REGIME DA COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BENS SUB-ROGADOS NO LUGAR DE BENS PRÓPRIOS
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - No regime da comunhão de adquiridos, todos os bens adquiridos na constância do casamento são comuns, na falta de demonstração de que são próprios de um dos cônjuges.
II – Alegando um dos cônjuges que as benfeitorias, num bem próprio dele, foram feitas com dinheiro que lhe pertencia, cabia-lhe a ele provar a proveniência do dinheiro. 

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 – RELATÓRIO

AA, residente em ..., ..., instaurou a presente ação declarativa de condenação, que seguiu a forma (única) de processo comum, contra BB, residente em ..., ..., pedindo ao tribunal que:

a) reconheça e declare que, na constância do casamento, o casal comum que foi constituído por autor e ré, introduziu no lote de terreno inscrito na matriz sob o artigo ...41 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...04, propriedade da Ré, por ser bem próprio dela, benfeitorias úteis e necessárias, no valor de 183.884,95€, correspondentes à construção da casa de morada de família, com a execução dos trabalhos e aquisição e incorporação dos materiais melhor descritos supra nos artigos 11.º a 23.º da petição inicial;

b) reconheça e declare que as referidas benfeitorias, em virtude da sua natureza e estrutura, não podem ser levantadas do referido lote de terreno onde foram executadas, sem detrimento das mesmas;

c) reconheça e declare que a autora e o réu são credores, na proporção de metade cada um, sobre o património comum, do referido valor de 183.884,95€, sob pena de enriquecimento sem causa da ré à custa do autor.

Para tanto, alega, em síntese, que a autora e o réu casaram um com o outro no dia 15/09/2007, tendo o casamento sido dissolvido, por divórcio decretado por sentença proferida no dia 19/04/2018, em consequência do que foi instaurado inventário (notarial) para partilha dos bens comuns do casal, onde as partes foram remetidas para os meios comuns relativamente ao valor das benfeitorias efetuadas pelo casal em terreno que era propriedade da ré.

Neste sentido, alega que a ré, antes do casamento, era proprietária de um lote de terreno inscrito na matriz sob o artigo ...41 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...04, que lhe tinha sido doado por seus pais, onde, após o casamento, o autor e a ré construíram uma moradia, que veio a ser a casa de morada de família, cujas despesas (de construção, administrativas e de equipamento do recheio) foram suportadas pelo casal, que encomendou e pagou os serviços/trabalhos/equipamentos descritos nos artigos 11º a 23º da petição inicial.

Alega que as obras efetuadas não podem ser levantadas do lote de terreno propriedade da ré sem a sua deterioração, tendo gastado em tais obras o valor de 183.884,95€, montante que aumenta em igual montante o valor do lote de terreno, cabendo ao autor o direito a metade desse valor.

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A ré, regularmente citada, contestou, pugnando pela improcedência da ação. Deduziu, ainda, reconvenção contra o autor, pedindo ao tribunal que:

I) reconheça e declare que as benfeitorias, que correspondem à casa de habitação implantada e construída há cerca de quase 10 anos, no lote de terreno, propriedade da ré e descrito no n.º 7 da PI, localizado em ..., em virtude da sua natureza e estrutura, não podem ser levantadas do referido lote sem detrimento das mesmas;

II) reconheça e declare que a quantia monetária de 45.964,27€ que a ré tinha de solteira e que transferiu da sua conta bancária de solteira para a conta comum do casal, foi aplicada no pagamento das referidas benfeitorias efetuadas no lote de terreno da ré, bem próprio da ré;

III) reconheça e declare que, atualmente, o valor das benfeitorias efetuadas no referido lote de terreno da ré, é de 37.065,97€;

IV) reconheça e declare que houve sub-rogação total das referidas benfeitorias no lugar da quantia monetária que a réu transferiu da sua conta bancária de solteira para a conta comum do casal, donde saíram os pagamentos das benfeitorias efetuadas no lote de terreno da ré, bem próprio da ré;

V) reconheça e declare que quanto a este valor sub-rogado de benfeitorias no valor da quantia monetária da ré, tratando-se de um bem próprio da ré, não terá assim que ser objeto de partilha;

Subsidiariamente ao pedido em III), IV) e V);

VI) Caso seja reconhecido e declarado que atualmente a avaliação das referidas benfeitorias resulta num valor superior à referida quantia monetária de 45.964,27€;

VII) reconheça e declare que houve sub-rogação parcial das referidas benfeitorias no lugar da correspondente quantia monetária de 45.964,27€, que a ré transferiu da sua conta bancária de solteira para a conta comum do casal, donde saíram os pagamentos das benfeitorias efetuadas no lote de terreno da ré, bem próprio da ré;

VIII) Quanto a este valor sub-rogado de benfeitorias no valor de 45.964,27€, tratando-se de um bem próprio da ré, deverá ser reconhecido e declarado que não terá assim que ser objeto de partilha;

IX) Quanto ao eventual valor de benfeitorias que ultrapasse o referido valor sub-rogado de 45.964,27€, deverá ser reconhecido e declarado que o autor e a ré são credores na proporção de metade cada um, sobre o património comum, desse valor que ultrapasse o referido valor sub-rogado.

Para tanto, admitindo a factualidade referente ao casamento e divórcio, à propriedade do lote de terreno e à realização de algumas obras, alega que a moradia em questão começou a ser construída apenas no ano de 2010, tendo sido estimado o custo da sua construção no montante de 96.214,25€, mas que grande parte dos pagamentos efetuados (45.964,27€) foram efetuados com dinheiro propriedade da ré, que tinha na sua conta bancária de solteira.

Alega, por outro lado, que, tendo sido adjudicada a construção da moradia com “chave na mão”, o valor patrimonial tributário das benfeitorias efetuadas ascende a 37.065,97€, tendo havido sub-rogação deste valor no valor que foi pago pela ré, através do dinheiro que tinha na sua conta bancária de solteira.

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O autor replicou, pugnando pela inamissibilidade da reconvenção relativamente aos pedidos formulados em I), III) e VI), impugnando o alegado valor das benfeitorias, bem como o alegado direito de crédito da ré, concluindo pela improcedência da reconvenção e nos termos da petição inicial.

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Findos os articulados, o tribunal realizou a audiência prévia das partes, tendo tentado a conciliação das partes, admitido a reconvenção deduzida, proferido despacho saneador, definido o objeto do litígio e fixado os temas da prova, conduzindo os autos para a audiência final, com previa realização de prova pericial.

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Realizada a perícia determinada, realizou-se a audiência final, com observância das formalidades legais, como se alcança das respetivas atas.        

Na sentença, considerou-se, em suma, que estando em causa benfeitorias úteis feitas pelo casal formado por A. e Ré, na constância do casamento, em prédio que era bem próprio da Ré, da factualidade provada resultava que o valor das obras coincidia com o valor aumentado ao prédio, isto é, no montante de € 135.960,00, donde um direito de crédito do A. sobre a Ré no montante de € 67.980,00, sendo que já improcedia a reconvenção, por a Ré não ter logrado provar que as benfeitorias tivessem sido feitas com dinheiro exclusivamente seu, assim ficando prejudicado o demais peticionado pela Ré com essa base, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

«IV – Dispositivo.

Pelo exposto, o tribunal julga a ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolvendo a ré do demais peticionado e o reconvindo dos pedidos:

a) Reconhece e declara que, na constância do casamento, o casal comum que foi constituído por autor e ré, introduziu no lote de terreno inscrito na matriz sob o artigo ...41 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...04, propriedade da Ré, por ser bem próprio dela, benfeitorias úteis, no valor de 135.960,00€ - correspondentes à construção da casa de morada de família, com a execução dos trabalhos e aquisição e incorporação dos materiais melhor descritos nos factos provados;

b) Reconhece e declara que as referidas benfeitorias, em virtude da sua natureza e estrutura, não podem ser levantadas do referido lote de terreno onde foram executadas, sem detrimento das mesmas;

c) Reconhece e declara que o autor é credor da no montante de 67.980,00€, sob pena de enriquecimento sem causa da ré à custa do autor.

Condena o autor e a ré no pagamento das custas da ação e na proporção do decaimento e condena a reconvinte nas custas da reconvenção – com aplicação da Tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Processuais (cfr. artigos 527º/1 e 2 e 607º/6 do Código de processo Civil e 6º/1 do Regulamento das Custas Processuais).

Registe e notifique – e, oportunamente, devolva o processo administrativo à Câmara Municipal ....»[2]

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Inconformada com essa sentença, apresentou a Ré recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões[3]:

« A) Tendo em conta, a globalidade dos factos provados, nomeadamente os factos provados nº 25 a 33 inclusive, da Sentença recorrida, muito respeitosamente, ficou evidenciado que: a R amealhara a quantia de 45.964,27€ até se casar; que esse dinheiro amealhado gerara juros; que depois de se casar a R fez duas

transferências da sua conta de solteira para a conta co-titulada (uma uma direta no valor de 25.000,00€, em 12/08/2010 e outra, que passou ainda por uma outra conta da R, no valor de 23.383,07€, em 04/03/2013) no total de 48.383,07€; para além destas duas referidas entradas de dinheiro na conta co-titulada, provenientes da conta da R, no total de 48.383,07€, mais nenhuma outra entrada na referida conta co-titulada foi provada, ou alegada sequer, ou referida em qualquer parte da Sentença recorrida. Tendo ainda em conta a globalidade dos factos provados, nomeadamente os factos provados nº 23 e 34 e a seguinte parte da “Motivação (…) O teor dos docs. de fls. 108 e v.º, que documentam o teor de dois cheques emitidos em nome do empreiteiro (CC), um emitido … no dia 18/08/2014, no valor de 20.000,00€, e outro emitido … no dia 04/01/2012, no valor de 25.000,00€, que foram pagos, respetivamente, em 29/08/2014 e 05/01/2012, ambos sacados sobre a conta “5400” (…)”, (o que se podem considerar factos suplementares), ficou evidenciado que, para além destes dois referidos cheques que titulam saídas da conta co-titulada para o empreiteiro que construiu as benfeitorias em causa nestes autos (CC), no total de 45.000,00€, mais nenhuma outra saída da referida conta co-titulada, “a conta “5400”, foi provada, ou alegada sequer. Tendo também em conta que o facto alegado pelo A no nº 10 da sua PI, resultou como não provado, conforme consta da Sentença recorrida: “2. Factos não provados(…)1.(…) tudo com os proventos auferidos por ambos, do seu trabalho.” Tendo ainda em conta que não foi provada, ou sequer alegada qualquer outra saída ou outra finalidade do dinheiro da conta co-titulada, muito respeitosamente, as especulações acerca de possíveis destinos do dinheiro da R, que apareceram de surpresa na Sentença recorrida, vão contra o princípio do contraditório, do dispositivo e contra o objetivamente evidenciado. Tendo ainda em conta a globalidade dos factos provados atrás referidos e os restantes elementos da motivação também atrás referidos e demais elementos que constam da Sentença e dos autos (nomeadamente as faturas emitidas pelo empreiteiro), deve concluir-se que é lógico, normal e resulta da experiência comum: que a quantia de 25.000,00€, transferida da conta de solteira para a conta co-titulada, em 12/08/2010, ficou na conta co-titulada (pois desde essa data nenhuma outra saída ficou provada ou foi sequer alegada) até ter saído através do cheque no valor de 25.000,00€ emitido no dia 04/01/2012 em nome do empreiteiro (CC) e cujo valor corresponde aproximadamente à soma das faturas juntas aos autos n.º ...53, de 14/04/2012, n.º 159, de 18/06/2012 e n.º 114/3, de 31/03/2014, podendo ter servido para pagar estas faturas ou outras já emitidas antes, nomeadamente a fatura nº ...47 de 28/12/2011, precisamente, também no mesmo valor de 25.000,00€; e que a quantia de 23.383,07€, transferida da conta de solteira para a conta co-titulada, em 04/03/2013, ficou na conta co-titulada (pois nenhuma outra saída ficou provada ou foi sequer alegada) até ter saído através do cheque no valor de 20.000,00€ emitido no dia 18/08/2014, também em nome do mesmo empreiteiro e que corresponde precisamente ao valor mencionado na fatura junta aos autos n.º ...1, de 29/08/2014. Pelo que, muito respeitosamente, por todos os motivos que se acabam de alegar e melhor especificados acima, fica evidenciado que a referida quantia, no total de 45.000,00€ que foi utilizada para pagar ao empreiteiro, parte da construção das benfeitorias em causa nestes autos, proveio de dinheiro próprio da Ré. Assim, tendo em conta que não estão em causa nestes autos, interesses de terceiros, mas tão só interesses dos cônjuges, em que “a sub-rogação real referida no art.1723.º, alínea c), do Cód. Civil pode ser provada por qualquer meio”; e tendo também em conta que, mesmo que se apure que as benfeitorias tiveram um custo superior ao valor do referido dinheiro próprio da R (45.000,00€) que foi utilizado para pagar parte da construção das  mesmas, deve entender-se que as mesmas terão natureza do dinheiro próprio, saído da conta da R, até ao valor de 45.000,00€ (ou até ao valor efetivo das

mesmas, se inferior); deve decidir-se que houve sub-rogação do valor das benfeitorias, correspondentes ao valor de 45.000€ (ou até ao valor efetivo das mesmas, se inferior) no lugar do referido dinheiro próprio da R - art.º 1722 nº 1 a) e as referidas anotações no C Civil anotado de Abílio Neto relativas ao art.º 1723º, c).

B) Sem prescindir do atrás alegado: Consta da Sentença recorrida, para além do mais, que “Relativamente à obrigação de restituir, dispõe o artigo 479º do Código Civil, que «a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido (…)”.

Ora, dos factos provados que constam da Sentença recorrida, não existe qualquer facto provado que evidencie que o A tenha contribuído com qualquer valor, para a construção das benfeitorias em causa nestes autos. Antes pelo contrário, para além do alegado na conclusão anterior, do que resultou dos factos não provados foi que não se provou o que o A alegara no nº 10 da sua PI, ou seja, que as benfeitorias teriam sido construídas com os proventos auferidos por ambos, do seu trabalho, conforme consta da Sentença recorrida: “ 2. Factos não provados. (…) 1. (…) tudo com os proventos auferidos por ambos, do seu trabalho;”.

Efetivamente, para além de o A não ter efetuado prova de qualquer pagamento de benfeitorias com dinheiro próprio, também não provou qualquer pagamento “…com os proventos auferidos por ambos, do seu trabalho”. Ou seja, o A não cumpriu o “ónus da prova dos factos constitutivos do direito” que “impende sobre a pessoa que invoca esse direito”. Pelo que, tendo em conta, nomeadamente o previsto no art.º 346º do C Civil (… é a questão decidida contra a parte onerada com a prova”), muito respeitosamente, impõe-se que se conclua que, no âmbito do instituto do enriquecimento sem causa, adotado na Sentença recorrida, não estão preenchidas as exigências legais para se poder decidir que o A tenha direito de indemnização pelas benfeitorias em causa nestes autos.

C) Sem prescindir do atrás alegado: Consta da Sentença recorrida, para além do mais, que “…a obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento (art. 479.°, n.° 2)” e “… o que decide é o valor, do enriquecimento ou do empobrecimento, que se apresente mais baixo”. Ou seja, o instituto do enriquecimento sem causa, conexo com benfeitorias exige que se apurem dois valores, para se saber qual dos dois é menor: Se o valor gasto com as benfeitorias ou se o valor efetivo das benfeitorias na data em que o valor é reclamado. E, dos factos provados mencionados na Sentença recorrida apenas consta o alegado valor gasto: “18. O valor gasto nas ditas construções ascende ao valor global de 135.960,00€”. Ora, este valor adotado pela Sentença, foi indicado apenas por dois peritos que subscreveram uma parte do Relatório Pericial, havendo, no entanto, um voto de vencido. E quanto ao método que foi adotado pelos dois peritos, que subscreveram essa parte do Relatório Pericial, para chegarem ao alegado valor dos gastos, adotado pela Sentença, foi o mesmo criticado pelo perito DD no seu voto de vencido (críticas essas que se dão como reproduzidas) e pela Reclamação apresentada pela recorrente em 11/10/2021, onde pediu que fossem também supridas várias deficiências, obscuridades, contradições e falta de fundamentação (reclamação essa que também se dá como reproduzida). No despacho subsequente de 03/01/2021, o MM juiz referiu, para além do mais, que iria “ponderar na decisão a proferir nos autos qual o laudo pericial que mais convence”. Todavia, por todos os fundamentos acima alegados, que se dão como reproduzidos, muito respeitosamente, consideramos que a Sentença não ponderou com rigoroso juízo crítico “qual o laudo pericial que mais convence”. Digamos em jeito de síntese que a Sentença nem se pronunciou sequer sobre as seguintes desconformidades repetidamente alertadas: os dois peritos que indicaram o alegado “valor gasto” adotado pela Sentença consideraram, sem qualquer justificação que o custo de construção do m2 para os anos em causa, na região da ..., seria de 550,00€ m2, ou seja, muito superior ao determinado pelas portarias acima referidas que estabeleceram o preço do m2 para os anos em causa em “482,40€” para ... e para o resto do país; ao valor que lhes deu em resultado ainda lhe somaram, sem qualquer justificação, o valor astronómico de 12.360,00€ relativo a alegados projetos (valores estes que, naturalmente, já estão incorporados no preço por m2 estabelecido pelas referidas portarias); o alegado custo da cave (uma área que não tem sequer divisórias nem acabamentos), sem qualquer justificação, é quase igual ao valor que atribuíram ao R/C; quanto à avaliação das benfeitorias não tiveram em conta a sua localização, mas quanto à avaliação do lote da R, játiveram em conta que se localiza “em aldeia” “(...” “ ..e em zona rural”. Acresce referir que é notório que “uma obra que tenha custado uma certa quantia, mas localizada numa aldeia remota tem um valor completamente diferente de uma obra com os mesmos custos mas efetuada numa cidade” e a própria Sentença refere que “A diferença entre o custo das benfeitorias e o valor que elas acrescentaram à coisa possuída resultará, em regra, de factores (localização, natureza, qualidade da coisa, etc.) que pertencem mais ao proprietário do que ao possuidor…”. Ou seja, apesar de ser notório e de a Sentença identificar fatores, nomeadamente a localização, que podem influenciar o valor que as benfeitorias acrescentam ou não à coisa, contraditoriamente, não tem em conta, nem esse mencionado fator da localização para corrigir o valor dos alegados custos, apesar de constar da Sentença que as benfeitorias se localizam numa aldeia do interior de nome ... (nomeadamente, factos provados nº 6 e 7). Para além de que, se o critério tido em conta na parte do Relatório Pericial adotado pela Sentença, foi o “método do custo”, muito respeitosamente, seria mais fidedigno, real e objetivo, que os peritos simplesmente tivessem contactado o empreiteiro (identificado nos autos e no processo da CMG anexo aos autos - CC), para confirmarem as respetivas faturas emitidas que até já se encontravam junto aos autos, para se certificarem dos efetivos custos reais (em vez de fazerem meras estimativas com critérios muito discutíveis e contraditórios), podendo os peritos ter efetuado estas diligências ao abrigo nomeadamente do artigo 481º do CPC. E a própria Sentença que teve em conta na parte da “Motivação” “O teor dos docs. juntos a fls. 74 a 76 (pela ré), que documentam o teor das faturas emitidas pelo empreiteiro CC (n.º ...31, de 08/06/2011; n.º 141, de 14/10/2011; n.º ...53, de 14/04/2012; n.º 147, de 28/12/2011; n.º 159, de 18/06/2012; n.º ...1, de 29/08/2014; n.º 114/3, de 31/03/2014), cujos montantes respetivos não se mostra integralmente percetíveis, mas que permitem concluir que nenhum dos valores faturados coincide com os valores objeto …”, dando-lhes relevância, necessariamente deveria ter retirado a conclusão matemática que se impunha, que era somar os referidos “valores faturados” para obter o valor efetivo total dos custos das benfeitorias. E os mencionados “valores faturados” contantes das faturas juntas aos autos, como se pode constatar nas mesmas (fatura “n.º ...31, de 08/06/2011” - 21.400€; “n.º 141, de 14/10/2011” - 20.000€; “n.º ...53, de 14/04/2012”- 8.600€; “n.º 147, de 28/12/2011” - 25.000€; “n.º 159, de 18/06/2012” - 12.000€; “n.º ...1, de 29/08/2014” - 20.000€; “n.º 114/3, de 31/03/2014” - 2.750€), somam simplesmente a quantia global de 109.750,00€, sendo muito mais credível a soma dos efetivos “valores faturados”, pelo empreiteiro que construiu as benfeitorias, que, aliás se aproxima muito mais da “estimativa do custo total da obra que consta do respetivo processo de construção na Câmara Municipal ... de 96.214,25€”.Pelo que, nesta parte, existe falta de fundamentação, erro de julgamento, ou mesmo nulidade da Sentença por contradição entre pressupostos e conclusão (art.º 615º nº 1 c) do CPC), devendo ser dado como não provado o facto provado nº 18 e também o facto consequente, constante do facto provado nº 20. Pelo que, se tiver que se apurar qual o valor das benfeitorias esse valor não poderia ser o que consta do facto provado nº 18 da Sentença.

D) Por outro lado, sem prescindir do atrás alegado, a parte do Relatório Pericial subscrito pelo perito DD (voto de vencido), que consta dos autos, que se dá como integralmente reproduzido, tem em conta todos os fatores determinantes numa avaliação deste tipo, nomeadamente os mais relevantes e que, no caso concreto, são o da localização (reconhecido na Sentença) e a data em que as obras foram efetuadas, ou seja, entre o final do ano de 2010 e o final do ano de 2014 (devendo ser tido em conta o facto complementar, evidenciado nomeadamente no processo de obra da CMG junto aos autos, no livro de obra, e no teor dos depoimentos, nomeadamente de EE: “As benfeitorias que se traduziram na “casa que veio a ser a de morada de família do casal, em Portugal” “foram construídas entre o final do ano de 2010 e o final do ano de 2014;”). Acresce que, esta parte do Relatório do perito DD contém logo no início, um conjunto de nove razões para justificar que o critério usado por este perito (que é o mesmo critério adotado pela avaliação efetuada pelas finanças no âmbito do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)), é o mais objetivo que se conhece para efetuar o cálculo do valor das benfeitorias, ou seja para determinar o Valor Patrimonial Tributário (VPT) das mesmas. E essas nove razões invocadas para justificar a opção pelo referido método, objetivado nomeadamente nos artigos 38º a 44º do CIMI (sinteticamente, por ser fruto de muitos estudos prévios e preparatórios; ser constantemente atualizado; se traduzir numa fórmula matemática que tem em conta a relevância relativa de todos os fatores minorativos e majorativos; não dar espaço à subjetividade, à discricionariedade, nem às especulações conjunturais; ser supervisionado por organismos de coordenação e supervisão com uma composição que garante a representatividade dos agentes económicos e das entidades públicas ligadas ao sector; ser tido em conta pelo Estado Português para avaliar, balizar e fiscalizar todos negócios relacionados com imóveis em Portugal), nem foram sequer contraditadas pelos outros dois peritos, nem pela Sentença recorrida. Acresce que, na referida parte do relatório, o referido perito DD, justifica, calcula, demonstra e preenche de seguida os dados objetivos da fórmula “Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv”, prevista nos artigos 38º a 44º do CIMI, dados esses que também não foram contraditados nem pelos outros dois peritos nem pela Sentença recorrida. Efetivamente, a Sentença recorrida desvalorizou sem fundamentação adequada, a parte do Relatório Pericial correspondente ao voto do Perito DD, e sem ter efetuado um juízo crítico que o colocasse em causa. Ou seja, não foram colocados em causa os dados indicados pelo perito DD relativos ao cálculo da área (e dos vários tipos de áreas), ao valor do custo do m2 para os anos da construção da benfeitorias, o coeficiente de localização, o coeficiente de qualidade e conforto (por ser uma moradia e ter garagem) e de vetustez, acima mais especificamente demonstrados e justificados e que se dão como reproduzidos, onde se demonstrou matematicamente que o valor efetivo das benfeitorias seria de 48.775,08€ (201,25m2 x 482,40€ x 1 x 0.45 x 1,24 x 0,90). Acresce que, se extrai dos elementos juntos aos autos e também não foi contraditado sequer o que consta do próprio Relatório Pericial na parte subscrita pelo perito DD, onde refere que as referidas benfeitorias que se traduziram numa casa de habitação, não têm licença de utilização (devendo ser tido em conta este facto complementar, evidenciado nomeadamente no processo de obra da CMG junto aos autos donde não consta qualquer licença de utilização, e no teor dos depoimentos de EE e de FF: “A referida casa não tem ainda licença de utilização”). E como é do conhecimento geral, uma casa sem a licença de utilização, não pode ser vendida nem arrendada pelo que, o seu valor efetivo no mercado de venda ou no mercado de arrendamento é de zero euros. Para solucionar esta questão o referido perito indicou também o que teria que ser feito - projetos e obras de alterações - que custariam no total 12.257,36€ (6.476,26€ + 5.781,10€ respetivamente), o que também nem foi contraditado. Pelo que, concluiu que as referidas benfeitorias, tinham o valor efetivo de 36.517,72€ (48.775,08€ - 12.257,36€), na altura. Assim, se tiver que se apurar qual o valor efetivo das benfeitorias na data em que o valor é reclamado esse valor seria de 36.517,72€, dando-se como provado parcialmente o que consta dos factos nº 23 e 46 da Contestação da R, onde refere que as benfeitorias tinham na altura o valor de 37.065,97€, devendo efetuar-se a ligeira correção para 36.517,72€, tendo em conta os elementos complementares que resultaram da instrução. Pelo que, mesmo que não fosse procedente a conclusão A) nem a conclusão B) (o que só se admite academicamente), o crédito que corresponderia ao A seria de metade deste valor, ou seja 18.258,86€.

E) Sem prescindir do atrás alegado: Uma vez que, na Sentença recorrida, no âmbito do instituto do enriquecimento sem causa, conexo com benfeitorias, se refere que, se o valor dos gastos forem inferiores ao valor efetivo das benfeitorias, seria esse o valor a ter e conta, é também necessário encontrar-se o valor correto dos gastos, nem que seja por razões meramente académicas: “ …nunca mais, todavia, do que o quantitativo do empobrecimento do lesado, caso este se mostre inferior àquele”. Porém, o alegado “valor gasto” que consta dos factos provados (facto nº 18, que não teria um valor inferior ao valor efetivo das benfeitorias) resultou simplesmente do valor indicado no Relatório Pericial na parte subscrita apenas por dois peritos (havendo um voto de vencido) pois é precisamente o mesmo valor, que o MM juiz deu como provado. E quanto ao método de cálculo do alegado valor gasto adotado pelos dois peritos, dão-se por reproduzidas as críticas mencionadas nas conclusões anteriores e acima melhor desenvolvidas. Salienta-se apenas que, encontrando-se junto aos autos as faturas emitidas pelo empreiteiro que construiu as benfeitorias em causa, com contrato “com chave na mão” (facto provado nº 23) e tendo até a Sentença recorrida dado relevância aos “valores faturados” constantes das mesmas, se tiver que se apurar qual seria o valor efetivo dos gastos com as benfeitorias (para se apurar nomeadamente se seriam inferiores ao valor efetivo das benfeitorias) dever-se-ia simplesmente somar os referidos “valores faturados”, conforme atrás evidenciado, donde resulta a quantia global de 109.750,00€, (não sendo, portanto, inferior ao valor efetivo das benfeitorias) o que constituiria mais um facto complementar.

F) Sem prescindir do atrás alegado, em último caso, se se tivesse que partir do alegado valor gasto para se tentar obter o valor efetivo das benfeitorias, mesmo partindo-se do valor especulativo de 135.960,00€ (ou melhor, na nossa opinião, como justificámos anteriormente, do valor efetivo de 109.750,00€ pago ao

empreiteiro) deveriam pelo menos efetuar-se ainda os seguintes subsequentes cálculos: Como as obras não têm licença de utilização (como está evidenciado nos autos), deveria ainda subtrair-se o referido valor de 12.257,36€ de custos associados com projetos e obras de alterações, para que as obras possam obter a licença de utilização, donde resultaria o valor de 123.702,64€ (ou melhor, de 97.492,64€). De seguida, deveria aplicar-se-lhe, pelo menos, o fator corretivo de localização adequado, reconhecido na Sentença como sendo um fator determinante a ter em conta, o que aliás é notório, uma vez que dos autos consta que as benfeitorias se localizam na aldeia de ..., concelho e distrito ...; e muito respeitosamente por todas as razões atrás e acima indicadas, o critério que abrange especificadamente todo o território nacional, que é o mais adequado, estudado, trabalhado, atualizado e objetivo, é a aplicação ao referido valor, do coeficiente de localização de 0,45 (conforme consta no Site: “https://zonamentopf.portaldasfinancas.gov.pt/simulador/default.jsp”) donde resultaria o valor de 55.666,19€ (ou melhor, de 49.387,50€). Pelo que, em último caso, se o atrás alegado não procedesse (o que só se admite academicamente), o crédito do A seria de 27.833,09€ (ou melhor, de 24.693,75€).

Termos em que decidindo conforme o alegado, será feita justiça.»                                                     

                                                                       *

            Por sua vez, apresentou o A contra-alegações[4], as quais finalizou pugnando no sentido de que

 «Nos sobreditos termos:

a) deve o recurso ser rejeitado e não ser apreciado, nos termos e com os fundamentos vertidos supra nos arts.º 14.º a 28.º.

Quando assim não se entenda,

b) deve o mesmo ser julgado improcedente, nos termos e com os fundamentos vertidos supra nos arts.º 29.º a 56.º,

c) condenando-se a recorrente como litigante de má-fé, no pagamento de multa ao Tribunal, nos termos e com os fundamentos supra explanados nos arts.º 43.º a 56.º, mantendo-se a douta sentença recorrida nos precisos termos em que foi proferida.»

                                                                      *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Ré nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            - rejeição do recurso por alegado incumprimento do despacho de aperfeiçoamento das “conclusões”? (como questão prévia suscitada nas contra-alegações do A./recorrido, relativamente ao recurso da Ré/recorrente);

- nulidade da sentença, por contradição entre pressupostos e conclusão [art. 615º, nº 1, al. c) do n.C.P.Civil];

            - erro na decisão da matéria de facto, quanto aos factos “provados” sob os pontos “18.” e “20.” [relativamente aos quais pugna por que sejam julgados como “não provados”] e quanto aos arts. nº 23 e 46 da Contestação da R. [relativamente aos quais pugna por que sejam julgados como “provados”, ainda que com a correção para o valor de € 36.517,72, em vez do valor de € 37.065,97 que neles figura];

- incorreto julgamento de direito [porquanto o A. não teria cumprido o ónus da prova dos factos constitutivos do direito, sucedendo, ao invés, que a Ré havia logrado provar que as benfeitorias foram pagas com dinheiro de sua propriedade, donde lhe assistir o direito de sub-rogação dos valores pagos com esse dinheiro bem próprio seu; também por desacerto no valor atribuído ao A. como indemnização pelas benfeitorias realizadas, nomeadamente ao desconsiderar a avaliação patrimonial fiscal do imóvel e aderindo ao método/critério do custo].

- condenação da Ré/recorrente como litigante de má-fé, em multa, ao abrigo do disposto nos art.os 542º, nº 1 e 2 do C.P.Civil e segs. (questão também suscitada nas contra-alegações do A./recorrido).

                                                                       *

3 – QUESTÃO PRÉVIA

Cumpre começar pela apreciação da invocada rejeição do recurso da Ré/recorrente por alegado incumprimento do despacho de aperfeiçoamento das “conclusões”.

Recorde-se que, foi por se ter considerado que as “conclusões” das alegações do recurso apresentadas pela Ré/recorrente eram muito extensas e densas, ocupando número de páginas pouco inferior à “motivação” propriamente dita, da qual, aliás, eram reprodução ipsis verbis em grande parte, que o ora Relator, proferiu despacho-convite à Ré/recorrente, ao abrigo e sob a advertência do disposto no nº 3 do art. 639º do n.C.P.Civil, «(…) para suprir a deficiência apontada, com a apresentação de novas alegações de recurso em que as respetivas “conclusões” figurem de forma efetivamente condensada e com proposições sintéticas».

Mais concretamente, as alegações primitivamente apresentadas pela Ré/recorrente distribuíam-se por um total de 32 páginas, sendo que as “conclusões” ocupavam 14 dessas páginas.

Correspondendo a tal convite, a Ré/recorrente apresentou novas alegações de recurso, agora com um total de 25 páginas, sendo que as “conclusões” figuram em 7 dessas páginas.

De referir que estas ditas novas “conclusões” denotam um esforço de síntese, emboras as mesmas ainda subsistam algo densas, pelo que não se pode considerar que as mesmas correspondam ao melhor figurino legal.

Ainda assim, temos presente a jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, de sentido permissivo, nomeadamente à luz do princípio processual do aproveitamento dos atos, sublinhando ainda em data recente o seguinte (sumário):

«(…)

III. Para efeitos do art.º 639.º, n.º 3, do CPC, após proferir o despacho de convite ao aperfeiçoamento e de analisar a atuação do recorrente e a eventual resposta do recorrido, o relator deve ponderar de novo, dentro do seu prudente critério e com recurso aos princípios gerais do processo civil, qual a solução que mais se ajusta à concreta situação, sem estar vinculado ao despacho de convite que não está coberto pela força do caso julgado.

IV. Tem sido constante na jurisprudência do STJ o entendimento segundo o qual só em casos extremos a deficiente reformulação das conclusões, após convite dirigido pelo relator à parte, deve dar lugar ao não conhecimento do recurso.

V. Apresentando o recorrente novas conclusões, ainda que reproduzindo grande parte das que havia apresentado anteriormente e embora longe da perfeição, sendo facilmente apreensível a linha de raciocínio seguido, com indicação das questões que pretende ver solucionadas, não há motivo para deixar de conhecer o recurso.»[5]

Ora se assim é, compulsando estas novas alegações do recurso, mormente as “conclusões” que dele fazem parte, impõe-se concluir que as mesmas permitem percecionar suficientemente as “questões” que se querem ver apreciadas, mormente a impugnação à decisão sobre a matéria de facto quanto aos factos “provados” sob os pontos “18” e “20” [cf. “conclusão” sob a al “C)” in fine] e quanto aos arts. nº 23 e 46 da Contestação da R.[6] [cf. “conclusão” sob a al “D)” in fine].

Assim sendo, aderindo a uma tal linha de entendimento, e sem necessidade de maiores considerações, improcede o suscitado nesta questão prévia.

                                                           *

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de “FACTOS PROVADOS”:

«1. A autora e o réu casaram um com o outro no dia 15 de setembro de 2007, sem convenção antenupcial;

2. Casamento este que veio a ser dissolvido por divórcio, decretado por sentença proferida em 19.04.2018 transitada em julgado, na ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge n.º 335/18...., convolada em ação de divórcio por mútuo consentimento;

3. Com vista à partilha dos bens comuns do casal, o aqui autor intentou o respetivo processo de inventário em 06.12.2018;

4. Processo de partilha este, no âmbito do qual, o senhor notário proferiu despacho a remeter as partes para os meios comuns, a fim de aí se discutirem as benfeitorias realizadas pelo casal comum num lote de terreno que já era propriedade da ré aquando do casamento, inerentes à construção da casa que foi a de morada de família do dissolvido casal, com o seguinte teor: “1 – Como deixámos referido no despacho de 08/07/2019, parece resultar evidente, do conteúdo da relação de bens, da reclamação à mesma e da resposta da cabeça-de-casal que as questões invocadas, quer pela sua natureza e complexidade, extravasam os termos e os meios probatórios inerentes ao processo de inventário. ... – Efectivamente entre outras questões complexas, duas existem que cremos ultrapassar claramente os termos e os meios probatórios do processo de inventário, quais sejam as benfeitorias realizadas, qual o seu custo e quem as suportou, se apenas um membro do extinto casal ou se ambos os interessados. 3 – Estas questões, controvertidas, não nos parecem poder ser decididas em processo de inventário, em virtude da sua natureza e complexidade quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito. Assim ao abrigo do disposto no artigo 16º do RJPI, determino a suspensão da tramitação dos presentes autos, remetendo as partes para os meios comuns”;

5. Pouco tempo depois do casamento, o autor e a ré emigraram para ..., onde fixaram residência e trabalharam durante cerca de dez anos;

6. Ainda no estado de solteira, a ré recebeu dos pais, por doação, o lote de terreno acima referido, com a área de 275m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...41 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04;

7. Durante o tempo em que o casal comum viveu e trabalhou na ..., pensou em construir, e construiu, no lote atrás referido, a casa que veio a ser a de morada de família do casal, em Portugal;

8. Para o que, o casal comum encomendou ao G..., Ld.ª, o projeto de arquitetura e de especialidades que deu entrada no município em nome da R. e foi aprovado pelo Município ... e uma alteração ao loteamento, que foi aprovada pelo Município ...;

9. O casal comum encomendou e pagou, os seguintes serviços, trabalhos, materiais e equipamentos:

9.1.A execução de trabalho de desaterro para a construção da garagem da casa, no valor de 2.300,00€;

9.2.A empreitada relativa à construção da projetada e aprovada moradia de cave, rés-do-chão e primeiro andar, e sótão, nos termos em que foi aprovada pelos serviços do Município, onde se englobam designadamente os trabalhos de: a) abertura de caboucos, construção de vigas, pilares, paredes exteriores, e coberturas; b) acabamentos interiores mediante revestimento de paredes e pavimentos e aplicação de louças sanitárias; c) a aplicação de revestimento em granito aparelhado da região com junta funda a cimento no exterior, d) a aplicação de cornija em betão e pilares de granito da região; e) a execução de corrimão e guardas em granito da região; f) a aplicação de telha capa-caleiro de cor vermelha, g) a colocação de portados e janelas em alumínio termo lacado com aro e caixilho branco;

9.3. A empreitada para acabamento da garagem da moradia, no valor de 10.000,00€;

9.4. A empreitada para construção do muro de vedação do lote: a) em pedra de granito aparelhado da região com junta funda a cimento e com pilares de granito da região; b) com a aplicação de corrimão em granito da região, e c) com a instalação de um portão de homem metálico de cor branca e um portão metálico de uma folha também de cor branca;

10. Adquiriram e procederam à instalação: a) de portão de garagem metálico de cor branca e respetivo mecanismo automático de abrir e fechar; b) de uma janela pequena; c) de redes mosquiteiras, tudo no valor de 2.750,00€;

11. Requereram e instalaram o ramal da água potável de abastecimento da moradia, no valor de 375,00€;

12. Requereram e instalaram a baixada da corrente elétrica, no valor de 400,00€;

13. Adquiriram e instalaram um foco de luz incidente sobre o portão exterior, no valor de 75,00€;

14. Adquiriram e instalaram uma antena de televisão parabólica e respetivo “prato”, no valor de 150,00€;

15. Adquiriram e instalaram: a) móveis incorporados na cozinha, e b) os seguintes eletrodomésticos encastrados nos atrás referidos móveis: 1. lava-loiças, 2. misturadora, 3. exaustor, 4. forno, 5. placa, 6. frigorífico combinado, 7. máquina de lavar loiça, 8. Micro-ondas encastrados, tudo no valor de 8.200,00€;

16. Adquiriram e instalaram os candeeiros de iluminação das diversas divisões do imóvel, no valor de 634,95€;

17. As obras efetuadas, consubstanciadas na construção da casa e dos muros de vedação do lote, não podem ser levantadas do lote sem deterioração;

18. O valor gasto nas ditas construções ascende ao valor global de 135.960,00€;

19. O lote de terreno, antes das referidas construções, tinha o valor de 9.625,00€;

20. O prédio em causa (lote de terreno e construções efetuadas), na data em que foram concluídas as obras, tinha o valor de 145.585,00€;

21. A ré BB, antes de se casar com o autor AA, trabalhou vários anos em ...;

22. O autor apenas emigrou para ... em meados de 2008, onde trabalhou até meados de 2017;

23. Em 2010, autor e ré encomendaram a construção de uma casa de habitação e muros de vedação, com chave na mão, para o referido lote de terreno, tendo adjudicado a empreitada ao empreiteiro CC;

24. Sendo a estimativa do custo total da obra que consta do respetivo processo de construção na Câmara Municipal ... de 96.214,25€;

25. A ré, até se casar com o autor, amealhou a quantia monetária de 45.964,27€;

26. Efetivamente, em 12/04/2007, encontrava-se depositada na ..., na conta  ...64, a quantia de 45.964,27€;

27. Esta conta  ...64 pertencia à ré BB e ao seu pai;

28. Esta conta, com o passar do tempo, gerou juros;

29. A conta  ...00 é uma conta conjunta titulada pelo autor e pela ré;

30. A conta  ...30 é uma conta conjunta titulada pela ré e outra pessoa;

31. No dia 12/08/2010 foi efetuada a transferência da quantia de 25.000,00€ da conta  ...64 para a conta  ...00;

32. No dia 14/02/2011 foi efetuada a transferência da quantia 23.383,07€ da conta  ...64 para a conta  ...30;

33. No dia 04/03/2013 foi transferida a quantia de 23.383,07€ da conta  ...30 para a conta  ...00;

34. Foram efetuados pagamentos dos serviços contratados para execução da empreitada e das obras executadas pelo empreiteiro CC através da conta conjunta  ...00.»

                                                                       ¨¨

E o seguinte em termos de “FACTOS NÃO PROVADOS”:

«1. (…) tudo com os proventos auferidos por ambos, do seu trabalho;

2. O casal comum pagou ao G..., Ld.ª o projeto de arquitetura o valor de 5.200,00€ e/ou o valor de 800,00€;

3. A empreitada relativa à construção da projetada e aprovada moradia (…) engloba os trabalhos de: portados interiores;

4. A empreitada foi ou aplicou materiais no valor de 148.500,00€;

5. A empreitada para construção do muro de vedação do lote e colocação de portões tivesse ascendido ao valor de 4.500,00€ e que tivesse sido instalado um portão metálico de duas folhas;

6. O valor gasto nas ditas construções ascende ao valor global de 183.884,95€ e aumenta em igual valor o lote de terreno;

7. Muitos pagamentos relativos aos custos com essa casa tiveram origem na conta de solteira da R e não em “…proventos auferidos por ambos …”;

8. A ré, antes de se ter casado com o autor, esteve emigrada cerca de 12 anos em ...;

9. Posteriormente ao casamento entre A e R, houve duas transferências com origem na referida conta de solteira de BB,  ...64, para a conta comum do casal,  ...00, (…) e outra no valor de 23.186,26€ em 03/04/2013;

10. Foi desta conta conjunta  ...00 que saíram todas as quantias monetárias para efetuar o pagamento das benfeitorias efetuadas no referido lote da R, pelo construtor civil, CC;

11. As benfeitorias efetuadas no referido lote da R têm o valor patrimonial tributário de 37.065,97€;

12. A referida casa de habitação foi efetivamente implantada e construída no lote de terreno há quase dez anos;

13. O valor atual das benfeitorias é de 37.065,97€;

14. A execução dos trabalhos descritos nos arts.º 13.º a 16.º da p.i., neles compreendendo o material e mão-de-obra, foi adjudicada ao empreiteiro EE (e não CC, como referido no art.º 28.º da reconvenção).»

                                                                       *

            4.2nulidade da sentença, por contradição entre pressupostos e conclusão [art. 615º, nº 1, al. c) do n.C.P.Civil].

            De referir que, tendo em conta a alegação da Ré/recorrente, esta nulidade verificar-se-ia porquanto, em síntese, «(…) tendo em conta os pressupostos mencionados na Sentença recorrida, necessários para determinar o valor efetivo das benfeitorias, é contraditória a conclusão que o simples “valor gasto” coincida com o valor efetivo das benfeitorias: “…o mesmo coincide com o valor as obras executadas …”».

            Isto é, e se bem se percebe o sentido da alegação, a contradição decorreria de não ter sido considerado, pelo menos, o factor depreciativo do valor por via da “localização” do imóvel (numa “aldeia”), não obstante se ter referido na sentença que o mesmo devia ser considerado.

Que dizer?

Trata-se de um fundamento atinente à fundamentação da sentença, sucedendo que – e releve-se o juízo antecipatório! – esta invocação, salvo o devido respeito, só se compreende por uma deficiente compreensão do que está subjacente a essa causa de nulidade e à sua dogmática.

Senão vejamos.

Quanto à arguição de nulidade da sentença consistente em os seus “fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão” [1ª parte da al.c) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil], consabidamente, a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, mas, obviamente que quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto.

Na verdade, o que está em causa nesse normativo é a contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão (dispositivo da sentença) seguir caminho oposto ou direção diferente[7], inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.os 667º e 668º do C.P.Civil[8], e atualmente nos art.os 614º e segs. do n.C.P.Civil, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.

Ora, compulsando a sentença, resulta muito claramente qua a fundamentação da mesma assenta, quanto ao particular em causa, no pressuposto claro e inequívoco de que «Estando em causa o “direito de indemnização” pelas benfeitorias úteis efetuadas, analisando os factos provados, conclui-se que o mesmo coincide com o valor as obras executadas e com o valor aumentado ao prédio, que no caso em apreço coincidem, no montante de 135.960,00€, montante este que, tendo sido suportado por autor e ré, na constância do casamento que os unia, sobre um bem próprio da ré, reflete um direito de crédito do autor sobre a ré no montante de 67.980,00€, (…)», donde ter sido proferida sentença/ “dispositivo” tal reconhecendo e declarando, mais concretamente sob a al. “C)” do “dispositivo, «Reconhece e declara que o réu é credor da autora no montante de 67.980,00€, sob pena de enriquecimento sem causa da ré à custa do autor».

Dito de outra forma: só fazendo uma interpretação enviesada ou redutora da linha de fundamentação seguida na sentença se poderia sustentar que foi cometido este vício – com referência à “decisão” constante do “dispositivo”...

O que ocorre é que a Ré/recorrente discorda do julgamento de facto feito, mais concretamente da avaliação e ponderação da prova pericial/laudo maioritário – materializada na opção da sentença recorrida, em termos do que foi considerado como “provado”, mormente nos pontos de facto “provados” sob “18.” e “20.” – mas isso não consiste ou resulta em oposição entre os fundamentos e a decisão, que é causa da “nulidade” invocada.

Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pela Ré/recorrente como fundamento para a procedência do recurso.

                                                                       *

            4.3 – A Ré/recorrente invoca o erro na decisão da matéria de facto, quanto aos factos “provados” sob os pontos “18.” e “20.” [relativamente aos quais pugna por que sejam julgados como “não provados”] e quanto aos arts. nº 23 e 46 da Contestação da R. [relativamente aos quais pugna por que sejam julgados como “provados”, ainda que com a correção para o valor de € 36.517,72, em vez do valor de € 37.065,97 que neles figura].

Esta é efetivamente a subsequente questão a que importa dar solução.

Começando, naturalmente, pelos pontos de facto “provados”.

Rememoremos o seu teor literal, a saber:

«18. O valor gasto nas ditas construções ascende ao valor global de 135.960,00€.»;

«20. O prédio em causa (lote de terreno e construções efetuadas), na data em que foram concluídas as obras, tinha o valor de 145.585,00€.»

Relativamente a ambos estes pontos de facto a Ré/recorrente pugna no sentido de que a respetiva factualidade devia ter sido considerada “não provada”, na medida em que os valores adotados pela sentença foram indicados apenas por dois peritos que subscreveram uma parte do Relatório Pericial, havendo, no entanto, um voto de vencido, sendo que «quanto ao método que foi adotado pelos dois peritos, que subscreveram essa parte do Relatório Pericial, para chegarem ao alegado valor dos gastos, adotado pela Sentença, foi o mesmo criticado pelo perito DD no seu voto de vencido».

Por sua vez, na “motivação” da sentença recorrida, o Exmo. Juiz a quo aludiu a que o tribunal fundamentou a sua convicção na prova produzida e ponderada na sua globalidade, tendo em consideração, nomeadamente para o que ora releva, no seguinte:

«(…)

  O teor do doc. 3 junto com a contestação, que documenta o teor de um relatório de avaliação das benfeitorias, efetuado a pedido da ré – sem que o mesmo permita colocar em causa o juízo pericial que infra referimentos;

(…)

 O teor do relatório pericial efetuado nos autos, de fls. 114 a 137, que documenta a divergência dos peritos nomeados pelo tribunal e indicado pelo autor do perito indicado pela ré, mas que, devidamente analisado e ponderado, tendo em consideração os temas da prova, ou seja, os factos que se impunha provar (o valor do lote de terreno para construção na data do início das obras; o valor das obras executadas; o valor do prédio na data da conclusão das obras; o valor que as obras acrescentam ao terreno), os critérios de avaliação utilizados pelos senhores peritos e o maior rigor, objetividade e independência que nos merece o perito indicado pelo tribunal (por contraposição ao indicado pela ré, cujo laudo se limita a sustentar a versão alegada pela ré ao longo do processo, pautando-se sempre por uma avaliação patrimonial fiscal, ao invés de se preocupar com o real valor das coisas no mercado), levou o tribunal a sustentar a factualidade em causa no laudo dos peritos maioritários, onde se encontra o nomeado pelo tribunal;

(…)

Relativamente à execução as obras, natureza das obras (que não podem ser levantadas ou levantadas sem a sua deterioração), valores de lote de terreno, construção e prédio em causa, não tendo as partes carreado para os autos elementos de prova documental que documentem, por um lado, o teor do contrato de empreitada celebrado com o empreiteiro (para se aferir, além do mais, das obras objeto do contrato e do preço acordado), nem, por outro lado, dos (de todos os) valores efetivamente pagos ao empreiteiro, para além da concordância das partes relativamente a algumas das obras efetuadas, o tribunal fundamentou a convicção relativamente ao valor do lote de terreno antes da execução das obras, às obras efetivamente executadas, ao valor das obras executadas e serviços pagos, ao valor da construção efetuada e ao valor do prédio (incluindo o terreno e a construção), para além da ponderação do teor do processo de obras e documentos conexos juntos aos autos, essencialmente no teor do relatório pericial maioritário subscrito pelo perito nomeado pelo tribunal e pelo perito indicado pelo autor, por nos oferecer, atentos os critérios de avaliação utilizados, maior rigor, objetividade e independência, mostrando-se consentâneos com a realidade observada e com as regras da arte para obras idênticas às executadas e em causa nos presentes autos, de onde resultam provados os factos que ficaram provados e, a contrário, os factos não provados.

(…)»

Que dizer?

Que salvo o devido respeito – e releve-se o juízo antecipatório! – não conseguimos de todo vislumbrar qual o erro de decisão de que enferma a sentença recorrida neste particular.

É que, consabidamente, e em termos gerais, a determinação do valor do lote de terreno, do da construção nele efetuada e o do prédio em si, na medida em que a prova documental e testemunhal produzida era insuficiente e inconcludente, podia e devia buscar-se nos valores dados no laudo/relatório pericial – com especial destaque para o do Perito escolhido pelo Tribunal, no caso de disparidade entre ele e quaisquer outros – em atenção à competência que o Julgador lhe deve reconhecer e que fundamenta o laudo pericial.

De facto, será de considerar preferencialmente a posição do Perito nomeado pelo tribunal, expressa em posição maioritária, perspetivando a sua imparcialidade e desapego a quaisquer interesses subjetivos – como é jurisprudência corrente e praticamente pacífica dos tribunais superiores.[9]

No caso vertente, tal critério e diretriz assume toda a pertinência e relevância, considerando que o relatório pericial que foi acolhido obteve a concordância de dois dos três Peritos que intervieram na perícia, estando entre os subscritores do dito laudo maioritário o Perito do Tribunal (em parceria com o perito nomeado pelo A.).

A este propósito, não podemos deixar de reafirmar que apesar de o Julgador fixar livremente a força probatória das respostas dadas pelos Peritos, no fundo o poder que lhe cabe é o de controlo dos critérios por eles utilizados.[10]

Dito de outra forma: tal não significa uma irrestrita vinculação ao laudo maioritário, já que o tribunal pode introduzir-lhe ajustamentos, fazer correções, colmatar falhas, ou seguir o laudo ou critérios diferentes, se os tiver por mais justos, de acordo com os elementos probatórios que possuir.[11]

Sucede que, salvo o devido respeito, não vislumbramos que ajustamento ou correção fosse de introduzir – ou se impusesse fazer! – num caso como o ajuizado.

Na verdade, no dito laudo maioritário, constante de fls. 118-127, e como flui particularmente de fls. 126, foi seguido o critério/método do "Custo de construção ou reposição", tendo-se, nomeadamente, ponderado o custo do terreno [fixado em € 9.625,00], o custo da construção [calculado em € 123.600,00] e os custos de projeto, administrativo e comerciais [contabilizados em € 12.360,00].

À luz desses valores unitários, alcançou-se o valor total parcial das obras executadas em € 135.960,00 [= 123.600,00 + 12.360,00] e o valor do prédio (lote de terreno, com a construção nele incorporada) como sendo de € 145.585,00.

De referir que este último se encontra muito claramente expresso como reportado “à data em que foram concluídas as obras”.

Sendo certo que este último aspeto também expressamente consta do ponto de facto “provado” sob “20.” em análise.

Ora se assim é, não nos pode merecer qualquer acolhimento a alegação enfática constante das alegações recursivas no sentido de que podia e tinha que ser valorado o sentido do voto do perito vencido para as respostas a ambos estes pontos de facto “provados” sob “18.” e “20.”, isto com referência ao critério por ele eleito, a saber, o do “Valor Patrimonial Tributável”.

É que se para o “Valor Patrimonial Tributável” o tema fiscal é primordial, no "Custo de construção ou reposição" os custos construtivos são o fundamental, face ao que, um imóvel pode ser valorizado pelos seus custos efetivos no local em que teve lugar a construção, enquanto na valorização pelo “Valor Patrimonial Tributável” corresponde em norma a uma expressão matemática que embora considere uma série de coeficientes, mas ainda assim muito rígida e com pouca aderência ao mercado – exemplo disso é o valor €/m2 para construção, independentemente do tipo de construção.

Por outro lado, os fatores que o Exmo. Perito minoritário tanto pretendeu valorar, a saber, nomeadamente de que teria de haver uma necessária depreciação do imóvel em atenção à “localização” e “vetustez”, salvo o devido respeito ficou por demonstrar no que ao primeiro aspeto dizia respeito, e é perfeitamente inócuo/irrelevante no respeitante ao segundo aspeto, na medida em que, como já sublinhado, estava em causa o valor “à data em que foram concluídas as obras”.

Assim sendo, a determinação do valor das benfeitorias em causa, à luz do critério/método do "Custo de construção ou reposição", parece-nos muito mais fiável e objetiva, por influenciada por parâmetros intrínsecos ao concreto imóvel e aproximativo do seu real/efetivo custo de construção.

Sendo certo que nos merece também aqui pleno acolhimento o consignado na “motivação” da sentença recorrida relativamente à insuficiência/inconcludência da prova feita pelas partes em termos do custo da construção por elas materialmente suportado, a  saber, «(…) não tendo as partes carreado para os autos elementos de prova documental que documentem, por um lado, o teor do contrato de empreitada celebrado com o empreiteiro (para se aferir, além do mais, das obras objeto do contrato e do preço acordado), nem, por outro lado, dos (de todos os) valores efetivamente pagos ao empreiteiro, (…)», parece-nos que não merece qualquer censura, antes deve ser totalmente sancionado, ter sido valorado decisivamente, para efeitos da convicção alcançada, o teor do Relatório pericial maioritário.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcede a impugnação no que a estes pontos de facto “provados” sob “18.” e “20.” respeita.

                                                           ¨¨

O que idem se diga no tocante aos arts. nº 23 e 46 da Contestação da R. [relativamente aos quais a Ré/recorrente pugna por que sejam julgados como “provados”, ainda que com a correção para o valor de € 36.517,72, em vez do valor de € 37.065,97 que neles figura].

Senão vejamos.

A linha de argumentação para tanto, por parte da Ré/recorrente, era novamente a de que havia sido descredibilizado injustificadamente o laudo do perito minoritário.

A factualidade em causa dizia respeito ao “valor” das benfeitorias propriamente ditas.

Sendo o seu teor literal – aqui se tendo em consideração o que consta dos factos “não provados” que a tal dizem diretamente respeito – é o seguinte:

«11. As benfeitorias efetuadas no referido lote da R têm o valor patrimonial tributário de 37.065,97€;»

«13. O valor atual das benfeitorias é de 37.065,97€;»

Ora, não obstante, quanto a nós, se tratar de factos “conclusivos”, donde os mesmos nunca poderiam ser acolhidos na factualidade “provada”, acresce que a força “probatória” do dito laudo minoritário não pode ser considerada, quando no contraponto com o laudo maioritário.

Atente-se que, também quanto a este particular, se estava a argumentar com o “valor patrimonial tributário” das benfeitorias, face ao que, atento o supra expendido no sentido de se postergar a utilização dum critério de avaliação nessa base, que aqui se dá por reproduzido, naufraga inapelavelmente uma tal pretensão.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, igualmente improcede a impugnação à decisão sobre a matéria de facto relativamente aos arts. nº 23 e 46 da Contestação da R..

                                                           *

5 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1 – Cumpre agora entrar na apreciação da questão igualmente supra enunciada, esta já diretamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido incorreto julgamento de direito [porquanto o A. não teria cumprido o ónus da prova dos factos constitutivos do direito, sucedendo, ao invés, que a Ré havia logrado provar que as benfeitorias foram pagas com dinheiro de sua propriedade, donde lhe assistir o direito de sub-rogação dos valores pagos com esse dinheiro bem próprio seu; também por desacerto no valor atribuído ao A. como indemnização pelas benfeitorias realizadas, nomeadamente ao desconsiderar a avaliação patrimonial fiscal do imóvel e aderindo ao método/critério do custo].

Cremos que a resposta a esta questão se constitui como linear e inabalável.

Sendo que, salvo o devido respeito, a primeira linha de argumentação quanto a este particular só se compreende como fruto de algum equívoco ou deficiente compreensão da dogmática desta temática.

Senão vejamos.

No regime da comunhão de adquiridos – como era o do casamento das partes nos autos – existem três massas de bens: os bens próprios de cada um dos cônjuges e os bens que integram o património comum.

De referir que, grosso modo, ingressam no património comum todos os bens adquiridos a título oneroso depois do casamento, mesmo que seja com intervenção de apenas um dos cônjuges.[12]

Assim, nos termos da al. b) do art. 1724º do C.Civil, fazem parte da comunhão todos os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei.

Relativamente a esta ressalva vinda de aludir, o critério geral adotado foi o de se considerar certos bens como incomunicáveis, certos bens como próprios de cada um dos cônjuges e o restante como património comum.[13]

Do vindo de dizer resulta que todos os bens adquiridos na constância do casamento são comuns, na falta de demonstração de que são próprios, sendo certo que a entrada no património comum está dispensada de prova.[14]

Donde, naturalmente, o encargo da prova recai sobre quem sustente o caráter próprio de um bem.

A esta luz, ao A. nos autos não se impunha a obrigação, ou assistia qualquer ónus, de provar que o próprio (conjuntamente com a Ré, no contexto do casal comum que então formavam) havia introduzido, na constância do matrimónio, as benfeitorias no lote de terreno propriedade da Ré.

Isso já estava assente à partida, e nem sequer fora como tal questionado pela Ré na sua contestação, sendo que o mesmo decorria do designado por princípio do favor communionis vigente nesta matéria.

Sendo certo que no ponto de facto “não provado” sob “1.”, a saber, «(…) tudo com os proventos auferidos por ambos, do seu trabalho», verdadeiramente só estava em causa a proveniência do dinheiro… 

Era sim à Ré que competia provar a sub-rogação real de bens próprios que invocou.

Na verdade, tendo em vista obviar que, ex vi legis, o novo bem adquirido ingressasse no património comum [muito embora tivesse sido obtido à custa dos bens próprios desse cônjuge], o art. 1723º do C.Civil prevê, em três situações, a sub-rogação real dos bens próprios, dispondo que conservam a qualidade de bens próprios: a) os bens sub-rogados no lugar de bens próprios por meio de troca direta; b) o preço dos bens próprios alienados; e c) os bens adquiridos ou benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges desde que sejam observadas certas formalidades, a saber, a menção da proveniência do dinheiro ou valores no documento de aquisição ou equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.

Temos presente que a este propósito se formou jurisprudência no sentido de que o art. 1723º, al.c) do C.Civil, ao determinar que no regime da comunhão de adquiridos, os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges só conservam a qualidade de bens próprios desde que a proveniência do dinheiro ou dos meios seja devidamente mencionada no documento da aquisição, ou em documento equivalente com intervenção de ambos os cônjuges, só tem aplicação quando estiverem em jogo interesses de terceiros.

Isto mesmo foi reconhecido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência  nº 12/2015 de 02.07.2015[15], em cuja decisão, além de se negar a revista (I), se procedeu à “Uniformização de Jurisprudência” nos seguintes termos (II): «Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723.º, c), do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal».          

Estava, assim, efetivamente salvaguardada a possibilidade de a Ré fazer a dita prova.

Sucede que a Ré não o logrou fazer, como mormente flui dos pontos de facto “não provados” sob “9.” e “10.”.

E nem se argumente – como o faz a Ré nas suas alegações recursivas! – que  essa prova sempre resultaria da devida conjugação e interpretação do que resultou como “provado” [mormente sob “25.” a “33.”].

É que, salvo o devido respeito, não se pode insofismável e concludentemente concluir nesse sentido.

Com efeito, essa factualidade provada permite apenas sustentar a titularidade das contas e as transferências entre elas, mas não o destino final das quantias em causa.

Acresce que, no que respeita aos pagamentos feitos ao empreiteiro CC através da conta conjunta do casal, atento o que singelamente se encontra apurado no facto “provado” sob “34.”, não resulta possível estabelecer qualquer enquadramento temporal das mesmas transferências com pagamentos a este, para além de que nem sequer resulta comprovado o pagamento de quantias coincidentes com tais valores dessa conta conjunta do casal.

Sendo que foi por assim ser que se veio a concluir na sentença recorrida com o seguinte:

«(…)

Estando as partes de acordo relativamente à propriedade do lote de terreno, tendo a ré alegado que os pagamentos efetuados (quer relativos à empreitada, quer relativos aos serviços conexos, quer relativos ao mobiliário) foram efetuados com dinheiro exclusivamente seu (que possuía já enquanto solteira), estando em causa um facto constitutivo do seu direito, impõe-se consignar que a prova produzida, pese embora a prova dos valores que a ré possuía enquanto solteira e da sua transferência para conta do casal, não nos permitiu concluir com segurança que tais valores tivessem sido aplicados na obra em causa, quer por não existir correspondência entre nenhuma das transferências e pagamentos efetuados, quer por não estarem documentados pagamentos contemporâneos das transferências efetuadas, quer por se poder admitir que, ainda que tais valores transferidos para a conta do casal tivessem sido efetivamente gastos, os pagamentos em causa visassem dívidas da exclusiva responsabilidade da ré ou mesmo outras dívidas comuns do casal, pense-se, por exemplo, na aquisição de um outro imóvel ou de um veículo automóvel.

(…)

A ré, na sua contestação/reconvenção, alegou que as obras executadas foram pagas com dinheiro que era bem próprio seu – que provinha do saldo da sua conta bancária de solteira.

Analisando a factualidade provada verifica-se, efetivamente, que a ré, aquando do casamento, tinha uma conta bancária cujo saldo era no montante de 45.964,27€. Por outro lado, provou-se que a ré no dia 12/08/2010 transferiu quantia de 25.000,00€ dessa conta para a conta conjunta do casal e que no dia 03/03/2013 transferiu a quantia 23.383,07€ de uma outra conta de que também era titular para a conta conjunta do casal.

No entanto, não se provou que tais quantias tivessem sido utilizadas para pagamento das benfeitorias em causa nos autos.”

(…)

No caso em apreço, a ré não logrou fazer prova de que as benfeitorias efetuadas no terreno de sua propriedade tivessem sido feitas com dinheiro exclusivamente seu (bem próprio seu) – resultando demonstrado que nunca poderia ter pago a totalidade das benfeitorias, por estarem em causa transferências bancárias no montante global de 48.383,07€ e as benfeitorias efetuadas terem ascendido ao montante de 135.960,00€, sem que tivesse sido demonstrado que o montante transferido 48.383,07€ tivesse sido utilizado no pagamento das benfeitorias efetuadas, muito menos que tal pagamento se encontre documentado em documento titulado com intervenção de ambos os cônjuges, onde se tivesse assegurado a proveniência do dinheiro.

(…)»

Merece-nos inteiro acolhimento uma tal linha de entendimento, face ao que manifestamente naufraga a pretensão recursiva da Ré/recorrente de que lhe assistia o direito de sub-rogação dos valores pagos com dinheiro bem próprio seu.

Por outro lado, também improcede claramente a outra grande linha de argumentação recursiva da Ré/recorrente, qual seja, a estribada na alegação do desacerto no valor atribuído ao A. como indemnização pelas benfeitorias realizadas, nomeadamente ao desconsiderar a avaliação patrimonial fiscal do imóvel.

É que tendo sido improcedente a impugnação à decisão sobre a matéria de facto pretendida pelo Ré/recorrente que consistia na afirmativa dum valor de benfeitorias diverso do que foi considerado na sentença recorrida – mantendo-se, como se mantiveram, e decisivamente, os pontos “9.” a “20.” da matéria de facto dada como “provada”, e como “não provada” a factualidade vertida nos pontos “11.” e “13.” – não vemos como possa dar-se acolhimento ao recurso por ela interposto em termos de fundamentação de direito da sentença recorrida quanto a este particular.

Pelo que entendemos estar só por aí fatalmente votado ao insucesso o sustentado neste enquadramento.

O que tudo serve para dizer que a sentença recorrida efetuou um adequado enquadramento jurídico do caso neste particular, para o qual, “brevitatis causa”, se remete.

                                                           *

5.2 condenação da Ré/recorrente como litigante de má-fé, em multa, ao abrigo do disposto nos art.os 542º, nº 1 e 2 do C.P.Civil e segs.?

Efetivamente, nas suas contra-alegações, o A./recorrido suscita esta questão, sustentando enfaticamente o seguinte:

                                                           «45.º

através das conclusões XIV, XV e XVI, vem a Ré/recorrente, mais uma vez, tentar fazer corresponder o valor das concretas benfeitorias introduzidas pelo ex-casal no lote de terreno propriedade da Ré, a uma fórmula de fiscalidade, de fixação do valor patrimonial tributário, fazendo tábua rasa de todas as anteriores tentativas que lhe foram negadas!

A saber:

46.º

a) Através alegação vertida nos arts.º 43 a 46 da contestação/reconvenção – que o Tribunal deu como não provados nos pontos 11 e 13 da matéria de facto dada como não provada na douta sentença recorrida, devidamente notificada à Ré,

a) Através do teor do doc. 3 junto à contestação/reconvenção – que o Tribunal valorou da seguinte forma na douta sentença recorrida: “documenta o teor de um relatório de avaliação das benfeitorias, efetuado a pedido da ré – sem que o mesmo permita colocar em causa o juízo pericial (…)”,devidamente notificada à Ré,

b) Através da oposição que deduziu, na audiência prévia, à prova pericial requerida pelo A. – a realização da prova pericial foi deferida despacho proferido na audiência prévia, transitado em julgado;

c) Através do teor do requerimento que deduziu, na audiência prévia, a requerer a ampliação do objecto da perícia – requerimento esse que foi indeferido por despacho proferido na audiência prévia, transitado em julgado;

d) Através do voto de vencido do perito que a Ré indicou nos autos para a realização da perícia colegial;

e) Através da reclamação que apresentou ao relatório pericial, em virtude do teor do aludido voto de vencido do perito por si indicado nos autos – reclamação essa que foi indeferida por despacho do dia 03.11.2021, transitado em julgado.

Pelo que,

47.º

atenta a alegação vertida nas extensíssimas conclusões XIV, XV e XVI, deve o Tribunal condenar a recorrente como litigante de má-fé, em multa, ao abrigo do disposto nos arts.º 542.º, n.º 1 e 2, als. a) a d).

(…)

50.º

nessas mesmas conclusões XIV, XV e XVI, alega ainda a Ré que lhe deve reconhecido um crédito no valor de 12.257,36euros, “relativos aos custos para “legalizar” as benfeitorias”.

Sucede que,

51.º

tal alegação tem que improceder, desde logo, porque não se enquadra no objecto dos presentes autos, que é aferir do concreto valor das despesas suportadas pelo casal comum com as benfeitorias realizadas, na constância do matrimónio e até à data do divórcio, no lote de terreno da Ré, com a construção da casa de morada de família e não aferir de futuras despesas com a realização de eventuais obras futuras no mesmo lote de terreno. Acresce que,

52.º

mais uma vez, não pode a Ré/recorrente, agora, pretender fazer entrar pela janela aquilo que não conseguiu, antes ,fazer entrar pela porta. É que,

53.º

através do articulado superveniente que dirigiu aos autos em 17.11.2021, a Ré deduziu, ao Tribunal, exactamente o mesmo pedido. Mas, por despacho do dia 24.11.2021, com a referência ...26, transitado em julgado, o Tribunal julgou tal articulado superveniente legalmente inadmissível. Pelo que,

54.º

vindo a Ré/recorrente, novamente, deduzir nas conclusões XIV, XV e XVI, pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar, atento o que se disse no artigo anterior,

                                                                                        55.º

deve a mesma ser condenada como litigante de má-fé, em multa, ao abrigo do disposto nos arts.º 542.º, n.º 1 e 2 do C.P.Civil e segs..»

Será assim?

Cremos bem que não.

Atente-se que quanto à 1ª dimensão desta questão – a validação da posição veiculada pelo Perito minoritário no respetivo laudo – as decisões que anteriormente visaram a mesma [que apenas se admitem quanto ao que consta alegado sob as als. b), c) e e) do art. 46º supra transcrito], ainda que indeferidas, designadamente por não serem suscetíveis de recurso imediato, obviamente não impediam, nem podiam impedir que, legitimamente, em via recursiva, a Ré/recorrente impugnasse a decisão sobre a matéria de facto tendo em vista que fosse credibilizada, em detrimento dos outros meios de prova, a posição veiculada pelo Perito minoritário no respetivo laudo.

Por outro lado, relativamente à outra dimensão desta questão – em que está em causa o pedido de reconhecimento de um crédito no valor de 12.257,36 euros, «relativos aos custos para “legalizar” as benfeitorias» – importa atentar para esse efeito no âmbito da decisão anteriormente proferida.

Na verdade, s.m.j., está aqui em causa ter-se formado (ou não) “caso julgado formal”, relativamente a uma tal decisão, sobre o que o art. 620º, nº1 do n.C.P.Civil preceitua que  «As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.»

Ora, à luz deste normativo, só se encontrava vedado pugnar pela admissibilidade dum articulado (superveniente ou outro) que visasse o mesmo efeito jurídico-processual, não sendo isso que ocorreu.

De acordo com o nº 2 do art. 542º do n.C.P.Civil, na parte que aqui pode interessar, «Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade …».

Temos presente que diversamente do que se verificava anteriormente à reforma processual civil introduzida pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro [orientação que subsiste no C.P.Civil após a reforma empreendida pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho], passou a ser sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, como dela se diz quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro, ou seja, «quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam, desde então, a litigância de má-fé».[16]

Acontece que conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, a conclusão no sentido da litigância de má fé não pode ser extraída automaticamente da verificação de comportamento processual subsumível à tipicidade das várias alíneas do nº 2 do art. 542º do n.C.P.Civil, isto é, temos que a condenação nesse sentido exige uma apreciação casuística.

Assim sendo, resulta manifesto que, no caso, a Ré/recorrente não insistiu na utilização de um meio processual que lhe estivesse vedado.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, também improcede esta pretensão incidental.

                                                           *

(…)

                                                           *

7 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela total improcedência da apelação, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.  

Custas nesta instância pela Ré/recorrente.

                                                                                                                                      Coimbra, 14 de Junho de 2022

Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro

Carlos Moreira



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] De referir que a concreta identificação da pessoa do credor e do devedor constantes da al. “c)” do “dispositivo”, tal como designadas supra com destaque (sublinhado), resultaram após correção do lapso de escrita do “dispositivo” original, lapso esse que consistia na indicação respetiva nas posições invertidas, e que determinou a sua correção por despacho judicial proferido em 15.02.2022 (1ª parte).
[3] Naturalmente que vão de seguida ser reproduzidas – e serão doravante consideradas no recurso – as alegações objeto de aperfeiçoamento, apresentadas através de articulado constante dos autos sob a refª 208103 do P.E..
[4] De referir que serão correspondentemente consideradas as que foram apresentadas na sequência da apresentação pela contraparte das alegações aperfeiçoadas, sem embargo de que o novo articulado contendo as contra-alegações, faz ele próprio remissão e/ou considera reproduzido o primitivo articulado de contra-alegações, não obstante ter-lhe expressamente introduzido correções literais (de referenciação ou remissão) impostas pela alteração decorrente do aperfeiçoamento da contraparte.
[5] Trata-se do acórdão do STJ de 21-09-2021, proferido no proc. nº 2856/17.9T8AGD.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[6] Não obstante se reconhecer que teria sido mais correto e curial, neste particular, referenciar-se diretamente os pontos de facto “não provados” sob “11” e “13”, na medida em que são esses os pontos diretamente correspondentes aos ditos arts. que haviam sido alegados na “Contestação”…
[7] Assim o acórdão do STJ de 14.01.2010, no proc. nº 2299/05.7TBMGR.C1.S1, com sumário disponível em www.dgsi.pt.
[8] Cfr., por todos, o acórdão do STJ de 23.05.2006, no proc. nº 06A1090, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[9] Cf., inter alia, os acórdãos do TRP de 27/5/80 (in C.J., ano V, tomo III, a págs.82), do TRC de 21/5/91 (in C.J., ano XVI, tomo III, a págs.73), do TRE de 25/6/92 (in C.J., ano XVII, tomo III, a págs. 343), do TRL de 23/5/95 (in C.J., ano XX, tomo II, a págs. 88) e ainda, mais recentemente, os acórdãos deste TRC de 14.12.2010 (proferido no proc. nº  4714/07.6TBVIS.C1), e o de 30.11.2010 (proferido no proc. nº 3029/08.7TBVIS.C1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jtrc.  
[10] Neste sentido o acórdão do STJ de 06.07.2011, proferido no proc. nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[11] Assim foi doutamente sublinhado por ALBERTO DOS REIS, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. IV, a págs.186; cf., ainda, o acórdão do TRL de 12/4/94, in C.J.XIX, tomo II, a págs.109.
[12] Cf., mais aprofundadamente sobre a questão, FRANCISCO PEREIRA COELHO / GUILHERME DE OLIVEIRA, in “Curso de Direito da Família”, 5ª Edição, Imprensa da Universidade, Coimbra, 2016, a págs. 595. 
[13] Vide PIRES DE LIMA  / ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. IV, 2ª Ed., Coimbra, Coimbra Editora, a págs. 429
[14] Neste sentido, RITA LOBO XAVIER, in “Limites à autonomia privada na disciplina das relações patrimoniais entre os cônjuges”, Coimbra, Livª Almedina, 2000, a págs. 349.
[15] In Diário da República, 1ª Série, nº 200, 13 de Outubro de 2015 (8915-8953).
[16] Neste sentido, JOSÉ LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª Ed., Coimbra, Livª Almedina, 2017, a págs. 456.