de argumento aos utlizados no despacho reclamado, transcrevendo “ipsis verbis” as mesmas conclusões da reclamação que havia feito em primeira linha do despacho que lhe não admitiu o recurso, ou seja, actuando como se o despacho do Relator neste STJ puramente e simplesmente não existisse.

Com a preocupação de evitar repetições inúteis, salientaremos que, tal como se afirmou mais desenvolvidamente naquele último despacho, nada impedia, antes pelo contrário, o Sr. Desembargador de proferir despacho no sentido da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso de revista, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 641º e 679º do CPC. Por outro lado, é manifesta a existência de dupla conforme, com a consequente não admissão do recurso, nos termos do art 671º, nº 3, do CPC. E também se fundamentou devidamente a não existência de qualquer inconstitucionalidade.

x

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em desatender a reclamação da Autora e, em consequência, manter-se o despacho reclamado.

Custas pela Autora/recorrente, com 2 UC de taxa de justiça.

Lisboa, 14/07/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Domingos Morais

Mário Belo Morgado