REVISTA
ADMISSIBILIDADE
COLIGAÇÃO ATIVA
VALOR DA CAUSA
INTERESSE IMATERIAL
Sumário


I. Verificando-se uma cumulação de várias ações conexas, que poderiam ter sido propostas individualmente por cada um dos trabalhadores, o valor da causa a atender para efeitos de alçada é o de cada uma das acções coligadas e não a soma do valor de todas elas;
II. Sendo peticionado o pagamento, em relação a cada um dos trabalhadores individualmente considerados, de quantias a título de subsídio de férias, subsídio de Natal, trabalho nocturno e subsídio mensal igual a 20% do valor do salário mínimo da respetiva categoria, sem qualquer menção aos interesses colectivos de todos os trabalhadores que eventualmente se encontrem em idênticas circunstâncias, estão em causa interesses estritamente materiais;
III. A decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior.

Texto Integral





Processo 130/19.5T8BRR.L1.S1
Revista
18/22

Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM e NN intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra Zara Portugal – Confeções, Lda, alegando, em síntese, que é aplicável à relação laboral estabelecida entre as partes o CCT para o Comércio Retalhista de Setúbal (BTE n.º 36, de 29.09.2015), nos termos do qual os Autores têm direito a receber: (i) o subsídio de férias, na parte fixa e média variável dos últimos 12 meses; (ii) subsídio de Natal, na parte fixa e média variável dos últimos 12 meses; (iii) trabalho nocturno prestado entre as 21h de um dia e as 7h do dia seguinte, com um acréscimo de 50% sobre a remuneração; (iv) trabalho suplementar em dias de feriado e descanso semanal com remuneração acrescida de 150% do valor da remuneração normal; (v) subsídio mensal igual a 20% do valor do salário mínimo da respetiva categoria; (vi) pela prestação de trabalho suplementar em dia normal, remuneração acrescida especial de 100% do valor da remuneração normal.

Concluindo que a Ré não tem procedido ao pagamento aos Autores nos termos do instrumento de regulamentação coletiva aplicável, peticionam a respectiva condenação no pagamento das seguintes quantias:

1. À 1ª Autora AA, até dezembro de 2017, a quantia total de € 8.326,76, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

2. À 2ª Autora, BB, até junho de 2018, a quantia total de € 5.854,95, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento.

3. À 3ª Autora, CC, até junho de 2018, a quantia total de € 5.194,75, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

4. À 4ª Autora, DD, até ao mês de novembro de 2017, a quantia total de € 3.247,36, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

5. Ao 5º Autor, EE, até ao mês de junho de 2018, a quantia total de € 2.833,47, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

6. À 6ª Autora, FF, até junho de 2018, a quantia total de € 6.484,03, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

7. À 7ª Autora, GG, até junho de 2018, a quantia total de € 4.681,48, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

8. À 8ª Autora, HH, até junho de 2018, a quantia total de € 4.941,22, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

9. À 9ª Autora, II, até ao mês de junho de 2018, a quantia total de € 4.714,85, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

10. À 10ª Autora, JJ, até junho de 2018, a quantia total de € 6.416,57, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

11. À 11ª Autora, KK, até junho de 2018, a quantia total de € 5.518,69, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

12. À 12ª Autora, LL, até junho de 2018, a quantia total de € 6.720,26, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

13. À 13ª Autora, MM, até junho de 2018, a quantia total de € 8.049,74, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento;

14. À 14ª Autora, NN, até junho de 2018, a quantia total de € 6.903,95, acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos calculados a final até integral pagamento.

A Ré contestou.

Foi realizada audiência de partes.

O valor da causa foi fixado no despacho saneador em € 79.888,08.

Previamente à realização da audiência final foi apresentado requerimento de desistência parcial do pedido, o qual foi homologado.

Não foi alterado o valor da causa.

Por sentença de 03.01.2021 foi decidido o seguinte:

IV. Decisão:

Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o tribunal julga a ação parcialmente procedente porque provada e, consequentemente, decide:

a) Condenar a Ré ao pagamento dos seguintes montantes aos seguintes Autores:

a. AA:

i. € 4.629,6 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

b. BB:

i. € 4.629,6, a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

c. CC:

i. € 4.341,6 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

d. DD:

i. € 4423,2 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

ii. € 395,67 a título de diferenças salariais;

iii. € 92,8 referente à média da retribuição variável referente aos subsídios de férias e de natal por reporte ao ano de 2014;

iv. € 116,52 referente à média da retribuição variável referente aos subsídios de férias e de natal por reporte ao ano de 2015;

e. EE:

i. € 3754,6 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

ii. € 126,78 a título de diferenças salariais;

iii. € 180,02 referente à média da retribuição variável referente aos subsídios de férias e de natal por reporte ao ano de 2016,

iv. € 86,2 referente à média da retribuição variável referente aos subsídios de férias e de natal por reporte ao ano de 2017;

f. FF:

i. € 4629,6 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

g. GG:

i. € 4629,6 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

h. € 28,2 referente à média da retribuição variável referente aos subsídios de férias e de natal por reporte ao ano de 2014;

i. HH:

i. € 4629,6 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

j. II:

i. € 4614 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

ii. € 194,86 referente à média da retribuição variável referente aos subsídios de férias e de natal por reporte ao ano de 2014;

iii. € 133,88 referente à média da retribuição variável referente aos subsídios de férias e de natal por reporte ao ano de 2015;

k. JJ:

i. € 4564,6 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

l. KK:

i. € 4580,2 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

ii. € 72,22 referente à média da retribuição variável referente aos subsídios de férias e de natal por reporte ao ano de 2015;

m. LL:

i. € 4629,6 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

n. MM:

i. € 4619,2 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

o. NN:

i. € 4629,6 a título do subsídio previsto na Cláusula 24.º n.º 3 do CCT aplicável;

b) Condenar a Ré no pagamento dos juros moratórios sobre as quantias referidas em a. a o. desde a data do respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento;

c) Absolver a Ré do demais peticionado. “.

A Ré interpôs recurso de apelação.

Por acórdão de 12.01.2022, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:

V – Decisão

Face a todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por Zara Portugal – Confecções, Lda, e, em consequência,

Absolvem a Ré do pedido de pagamento aos Autores do subsídio previsto na Cláusula 24ª nº 3 do CCT aplicável (publicado no BTE nº36 de 2015).

Absolvem a Ré do pedido de inclusão dos valores médios das prestações recebidas pelos Autores, DD, quanto ao ano de 2015 (no valor de 58,26€), OO, quanto ao ano de 2017 (no valor de 43,1€), II, quanto ao ano de 2015 (no valor de 66,94 €), e KK (no valor de 36,11€), a título de trabalho suplementar, nos subsídios de férias e Natal.

Condenam a Ré no pagamento dos juros moratórios sobre as quantias devidas aos Autores referidos DD (46,40€), EE (90,01€), GG (14,10€), e II (97,43€).

No mais, mantém-se a sentença recorrida.”

Os Autores interpuseram recurso de revista nos termos gerais.

Por decisão singular do Relator, e após ter sido dado cumprimento ao disposto no artº 655º, nº 1, do CPC, não foi admitido tal recurso.

Inconformado com o teor deste despacho, reclamaram os Recorrentes para a Conferência, ao abrigo do disposto no artº 652º, nº 3, do CPC, terminando com as seguintes conclusões:

I – O douto tribunal deve julgar o mérito do recurso, não concordando com a decisão singular quanto ao valor da causa e da sucumbência, pois, nos termos e para os efeitos do art. 299 nº1 do CPC “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal”.

II - Sendo que a utilidade económica do pedido é expressa em dinheiro. “Quando o pedido tenha por objecto uma quantia pecuniária líquida (“quantia certa em dinheiro”), a determinação está in re ipsa, constituindo essa quantia a utilidade tida em vista pelo autor ou reconvinte, independentemente de ser pedida a condenação no seu pagamento, a simples apreciação da existência do direito a essa quantia ou a sua realização em acção executiva; nos outros casos, há que encontrar o equivalente pecuniário correspondente à utilidade (“benefício”)visada (art.º 306-1). As disposições sobre o valor da causa que consagram critérios especiais (arts.307, 308-31, 309 a 313) representam a concretização e a adaptação deste critério geral, em função da modalidade do pedido formulado” (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “Código do Processo Civil Anotado,Vol. I, 1999, pag. 543).”

III- Daqui resulta que a regra que limita o recurso em função do valor, vertida no artigo 629.º, n.º 1, do CPC, tem de ser conjugada com a regra do artigo 299.º, n.º 4 do mesmo diploma legal e tal conjugação postula que, para efeitos de recurso, deve atender-se ao valor que a causa tenha, tendo em atenção a utilidade económica que revela no momento em que o recurso é interposto e no momento em que ação foi proposta o valor da causa foi superior ao valor da alçada do Supremo Tribunal de Justiça, e tal valor quando fixado pelo douto tribunal de 1ª instância e não foi objecto de reclamação pela Ré que o aceitou, pelo que o valor da causa a atender é de 79.888,08 €.

IV- Mais se entendendo, que a norma do art. 692º do CPC quando interpretada no sentido de que no foro laboral, em caso de coligação, o valor da ação deve ser considerado autonomamente por cada um dos pedidos cumulados, é inconstitucional porviolaçãodosprincípios do Estadodedireito DemocráticoedaIgualdade consignados nos arts. 2º e 13º da CRP e a manter-se a decisão de rejeição do recurso, a mesma viola ainda os artigos 20.º, n.º 2 e 18.º, ambos da Constituição.

V - O presente despacho padece de nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do CPC CPC, por violação dos artigos 641.º, n.º 1 e 652.º, n.º 1, a contrario, do CPC, uma vez que a decisão sobre a admissibilidade do recurso não é da competência do Juiz Relator do Tribunal ad quem, mas sim do Juiz Relator do Tribunal a quo.

VI- O presente despacho é igualmente nulo, desta feita por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, uma vez que o Colendo Juiz Conselheiro Relator não se pronunciou sobre todas as questões suscitadas pelo recorrente, designadamente sobre a eventualidade de estarmos perante uma ação sobre interesses imateriais, que permitiria o recurso até à última instância judicial, independentemente do valor da causa.

VII- Sendo que estamos perante uma ação sobre interesses imateriais, uma vez que está em causa a imputada violação, por parte da recorrida, com caráter de generalidade e habitualidade, de interesses individuais dos recorrentes, que, nos termos do artigo 303.º, n.º 1 do CPC, terá necessariamente o valor de € 30.000,01, permitindo-se, assim, o recurso até à última instância judicial, que deve, desta feita, ser conhecido.

VIII- O que in casu, determina que o tribunal deva julgar do mérito do recurso, anulando a decisão singular recaindo o necessário acórdão sobre a matéria do despacho.

A Recorrida respondeu, pugnando pela manutenção da decisão reclamada.

x

É o seguinte o teor do despacho do Relator:

“Prevê o artigo 629º, nº 1, do C.P.C. que “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada da tribunal (…)”.
Nos termos do artigo 44º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a alçada do Tribunal da Relação é de € 30.000,00.
Isto é, sem prejuízo das decisões que admitem recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência (artigo 629º, nº 2 do C.P.C.), o recurso de revista é admissível apenas quando o valor da causa é superior a € 30.000,00  e a sucumbência é superior a metade deste valor, ou seja a € 15.000,00.
Na petição inicial conjunta, os Autores vieram formular pedidos cuja procedência depende essencialmente da interpretação das mesmas regras de direito. Está em causa uma situação de coligação activa, havendo uma cumulação de 14 acções conexas, que poderiam ter sido propostas individualmente por cada um dos trabalhadores.

Para efeito de aferição da alçada de recurso, o que conta é o valor de cada uma das acções, caso tivessem sido intentadas separadamente, como vem tendo sido a ser decidido por este STJ e secção social- cfr, a título de exemplo, os acórdãos de 21-04-2022, Proc. nº 10317/20.2T8LSB.L1-A.S1, de 21-04-2022, Proc. nº 22702/19.8T8LSBX1.S1, de 26-01-2022, Proc. n.º 13702/20.6T8LSB.L1.S1, e de 13-10-2021, Proc. n.º 12122/19.0T8LSB.Ll.S1.

O Tribunal da 1ª instância fixou o valor da causa em € 79.888,08 correspondente precisamente à soma dos pedidos deduzidos para cada trabalhador. Pese embora tenha sido posteriormente homologada a desistência parcial do pedido, não foi alterado o valor da causa (ao contrário do que sustenta a Recorrida nas contra-alegações)

Devemos pois atender ao pedido de cada trabalhador para verificar qual o valor de cada acção conexa e a respectiva sucumbência.

Vejamos:

1. AA -  € 8.326,76

2. BB -  € 5.854,95

3. CC -  € 5.194,75

4. DD -  € 3.247,36

5. EE - € 2.833,47

6. FF-  € 6.484,03

7. GG - € 4.681,48

8. HH -  € 4.941,22

9. II - € 4.714,85

10. JJ -  € 6.416,57

11. KK - € 5.518,69

12. LL - € 6.720,26

13. MM - € 8.049,74

14. NN -  € 6.903,95

Ora, perante os valores supra referidos, concluímos que nenhuma das acções conexas ultrapassa o valor de € 30.000,00.

Sucede também  que, no despacho de admissão de recurso, o Exmo. Sr. Desembargador sustentou que “de acordo com o disposto no artigo 185º do CPT, é sempre admissível recurso”.

Ora, o artigo 185º do C.P.T. está inserido no Capítulo IV com a epigrafe “Processo do contencioso de instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores” e na secção VI “ Acção de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho” .

Prevê o artigo 183º, nº1 do C.P.T. os requisitos da petição inicial “nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho” e prevêem os artigos 184º e 185º do C.P.T. o processamento especial destas acções especiais.

Ora, in casu, os Autores não intentaram uma acção especial nos termos do artigo 183º do C.P.T., mas sim uma acção declarativa sob a forma de processo comum, tendo sido a mesma tramitada como tal.

Assim o disposto no artigo 185º, nº2 do C.P.T., que prevê que cabe recurso de revista das decisões proferidas naquelas acções especiais, não se aplica ao caso concreto. 

Conclui-se, assim, não ser de admitir o recurso de revista interposto, por o valor da causa ser inferior ao valor da alçada do Tribunal da Relação e não estar em causa uma acção na qual seja  sempre admissível recurso de revista.

Nestes termos decide-se não admitir o recurso de revista  interposto pelos Autores”.

O assim decidido merece a total concordância dos subscritores deste acórdão.

Repetindo o que já se disse no despacho singular,  está em causa uma situação de coligação activa, havendo uma cumulação de 14 acções conexas, que poderiam ter sido propostas individualmente por cada um dos trabalhadores.

Para efeito de aferição da alçada de recurso, o que conta é o valor de cada uma das acções, caso tivessem sido intentadas separadamente, como vem tendo sido a ser decidido por este STJ e secção social, e, devendo apenas atender-se ao pedido de cada trabalhador para verificar qual o valor de cada acção conexa ,concluímos que nenhuma das acções conexas ultrapassa o valor de € 30.000,00.

Quanto à arguição de nulidade por omissão de pronúncia, verificamos que nem os próprios Reclamantes afirmam a sua convicção de forma peremptória, avançando que poderemos estar perante “a eventualidade de estarmos perante uma ação sobre interesses imateriais”. De qualquer forma, não existe tal omissão de pronúncia, já que em parte algum do seu recurso os Recorrentes defendem que o recurso deve ser admitido por estarem em causa interesses imateriais.

Sem embargo de se referir que a petição inicial se refere apenas aos interesses individuais de cada um dos Autores,  sem qualquer menção aos interesses colectivos de todos os trabalhadores que eventualmente se encontrem em idênticas circunstâncias. E o pedido refere-se a concretos pagamentos a cada um dos 14 associados,  não formulando um pedido com repercussão generalizada.

É manifesto que no caso vertente estão em causa interesses estritamente materiais: foi peticionado, como se viu,  o pagamento, em relação a cada um dos trabalhadores individualmente considerados, de quantias a título de subsídio de férias, subsídio de Natal, trabalho nocturno e subsídio mensal igual a 20% do valor do salário mínimo da respetiva categoria.

O decidido no despacho singular reflecte a jurisprudência consolidada deste STJ e secção social, de que são exemplo os arestos aí citados.

Por outro lado, e como se afirma no despacho do Relator, os Autores não intentaram uma acção especial nos termos do artigo 183º do C.P.T., mas sim uma acção declarativa sob a forma de processo comum, tendo sido a mesma tramitada como tal. Com a consequente não aplicação do caso concreto do  artigo 185º, nº2 do C.P.T.,

Quanto à nulidade invocada relacionada com a circunstância de que “que a decisão sobre a admissibilidade do recurso não é da competência do Juiz Relator do Tribunal ad quem, mas sim do Juiz Relator do Tribunal a quo”, a argumentação dos Recorrentes despreza, completa e inexplicavelmente, o disposto no nº 5 do artº 641º do CPC- “A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º”.

Finalmente, e relativamente à inconstitucionalidade apontada, que os Recorrente restringem, na correspondente argumentação, à limitação do direito ao recurso, permitimo-nos, pela sua pertinência e abrangência, citar o recente acórdão deste STJ e secção social de 30/03/2022, proc. 12429/18.3T8LSB. L1, no sentido de que a limitação do recurso a dois graus de jurisdição em casos como presente não viola o direito de “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva” consagrado no artigo 20º da CRP, nem nenhuma das restantes normais constitucionais invocadas.

Aí se escrevendo:

Este entendimento e interpretação, que perfilhamos, do artigo 671º, nº 3, do C.P.C., contrariamente ao que sustentam os reclamantes não viola o direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa nem contende com qualquer outro preceito ou princípio constitucional. Com efeito,
Segundo jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional, recentemente reiterada no acórdão nº 70/2021, de 27 de Janeiro de 2021, no sentido de que, o direito de acesso aos Tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Por maioria de razão, a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum (cf. Acórdão do TC nº 125/98). A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso” (cf. Acs. do TC. nºs 72/99, 431/02, 374/02 e 106/06).
Tal como o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar uniformemente, não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.° da Constituição, reconhecendo-se, nesse âmbito, ao legislador ordinário uma ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos, com o limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores que lhe veda suprimir em blocos a recorribilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade.
Na mesma linha de entendimento, em recurso em que estava em causa a constitucionalidade da interpretação normativa do artigo 400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal segundo a qual não é admitido recurso de acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça quando tenham sido arguidas nulidades desse mesmo acórdão, sendo objecto do recurso saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista nesse preceito, o Tribunal Constitucional no acórdão nº 659/11, de 21 de Dezembro, no qual afirmou o seguinte:
“Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta veri­ficar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibili­dade de requerer uma reapreciação do objecto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.
Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resul­tado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle juris­dicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulida­des do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.
Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objecto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prá­tica do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.
O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pro­núncia sobre o objecto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.
Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irre­corrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessi­dade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sen­tido).
Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acór­dão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos”.
E mais à frente, apreciando a conformidade da interpretação normativa sindicada com o artigo 20º da Constituição, afirmando que: “A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma protec­ção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente, o direito de agir em juízo através de um processo equi­tativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conforma­ção legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.

A exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Impõe, no entanto, que no seu núcleo essencial os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma despropor­cionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.

Na interpretação normativa sob fiscalização não estamos perante uma situação de negação de acesso aos tribunais, mas sim de restrição do acesso, em via de recurso, a um determinado tribunal – o Supremo Tribunal de Justiça.

Conforme se referiu, a arguição de nulidade do acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação não tem de ser superada pela abertura de nova via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo legítimo, como tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, reservar a intervenção do Supremo Tribu­nal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, tenha sido aplicada. Por isso, o estabelecimento de um critério normativo que exclui o recurso nas aludidas situações, fundado em razões justificativas racionalmente inteligíveis, não contraria de forma alguma os princípios do acesso ao direito e aos tribunais e de um processo equitativo.

Assim sendo, e pelas razões expostas, impõe-se concluir que interpreta­ção normativa objecto de fiscalização também não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição ou qualquer outro parâmetro constitucional, pelo que o presente recurso não merece provimento”.

Este entendimento, perfilhado, no âmbito do processo penal, no acórdão citado, e anteriormente no acórdão nº 390/2004, de 2 de Junho de 2004, no qual foi afirmado que “a apreciação de nulidades de acórdão condenatório não postula a necessidade de existência de mais um grau de recurso. A reclamação perante o órgão jurisdicional que exerce o segundo grau de jurisdição configura-se, assim, como um instrumento jurídico adequado de garantir o acesso aos tribunais, na sua dimensão de direito a obter uma decisão formalmente válida, que é a dimensão que o recorrente aqui questiona. Aliás, admitindo-se a constitucionalidade das normas que prevêem a existência apenas de um duplo grau de jurisdição, mesmo quando está em causa a “bondade” do julgamento efectuado, maiores razões existem para não se terem por desconformes com a Lei Fundamental aquelas disposições que limitam o recurso ao mesmo segundo grau de jurisdição em caso de existência de nulidades da decisão, que advêm essencialmente da violação de regras processuais ou procedimentais, quando está aí garantido o direito de reclamação para apreciação dessas nulidades para o órgão jurisdicional que exerceu o último grau de jurisdição”, reiterada depois nos acórdãos nº 194/12, de 18 de abril de 2012, nº 399/2013, de 15 de Julho, e  nº 290/14, de 26 de março de 2014, é transponível, mutatis mutandis, para o domínio do processo civil e aplicável no caso vertente.
Não se mostra, pois, em suma e conclusão, violado, na interpretação perfilhada do artigo 671º, nº 3 do Código de Processo Civil, o disposto no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa”.

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Decisão:

Em face do exposto, acorda-se em desatender a reclamação dos Autores e, em consequência, manter-se o despacho singular, que não admitiu, pelas razões aí mencionadas, a revista interposta.

Custas pelos Autores/recorrentes, com 3 UC de taxa de justiça.

                                                          

Lisboa, 14/07/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Domingos Morais

Mário Belo Morgado