GREVE
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário


I- Age abusivamente o empregador que não envia ao sindicato, quando este lho solicitou, a lista dos trabalhadores disponíveis para cumprir os serviços mínimos e pretende substituir-se ao sindicato nessa designação.
II- A designação feita pelo empregador é, em tal hipótese, abusiva e ilícita, não existindo dever de obediência e, por conseguinte, não existe qualquer infração disciplinar no seu não acatamento.
III- O direito português não conhece a figura do despedimento por quebra ou perda de confiança, sem que tenha existido qualquer infração disciplinar.

Texto Integral




Processo n.º 2191/19.8T8PDLL1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Relatório

AA instaurou ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra Ryanair Designated Activity Company – Sucursal em Portugal.

A Ré apresentou articulado de justificação do despedimento, alegando, em síntese, que o Autor, ao serviço da Ryanair DAC, sociedade irlandesa, com a categoria profissional de “customer service supervisor”, integrava as tripulações de cabine dos voos comerciais explorados por esta empresa, estando escalado para cumprimento dos serviços mínimos decretados no âmbito de uma greve, com a realização, em 25 de agosto de 2019, dos voos ... – Lisboa – ... (... e ...). Alegou, ainda, que, pese embora estivesse devidamente convocado para o efeito e ciente de que tinha de assegurar estes voos ao abrigo dos serviços mínimos, o Autor não compareceu ao trabalho, em violação dos seus deveres de assiduidade, zelo, diligência e obediência, provocando sérios prejuízos à sua empregadora, tanto ao nível da sua operação e organização, como da sua imagem e reputação. Concluiu pela existência de justa causa para o despedimento, pugnando pela improcedência da ação e a declaração da regularidade e licitude do despedimento.

O Autor apresentou contestação ao articulado da Ré, alegando, em síntese, que inexiste justa causa para o despedimento, não tendo havido, da sua parte, incumprimento dos serviços mínimos no âmbito desta greve e que, ainda que assim não se entendesse e se admitisse que o comportamento do Autor seria passível de qualificação como infração disciplinar, sempre o despedimento se revelaria uma sanção inadequada e desproporcional, configurando uma situação de assédio laboral. Requer a declaração da ilicitude do despedimento e a condenação da Ré na sua reintegração, com a mesma categoria e as mesmas funções, e no pagamento das retribuições vencidas desde 19 de Setembro de 2019 até ao trânsito em julgado da sentença, incluindo a retribuição do período de férias em falta, o subsídio de férias e o subsídio de Natal vencidos desde o ano de 2015, assim como os bónus de produtividade relativos ao ano de 2019, tudo com acréscimo dos juros de mora, e de uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 10000,00.

A Ré respondeu às matérias de exceção e reconvenção deduzidas pelo Autor, pugnando pela sua improcedência.

No despacho saneador, indeferiu-se o incidente de intervenção provocada de Ryanair Designated Activity Company (Ryanair DAC) requerido pelo Autor.

Foi realizada audiência final.

Em 04.08.2020, foi proferida Sentença, na qual se decidiu o seguinte:

Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos:

a) declara ilícito o despedimento do Autor, AA, realizado pela Ré, Ryanair Designated Activity Company – Sucursal em Portugal;

b) condena a Ré a proceder à reintegração do Autor, com a mesma categoria, antiguidade e direitos;

c) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 24340,76, a título de compensação por despedimento, com acréscimo das retribuições vencidas desde a presente data até ao trânsito em julgado da sentença, incluindo as prestações devidas a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, sem prejuízo do disposto no art. 390º, nº 2, alíneas a) e c), do Código do Trabalho (com o desconto, pelo menos, das quantias auferidas a título de subsídio de desemprego);

d) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 1500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

e) condena a Ré a pagar ao Autor as quantias de € 10590,54 + € 6704,99, a título de, respetivamente, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos nos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019;

f) condena a Ré a pagar ao Autor os juros de mora devidos sobre as prestações fixadas em c) e e), calculados à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento até definitivo e integral pagamento;

g) absolve a Ré do que mais foi peticionado.”.

Foi interposto recurso de apelação.

Em 15.09.2021 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu a final que:

Pelo exposto, acorda-se em:

a)1. Não admitir os dois documentos juntos pelo Apelante com as alegações de recurso, que deverão ser desentranhados, após trânsito;

   2. Admitir os pareceres juntos pela Apelante com a resposta ao parecer do MP

b) Alterar a redação dos pontos 14, 35 e 37 da matéria de facto;

c) No mais, julgar improcedente a apelação embora com fundamentação algo diversa quanto à questão da justa causa do despedimento, confirmando-se a sentença recorrida.”.

Em 05.10.2021, a Ré interpôs recurso de revista ordinária quanto a um segmento da decisão e revista excecional quanto a outro segmento.

O seu recurso de revista apresenta 154 Conclusões, sendo que o segmento que é agora objeto de apreciação se reporta às primeiras 42 Conclusões (com a ressalva das Conclusões V a XIII, que também se reportam à revista excecional), rematando quanto a este segmento:

“Perante o exposto, deve o acórdão do douto Tribunal da Relação de Lisboa ser revogado nesta parte e substituída por Acórdão que declare a licitude do despedimento do Recorrido, sem que a Recorrente seja condenada a pagar qualquer quantia a título de danos morais, concluindo-se pela improcedência dos pedidos do Recorrido, devendo essa análise ser feita após aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “À Categoria Profissional de “Customer Service Supervisor” detida pelo Autor correspondem funções de chefia e supervisão, sendo considerado o “número 1” e máximo responsável pela restante tripulação de voo, para além do piloto e do copiloto do avião” (Conclusão XLII)

A Recorrente afirma expressamente que “apesar de não se concordar com a decisão quanto à lista de serviços mínimos e a conclusão de que a lei portuguesa seria a aplicável subsidiariamente na ausência de escolha das Partes, não se recorre destes excertos dado que a primeira e segunda instâncias apreciaram da mesma forma e com os mesmos argumentos essas questões” (Conclusão XV).

A Formação prevista no artigo 672.º do CPC junto desta Secção Social pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da revista excecional.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido de “não ser legalmente possível a este Alto Tribunal pronunciar-se sobre a licitude/ilicitude do despedimento” por existir, em seu entender, “dupla conformidade”. Defendeu, ainda, que “o poder/dever vertido no art.72.° do CPT tem a sua utilização extremada pela primeira instância e, a violação dessa norma pelo juiz, causa uma nulidade processual, traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, já que essa irregularidade pode influir no exame ou na decisão da causa  - art. 195.° do CPC -, nulidade que deverá ser arguida pela parte interessada no decurso da audiência de julgamento”, devendo agora ter-se por sanada e não podendo, tão pouco, ser conhecida por este Tribunal.

Fundamentação

De Facto

1. Ryanair Designated Activity Company (Ryanair DAC) é uma sociedade comercial irlandesa, com sucursal em Portugal, que se dedica à prestação de serviços de transporte aéreo.

2. Pelo menos desde 1 de abril de 2014, AA encontrava-se admitido ao serviço de Ryanair DAC para, sob as ordens, direção e fiscalização desta última, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de ‘customer service supervisor’.

3. Integrando as tripulações de cabine dos voos comerciais explorados pela Ré.

4. Situando-se a sua base de afetação em território português.

5. O Autor recebia as instruções a partir da Irlanda, país onde se localiza a sede da Ré.

6. E onde se encontravam os seus superiores hierárquicos.

7. As rotas e os períodos de exercício de funções eram preparados pela Ré a partir da Irlanda.

8. Sendo enviados ao Autor via online.

9. O departamento de controlo de tripulação da Ré estava localizado na Irlanda.

10. Cabendo a este serviço assegurar a mitigação de quaisquer disrupções nas operações de voo em caso de alterações, atrasos ou (outros) incidentes.

11. Sendo também na Irlanda que se geriam todos os temas operacionais (assiduidade, performance).

12. E onde eram recebidos todos os pedidos de licença ou justificação de ausência ao serviço por parte dos trabalhadores da Ré.

13. Na sequência do descrito em 2) e 3), consta de acordo escrito ajustado entre as partes em março de 2015 uma cláusula com o seguinte teor (após tradução):

5. Salário5.1. Ser-lhe-á correspondido um salário de base anual bruto de € 14.620 (catorze mil seiscentos e vinte euros). O salário será calculado diariamente, e ser-lhe-á pago mensalmente em parcelas mensais iguais no dia 28, ou por volta do dia 28 de cada mês, mediante depósito na sua conta bancária. Também receberá um suplemento pelo cargo de Supervisor de Serviço ao Cliente correspondente a € 2.000 anuais brutos.

5.2. A remuneração total de V. Exa. foi calculada de modo a incluir um abono para todas as horas de voo associadas à sua função, incluindo, mas sem a isso se limitar, os relatórios anteriores e subsequentes ao voo, os atrasos e todas as tarefas a bordo, incluindo o uso dos terminais EPOS de venda eletrónica. O salário de V. Exa. também inclui a remuneração do trabalho aos domingos e feriados.

(…)

33. Legislação Aplicável

33.1. A relação laboral entre Ryanair e V. Exa. estará sempre regida pelas leis em vigor na República de Irlanda, com as suas eventuais alterações. Independentemente do regime de Segurança Social pelo qual V. Exa. estará coberto, o contrato de trabalho de V. Exa. rege-se pelas leis laborais irlandesas…”.

14. Tendo a Ré entregue ao Autor, como contrapartida, as seguintes prestações pecuniárias mensais:

a) no ano de 2015, € 1385,00, a título de retribuição base e vencimento de chefia, e, em média, € 616,10 + € 124,37, a título de ‘horas voadas’ e comissões de venda;

b) no ano de 2016, € 1365,31, a título de retribuição base e vencimento de chefia, e, em média, € 632,26 + € 114,30, a título de ‘horas voadas’ e comissões de venda; c) no ano de 2017, € 1435,00, a título de retribuição base e vencimento de chefia, e, em média, € 776,87 + € 122,86, a título de ‘horas voadas’ e comissões de venda;

d) no ano de 2018, € 1450,62, a título de retribuição base e vencimento de chefia, e, em média, € 704,00 + € 91,67, a título de ‘horas voadas’ e comissões de venda;

e) no ano de 2019, € 1455,83, a título de retribuição base e vencimento de chefia, e, em média, € 748,88 + € 98,84, a título de ‘horas voadas’ e comissões de venda;

15. Em 28 de Novembro de 2018, o Autor e a Ré ajustaram, por escrito, um acordo ao abrigo do qual:

As partes acordam que, na data limite de 31 de Janeiro de 2019, os contratos de trabalho dos Tripulantes de Cabine diretamente contratados pela Ryanair referidos no artigo 1 serão regidos pela legislação laboral portuguesa.

Todos os IRCT’s/AE celebrados entre a Ryanair e o Sindicato serão também regidos pela legislação laboral portuguesa.

(…)

O acordado nos artigos 2 e 3 não produz impacto nas diferenças de entendimento da Ryanair e do Sindicato relativamente à jurisdição e lei aplicável em relação a litígios pendentes perante tribunais portugueses”.

16. Em 31.01.2019, através da comunicação interna que figura a fls de 301 e verso, a Ré propôs ao Autor que a retribuição fixada (salário bruto anual) passasse a ser paga em 14 prestações por ano (em vez de 12 prestações por ano) [alterado pelo Tribunal da Relação]

17. Tendo o Autor recusado esta proposta.

18. Em 1 de agosto de 2019, foi entregue um pré-aviso de greve do pessoal tripulante de cabine pelo Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), para os dias 21 a 25 de agosto seguintes.

19. Na sequência deste pré-aviso de greve, pela Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho foi convocada uma reunião entre a empresa e o SNPVAC, que teve lugar no dia 6 de agosto.

20. Não tendo a empresa e o SNPVAC, nessa reunião, alcançado um acordo sobre a definição dos serviços mínimos, pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e pelo Ministério das Infraestruturas e Habitação, em 16 de agosto, foi emitido o Despacho nº 65/2019.

21. Neste Despacho, foram decretados os serviços mínimos e determinado quais os destinos abrangidos pelos mesmos.

22. Mas sem concretizar os respetivos voos.

23. Na sequência deste Despacho, a Ré, em 19 de agosto, enviou ao SNVPAC uma lista por si elaborada com os voos abrangidos pelos serviços mínimos, suas datas e horários.

24. Na mesma data, às 15:32 horas, o SNPVAC solicitou à Ré que lhe facultasse uma lista de trabalhadores disponíveis em todas as bases portuguesas para cumprir os voos dos serviços mínimos, com vista a designação dos mesmos.

25. A Ré não enviou esta lista ao SNPVAC.

26. Ainda na mesma data, às 18:43 horas, o SNPVAC apresentou junto da Ré uma lista com os trabalhadores que deveriam assegurar os serviços mínimos decretados.

27. Esta lista contemplava trabalhadores que se encontravam indisponíveis para o exercício de funções e trabalhadores que já não exerciam funções ao serviço da Ré.

28. Na sequência do descrito no número anterior, o SNPVAC, em 20 e 21 de agosto, enviou à Ré duas outras listas de trabalhadores para assegurar os serviços mínimos.

29. Ainda em 19 de agosto, o SNPVAC enviou aos seus associados, entre eles o Autor, uma comunicação escrita (“Comunicado nº 147”) com o seguinte teor:

Recebemos o despacho da DGERT a informar o SNPVAC dos serviços mínimos para a Greve da Ryanair que decorrerá já a partir de dia 21 e até ao dia 25 de agosto.

No cumprimento do disposto no nº 7 do art. 538.º do Código do Trabalho, fica o Sindicato encarregue da atribuição dos voos que serão serviços mínimos e da nomeação dos Tripulantes para os mesmos.

Junto anexamos a lista de voos e Tripulantes adstritos aos serviços mínimos, ficando claro que, toda a restante operação NÃO faz parte destes serviços mínimos agora por nós selecionados, não devendo por isso haver apresentação para qualquer serviço de voo que não aqueles que fazem parte desta listagem.

Ou seja, todos os voos que não os considerados serviços mínimos, são para ficar no chão.

Mais informamos que os Tripulantes de stand by aos serviços mínimos só operam esses mesmos voos, não podendo ser utilizados para NENHUM outro voo”.

30. Nos termos descritos no número anterior, o Autor não está indicado na lista mencionada nesta comunicação.

31. Em 20 de agosto, o SNPVAC enviou aos seus associados, entre eles o Autor, uma comunicação escrita (“Comunicado nº 148”) com o seguinte teor:

Uma vez que a Ryanair não nos enviou a lista de disponibilidade dos Tripulantes para que pudéssemos fazer nomeações em conformidade com as condições legais aplicáveis, só agora tomamos conhecimento do impedimento de alguns dos Tripulantes antes nomeados.

Fomos, por isso, forçados a retificar a lista inicial (junta ao Comunicado nº 147 de 19 de agosto), nos termos que seguem em anexo a este comunicado”.

32. Nos termos descritos no número anterior, o Autor não está indicado na lista mencionada nesta comunicação.

33. Ainda em 20 de agosto, o SNPVAC enviou aos seus associados, entre eles o Autor, uma outra comunicação escrita (“Comunicado nº 150”) com o seguinte teor:

Em cumprimento deste despacho, o SNPVAC designou os Tripulantes que terão que assegurar os voos de serviços mínimos decretados.

E porque o despacho não definiu quais os voos a realizar nesses dias, sendo que, nalgumas dessas rotas existe mais do que um voo diário, foi o Sindicato compelido a definir os horários, pois só assim poderia designar os Tripulantes disponíveis, em conformidade com a legislação aplicável, nomeadamente sem sede de segurança e descanso.

Pelo que, é nosso entendimento que, com os voos e Tripulações discriminados nos nossos anteriores comunicados nº 147 de 19 de Agosto e nº 148 de 20 de Agosto, resultam preenchidos os serviços mínimos exigidos no caso concreto.

Razão ainda para que, se fores convocado pela Empresa para realizar qualquer outro voo, deverás recusá-lo por não se integrar nos serviços mínimos.

(…)

A greve suspende o contrato de trabalho do trabalhador aderente, incluindo o direito de retribuição e os deveres de subordinação e assiduidade…”.

34. Em 23 de agosto, a Ré enviou ao SNPVAC uma comunicação escrita, redigida em língua inglesa, a qual apresentava o seguinte teor (após tradução):

Em 16 de agosto a DGERT decretou os serviços mínimos para uns voos (voos legalmente protegidos) a serem operados para as nossas bases em Portugal e a partir delas. Em 19 de agosto enviámos ao SNPVAC uma lista destes voos, contudo a resposta do SNPVAC foi a de nos enviar uma impraticável e simbólica «listagem» dos tripulantes de cabine adstritos aos serviços mínimos, com tripulantes indisponíveis por gravidez licença anual ou violações das limitações dos tempos de voo. A listagem do SNPVAC também incluía tripulantes de cabine que já não trabalham para a Ryanair!!

A nossa equipa para as escalas de serviço trabalhou durante o fim de semana para garantir as tripulações de cabine para estes voos protegidos, e assegurar que eles seriam operados conforme a decisão da DGERT. Em 20 de agosto foram enviadas cartas aos tripulantes de cabine escalados para os voos protegidos, e estas cartas informavam claramente os tripulantes de cabine de que estes lhes era exigido operar os voos de acordo com a decisão da DGERT. A vossa decisão de transmitir uma listagem fictícia ao pessoal de voo, e de incitar os tripulantes de cabine a não se apresentarem para os seus voos em regime de serviços mínimos viola as obrigações legais do SNPVAC, nos termos do art. 538º, nº 7, do Código do Trabalho de Portugal.

Anexei uma lista dos tripulantes de cabine a quem são atribuídos os voos em regime de serviços mínimos para os dias de sexta-feira 23, sábado 24 e domingo 25, sendo estes os restantes dias das vossas greves injustificadas e desnecessárias. Por favor, confirmem que agora se disporão a cumprir a vossa obrigação legal de assegurarem que estes voos estejam cobertos, e que estes tripulantes de cabine disponíveis mencionados na lista serão notificados pelo SNPVAC a comparecerem para cumprirem os serviços mínimos aos quais são adstritos. O SNPVAC deve imediatamente cessar de encorajar ilegalmente os tripulantes de cabine a não operar estes voos protegidos em regime de serviços mínimos.

Todo o tripulante de cabine que não comparecer para um voo em regime de serviços mínimos para o qual está convocado estará a violar os seus deveres contratuais, o que pode levar ao seu despedimento, e, nos termos do Código do Trabalho de Portugal, o SNPVAC será responsável por qualquer perda financeira consequentemente sofrida pela Ryanair”.

35. E, naquele período por mais de uma vez, enviou uma convocatória aos trabalhadores constantes desta lista mencionada no ponto anterior, para os voos garantidos pelos serviços mínimos [alterado pelo Tribunal da Relação]

36. Nesta lista, mencionada em 34), o Autor estava escalado para os seguintes voos abrangidos pelos serviços mínimos, com data de 25 de agosto de 2019:

a) ... – Lisboa (...);

b) Lisboa – ... (...).

37. A Ré comunicou diretamente ao Autor, nos dias 20, 22 e 24 de agosto de 2019, através do sistema de comunicação interna designado crewdock, que o mesmo se devia apresentar ao serviço no dia 25 de agosto de 2019 para operar os 2 voos identificados no ponto 36 [alterado pelo Tribunal da Relação].

38. Em 25 de agosto, o Autor, invocando adesão à greve, não compareceu ao serviço.

39. Não exercendo as suas funções nos voos mencionados em 36).

40. Tendo como referência os factos descritos nos números anteriores, o Autor, notificado para o efeito, reuniu-se com os serviços da Ré, em Dublin, Irlanda, no dia 27 de agosto.

41. Em 28 de agosto, tendo como referência os factos descritos nos números anteriores, a Ré determinou a instauração de procedimento disciplinar contra o Autor, notificando-lhe a nota de culpa mediante carta registada com aviso de receção expedida no dia seguinte

42. Em 10 de setembro, o Autor apresentou a resposta, acompanhada de rol de testemunhas.

43. Mediante carta registada com aviso de receção expedida em 18 de Setembro, a Ré notificou o Autor do teor da decisão final, onde se declara: “… foi decidido aplicar a sanção disciplinar de despedimento com justa causa”.

44. O Autor não tinha antecedentes disciplinares.

45. Sendo considerado pelos seus colegas como um profissional competente e com bom trato.

46. Como consequência deste procedimento disciplinar e da sua decisão final, o Autor sentiu-se triste e humilhado.

47. E angustiado por não ter outras fontes de rendimento suficientes para assegurar os encargos necessários ao seu sustento.

48. Sofrendo dificuldades em dormir.

49. Desde 3 de outubro de 2019, o Autor aufere “subsídio de desemprego”, no valor mensal de € 1071,43.

De Direito

Antes de mais, importa apreciar se existe “dupla conformidade” quanto à decisão das instâncias sobre a licitude ou ilicitude do despedimento.

Verifica-se que tanto a 1.ª instância como o Tribunal da Relação decidiram que o despedimento era ilícito. O Tribunal da Relação decidiu, aliás, confirmar a sentença recorrida “embora com fundamentação algo diversa quanto à questão da justa causa de despedimento”.

Contudo, a 1.ª instância entendeu que a ordem dada ao Trabalhador para cumprir os serviços mínimos era lícita e correspondentemente a desobediência ilícita. Entendeu, todavia, que para a existência de justa causa de despedimento se exigia culpa grave do trabalhador e que a mesma não existia no caso concreto, além de que a sanção do despedimento era excessiva.

Já o Tribunal da Relação sustentou que a ordem dada pelo empregador ao Autor para cumprir os serviços mínimos por ele próprio fixados era ilícita porque abusiva, nos termos adiante expostos. Assim, o trabalhador não lhe devia obediência, não existindo sequer qualquer infração disciplinar.

O Tribunal da Relação afirmou, no entanto, que “[m]as mesmo que assim não se entendesse e que se pudesse considerar que fora licitamente deferido à Ré o direito de designar os trabalhadores que deviam ficar afetos aos serviços mínimos para o período de greve decretada pelo Sindicato, ainda assim entendemos, como o fez a 1ª instância, que o comportamento do trabalhador, ao não ter comparecido no dia 25.8 e ao não ter acatado as várias determinações da Ré para que o fizesse, dadas as circunstâncias que o rodearam, não reveste gravidade que, segundo o princípio da adequação e da proporcionalidade consagrado no art. 330, nº1 do CT, justifique a aplicação da sanção disciplinar mais gravosa, ou seja, da pena expulsória”.

Existirá, então, “dupla conformidade” ou deve, ao invés, considerar-se que a fundamentação apresentada pelas instâncias é “essencialmente diferente”?

Entende-se que é “essencialmente diferente” afirmar que uma ordem é lícita e que existe uma desobediência ilícita (ainda que sem culpa grave e sendo desproporcionada e excessiva a sanção do despedimento) ou, ao invés, afirmar que a ordem é ilícita e que não existe qualquer dever de obediência e, por conseguinte, não existiu qualquer infração disciplinar. A declaração de concordância potencial feita pelo Acórdão recorrido é obiter dicta que não afasta a diversidade fundamental da justificação.

Pode, pois, este Tribunal conhecer da questão da licitude ou ilicitude do despedimento de que o trabalhador foi alvo.

Cumpre analisar a fundamentação apresentada pelo Tribunal da Relação:

O Tribunal da Relação afirmou o seguinte:

“[A] Ré em 19.8.2019, enviou uma lista por si elaborada com os voos abrangidos pelos serviços mínimos, suas datas e horários.

Porém, absteve-se de indicar (enviar) a lista com os trabalhadores disponíveis que podiam ser alocados aos serviços mínimos. E não o fez, sequer, quando, ainda no dia 19.8.2019, às 15,32h, o SNPVAC solicitou à Ré que lhe facultasse essa lista, com vista à designação dos trabalhadores afetos aos serviços mínimos designados.

Ao assumir esta conduta, a Ré impediu que o SNPVAC pudesse elaborar corretamente essa lista, levando a que este tivesse indicado na lista que apresentou, às 18,43h desse mesmo dia 19, trabalhadores não elegíveis devido a impedimentos de ordem diversa.

Com esse fundamento, veio a Ré a elaborar uma lista própria de trabalhadores afetos aos serviços mínimos, nos quais se incluía o aqui Autor.

Esta designação é, no entanto, e a nosso ver, efetuada com abuso de direito. Com efeito, a lei defere à entidade patronal o direito de designar os trabalhadores afetos aos serviços mínimos, apenas no caso dos representantes dos trabalhadores, mormente o Sindicato, não o fazerem, o que pressupõe, naturalmente, que este esteja na posse dos elementos necessários ao correto exercício desse direito.

E não foi o caso já que a Ré, instada pelo Sindicato a fornecer a lista dos trabalhadores elegíveis para o efeito, não o fez!”.

Seguidamente o Tribunal da Relação afastou que o artigo 6.º do RGPD fosse um obstáculo à entrega ao sindicato da referida lista.

Analisando esta argumentação diremos o seguinte:

A lei portuguesa estabelece, em princípio, o dever de os representantes dos trabalhadores em greve indicarem “os trabalhadores que ficam adstritos à prestação de serviços mínimos definidos e informar do facto o empregador, até vinte e quatro horas antes do período de greve” e se não o fizerem deverá o empregador proceder a essa designação (n.º 7 do artigo 538.º do CT). Sendo certo que também “na pendência de um conflito coletivo as partes devem agir de boa fé” (artigo 522.º do CT), há que concluir face aos factos 24 e 25 que o empregador não agiu de boa fé e não permitiu que o sindicato cumprisse adequadamente o dever que o n.º 7 do artigo 538.º lhe impõe.

Concorda-se inteiramente com a asserção do Acórdão recorrido de que a Ré agiu abusivamente e que há que considerar ilícita a designação dos trabalhadores adstritos aos serviços mínimos por ela efetuada, quando impediu que o Sindicato pudesse tempestivamente enviar uma indicação adequada face aos trabalhadores realmente disponíveis. E sendo ilícita a designação feita pela Ré, o trabalhador não lhe devia obediência, não tendo cometido qualquer infração disciplinar.

Assim sendo, carece de relevância a discordância quanto à matéria de facto apurada e ao conteúdo da categoria de Customer Service Supervisor que para a Ré e Recorrente abrangeria funções de chefia e de supervisão. Para além dos reduzidos poderes deste Tribunal quanto à decisão do Tribunal da Relação em matéria de facto e ao que este propósito se refere no douto Parecer do Ministério Público, sempre se dirá que mesmo que o trabalhador despedido exercesse funções de supervisão e de chefia não exisitira qualquer justa causa para o despedimento porquanto não houve da sua parte qualquer infração disciplinar e o direito português desconhece um despedimento motivado apenas por uma alegada “perda ou quebra de confiança” que não se concretize em uma qualquer infração disciplinar.

Decisão: Negada a revista

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 14 de julho de 2022

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Domingos José de Morais