RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
AÇÃO EXECUTIVA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RELAÇÃO PROCESSUAL
AÇÃO DECLARATIVA
REVISTA EXCECIONAL
CONHECIMENTO DO MÉRITO
PRESSUPOSTOS
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DESPACHO DO RELATOR
Sumário


I - A decisão sobre a matéria incidental prevista nos arts. 840.º e 841.º do CPC (que tem a ver com a possibilidade de um terceiro, antes de se proceder à venda executiva, lavrar protesto invocando direito incompatível com a transmissão) reveste natureza eminentemente processual e respeita unicamente à tramitação da acção executiva, em que se insere em termos interlocutórios.
II - Com efeito, a decisão recorrida em apreço consubstancia-se tão somente no indeferimento da pretensão processual de invocação de protesto pela reivindicação da coisa a vender a qual, em momento algum, pode ser juridicamente equiparada ao conhecimento de mérito de uma acção autónoma de natureza declarativa (não sendo, manifestamente, susceptível, nestas circunstâncias, de ser configurada como tal).
III - Logo, a presente revista não é admissível, nos precisos termos do art. 854.º do CPC, não sendo ainda admissível in casu revista excepcional dado a decisão recorrida não comportar, por sua natureza, recurso para o STJ.

Texto Integral





 Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).

Apresentado o presente recurso de revista ao relator para apreciação liminar foi por este proferida decisão singular nos seguintes termos:
“Nos presentes autos de execução comum para pagamento de quantia certa, instaurados por Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vagos, Crl., em que é executado AA, veio Feliana, Comércio de Produtos Alimentares, Lda., apresentar recurso de apelação contra o despacho proferido a 11 de Dezembro de 2020 que indeferiu o seu requerimento apresentado nos autos a 20 de Outubro de 2020, através do qual pretendera o cumprimento do disposto nos artigos 840.º e 841.º do Código de Processo Civil relativamente ao imóvel entretanto vendido na execução, bem como a entrega do referido imóvel - descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...44 da União de Freguesias ... e ... - fazendo referência à sentença proferida no processo n.º 2500/18... do Juízo Central ... -J..., nos seguintes termos:
«(…) FELIANA, COMÉRCIO DE PRODUTOS ALIMENTARES, LDA., com sede em (…), neste acto representada pela ..., BB, (…),
Vem lavrar protesto pela propriedade do imóvel:
“Armazém de ..., inscrito na matriz sob o artigo ...55º da União de Freguesias ... e ... e descrito na CRP ... sob a descrição nº ...21”
De facto, como decorre dos autos nº 2500/18..., que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ... – Juiz ..., foi proferida sentença, transitada em julgado em 6 de Outubro de 2020, foi decidido:
“Pelo exposto, decide-se julgar a acção procedente, e, em consequência, decide-se reconhecer a A. como dona e legítima possuidora do prédio melhor descrito no artigo 12º da petição inicial, condenando-se o réu a reconhecer tal direito e bem assim que recebeu da A. o seu preço. 2. Custas a cargo do Réu.3.”
Ora,
Mesmo após a venda do bem penhorado é possível o protesto de reivindicação por um terceiro da propriedade do bem penhorado em cumprimento do disposto nos artigos 840 e 841 do CPC (antigos 910 e 911 do CPC).
Acresce que o bem ainda não foi entregue ao hipotético comprador cuja aquisição suscita as maiores dúvidas porquanto a abertura das propostas foi realizada fora do Tribunal e em circunstâncias inexplicadas lavradas em papel vulgar A4 sem timbre e sem o cumprimento regular de citações e notificações - doc. 1 que se junta.
Por seu turno, ainda, é aplicável à questão “sub judice” o disposto no artigo 841 do Código Civil. Requer assim o cumprimento do disposto no artigo 840 e a entrega do imóvel à requerente. ....»
Após contraditório, na qual, entre o mais, a exequente se pronunciou pelo indeferimento da pretensão deduzida, veio a ser proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor:
«A sociedade Feliana veio requerer o cumprimento do disposto nos arts. 840º e 841º do CPC, bem como a entrega do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...44 da União de Freguesias ... e .... A Requerente faz referência à sentença proferida no âmbito do processo nº 2500/18... que correu termos neste Juízo Central – J....
Cumpre desde logo lembrar que a venda efetuada nestes autos teve lugar há mais de 2 anos, tendo o bem sido entregue ao comprador.
Para além disso, o Tribunal terá de reafirmar que a Exequente, que tinha hipoteca e penhora registadas sobre o imóvel vendido nos presentes autos, não foi citada para acção de reivindicação que a Requerente refere (sendo que dita acção nem sequer foi registada). A acção em causa tinha de ter sido proposta contra os terceiros que tinham direitos reais registados sobre o imóvel para acautelar o seu efeito útil.
Acrescentar que a Decisão Singular do Tribunal da Relação até refere que a sentença de que a Feliana se pretende prevalecer não pode ser oposta à exequente nem ao arrematante do imóvel.
Dizer ainda, mais uma vez, que não há coincidência entre o autor do protesto realizado e a pessoa que obteve ganho de causa na acção declarativa citada, pelo que não pode a Requerente obter nos presentes autos as consequências pretendidas, ou seja, a entrega do bem à empresa Feliana.
Assim sendo, indefere-se o requerido por “Feliana, Comércio de Produtos Alimentares, Lda”. Condena-se a mesma no pagamento de 2 UCs de taxa de justiça, pelo incidente anómalo gerado. Notifique. (…)»
O Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão de 27 de Janeiro de 2020, julgou improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
A requerente interpôs seguidamente recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
1. A recorrente, sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, aqui representada pela sua ..., BB, nos presentes autos de Execução n° 381/09.0TBMNC, lavrou protesto pela reivindicação do imóvel em venda executiva -armazém inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ??? e descrito na CRP sob a descrição n° ...44 da união de Freguesia ... e ....
2. Intentou de seguida, em prazo, a competente Acção Declarativa que correu termos sob o processo n° 2500/18....
3. A sentença decidiu julgar a acção procedente e reconheceu a recorrente como dona e legítima proprietária do imóvel.
4. A recorrente, no protesto, pediu o cumprimento do disposto nos artigos 840 e 841 do CPC.
5. O imóvel não havia sido vendido definitivamente porque não havia sido pago o seu preço, no caso não havia sido adjudicado à exequente nos termos da hipoteca havida e não havia sido lavrado documento de entrega efectiva do bem ao terceiro adquirente. E, não havia sido cumprido o disposto no artigo 841 do CPC.
6. Nos autos n° 2500/18... a exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vagos apresentou-se a contestar e que não foi admitido pelo Tribunal, pese embora tivesse feito a oposição que entendeu nos presentes autos, como aliás resulta dos presentes autos

7. Nos presentes autos a Senhora Magistrada indeferiu o requerimento da recorrente que recorre para o Tribunal da Relação de Guimarães.
Ora,
8. quer a sentença quer o Acórdão de que se recorre em Revista excepcional violam o disposto nos artigos 840 e 841 do CPC, devendo ser anulados e substituídos por Acórdão que ordene a entrega do bem à recorrente.
9. A sentença proferida no processo n° 2500/18... deve conduzir à entrega do imóvel à recorrente porquanto:
Z. O protesto foi realizado no momento em que o senhor Agente de Execução requer â representante legal da recorrente a entrega do imóvel dentro da execução alegando já ter havido a abertura de propostas no presente processo executivo.
Zl. A venda do imóvel não havia ainda sido realizada porquanto a abertura de propostas não significa "ipso facto" a venda do bem.
10. O protesto lavrado pela reivindicação do bem em processo executivo o pode ser feito sem aviso prévio (sem citações ou notificações diremos, também) desde que o seja antes da entrega dos bens ou do levantamento do produto é a venda. Tal é o caso vertente.
11. Logo, quer a recorrente quer a sua representante legal poderiam ter lavrado protesto, mesmo sem aviso prévio, a sentença do processo n° 2500/18... impõe-se nos termos dos artigos 840 e 841 do CPC.
Aliás,
12. O protesto havia sido aceite e sustada a execução e o sr. Agente de Execução recebeu o protesto no local antes da entrega efectiva, material, do bem imóvel e foi-lhe notificada a acção de reivindicação e a data da sua entrada em juízo.
13. A recorrente dispõe a seu favor de um documento de propriedade "erga omnes", ao passo que a executada Caixa de Crédito Agrícola tem tão só um direito de garantia (a hipoteca e a penhora).
14. No caso vertente não há lugar ao Iitisconsórcio necessário (e não mesmo obrigatório).
15. A procedência da acção n° 2500/18... dá à recorrente o direito de oponibilidade à execução, um processo onde o ainda proprietário é o que vendeu à recorrente, como o Tribunal reconheceu. O Tribunal interpreta erradamente o disposto nos artigos 840 e 841 do CPC em face dos factos, datas e incidências processuais.
16. A sentença é assim oponível â execução e a um qualquer terceiro adquirente.
Erra o Acórdão na interpretação dos factos, dos incidentes processuais e na análise e subsunção dos factos às normas dos artigos 840 e 841 do CPC, pelo que recebido o presente deve o Acórdão ser julgado nulo e ordenar-se o cumprimento do disposto no artigo 840 e 841 do CPC.
Contra-alegou a exequente, apresentando as seguintes conclusões:
I – Quanto à falta de preenchimento dos requisitos do recurso de revista excepcional
1 – O presente recurso de revista excepcional tem por base os arts. 671.º e 672.º, n.º 1, al. b) e c) do CP. No entanto, esses requisitos não estão preenchidos:
a) quanto à al. c), a recorrente não indica que o d. Aresto a quo esteja em contradição com outro, quais os pontos em que o está, nem junta cópia do mesmo.
b) quanto à al. b) do art. 672.º, n.º 1 e 2 do CPC:
a. nem os interesses em causa preenchem o conceito de “interesses de particular relevância” (Ac. do STJ de 02-02-2010, n.º de proc. 3401/08.2TBCSC.L1.S1, www.dgsi.pt);
b. nem a recorrente invocou de forma clara as razões pelas quais considera que os seus concretos interesses revestem particular relevância social.
c) Por mera cautela, também não está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (art. 672.º, n.º 1 e 2 al. a) e 2, al. a) do CPC), pois:
a. não se trata de uma “questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela susceptível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, susceptíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir” (v. Ac. de 02-02-2010, n.º de proc. 3401/08.2TBCSC.L1.S1, www.dgsi.pt);
b. a recorrente não indicou de forma clara e precisa as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II – Quanto aos factos que a Recorrente dá por “provados”
2 – A Recorrida não aceita o enquadramento fáctico (“factos provados”) feito pela Recorrente, o qual ou é incorrecto e impreciso ou foi manipulado para caber no efeito que esta deles pretende retirar (a entrega do imóvel à própria, nos termos do art. 840.º e 841.º do CPC).
III – Quanto ao enquadramento dos factos que faz a Recorrida
3 – Nestes autos, iniciados em 2009, a recorrida é exequente e é executado AA, pelo não pagamento de um crédito hipotecário garantido por diversos bens (nomeadamente um armazém de ..., sito em ..., descrito na CRP ... com o nº1444/20... e inscrito na matriz sob o art. ...55 da UF ... e ...). No decurso do processo, a recorrida penhorou esse bem, em 4-11-2010.
4 – Em 8-05-2018, quando a venda desse bem estava iminente, BB, apresentou o seguinte requerimento:
“BB…notificada de que está em venda o imóvel “Armazém do ..., inscrito na matriz sob o artigo ...55º da União de Freguesias ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº 1444/20..., vem informar V. Exa. que tem ocupado desde há mais de 20 anos o referido armazém, primeiro com contrato de comodato, de seguida com contrato de compra e venda que cumpriu, pelo que, tendo direito à propriedade do referido bem, tem, portanto direito à sua ocupação que vem mantendo desde há mais de 20 (vinte anos). No mínimo carece de ser notificada enquanto preferentes para os termos da execução”.
5 – Nessa sequência:
a) em 30-05-2018, foi lavrado termo de protesto pela reivindicação do bem imóvel, intervindo aí BB como terceiro reivindicante;
b) em 10-07-2018, veio aos autos a recorrente Feliana informar que apresentou termo de protesto pela reivindicação de imóvel cuja propriedade é reclamada por si, requerendo a sustação da venda, nos termos do art. 840.º do CPC, o que lhe foi indeferido.
6 - Desde aí, nem a recorrente, nem BB informaram nestes autos que deram entrada da acção de reivindicação, pelo que a recorrida - credora hipotecária e exequente com penhora registada - nada soube, não tendo sido citada para essa acção declarativa.
7 – Porém, a 08-09-2020, BB veio aos autos dizer que a recorrente Feliana obteve ganho de causa no processo n.º 2500/18... (Acção de Processo Comum da Comarca ..., Juízo Central Cível ..., J... - que moveu apenas contra o executado AA), mais requerendo a entrega do imóvel acima referido, entretanto vendido a terceiro no âmbito da execução.
8 – Essa pretensão da recorrente foi indeferida, tanto em sede de 1ª instância, como pelo d. Aresto a quo, o qual não é merecedor de censura, pelo que deve manter-se.
III – Da correcta interpretação e aplicação do disposto nos art. 840.º e 841º do CPC
9 – A disciplina do art. 840.º e art. 841.º do CPC é a seguinte:
a) Quando há protesto prévio, a acção tem de ser intentada no prazo de 30 dias a contar do protesto
b) Quando não há protesto prévio, a mesma tem de ser intentada antes da entrega dos bens ou do levantamento do produto da venda.
c) Em qualquer dos casos, após intentada a acção, a mesma deve ser junta aos autos de execução para verificação dos requisitos temporais referidos, e a fim de desencadear os efeitos previstos nessas normas.
10 – A recorrente - que nenhuma notícia do andamento da acção de reivindicação deu aos autos durante dois anos - não pode pretender que a mesma desencadeie os efeitos do art. 840.º ou do art. 841.º do CPC, pois que não cumpriu os trâmites processuais exigidos para tal.
11 – Para aqui não importa se a abertura de propostas configura, ou não, a venda do imóvel ipso facto (para efeitos de defender que o protesto foi lavrado antes da venda). O que interessa é que a recorrente:
a) devia ter juntado nestes autos acção de reivindicação, para prova do cumprimento do art. 840.º e 841.º do CPC;
b) não o tendo feito, deve sofrer as consequências que daí advêm: a inoponibilidade face à acção executiva (e na esfera da Recorrida) da dita acção de reivindicação.
12 – De outra forma, premiar-se-ia a conduta da recorrente, de completa omissão do andamento processual da acção de reivindicação (processo n.º 2500/18...), perante o processo executivo, o que fez com o claro intuito de os prejudicar a recorrida.
IV – Do facto de a recorrida não ter sido citada para a acção de reivindicação
13 – A recorrente conhecia a identidade da exequente (com hipoteca e penhora) e do comprador do imóvel, mas não propôs a acção de reivindicação contra estes (terceiros que poderiam ser prejudicados pela procedência do seu pedido).
14 – Por isso, a sentença do processo n.º 2500/18... não pode produzir efeitos, nem contra a recorrida (exequente), nem contra o comprador do imóvel, pois que nenhum dos dois foi citado para a acção de reivindicação (mesmo a sentença da acção de reivindicação refere que esta não pode ser oponível à exequente e ao adquirente do imóvel).
15 – De outra maneira, tal sentença, proferida numa acção que foi escondida daqueles que iria prejudicar, teria efeito de caso julgado oponível aos mesmos. E isto não se pode aceitar pois:
a) nem a recorrente nem o arrematante tiveram oportunidade de aí contestar os factos alegados pela recorrida,
b) ocorreu preterição de litisconsórcio necessário natural, pelo que a acção de reivindicação intentada sem o seu conhecimento não pode ser eficaz perante a execução e as partes do mesmo (pois a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2.”, o que não é o caso da Recorrida e do arrematante) – cf. d. Ac. a quo, pág. 18).
16 – A Recorrida deveria ter sido citada para a acção de reivindicação, pois é evidente o prejuízo/perda que tal acção poderia causar na sua esfera (do qual a Recorrente sabia perfeitamente, pelo menos desde que lavrou o Protesto nos autos), uma vez que:
a) era credora com direito real de garantia registado anteriormente à entrada da acção de reivindicação (intentada em 28/06/2018):
a. a hipoteca foi registada em 28-10-2005 (cf. Ap. ... da certidão do registo predial); b. a penhora foi registada em 04-11-2010 (Ap. ...62 da certidão do registo predial);
b) caso a Recorrente visse a sua pretensão satisfeita com a sentença da acção de reivindicação, o que se coloca por mera hipótese – então, no limite, a CCAM de Vagos:
a. teria de devolver o preço ao arrematante (preço esse que já estava pago há dois anos, quando a Recorrida veio a ter conhecimento da sentença);
b. perdendo assim o ressarcimento de (parte) do seu crédito e a correspondente garantia patrimonial (pois o bem seria entregue à Recorrente);
c. isto, numa altura em que já não tinha registado sobre o prédio quaisquer garantias reais, pois as mesmas já tinham sido canceladas, em função da venda.
17 – E, mais uma vez, não interessa se o Protesto foi lavrado antes da venda (ou se a abertura de propostas em carta fechada é, ou não, considerada venda ipso facto). O que releva é que:
a) a Recorrente sabia que a Recorrida era credora hipotecária e com penhora registadas antes da entrada da acção de reivindicação;
b) sabia que a acção de reivindicação contendia com a sua esfera e poderia causar-lhe perdas/prejuízos;
c) decidiu ocultar-lhe o andamento de tal acção;
d) pelo que deverá sofrer as consequências: a inoponibilidade da acção de reivindicação perante a Recorrida.
18 – Se assim se decidisse, estaríamos perante:
a) a preterição do princípio da tutela jurisdicional efectiva (as partes devem poder intervier nos processos que contendam com os seus direitos e interesses, tendo à sua disposição um arsenal de poderes processuais que lhes permita influir na decisão final da lide, num processo equitativo e com respeito pelo contraditório) - in https://dre.pt/web/guest/lexionario/-/dj/120820789/view;
b) a inconcebível permissão e premiação do uso abusivo do direito de acção pela recorrente, contra a recorrida e o adquirente do imóvel.
19 – Se a recorrente pretendia opor a sentença do processo 2500/18... à recorrida (e ao adquirente do imóvel), deveria ter posto a acção também contra eles (e não só contra o executado), demonstrando aí que o bem já não era do executado AA ao tempo do registo da hipoteca e da penhora, mas sim seu (da recorrente), pelo que a recorrida estaria a pagar-se pelo produto da venda de um bem que de que o executado já não era proprietário.
20 – Não o tendo feito a recorrente, não pode a recorrida ser confrontada com a oponibilidade de uma decisão judicial transitada em julgado, da qual não teve oportunidade de se defender (v. o Ac. do STJ de 21-09-2006, com o n.º de processo 05B2021, do relator Pires da Rosa).
V – Do facto de a acção de reivindicação não ter sido registada
21 – A sentença proferida nos autos de acção de reivindicação não produz (nem pode produzir) efeitos em relação a terceiros, também pelo facto de não ter sido registada (art. 263º, nº 3 do CPC), como é obrigatório:
a) nem pelo d. Tribunal,
b) nem pela recorrente, que aproveitou o facto de o d. Tribunal ter omitido essa formalidade (arts. 2º, nº 1, al. a) 3º, nº 1, al. a), art. 8º -A e 8º- B, nº 3, l. a) do Cód. Registo Predial), para nada dizer ou fazer quanto a isso - escondendo o seu direito de acção da recorrida.
VI – Da não coincidência entre o autor do protesto (pessoa singular) e a pessoa (colectiva) que obteve ganho na acção de reivindicação
22 – Quem lavrou o termo de protesto foi “BB”, e não a recorrente.
23 – Mesmo no caso de essa pessoa singular ter agido em representação da recorrente (pessoa colectiva), sempre deveria ser o nome da recorrente, a constar do termo de protesto pois seria essa pessoa colectiva, com personalidade jurídica e judiciária (art. 5.º CSC, 11.º e 12.º do CPC) que teria legitimidade para tanto (art. 30.º do CPC): é ela que reclama a propriedade do imóvel, independentemente de em nome dela agir uma pessoa singular, gerente da sociedade (essa é uma questão de representação da sociedade e de capacidade jurídica e judiciária - art. 6.º CSC, 192.º do CSC e 15.º do CPC).
24 – Essa questão, que não é de somenos importância, nem uma “pequena querela” não pode ser ultrapassada por convite da Mma. Juiz a quo ao suprimento de irregularidades (art. 590.º, n.º 3, 4 e 5 do CPC - seja pela junção de uma certidão permanente da empresa recorrente, comprovando a gerência em nome da pessoa singular, ou de procuração forense em nome da sociedade recorrente, ratificando todo o processado), já que o “problema” está antes: na lavra do próprio termo, que se encontra em nome de pessoa singular e não da recorrente, pessoa colectiva.
25 – Por tudo o exposto, o d. Tribunal a quo não fez uma interpretação errada o disposto nos arts. 840.º e 841.º do CPC, pelo que o d. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães não merece qualquer censura, devendo manter-se.
Apreciando liminarmente da admissibilidade da revista:
O presente recurso de revista excepcional foi apresentado ao abrigo dos artigos 671º e 672º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.
Acontece que a decisão recorrida foi proferida no âmbito de um processo executivo.
Ora, em matéria de recurso interpostos no âmbito de uma acção executiva dispõe, em termos especiais, o artigo 854º do Código de Processo Civil que, salvo os casos em que a revista é sempre admissível (o que não se configura na situação sub judice), “só admitem recurso de revista os acórdãos do Tribunal da Relação proferidos em sede executiva que respeitem a procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.
(Sobre esta matéria vide Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, páginas 421 a 422; Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2022, Volume 3º, a página 864; na Jurisprudência vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2022 (relatora Maria João Vaz Tomé), proferido no processo nº 9317/18.7T8PRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 (relator Fernando Samões), proferido no processo nº 32/18.2T8AGD-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt).
Acontece que a presente revista não se enquadra manifestamente em qualquer das situações excepcionais prevista no artigo 854º do Código de Processo Civil em que é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Logo, o recurso de revista não é legalmente admissível, sendo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, ora recorrido, definitivo.
Por outro lado, a inadmissibilidade da revista normal afecta desde logo a possibilidade de interposição da revista excepcional que pressupõe a prévia verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade, entre os quais se inclui a impugnabilidade da decisão.
Pelo que a mesma (revista excepcional) não é igualmente admissível.
(Neste sentido, vide Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, páginas 445 a 446; Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2022, Volume 3º, a página 211; na Jurisprudência vide, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (relator Raimundo Queiróz), proferido no processo nº 2255/17.2T8FAR.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2020 (relator Lima Gonçalves), proferido no processo nº 1433/13.8TMLSB-H.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 2020 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 709/09.6TBSSB.E1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2020 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 1534/15.8T8AGD-B.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 (relator Fernando Samões), proferido no processo nº 32/18.2T8AGD-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 (relator Acácio das Neves), proferido no processo nº 1319/14.9T8CBR-B.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2022 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 3782/15.1T8FVR.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt).
Pelo que a presente revista excepcional não é admissível, não sendo de conhecer do respectivo objecto e julgando-se findo o recurso, nos termos gerais do artigo 652º, alínea a), do Código de Processo Civil e artigo 679º do mesmo diploma legal”.
Pronunciou a recorrente, em termos inequívocos, pela admissibilidade da presente revista, alegando:
No caso vertente a recorrente enxertou na acção executiva uma acção declarativa – a reivindicação de um bem.
Destinou-se a acção de reivindicação – o protesto – a colocar ao Tribunal a questão da propriedade de um bem.
Apesar de contestante em acção executiva, o protesto pela reivindicação do bem é verdadeiramente uma acção declarativa cujo objecto é a obtenção de uma sentença sobre a titularidade de uma propriedade.
Assim, estamos perante uma acção declarativa e não perante uma acção executiva, que só fundamento o é.
Logo, é admissível a revista e não pode colher o entendimento expresso de que a decisão recorrida foi proferida no âmbito de um processo executivo.
Cremos que se está perante uma decisão definitiva em processo declarativo, pelo que dever ser admitido o recurso interposto, seguindo-se os ulteriores termos.
Apreciando:
Não assiste a menor razão à recorrente quando pugna pela admissibilidade da sua revista.
É absolutamente óbvio e manifesto que inexiste in casu qualquer tipo de acção de natureza declarativa, enxertada na acção executiva, na qual tenha sido proferida a decisão recorrida em apreço, conforme erroneamente pretende agora a reclamante.
Concretamente, a decisão sobre a matéria incidental prevista nos artigos 840º e 841º do Código de Processo Civil (que tem a ver com a possibilidade de um terceiro, antes de se proceder à venda executiva, lavrar protesto invocando direito incompatível com a transmissão) reveste natureza eminentemente processual e respeita unicamente à tramitação da acção executiva, em que se insere em termos interlocutórios.
De resto, a decisão recorrida em apreço consubstancia-se tão somente no indeferimento da pretensão processual de invocação de protesto pela reivindicação da coisa a vender a qual, em momento algum, pode ser juridicamente equiparada ao conhecimento de mérito de uma acção autónoma de natureza declarativa (não sendo, manifestamente, susceptível, nestas circunstâncias, de ser configurada como tal).
Logo, a presente revista não é admissível, nos precisos termos constante da decisão singular reclamada, que remete para o regime do artigo 854º do Código de Processo Civil, não sendo ainda admissível in casu revista excepcional dado a decisão recorrida não comportar, por sua natureza, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Pelo que não se conhecerá do respectivo objecto, sendo o recurso julgado findo.

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em considerar a inadmissibilidade da revista, não conhecendo do respectivo objecto e julgando findo o recurso, nos termos gerais do artigo 652º, alínea b), do Código de Processo Civil e artigo 679º do mesmo diploma legal.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs.

Lisboa, 21 de Junho de 2022.


Luís Espírito Santo (Relator)
Ana Resende
Ana Paula Boularot



V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.