REVISTA EXCECIONAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Sumário


I. Há contradição entre dois acórdãos da Relação, para efeitos do disposto no art. 672º, n.º 1, c), do CPC, quando, interpretando a mesma cláusula de uma convenção coletiva, tendo em vista calcular a diferença de benefícios a suportar pelo empregador: (i) um dos acórdãos da Relação atendeu apenas ao tempo e não ao valor das contribuições efetuadas (atentando exclusivamente num critério de proporcionalidade, em função do tempo de trabalho dentro e fora da instituição de crédito, portanto sem recorrer a qualquer fator de ponderação associado ao valor das contribuições efetuadas); (ii) enquanto o acórdão fundamento atendeu ao tempo e ao valor de tais contribuições.
II. O facto de o acórdão recorrido seguir a jurisprudência recente e reiterada do STJ não obsta - na ausência de um acórdão de uniformização de jurisprudência – à admissibilidade da revista excepcional.

Texto Integral




Processo 422/21.3T8CSC.L1.S2

Revista Excepcional 

32/22

Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou contra Banco BPI, S.A., acção declarativa, sob a forma de processo comum, peticionando que se condene o Réu:
a) a  reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 22,22 %, correspondente a 2 anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
b) a pagar ao Autor o valor € 9.108,75, acrescida de juros de mora legais no montante de € 1.461,85, num valor total global de € 10.570,60, correspondente ao valor excessiva e ilegalmente descontado e respeitante aos meses de Dezembro de 2012 a Janeiro de 2021, valor onde se encontram englobados os respectivos subsídios de férias e de Natal, acrescida dos juros vencidos até integral pagamento do valor em divida.
c) a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efectuados pelo Autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
d) a pagar ao Autor todas as quantias que ilicitamente venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde Janeiro de 2021 até trânsito em julgado da mesma ou efectivo e real pagamento do devido, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em execução de sentença.

O Réu contestou.

Foi proferido saneador-sentença com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto julgo a acção procedente e, em consequência:

a) Condeno a ré Banco BPI, S.A. a reconhecer ao autor AA o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 22,22%, correspondente aos 2 anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

b) Condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 9.108,75 (nove mil cento e oito euros e setenta e cinco cêntimos), correspondente ao valor excessivamente descontado entre Dezembro de 2012 e Janeiro de 2021, valor onde se encontram englobados os respectivos subsídios de férias e de Natal, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

c) Condeno a ré a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do Centro Nacional de Pensões a entregar ao Banco/ré, respeitante aos descontos efectuados pelo autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

d) Condeno a ré a pagar ao autor todas as quantias que tenha retido da pensão do Centro Nacional de Pensões, desde Fevereiro de 2021, pela não aplicação da regra descrita em c), e venha a reter até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em incidente de liquidação”.

O Réu interpôs recurso de apelação.

Por acórdão do Tribunal da Relação de 9.03.2022 foi decidido “negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida”.
O Réu interpôs recurso de revista excepcional, invocando a sua admissibilidade com base na seguinte argumentação:

Em face da dupla conforme verificada nestes autos, o presente recurso de Revista Excepcional é interposto por o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2016, proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, conforme certidão que se junta como DOC. 1.

De facto,

Verifica-se a contradição dos julgados, pois:
Trata-se da mesma questão de direito com os mesmos pressuposto de facto, porquanto ambos os arestos decidiram sobre como apurar o benefício pago regime geral de segurança social para o efeito da aplicação do disposto na Cláusulas 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – Data de Distribuição: 24/01/2011), quando, além da carreira contributiva ao serviço do Banco, o pensionista tem carreira contributiva anterior;

Trata-se de decisões expressas e opostas, pois no Acórdão recorrido decidiu-se confirmando a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, reconhecer ao Autor o direito a pensão completa do CNP, deduzindo do valor a liquidar correspondente aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhadora bancária, a calcular por aplicação de uma “regra de três simples pura”, enquanto que no Acórdão proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, se decidiu, confirmando igualmente a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, julgar totalmente improcedente a ação e absolver a Ré do pedido, o qual correspondia, entre o mais, a reconhecer ao Autor o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzido o valor correspondente à percentagem de 13%, correspondente aos 2 anos e 7 meses de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, numa “regra de três simples pura”;

A oposição dos julgados reflete-se, manifestamente, no sentido da decisão tomada em cada um deles, pois no Acórdão recorrido seguiu-se no sentido da aplicação da “regra de três simples pura”, condenando-se o Réu nesses termos e no Acórdão proferido no processo 4150/15.0T8MTS.P1, já transitado em julgado, decidiu-se exatamente o contrário, ou seja, absolver o Réu do pedido de condenação a aplicar uma “regra de três simples pura”.

É certo que o tema foi já objecto de douta Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, que o douto Acórdão recorrido segue de perto.

Todavia, persiste – e bem, permita-se – a divergência Jurisprudencial, como bem se pode verificar pelas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1, respetivamente de 01/10/2020, 20/02/2020, e Juiz 2 de 25/04/2020, já juntas aos autos.

O recurso tem subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo – cfr. artigos 81.º, n.º 6 do CPT e artigos 627.º, n.º 2, 671.º, n.º 1, 672.º, n.º 1, alínea c), 675.º, n.º 1 e 676.º, n.º 1, todos os CPC.

Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – data de distribuição: 24/01/2011) cláusula que veio a ser substituída, com redacção similar, pela cláusula 94.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016) os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, viola também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”.

No despacho liminar, considerou-se estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso.

x

Cumpre apreciar e decidir:

Está em causa a questão de saber se há contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (transitado em julgado), os quais, no domínio da mesma legislação, incidem sobre a mesma questão fundamental de direito: saber como deve ser calculada a dedução da pensão a que se refere a cláusula 136º do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, cláusula entretanto substituída pela cláusula 94.ª do ACT do sector bancário, publicado no BTE, 1ª série, nº 3, de 22.01.2011.

É manifesto que in casu se verifica a contradição invocada pelo recorrente, bem como os demais requisitos estabelecidos pelo artº 672º, nº 1, c), do CPC.

Com efeito, fundamentalmente, interpretando a mesma cláusula de uma convenção coletiva e tendo em vista calcular a diferença de benefícios a suportar pelo empregador: (i) o acórdão recorrido atendeu apenas ao tempo e não ao valor das contribuições efetuadas (atentando exclusivamente num critério de proporcionalidade, em função do tempo de trabalho dentro e fora da instituição de crédito, portanto sem recorrer a qualquer fator de ponderação associado ao valor das contribuições efetuadas); (ii) enquanto o acórdão fundamento atendeu ao tempo e ao valor de tais contribuições.

No sentido da verificação da assinalada contradição, v.g., os Acs. desta Secção Social do STJ de 13.01.2022, Proc. 598/20.7T8MTS.P1.S2, de 13.01.2022, Proc. 3817/19.9T8MTS.P1.S2, de 23.11.2021, Proc. 831/20.5T8VLG.P1.S1, de 08.06.2021, Proc. 23235/19.8T8LSB.L1.S1, e de 27.01.2021, Proc. 74/19.0T8MTS.P1.S1 e, mais recentemente, de 01/06/2002, proc. 842/21.3T8VFX.L1.S1, e de 01/06/022, proc. 2791/20.3T8VFX.L1.S1.

E o facto de o acórdão recorrido seguir a jurisprudência recente e reiterada do STJ não obsta - na ausência de um acórdão de uniformização de jurisprudência – à admissibilidade da revista excepcional.

x

Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em admitir o recurso de revista excepcional em apreço.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 14/07/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Vieira Gomes

Descritores:

Revista excepcional

Oposição de julgados

                       

Sumacorda-se em admitir o pelo artºadeário (elaborado pelo Relator):

                        I. Há contradição entre dois acórdãos da Relação, para efeitos do disposto no art. 672º, n.º 1, c), do CPC, quando, interpretando a mesma cláusula de uma convenção coletiva, tendo em vista calcular a diferença de benefícios a suportar pelo empregador: (i) um dos acórdãos da Relação atendeu apenas ao tempo e não ao valor das contribuições efetuadas (atentando exclusivamente num critério de proporcionalidade, em função do tempo de trabalho dentro e fora da instituição de crédito, portanto sem recorrer a qualquer fator de ponderação associado ao valor das contribuições efetuadas); (ii) enquanto o acórdão fundamento atendeu ao tempo e ao valor de tais contribuições.

                        II. O facto de o acórdão recorrido seguir a jurisprudência recente e reiterada do STJ não obsta - na ausência de um acórdão de uniformização de jurisprudência – à admissibilidade da revista excepcional.