RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
RESOLUÇÃO INCONDICIONAL
EXCESSO MANIFESTO
PENHOR MERCANTIL
Sumário

I – Preenchida a previsão de qualquer das al.ªs do n.º 1 do art. 121.º do CIRE, os atos aí descritos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, por se presumirem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, não sendo necessária a má-fé do terceiro (nºs 2 e 4 do art. 120.º).
II – No âmbito da previsão da al.ª h) do n.º 1 daquele art. 121.º, com referência à desproporcionalidade entre as prestações das partes, considera-se haver excesso manifesto em desfavor da insolvente se, perante fornecimentos no montante de € 59.376,54,  relativos ao ano de 2018, a devedora se reconheceu devedora da quantia de € 71.363,52, o que representa um acréscimo de mais de 20%, constituindo penhor sobre os bens constantes do seu imobilizado, com permissão de retirada do equipamento logo que incumprida uma das prestações, sem a concessão de qualquer prazo adicional para a sua regularização, e venda nos termos e condições que a credora entender, o que permite a sua venda por qualquer preço, sendo suscetível de prejudicar a devedora, que pode ficar sem os bens e ainda assim não liquidar integralmente a sua dívida, acrescendo o estabelecimento de juros de mora, em caso de incumprimento, também quanto a juros já vencidos, e estabelecendo-se um montante máximo assegurado pelas hipotecas de € 91.349,86, superior também em mais 28% àquele valor reconhecido (por sua vez,  já majorado em mais 20%).

Texto Integral


Processo 1939/19.5T8VIS-C.C1

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

 P... Lda, instaurou ação de resolução contra a  Massa Insolvente de  I..., Lda., representada pela Sra. Administradora de Insolvência, alegando, em síntese que:

No dia 02-10-2018 foi celebrado por escritura pública, entre a Autora e a Insolvente, um contrato de reconhecimento de dívida, com hipoteca e penhor mercantil.

Este contrato foi objeto de resolução pela Sra. Administradora da Insolvência por entender que se presumem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os atos de qualquer dos tipos referidos no art. 121º do CIRE onde se inclui no nº 1, al. h) “atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro de um ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte”.

A Autora alega que a escritura celebrada não constitui um ato oneroso dado que a insolvente se limitou a reconhecer uma dívida, constituindo garantias (hipoteca e penhor mercantil) para o cumprimento das obrigações assumidas. A isto acresce que as obrigações assumidas pela Insolvente não excedem as da contraparte, ou seja, da Autora.

A autora não teve intenção de prejudicar a Insolvente ou tirar um proveito indevido com o negócio celebrado, sendo que à data não tinha nenhum indício de que a Insolvente se encontrasse numa situação de insolvência.

A Insolvente não teve qualquer prejuízo porque a dívida existia desde novembro de 2017 e encontrava-se há muito vencida.

A Autora vendeu os bens móveis objeto de hipoteca e penhor mercantil pelo seu valor de mercado, atendendo ao estado de uso que os mesmos apresentavam à data em que foram transacionados, valor que deu a conhecer à Insolvente.

Assim, entende ser válido o contrato de reconhecimento de dívida com hipoteca e penhor mercantil, por não ser prejudicial à Ré massa insolvente, uma vez que o contrato não diminuiu, nem frustrou a satisfação dos credores da insolvência.

Consequentemente não estão preenchidos nenhum dos pressupostos necessários à resolução em benefício da massa insolvente com base nos art. 120º e 121º do CIRE, e que, por isso, a resolução deve ser revogada.

Concluiu pedindo que “seja revogada a resolução em benefício da massa insolvente notificada pela Sr.ª Administradora de Insolvência relativo ao negócio de reconhecimento de dívida, hipoteca e penhor mercantil celebrado por escritura pública na data de 02.10.2018, devendo, em consequência, manter-se todas as situações constituídas. Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se concede deve ser restituído tudo o que foi prestado e reconhecido e graduado o crédito da A. em conformidade.”

A Massa Insolvente I..., Lda. contestou, alegando, em súmula:

A autora conhecia, à data da celebração do contrato de reconhecimento de dívida, constituição de hipoteca e penhor mercantil, a situação de insolvência da sociedade Insolvente pelas razões que enuncia.

A garantia dada pela hipoteca foi obtida em troco da confissão de dívida e do acordo de pagamento faseado da mesma, pelo que o ato é oneroso.

O negócio revela uma manifesta desproporção entre as obrigações assumidas, na medida em que o valor máximo consignado pelas garantias reais constituídas (€91.349,86) é excessivamente desproporcional face ao valor em dívida que garantem (€71.363,52).

A Ré entende que a constituição de garantias reais constitui uma lesão à regra do tratamento prioritário e proporcional dos credores, pois cria um vínculo sobre determinado bem que o reserva à satisfação preferencial de um credor em detrimento dos restantes e preenche o conceito de negócio usurário, nos termos e para os efeitos do artigo 282º do Código Civil.

Mais invocou os mesmos factos que constituíram os fundamentos da resolução operada pela comunicação enviada à Autora pela Massa Insolvente –I..., Lda. em 11/12/2019 e impugnou os factos alegados pela Autora que não estão demonstrados documentalmente.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, onde se decidiu:

- Absolver a Ré Massa Insolvente I..., Lda do pedido;

- Declarar resolvido o ato de escritura de reconhecimento de dívida, com hipoteca penhor mercantil, praticado pela Insolvente, na qualidade de devedor, e P... Lda, na qualidade de credor, celebrado por escritura de 2 de Outubro de 2018, no Cartório Notarial ..., sito na Rua ..., em ...;

- Declarar válida a resolução do contrato antes referido efetivada pela administradora da Massa I..., Lda à P... Lda. com observância dos legais formalismos.

            A A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as alegações do seguinte modo:

1. O presente Recurso é interposto da Douta Sentença proferida nos Autos nos termos da qual o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo decidiu absolver a Ré Massa Insolvente I..., Lda do pedido; Declarar resolvido o ato de escritura de reconhecimento de dívida, com hipoteca penhora mercantil, praticado pela Insolvente, na qualidade de devedor, e P... Lda, na qualidade de credor, celebrado por escritura de 2 de outubro de 2018, no Cartório Notarial ..., sito na Rua ..., em ...; Declarar válida a resolução do contrato antes referido efetivada pela administradora da Massa I..., Lda à P... Lda”

2. A Recorrente discorda da Douta Sentença entendendo que se impõe a modificação da decisão, quer no que respeita à matéria de Facto, quer no que respeita à matéria de Direito.

3. No entender da Recorrente, a Sentença padece de errada apreciação da matéria de facto - a sentença fez uma incorreta avaliação da prova produzida pelo que se torna necessário alterar os factos dados como provados nos pontos 3, 5 (parte inicial), 12, 19 e 29 e ainda os seguintes factos dados como não provados (como na douta sentença os factos não provados não estão numerados, por uma questão de pragmatismo, considerar-se-á, cada item como um ponto, pelo que existindo 9 items, considerar-se-á de 1 a 9) mencionados em 1, 2, 4, 5, 7, 8 e 9.

4. Bem como padece de errada aplicação do Direito quando declara resolvido o ato de escritura de reconhecimento de dívida, com hipoteca penhora mercantil, praticado pela Insolvente, na qualidade de devedor, e P... Lda, na qualidade de credor, celebrado por escritura de 2 de outubro de 2018, no Cartório Notarial ..., sito na Rua ..., em ..., com os fundamentos e consequências elencadas na decisão.

5. Do mesmo modo que, se verifica uma errada aplicação do direito no que respeita ao valor a restituir pela A., ora recorrente, no caso da decisão vier a manter-se, o que só por mera hipótese se concede.

6. A ação resume-se ao seguinte: “No dia 02-10-2018 foi celebrado por escritura pública, entre a Autora e a Insolvente, um contrato de reconhecimento de dívida, com hipoteca e penhor mercantil. Este contrato foi objeto de resolução pela Sra. Administradora da Insolvência por entender que se presumem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os atos de qualquer dos tipos referidos no art.121º do CIRE onde se inclui no nº1, al. h) “atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro de um ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte”. A Autora alega que a escritura celebrada não constitui um ato oneroso dado que a insolvente se limitou a reconhecer uma dívida, constituindo garantias (hipoteca e penhor mercantil) para o cumprimento das obrigações assumidas. A isto acresce que as obrigações assumidas pela Insolvente não excedem as da contraparte, ou seja, da Autora. A autora não teve intenção de prejudicar a Insolvente ou tirar um proveito indevido com o negócio celebrado, sendo que à data não tinha nenhum indício de que a Insolvente se encontrasse numa situação de insolvência. A Insolvente não teve qualquer prejuízo porque a dívida existia desde novembro de 2017 e encontrava-se há muito vencida. A Autora vendeu os bens móveis objeto de hipoteca e penhor mercantil pelo seu valor de mercado, atendendo ao estado de uso que os mesmos apresentavam à data em que foram transacionados. Este valor que foi dado a conhecer pela Autora à Insolvente. Assim, entende ser válido o contrato de reconhecimento de dívida com hipoteca e penhor mercantil, por não ser prejudicial à Ré massa insolvente, uma vez que o contrato não diminuiu, nem frustrou a satisfação dos credores da insolvência.

Conclui que não estão preenchidos nenhum dos pressupostos necessários à resolução em benefício da massa insolvente com base nos art. 120º e 121º do CIRE, e que, por isso, a resolução deve ser revogada, peticionando que “seja revogada a resolução em  benefício da massa insolvente notificada pela Sr.ª Administradora de Insolvência relativo ao negócio de reconhecimento de dívida, hipoteca e penhor mercantil celebrado por escritura pública na data de 02.10.2018, devendo, em consequência, manter-se todas as situações constituídas. Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se concede, deve ser restituído tudo o que foi prestado e reconhecido e graduado o crédito da A. em conformidade.”

7. Em contestação a Massa Insolvente I..., Lda. impugna os factos alegados pela Autora que não estão demonstrados documentalmente. Alega que a autora conhecia, à data da celebração do contrato de reconhecimento de dívida, constituição de hipoteca e penhor mercantil, a situação de insolvência da sociedade Insolvente pelas razões que elenca. A garantia dada pela hipoteca foi obtida em troco da confissão de dívida e acordo de pagamento faseado da mesma, pelo que o ato é oneroso. O negócio revela uma manifesta desproporção entre as obrigações assumidas, na medida em que o valor máximo consignado pelas garantias reais constituídas (€91.349,86) é excessivamente desproporcional face ao valor em dívida que garantem (€71.363,52). A Ré entende que a constituição de garantias reais constitui uma lesão à regra do tratamento prioritário e proporcional dos credores, pois cria um vínculo sobre determinado bem que o reserva à satisfação preferencial de um credor em detrimento dos restantes. Considera até o contrato preenche o conceito de negócio usurário, nos termos e para os efeitos do artigo 282º do Código Civil. Alega os mesmos factos que constituíram os fundamentos da resolução operada pela comunicação enviada à Autora pela Massa Insolvente – I..., Lda. em 11/12/2019.”

8. Nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC considera-se que foram, incorretamente, julgados como provados os factos dados como provados nos pontos 3, 5, 12, 18, 19 e 29.

9. Do mesmo modo, considera-se que foram incorretamente, julgados como não provados os factos constantes dos pontos 1, 2, 4, 5, 7, 8 e 9 (enumerados nos termos e razões acima explanadas).

10. Verifica-se a contradição entre o facto provado no ponto 3 com os pontos 1, 4, 5 (parte inicial) e 12 dos factos provados e com os factos não provados nos pontos 2 e 7 e a violação do disposto no no artigo 357º, nº 1 do Código Civil.

11. No ponto 3 dá-se como provado, indevidamente, que já em 2018 a autora ficou a saber que a I..., Lda se encontrava em situação de insolvência iminente, sendo que a mesma há muito vinha manifestando dificuldade em cumprir.

12. Esta conclusão não resulta de nenhum elemento probatório junto aos autos.

13. Do acervo probatório que o Meritíssimo Juiz a quo considerou para dar como provado  ponto 1, ou seja, “Insolvente e a Autora mantinham relações comerciais desde 2010, tendo o volume de negócios celebrados entre ambas aumentado gradualmente ao longo dos anos, com incremento substancial no ano de 2017”, não pode deixar de se verificar que esse incremento substancial do volume de negócios entre a Autora e a I..., Lda, no ano de 2017 resultou num volume de vendas realizadas pela Autora à Insolvente no montante de 121.392,16€.

14. Do valor das vendas de 2017, em outubro de 2018, conforme consta da escritura pública celebrada em 02.10.2018, apenas se encontrava em débito uma fatura, datada de 7.11.2017, no valor de € 518,37.

15. Se “já em 2018”, a Autora tivesse conhecimento da insolvência eminente da I..., Lda não faria fornecimentos durante 2018, entre maio e setembro de 2018, à I..., Lda, no montante de € 58.858,17.

16. O facto dado como provado no ponto 3 está em clara contradição com o facto provado com o ponto 4 que refere que “A certa altura, a Insolvente, alegando algumas dificuldades até final do ano de 2018 e a circunstância de se encontrar em diligências com vista à subscrição de um crédito bancário, propôs à Autora o pagamento do valor em dívida em prestações.”

17. Dando-se provada a factualidade constante do ponto 4 não pode dar-se por provada a primeira parte do ponto 5 quando refere “Em circunstâncias não concretamente apuradas, …”

18. Assim como não pode dar-se como provado o facto constante do ponto 12, que refere:

“A Autora sabia que aquele ato dificultava o pagamento aos demais credores, nomeadamente aos trabalhadores.”

19. Nem podem dar-se como não provados os pontos 2 e 7 (dos factos não provados), respetivamente, “A Autora desconhecia que a Insolvente estivesse em situação de insolvência ou sequer na sua iminência quando celebrou o acordo de pagamento nos termos referidos em 6 e 7.” e “À data da celebração da escritura, a Insolvente havia informado a autora que se encontrava a negociar com uma entidade bancária o aumento de uma conta caucionada.”

20. As instalações fabris da I.  são da sua propriedade e não foram objeto do contrato celebrado entre a Autora e a Insolvente.

21. Apesar deste imóvel estar onerado com hipotecas, estas não prevalecem em relação aos credores trabalhadores, os quais beneficiam de um privilégio imobiliário especial, previsto no art. 333º do CT.

22. Atenta a contradição alegada, analisado todo o acervo probatório documental junto aos autos, processo principal e apensos e auscultado, em especial, o depoimento de parte do legal representante da Autora, da testemunha AA, das testemunhas BB e CC, feita uma análise ponderada e crítica das suas declarações, os concretos pontos acima mencionados – 3, 5 (primeira parte) e 12 dos factos provados - e os pontos 2 e 7 dos factos não provados devem ser alterados.

23. Inexiste qualquer prova por declaração de parte e testemunhal que sustente como factos provados o ponto 3 e 12 e a primeira parte do ponto 5.

24. A Senhora Administradora da Massa Insolvente, na resolução efetuada não colocou em causa os fornecimentos realizados pela Autora, discriminados na escritura de reconhecimento de dívida, nem os valores reconhecidos como estando em dívida pela Insolvente, I..., Lda.

25. Esta matéria não pode deixar de estar assente, por confissão da própria devedora e reconhecida por documento autêntico.

26. A expressão constante do ponto 5 “Em circunstâncias não concretamente apuradas…” deve ser retirada desse concreto ponto, porque em clara violação com o preceituado nos art. 352º e 371º do CC.

27. Assim, a confissão feita pelos representantes da Insolvente, à data da celebração do negócio em 02.10.2018, quanto aos valores em débito que reconheceram estar em dívida à Autora, adquiriu força probatória plena, ao abrigo do disposto no artigo 358º do Código Civil.

28. Do acervo probatório a matéria vertida no ponto 3 e 12 deveria ter sido dada como não provada devendo ser alterada a decisão nesse sentido.

29. A primeira parte do ponto 5, a expressão “Em circunstâncias não concretamente

apuradas” deve ter-se por não escrita.

30. Dos depoimentos transcritos resulta que, os pontos 2 e 7 dos factos não provados, estão provados, pelo que, também neste particular a decisão deve ser alterada de modo a considerar o ponto 2 e 7, dos factos não provados, como provados, e em conformidade ser a decisão ser alterada nesse sentido.

31. Da incorreta explicitação do ponto 18 dos factos provados, porque o mesmo deve explicitar as circunstâncias que envolveram o incumprimento, os contatos que existiram previamente à comunicação realizada em junho de 2019 pela A. à I. e a circunstância da I..., Lda já não se encontrar a laborar à data do incumprimento e do levantamento dos bens dados em penhor mercantil, como decorre da prova produzida e transcrita.

32. Da prova produzida e transcrita, conclui-se que a I., quando a Autora foi levantar os bens a mesma não se encontrava a laborar, ror isso, foram entregues as chaves do pavilhão ao representante da Autor, caso contrário, estariam lá os funcionários e o pavilhão estaria aberto normalmente.

33. A I..., Lda, por sua iniciativa fechou, tendo depois comunicado a situação à A. para “fazer o que tinha de fazer”, porque não conseguia dar continuidade à empresa.

34. Este facto é essencial constar dos factos provados, atendendo a que, toda a motivação da decisão é alicerçada no facto de que a A. foi levantar as máquinas que tinham o penhor mercantil e obstou a que a empresa continuasse a laborar.

35. Quando o que de facto aconteceu foi o contrário!

36. A I..., Lda fechou e avisou a A. para executar o penhor mercantil, consciente do contrato que havia subscrito e que diz ter realizado de boa-fé.

37. O ponto 18 dos factos provados da decisão deve ser alterado de modo a que no mesmo passe a constar que: Depois de encerrar a firma, os representantes da I..., Lda, contataram a Autora a dizer que não conseguiam cumprir o contrato. Em face do incumprimento, a Autora, em junho de 2019, comunicou à Insolvente que o penhor mercantil constituído a seu favor, por meio da escritura mencionada em 6, se tornou exequível, pelo que iria proceder ao levantamento dos bens objeto do penhor mercantil.

38. Da contradição verificada entre o facto provado no ponto 19 com o ponto 1 dos factos não provados.

39. Ambos os pontos se referem aos mesmos factos, os quais estão provados nos autos. 40. Considerar-se um provado e outro não provado é uma clara contradição, pelo a decisão proferida deve ser alterada de modo a passar a constar que o ponto 1, dos factos não provados, está provado.

41. Da errada apreciação da prova quanto à matéria vertida no ponto 29 da matéria de facto dada como provada e da prova da matéria vertida nos pontos 4, 5, 8 e 9 dos factos não provados.

42. Não resulta dos autos o valor dos imóveis. O valor dos imóveis apenas poderá ser aferido através da realização de uma avaliação por perito avalizado. Desconhece, a Autora a existência da realização de qualquer avaliação nesses termos que permita aferir o valor real dos mesmos. Em face da inexistência de prova, a decisão proferida, no que respeita a este ponto deve ser alterada, devendo o mesmo constar como não provado.

43. Não fora a realização do acordo de pagamento, nos termos em que foi realizado e a Autora teria recorrido à cobrança judicial, pelo que o ponto 4 dos factos não provados, atento o depoimento de parte do representante legal da A., deve ser alterado de modo a passar a constar na decisão proferida como provado.

44. Da escritura lavrada em 2 de outubro de 2018, entre as faturas discriminadas como estando em débito, consta apenas uma de 2017, concretamente a fatura nº ...88 de 31.07.2017, ou seja, atenta a discriminação das demais faturas, constantes da escritura celebrada é objetivo que a I., até finais de 2017, cumpriu com as obrigações assumidas para com a A. Pelo que,

45. no que respeita ao ponto 5 dos factos provados, não tendo sido colocado em causa pela Senhora Administradora Judicial aquando da resolução em benefício da massa insolvente, o valor da dívida, os fornecimentos ou documentos de suporte que estão devidamente reconhecidos na escritura celebrada em 02.10.2018.

46. Pelo que, o ponto 5 dos factos não provados também se entende estar indevidamente apreciado, devendo a decisão ser alterada de modo a que o mesmo passe a constar como provado, atento o seu reconhecimento por meio da escritura lavrada a 2.10.2018.

47. Devendo ser um facto que está assente nos termos do preceituado nos art. 352º, 371º e 358º do CC.

48. No que concerne ao ponto 8 e 9 dos factos não provados os mesmos resultam provados do teor dos depoimentos prestados pelo representante legal da Autora e das testemunhas AA, BB e CC.

49. Destes depoimentos, podemos concluir que a Autora atuou de acordo com os conhecimentos que tinha da situação da I..., Lda, em função da experiência comercial existente entre ambas e das informações prestadas pelos responsáveis da I.. Não sendo exigível que atuasse doutra forma, atendendo a que era uma cliente com pelo menos 8 anos de casa; que as empresas dependem umas das outras, havendo “picos”, que às vezes não se cumpre, porque outras também não cumpriram… Este é o giro normal de uma empresa. Sendo também normal que uma empresa credora quando faz um acordo de pagamento prestacional de uma quantia significativa, peça garantias.

50. Foi também esta uma forma, na perspetiva da Autora, de facilitar “aliviar” os encargos da I., estendendo o prazo de pagamento. Sendo certo que esta cumpriu o acordado durante sete meses.

51. Durante este período a I., conforme consta de certidão junta aos autos principais, viu-se confrontada com um pedido de insolvência e pagou a dívida.

52. Portanto, não era intenção da I..., Lda insolver, ou deixa de laborar.

53. O acordo que celebrou com a Autora, era um acordo feito de boa fé, com o firme propósito de ser cumprido. Se não houvesse o propósito de cumprir, nem de recorrer à banca, teria sido mais simples para a I..., Lda dar de garantia o pavilhão onde laborava. Garantia que, tal como consta do depoimento da testemunha AA prestado na sessão de julgamento do dia 11.01.2021, gravado em suporte digital desde as 10h33min54s até 11h00min35s, com a duração de 26m 39s, a Autora pretendia.

54. Como sobressai dos depoimentos transcritos a garantia que foi dada era apenas uma segurança para o pagamento do valor reconhecido estar em dívida.

55. Se a A. soubesse que a I. estava numa situação de insolvência, sequer eminente, teria atuado de outra forma, seguramente.

56. Razão pela qual os pontos 8 e 9 dos factos não provados devem ser alterados de modo a que os mesmos passem a constar como factos provados.

57. Devem pois passar a constar dos factos provados os seguintes, devendo a decisão ser

alterada em conformidade:

58. Nas datas referidas em 19 dos factos provados a representante legal da Insolvente autorizou o levantamento de todos os bens móveis objeto de hipoteca e penhor mercantil objeto de escritura pública mencionada em 6.

59. A Autora desconhecia que a Insolvente estivesse em situação de insolvência ou sequer na sua iminência quando celebrou o acordo de pagamento nos termos referidos em 6 e 7.

60. Se não fosse celebrado acordo de pagamento, a Autora teria avançado com processo de cobrança judicial.

61. Até ao final do ano de 2017 a Insolvente cumpriu sempre, de forma pontual, as suas obrigações.

62. À data da celebração da escritura, a Insolvente havia informado a Autora que se encontrava a negociar com uma entidade bancária o aumento de uma conta caucionada.

63. Operação que a Autora considerou normal no giro empresarial, interpretando que se a Insolvente tinha capacidade de negociação com a banca, era porque a sua situação económica era normal, dentro da dinâmica própria de cada empresa.

64. À data, não era expectável que a Insolvência entrasse em processo de insolvência.

65. E dos Factos não provados

66. A remoção dos equipamentos dados em penhor e do veículo pesado com a matrícula ..-..-ZU foi feito contra a vontade da dona da I..., Lda, e com a ameaça de chamar a GNR. (mantém-se)

67. A Insolvente atuava cumprindo escrupulosamente o prazo de pagamento das mercadorias que a autora lhe fornecia. (mantém-se)

68. Já em 2018 a Autora ficou a saber que a I..., Lda se encontrava em situação de insolvência iminente, sendo que a mesma há muito vinha manifestando dificuldade em cumprir. (ponto 3 dos factos provados da decisão em recurso)

69. A Autora sabia que aquele ato dificultava o pagamento aos demais credores, nomeadamente aos trabalhadores. (ponto 12 dos factos provados da decisão em recurso)

70. O valor dos bens imóveis é insuficiente para pagar os créditos garantidos e privilegiados. (ponto 29 dos factos provados da decisão em recurso).

71. No que respeita à errada aplicação do Direito sendo a ação de impugnação da resolução em benefício da massa uma ação de simples apreciação negativa, como tal incumbe à Ré provar os factos que invocou na carta para resolução do negócio e que constituem os fundamentos do direito à resolução (art. 343º, nº1 do C. Civil), o que não aconteceu.

72. A carta visando a resolução enviada pelo administrador de insolvência deve especificar os factos (ou pelo menos indicar, de forma compreensível, os argumentos) que são fundamento de resolução, sob pena de nulidade do ato resolutivo.

73. Na verdade, tendo o terceiro o direito de impugnar o ato através da ação prevista no art.125º, este direito só é garantido se ele tiver efetivo conhecimento dos concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados.

74. Assim, no âmbito da ação prevista no art. 125º do CIRE em que o terceiro adquirente impugna a resolução operada pelo administrador da insolvência, é sempre à massa insolvente que incumbe a prova dos factos que determinam a resolução do negócio em causa, nos termos que a seguir se explicitam.

75. De acordo com o nº1 do art. 120º do CIRE “Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.”

76. Os atos prejudiciais à massa, segundo o nº 2 do referido normativo, são aqueles que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

77. A resolução pressupõe a má-fé de terceiro (nº4), entendendo-se por má-fé, nos termos do nº5 do preceito em apreço, “o conhecimento, à data do ato, de qualquer das seguintes

circunstâncias: a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência; b) Do carácter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente; c) Do início do processo de insolvência.”

78. Atenta a dificuldade probatória dos requisitos da resolução e da demonstração, em particular, do requisito da má-fé, a lei estabelece dois tipos de presunções.

79. A primeira diz respeito à própria resolução, nela se compreendendo todos os seus requisitos (incluindo a prejudicialidade do ato e a má-fé de terceiro).

80. Assim, verificando-se um dos atos taxativamente enumerados nas diversas alíneas do nº1 do art. 121º, o negócio em causa é resolúvel em benefício da massa, sem dependência de quaisquer outros requisitos. Trata-se de uma presunção iuris et de iure, que não admite prova em contrário. É o que resulta do disposto nos nº3 e 4 do art. 120º e do nº1 do art. 121º. É a chamada resolução incondicional.

81. A segunda presunção diz respeito ao requisito da má-fé. Com efeito, verificando-se um ato que que tenha ocorrido ou que tenha sido omitido “… dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data” presume-se a má-fé. – art. 120º, nº4 do CIRE.

Trata-se de uma presunção juris tantum, ilidível, pois, por prova em contrário.

82. Assim, se a resolução é incondicional à massa insolvente bastará demonstrar o facto do qual se retira iuris et de iure o direito à resolução do negócio. Já no caso da resolução condicional a massa insolvente deverá demonstrar todos os requisitos da resolução, sendo que, no que diz respeito à má-fé, será suficiente demonstrar o facto relativo à presunção nos termos acima apontados.

83. Logo, e porque estamos perante uma ação de simples apreciação negativa, a impugnação visa apenas a “contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torna-los duvidosos.” – art. 346º do C. Civil. A eventual dúvida resolver-se-á contra a parte onerada com a prova, neste caso a Ré/massa insolvente.

84. A Sra. Administradora da Insolvência resolveu o negócio celebrado entre a insolvente e a impugnante por entender que o mesmo foi prejudicial à massa insolvente e como tal é resolúvel.

85. A prejudicialidade do negócio, segundo a mesma, resulta da presunção iuris et de iure estabelecida na al. h) do nº1 do art. 121º do CIRE, sendo que é também resolúvel nos termos gerais do art. 120º do mesmo código. A al. h) do nº1 do art. 121º d CIRE prevê que “São resolúveis em benefício da massa insolvente os atos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:”(…) h) Atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas, excedam manifestamente as da contraparte, …”

86. O ato é em causa é uma declaração de reconhecimento de dívida, um acordo para pagamento em prestações dessa dívida (que não vence juros, exceto os eventualmente devidos pela mora), e um contrato de constituição de hipoteca e penhor mercantil.

87. Estes negócios foram celebrados ao mesmo tempo através de uma escritura pública outorgada no dia 02 de outubro de 2018. O início do processo de insolvência ocorreu a 18 de abril de 2019.

88. Os contratos, celebrados entre a Autora e a Insolvente a 02 de outubro de 2018, titulado(s) por escritura pública, é um negócio oneroso.

89. Da previsão da al. h) em apreço resulta ainda que é necessário que exista uma manifesta desproporção entre as obrigações assumidas pelas duas partes, em prejuízo da Insolvente.

90. A Massa Insolvente, a nosso ver, não logrou fazer tal prova, porque não existe uma manifesta desproporção entre as obrigações assumidas pela Insolvente e as assumidas pela Autora, no contexto de uma dívida comercial.

91. Na verdade, a Autora obriga-se a receber o montante em dívida em prestações, sem pagamento de juros.

92. A Insolvente beneficia da extensão do prazo para cumprir a obrigação do pagamento do preço, obtendo ainda um perdão de juros.

93. Evitando a cobrança coerciva e individual da dívida (€71.363,52) através de uma ação executiva, uma providência cautelar de arresto, ou, eventualmente, a propositura de uma ação de insolvência.

94. A Insolvente obriga-se a pagar o preço nas condições acordadas e garante o pagamento através da constituição de obrigações especiais sobre um património mobiliário obsoleto e dois prédios que já estavam onerados com hipotecas.

95. Este ato não é desproporcional, atendendo a que, no âmbito das relações saudáveis que mantinham e, na expetativa séria de cumprimento, é possível de cumprir, atendendo a que foram fixadas prestações ajustadas e graduais.

96. O penhor mercantil sobre os bens de produção, com autorização da execução do penhor em caso de incumprimento nos termos constantes do ponto 10 dos factos provados foi realizado de acordo com o previsto legalmente no D.L. nº75/2017, de 26 de junho.

97. Se a lei o prevê é porque é legal e possível de convencionar entre as partes.

98. Ademais, o contrato foi realizado perante um oficial público, um notário, por meio de escritura pública.

99. A Autora, apenas procedeu ao levantamento dos bens dados em penhor mercantil depois da comunicação por parte dos responsáveis da Insolvente que a firma tinha encerrado, para proceder em conformidade com o contrato celebrado.

100. A Autora, com o levantamento dos bens não parou a produção!

101. A produção já estava parada, conforme resulta das declarações das testemunhas ouvidas e do depoimento do gerente da Autora.

102. A decisão proferida faz uma errada aplicação do direito ao entender que a garantia de penhor mercantil é desproporcionada.

103. Se tivesse havido má-fé da Autora, e o incumprimento ocorresse, eventualmente, dois meses depois de celebrado o contrato, os bens dados em garantia não eram suficientes para pagar a dívida.

104. Acresce que, da prova produzida e dos depoimentos produzidos nos autos resulta que os responsáveis da I. estavam a negociar com a banca e até junto de particulares para liquidarem aos seus credores.

105. Sendo também essa a informação que foi passada à A. e motivou a celebração deste negócio.

106. Neste contexto, a A., à data da celebração do negócio cuja resolução se impugna, não podia prever o que acabou por acontecer.

107. Repete-se, a Autora só procedeu ao levantamento dos bens dados em penhor mercantil, porque a firma já não se encontrava em laboração.

108. Os negócios titulados pela escritura pública de 02 de outubro de 2018, não são resolúveis, porque não se verificam os requisitos de resolução incondicional previstos na al. h) do nº1 do art. 121º do CIRE.

109. Não houve a prejuízo, porque a Autora era efetivamente credora.

110. O negócio celebrado, eventualmente, prognosticamos agora, permitiu que a I..., Lda mantivesse os postos de trabalho e laborasse mais de sete meses, gerando riqueza. Inclusive, a I..., Lda, dias antes da entrada desta insolvência, viu-se confrontada com outra Insolvência, que pagou, de valor superior a € 25.000,00 (conforme certidão que se encontra junta aos autos principais de insolvência).

111. Os trabalhadores enquanto credores privilegiados têm sempre os seus créditos assegurados nos termos do art. 333º do CT, atendendo a que o bem mais valioso da I. é o prédio onde exerciam a sua atividade.

112. Desconhecendo-se o valor real do património imobiliário da I., agora Massa Insolvente, não é possível concluir que o negócio celebrado com a Autora seja prejudicial.

113. A Autora não atuou com má-fé, porque não conhecia, os demais créditos a outros fornecedores, eventualmente anteriores ao seu.

114. A Autora não pode ser penalizada por ser uma empresa que trabalha com rigor e só facilita o pagamento das faturas vencidas, em prestações, se estiver garantida.

115. A Autora não interpretou que os atrasos de pagamento por parte da I. seriam um sinal de insolvência, pela simples razão que trabalha com mais empresas e verifica que, no comércio não há linearidade.

116. Às vezes é preciso dar o benefício da dúvida, acreditando que, quando o cliente lhe refere que está a negociar com a banca, isso é sinal de que a empresa tem crédito.

117. A Autora também tem hipotecas ao banco, nem sempre recebe a tempo e horas e isso vai repercutir-se nas suas obrigações.

118. Não é pelo facto de, nem sempre honrar a tempo e horas os seus compromissos que uma empresa se encontra em situação de insolvência ou na iminência da mesma.

119. Os negócios titulados pela escritura pública de 02 de outubro de 2018 não são resolúveis, dado que não se verificam os requisitos de resolução previstos no art. 120º do CIRE.

120. Ao decidir como decidiu violou o Meritíssimo juiz do tribunal a quo o disposto nos artigos 120º e 121º do CIRE.

121. Deve ser revogada a sentença, e substituída por outra que considere inexistir fundamento para resolver o contrato celebrado por escritura de reconhecimento de dívida, com hipoteca penhora mercantil, praticado pela Insolvente, na qualidade de devedor, e P... Lda, na qualidade de credor, celebrado por escritura de 2 de outubro de 2018, no Cartório Notarial ..., sito na Rua ..., em ..., sendo o contrato válido, com todas as consequências legais.

122. Em caso de improcedência da ação deve ser reconhecido e graduado o crédito da Autora.

123. Considerando-se a resolução dos negócios operada pela Sra. Administradora da Insolvência válida, a Autora deverá restituir à massa insolvente tudo o que recebeu em execução do negócio resolvido (art. 289º ex vi art. 433º do C. Civil).

124. Como alienou a terceiros os bens objeto de penhor mercantil e a viatura hipotecado, deverá restituir à massa insolvente o valor correspondente ao da venda, deduzido do respetivo imposto de IVA, atendendo a que o imposto não faz parte do preço, por se tratar de um imposto, que, entretanto, foi entregue à entidade tributária.

125. A decisão proferida, neste particular, viola também o preceituado no art. 289º, nº1 ex vi art. 433º do C. Civil. Pelo que na eventualidade de haver de devolver o preço, o mesmo deverá ser deduzido do imposto de IVA.

Termos em que revogando a Douta Sentença recorrida nos termos supra sufragados, V. Exas. farão, como sempre, a inteira e costumada, JUSTIÇA.

            A parte contrária não contra-alegou, tendo prescindido do prazo para o fazer.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu ato, em princípio delimitado pelo conteúdo do ato recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

            . se há contradição entre o facto provado no ponto 3 com os pontos 1,4,5 (parte inicial) e 12 dos factos provados e com  os factos dados como não provados nos pontos 2 e 7 ;

            . se há contradição entre os factos dados como provados no ponto 19 com o ponto 1 dos factos não provados, devendo ambos ser dados como provados;

.se os factos dados como provados nos pontos 3, 12 e 29 devem ser dados como não provados;

. se deve ser eliminada do ponto 5 dos factos provados, a expressão “em circunstâncias não concretamente apuradas”;

. se devem ser aditados ao ponto 18 dos factos provados os seguintes factos: Depois de encerrar a firma, os representantes da I..., Lda, contataram a A. a dizer que não conseguiam cumprir o contrato.

. se os factos dados como não provados nos pontos 1,2,4,5,7,8 e 9 devem ser dados como provados;

. se se verifica (ou não) manifesta desproporção entre as obrigações assumidas pelas duas partes, em prejuízo da insolvente, não estando reunidos os pressupostos exigidos pelo artº 121º nº 1, alínea h) nem pelo artº 120º do CIRE;

. subsidiariamente, para o caso de se entender que o ato é resolúvel, tendo a apelante já vendido os bens a terceiro, se apenas deverá ser condenada  a restituir à massa insolvente o valor correspondente ao valor da venda, deduzido do respetivo IVA, porquanto o imposto não faz parte do preço.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

.Factos provados

1. Insolvente e a Autora mantinham relações comerciais desde 2010, tendo o volume de negócios celebrados entre ambas aumentado gradualmente ao longo dos anos, com incremento substancial no ano de 2017.

2. Nos anos de 2018 e 2019, a Insolvente era já devedora a outras sociedades de fornecimento de matéria-prima, de valor superior a quinhentos mil euros, vencido há mais de dois anos, como era, por exemplo, o caso da sociedade M....

3. Já em 2018 a Autora ficou a saber que a I..., Lda se encontrava em situação de insolvência iminente, sendo que a mesma há muito vinha manifestando dificuldade em cumprir.

4. A certa altura, a Insolvente, alegando algumas dificuldades até final do ano de 2018 e a circunstância de se encontrar em diligências com vista à subscrição de um crédito bancário, propôs à Autora o pagamento do valor em dívida em prestações.

5. Em circunstâncias não concretamente apuradas, a Autora e a Insolvente acordaram no pagamento do valor em dívida (€71.363,52) em prestações, mediante a prestação das garantias constantes da escritura que seguir se identifica no ponto 6 destes factos provados.

6. No dia 2 de outubro de 2018, no Cartório Notarial ..., em ..., foi celebrada uma escritura, segundo a qual a Insolvente reconheceu à Autora P... Lda uma dívida no valor de €71.363,52, respeitante a fornecimentos comerciais realizados pela Insolvente, titulados por diversas faturas devidamente identificadas na mencionada escritura, juros vencidos, despesas extrajudiciais inerentes à celebração da escritura, constituição de hipoteca e penhor mercantil, respetivo registo e honorários de advogado.

7. Consignou-se em tal documento que não são devidos juros, com exceção dos juros de mora, em caso de incumprimento, fixada à taxa de juro comercial de 7%; Que o valor em dívida será pago em vinte e quatro prestações, mensais e sucessivas, por transferência bancária, sendo as três primeiras prestações no valor de mil e quinhentos euros e as demais no montante de três mil cento e oitenta euros e noventa e oito cêntimos, cada, vencendo-se a primeira ao dia 30 do mês de outubro (2018) e as demais em igual data dos meses seguintes.

8. E ainda que a falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento da totalidade da dívida e o recurso à cobrança judicial.

9. Para garantia de todos os valores reconhecidos e nas condições acordadas a Insolvente constituiu hipoteca a favor da Autora sobre os prédios, Urbano ...48 e Rústico ...89, ambos da freguesia ..., já onerados com Hipotecas a favor da ... e IGFSS e sobre a viatura pesado de mercadorias marca ..., matrícula ..-..-ZU.

10. A Insolvente constituiu ainda a favor da Autora o penhor mercantil sobre as máquinas que constituíam o seu imobilizado, livres de ónus e encargos, identificadas em documento complementar anexo à escritura (1. Extrusora I, ano 1990, m... SA 4246; 2. Extrusora II, ano 2000, marca ... (conta H - ...); 3. Extrusora III, ano 1980, marca ...; 4. Extrosara IV, ano 1990, marca ... (conta H ...34); 5. Extrusora V, ano + antigo, marca ... 60 - ...; 6. Extrusora VI, ano desconhecido, marca ...; 7. Recicladora, ano 1990, marca ...; 8. Corte e Solda 1, ano 1992, marca ...; 9. Corte e Solda 2, ano 1987, marca ...; 10. Corte e Solda 3, ano 1998, m... Lda - N.serie 169-08; 11. Corte e Solda 4, ano desconhecido, marca ... 850; 12. Cabeça Rotativa, ano desconhecido, associada á extrusora 4; 13. Cabeça rotativa, ano desconhecido, associada à extrusora 2), tendo-se consignado que o referido penhor se torna exequível logo que se verifique o incumprimento de qualquer das obrigações garantidas, do mesmo modo que, tornando- se o mesmo exequível, fica a Autora autorizada pela devedora a vender extrajudicialmente os bens empenhados, nos termos e condições que entender convenientes, sem dependência de qualquer formalidade, recebendo o respetivo preço e dando quitação, podendo inclusivamente fazer negócio consigo próprio, autorizando ainda, a sociedade devedora, que a sociedade credora substabeleça tais poderes.

11. Consignou-se ainda que a sociedade credora “fica expressamente autorizada a levantar, pelos meios adequados, os bens objeto do presente penhor, obrigando-se a devedora a praticar todos os atos em que, por qualquer motivo, deva intervir para se efetuarem as transmissões. (…)”

12. A Autora sabia que aquele ato dificultava o pagamento aos demais credores, nomeadamente aos trabalhadores.

13. Era do conhecimento da Autora que os imóveis estavam hipotecados a instituições de crédito.

14. O processo de insolvência deu entrada em juízo no dia 18 de Abril de 2019.

15. A Insolvente cumpriu o acordo celebrado com a Autora desde Outubro de 2018 até 30 de abril de 2019, tendo pago o valor de €17.235,92.

16. A 30 de maio de 2019 a Insolvente não procedeu ao pagamento da prestação acordada.

17. Nessa data, de acordo com o reconhecimento de dívida, ainda se encontrava em dívida o valor de €54.127,60, acrescido das penalizações previstas pelo incumprimento.

18. Em face do incumprimento, a Autora, em junho de 2019, comunicou à Insolvente que o penhor mercantil constituído a seu favor, por meio da escritura mencionada em 6, se tornou exequível, pelo que iria proceder ao levantamento dos bens objeto do penhor mercantil.

19. Nas datas de 25/06/2019 e 02/07/2019, na presença, com conhecimento e sem oposição da representante legal da Insolvente, a Autora procedeu ao levantamento de todos os bens móveis objeto de hipoteca e penhor mercantil objeto de escritura pública mencionada em 6, conforme guias de transporte GTA01/113 e nº 204 emitidas e rubricadas pela Insolvente.

20. Os bens objeto de penhor e viatura pesada de mercadorias hipotecada, entretanto, foram vendidos pela Autora a terceiros, tendo comunicado os valores obtidos à gerente da Insolvente.

21. A Autora vendeu os bens objeto do penhor mercantil pelo valor de €49.575,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

22. A Autora com a venda dos bens a terceiros objeto de penhor e do veículo hipotecado realizou o valor de €60.270,00.

23. Para o cancelamento de hipoteca e registo do veículo a Autora gastou €195,00.

24. A insolvência foi decretada em 10 de Outubro de 2019 e publicada no portal Citius no dia seguinte.

25. A Ré Massa Insolvente, representada pela sua Administradora, remeteu carta registada com AR, comunicando à Autora a resolução dos negócios titulados pela escritura de 2 de outubro de 2018 celebrada no Cartório Notarial ..., em ..., na qual refere “(…) presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os atos de qualquer dos tipos referidos no art. 121º do CIRE onde se inclui no nº 1, al. h) “atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro de um ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte”. (…) a escritura sobre resolução teve como objetivo apenas conceder à credora garantias reais sobre uma dívida pré-existente, sendo a mesma omissa quanto à contraprestação da credora. A escritura redundou num benefício a um determinado credor, em prejuízo dos restantes. Ainda que assim não fosse, sempre o negócio teria sido celebrado com má fé do credor beneficiário. (…) a credora sabia que a I..., Lda se encontrava em situação de insolvência (…) foi precisamente por ter conhecimento dessas dificuldades e da insolvência iminente que se antecipou aos demais credores e fez pressão sobre a gerência da devedora para que lhe prestasse as garantias tituladas pela escritura, sabendo, além disso, que o ato era prejudicial frustrava e impedia até o pagamento aos demais credores (…)”

26. O valor dos créditos reclamados ascende a €1.723.519,38, o património imobiliário da insolvente está hipotecado a entidades financeiras e os créditos privilegiados e garantidos ascendem a cerca de €400.000,00.

27. Os créditos comuns ascendem a €1.320.799,59, neles se incluindo credores em paridade com a P... Lda.

28. Os bens móveis e de equipamento apreendidos estão avaliados em €1.010,00.

29. O valor dos bens imóveis é insuficiente para pagar os créditos garantidos e privilegiados.

30. As dívidas da insolvente I..., Lda foram constituídas antes da escritura de confissão de dívida, com hipoteca e penhor mercantil, pois tratam-se, na generalidade, de dívidas a fornecedores.

Factos não provados:[1]

.1.- Nas datas referidas em 19 dos factos provados a representante legal da Insolvente autorizou o levantamento de todos os bens móveis objeto de hipoteca e penhor mercantil objeto de escritura pública mencionada em 6.

.2.- A Autora desconhecia que a Insolvente estivesse em situação de insolvência ou sequer na sua iminência quando celebrou o acordo de pagamento nos termos referidos em 6 e 7.

.3.- A remoção dos equipamentos dados em penhor e do veículo pesado com a matrícula ..-..-ZU foi feito contra a vontade da dona da I..., Lda, e com a ameaça de chamar a GNR.

.4.- Se não fosse celebrado acordo de pagamento, a Autora teria avançado com processo de cobrança judicial.

.5.- Até ao final do ano de 2017 a Insolvente cumpriu sempre, de forma pontual, as suas obrigações.

.6.- A Insolvente atuava cumprindo escrupulosamente o prazo de pagamento das mercadorias que a autora lhe fornecia.

.7.- À data da celebração da escritura, a Insolvente havia informado a Autora que se encontrava a negociar com uma entidade bancária o aumento de uma conta caucionada.

.8.- Operação que a Autora considerou normal no giro empresarial, interpretando que se a Insolvente tinha capacidade de negociação com a banca, era porque a sua situação económica era normal, dentro da dinâmica própria de cada empresa

.9.- À data, não era expectável que a Insolvente entrasse em processo de insolvência.

Das alegadas contradições e da impugnação da matéria de facto

(…).

            Do Direito

            Na decisão recorrida entendeu-se que o negócio titulado pela escritura pública de 02 de Outubro de 2018 é resolúvel, dado que se verificam os requisitos de resolução incondicional previstos na al. h) do nº1 do art. 121º do CIRE (preceito a que doravante pertencerão todas as disposições legais citadas, sem indicação da fonte) e também da resolução condicional regulada no artº 120º.

            A resolução em benefício da massa insolvente está regulada nos artigos 120º a 126º, tem efeitos retroativos e conduz à reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido (artº 126º, nº 1), designadamente impondo ao terceiro a obrigação de restituir à massa insolvente os bens ou valores prestados pelo devedor (artº 126º, nºs 3 e 6) e impondo à massa, em certas situações, a obrigação de restituir ao terceiro  o objeto por ele prestado (126º, nºs 4 r 5), produzindo efeitos a favor de todos os credores[2].

            Estabelece o nº1 do artº 121º que são resolúveis em benefício da massa insolvente os atos que descreve nas alíneas a) a i),  sem dependência de quaisquer outros requisitos, compreendendo a  alínea h) os “atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte”.

            A apelante entende que as obrigações assumidas pela insolvente não excedem manifestamente as da contraparte. Defende que a A. se obrigou a receber o montante da dívida em prestações, sem pagamento de juros e a insolvente beneficiou da extensão do prazo para cumprir a obrigação do pagamento do preço, obtendo um perdão de juros e evitando a cobrança coerciva, através de uma ação executiva, de uma providência cautelar de arresto ou eventualmente, mediante a propositura de uma ação de insolvência. Este ato não é desproporcional, atendendo a que foram fixadas prestações graduais. O penhor mercantil com autorização da execução do penhor em caso de incumprimento está previsto no DL 75/2017, de 26 de junho e se a lei o prevê é porque é legal e possível de ser convencionado entre as partes, não tendo sido pela sua atuação que a insolvente deixou de laborar. A produção já estava parada quando procedeu ao levantamento dos bens penhorados.

            No  caso da resolução incondicional, a que se reporta o art. 121º,  o legislador dispensou o requisito geral da má-fé e consagrou uma presunção inilidível de prejudicialidade para a massa insolvente. Os atos aí elencados são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, para além dos aí previstos (…). Uma vez verificados tais requisitos, eles são resolúveis em benefício da massa insolvente, por se presumirem prejudiciais à massa sem admissão de prova em contrário, não sendo necessária a má-fé do terceiro (nºs 2 e 4 do art. 120.º). Porém, quando a lei estabelece que a resolução é independente de quaisquer outros requisitos, não prescinde do preenchimento da previsão de qualquer uma das alíneas do nº 1 do artº 121º. Para que a resolução possa ser declarada o ato impugnado tem de preencher uma das referidas alíneas do nº 1. A lei prescinde sim do prazo de dois anos, do caráter prejudicial à massa e da má fé do terceiro (cfr. refere  Maria do Rosário Epifâneo, Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 7ª edição, pág. 253). Nesse sentido, também o acórdão do TRE de 04.06.2020, proc. 1138/18.3T8PTG-F.E1 (acessível em www.dgsi.pt), onde se defende que o  art.º 121º, tendo em conta a natureza do ato e o tempo em que foi praticado, não faz depender a sua resolução de qualquer requisito adicional, presumindo em termos inilidíveis a sua prejudicialidade (cfr. n.º 3 do artigo 120º) e dispensa a demonstração do requisito da má fé.

A propósito da alínea h) do nº 1 do artº 121º Fernando Gravato de Morais, em  “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, Almedina, Abril de 2008, pag. 135/136[3], defende: “Deve existir, por um lado, uma falta de equivalência, uma desproporcionalidade, entre as prestações das partes. Por sua vez, a parte mais onerada deve ser, in casu, o devedor insolvente, o que significa consequentemente que há um prejuízo para a massa insolvente. Não basta, porém, o mero excesso. Ele deve ser ainda manifesto. Impõe-se, por isso, estabelecer parâmetros para a sua concretização.(...) A nosso ver, só caso a caso, em função do específico bem alienado, se pode concretizar a percentagem que corresponde ao excesso manifesto. Perspetivamos, todavia, o valor de 30% como tendencialmente suscetível de, verificada a restante factualidade do normativo, justificar a resolução em benefício da massa insolvente. Visa-se impedir atuações abusivas do devedor insolvente em detrimento dos credores da insolvência. Se se considerasse um valor percentual mais elevado podia esvaziar-se com facilidade a massa insolvente.

Não se mostra necessária, por outro lado, a consciência desse excesso, basta que ele ocorra de facto. Acolhe-se, assim, uma conceção objetiva quando ao que representa o excesso manifesto. É indiferente, para o efeito da resolubilidade do ato, a causa que subjaz a esse excesso e se há razões subjetivas justificativas para ele. Só assim se consegue tutelar melhor os credores do insolvente”.

No caso apurou-se que a insolvente reconheceu ser devedora da A. da quantia de €71.363,52, respeitante a fornecimentos comerciais realizados pela A., titulados por diversas faturas devidamente identificadas na mencionada escritura, incluindo-se nesse valor  juros vencidos, despesas extrajudiciais inerentes à celebração da escritura, constituição de hipoteca e penhor mercantil, respetivo registo e honorários de advogado. Consignou-se em tal documento que não são devidos juros, com exceção dos juros de mora, em caso de incumprimento, fixando-se a taxa de juro comercial de 7% e que o valor em dívida será pago em vinte e quatro prestações, mensais e sucessivas, por transferência bancária, sendo as três primeiras prestações no valor de mil e quinhentos euros e as demais no montante de três mil cento e oitenta euros e noventa e oito cêntimos, cada, vencendo-se a primeira ao dia 30 do mês de outubro (2018) e as demais em igual data dos meses seguintes. Convencionou-se ainda que a falta de pagamento de uma prestação implicava o vencimento da totalidade da dívida e o recurso à cobrança judicial.

 Para garantia de todos os valores reconhecidos e nas condições acordadas a Insolvente constituiu hipoteca a favor da Autora sobre os prédios, Urbano ...48 e Rústico ...89, da freguesia ..., ambos já onerados com hipotecas a favor da Banco 1... e o prédio urbano também com penhora e hipoteca legal  a favor do IGFSS e ainda hipoteca sobre a viatura pesada de mercadorias marca ..., matrícula ..-..-ZU.

            A Insolvente constituiu também  a favor da Autora o penhor mercantil sobre as máquinas que constituíam o seu imobilizado, livres de ónus e encargos, identificadas em documento complementar anexo à escritura (1. Extrusora I, ano 1990, m... SA 4246; 2. Extrusora II, ano 2000, marca ... (conta H - ...); 3. Extrusora III, ano 1980, marca ...; 4. Extrosara IV, ano 1990, marca ... (conta H ...34); 5. Extrusora V, ano + antigo, marca ... 60 - ...; 6. Extrusora VI, ano desconhecido, marca ...; 7. Recicladora, ano 1990, marca ...; 8. Corte e Solda 1, ano 1992, marca ...; 9. Corte e Solda 2, ano 1987, marca ...; 10. Corte e Solda 3, ano 1998, m... Lda - N.serie 169-08; 11. Corte e Solda 4, ano desconhecido, marca ... 850; 12. Cabeça Rotativa, ano desconhecido, associada á extrusora 4; 13. Cabeça rotativa, ano desconhecido, associada à extrusora 2), tendo-se consignado que o referido penhor se torna exequível logo que se verifique o incumprimento de qualquer das obrigações garantidas, do mesmo modo que, tornando- se o mesmo exequível, fica a Autora autorizada pela devedora a vender extrajudicialmente os bens empenhados, nos termos e condições que entender convenientes, sem dependência de qualquer formalidade, recebendo o respetivo preço e dando quitação, podendo inclusivamente fazer negócio consigo próprio, autorizando ainda, a sociedade devedora, que a sociedade credora substabeleça tais poderes.

Consignou-se ainda que a sociedade credora “fica expressamente autorizada a levantar, pelos meios adequados, os bens objeto do presente penhor, obrigando-se a devedora a praticar todos os atos em que, por qualquer motivo, deva intervir para se efetuarem as transmissões. (…)”

            Assim, no montante de 71. 71.363,52, foram incluídos os juros de mora e diversas despesas, todas por conta da insolvente e acordou-se  ainda o pagamento de juros de mora à taxa de 7%, em caso de incumprimento. Foram constituídas ainda hipotecas sobre dois dos três imóveis da insolvente, ficando apenas de fora o imóvel com o valor patrimonial mais alto  e onde a insolvente exercia a sua atividade e foi também constituída hipoteca sobre um veículo pesado de mercadorias de marca ... e ainda penhor sobre os bens de equipamento destinados à produção, sem os quais a insolvente teria de parar a  produção, sendo que as partes também acordaram que os bens podiam ser retirados logo que se verificasse o incumprimento, sem a concessão de qualquer prazo adicional para a sua regularização.

            Pela venda dos bens móveis (bens penhorados e veículo hipotecado) a A. obteve o valor de 60.270,00, suficiente para pagamento do montante que se encontrava em dívida à data do incumprimento – 54.127,60, acrescido dos juros de mora, desconhecendo-se qual o real valor destes bens por não ter sido alegado. O DL 75/2017 veio estabelecer no  artº 2º, nº 1 que é lícito às partes a constituição de penhor para garantia de obrigação comercial em que o prestador da garantia seja comerciante, permitindo que o credor pignoratício, em caso de incumprimento, se aproprie da coisa ou do direito empenhado, mas pelo valor que resulte de avaliação realizada após o vencimento da obrigação, devendo o modo e os critérios de avaliação ser estabelecidos no contrato, o que no caso não foi feito, a fim de evitar que à coisa penhorada seja atribuído um valor inferior ao real, prejudicando o devedor e obrigando o credor pignoratício,  caso o valor da coisa ou do direito empenhado seja superior ao montante da obrigação garantida,  a restituir ao prestador da garantia o montante correspondente a essa diferença (artº 2º, nº 4 do DL 75/2017).

            A decisão recorrida considera que existe desproporção porque a insolvente constituiu um penhor mercantil sobre os seus bens de produção, autorizando a execução do penhor em caso de incumprimento nos termos constantes do ponto 10 dos factos provados. “Tal significava, como veio a acontecer, que o incumprimento e a execução do penhor determinaria, de imediato, a paralisação da atividade da Insolvente. Esta obrigação é, com efeito, desproporcionada tendo em conta, em primeiro lugar, o histórico das relações comerciais entre a Insolvente, tal como esta as descreve; em segundo lugar, considerando o valor da dívida e a séria expetativa do cumprimento, conforme alega a Autora. Nada justificava que a Insolvente contraísse obrigações, potencialmente, tão letais para a sobrevivência da empresa.”

Ora, analisado o acordo das partes, efetivamente resulta que as obrigações assumidas pela devedora I..., Lda excedem manifestamente as da contraparte. Desde logo para um fornecimento no montante de 59.376,54 de acordo com o alegado pela apelante, sendo 518,37 relativo à fatura de 2017 e 58.858,17, relativo a fornecimentos de 2018, a devedora reconheceu-se devedora da quantia de 71.363,52, o que representa um acréscimo de mais de 20%. Para além deste aumento foi constituído penhor sobre os bens constantes do imobilizado da I..., Lda -  equipamento afeto à produção -  conduzindo necessariamente à paralisação da atividade da empresa por falta de equipamento, em caso de execução da garantia, sendo permitida a retirada do equipamento logo que incumprida uma das prestações, sem a concessão de qualquer prazo adicional para a sua regularização, e a sua venda nos termos e condições que a credora entender, o que permite a sua venda por qualquer preço, designadamente abaixo do seu justo valor, o que é suscetível de prejudicar a devedora que pode ficar sem os bens e ainda assim não liquidar integralmente a sua dívida. Acresce que na escritura está previsto  o pagamento de juros de mora, em caso de incumprimento e, uma vez que na quantia de 71.363,52 já estão incluídos juros de mora vencidos, permite-se assim que os juros vençam juros. Estabelece-se ainda um montante máximo assegurado pelas hipotecas 91.349,86, superior também em mais 28% ao valor reconhecido de 71.363,52, por sua vez, como se referiu, já, majorado em mais 20%. Para além da garantia dada pelo penhor, ainda foram constituídas três hipotecas – sobre um prédio rústico, um prédio urbano e também sobre um veículo pesado de mercadorias.

A penhora de bens móveis que integram o imobilizado da empresa, bens que não são destinados ao seu comércio e que estão afetos à produção, importa um elevado risco para o devedor que fica suscetível, em caso de incumprimento, de não poder continuar a produzir.

Mas ainda que assim não se entendesse,  sempre estariam reunidos os pressupostos exigidos pelo artigo 120º do CIRE, tal como se defendeu na decisão recorrida.

A massa insolvente procedeu à resolução do contrato invocando o disposto no artº 120º, nº 1, 2, 3, 4 e 5, alínea a) do nº 5 do artº 120º  e na alínea h) do nº 1 do artº 121º.

Na sentença recorrida entendeu-se que também estavam também reunidos os pressupostos para a resolução condicional, porquanto “a prejudicialidade resulta da diminuição da satisfação credores da insolvência (art. 120º, nº2 e 3 do CIRE e pontos 21 e 22, 26 a 30 dos factos provados). A má-fe da autora resulta provada, atento o disposto nº5, al. b) do art. 120º do CIRE, e pontos 3, 12, e 13).”

Dispõe o artº 120º nos nºs 1 a 5 que:

1 - Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

2 - Consideram-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os atos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.

4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do ato, de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;

b) Do carácter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

c) Do início do processo de insolvência.

            Ora, não suscita dúvidas que a constituição de garantias a favor da A., com a consequente venda de bens que integravam o património da insolvente constitui um ato prejudicial à massa, na medida em que diminuiu o seu património, em detrimento dos demais credores (nº 1 do artº 120º) . O ato oneroso em causa foi praticado escassos 6 meses antes do início do processo que conduziu à insolvência da I..., Lda, situando-se assim dentro da janela temporal de dois anos prevista no nº 4 do artº 120º do CIRE, tendo se provado ainda a má fé da A., face ao que dispõe a alínea b) e o apurado nos pontos 3 e 12 dos factos provados.

            Por último e para o caso do improceder a pretensão da apelante de se manter válido o negócio resolvido, a apelante pede que o valor que foi condenada a restituir à massa  - o valor correspondente à venda dos bens a terceiros - seja deduzido do respetivo imposto de IVA, atendendo a que o imposto não faz parte do preço, por se tratar de um imposto, que, entretanto, foi entregue à entidade tributária, pelo que a decisão recorrida viola também o preceituado no art. 289º, nº1 ex vi art. 433º do C. Civil. Assim, na eventualidade de ter de devolver o preço, o mesmo deverá ser deduzido do imposto de IVA.

Face às faturas juntas pela A. com a p.i. (doc.nºs 4, 5 e 6) constata-se que o valor a que se reporta o ponto 22 dos factos provados inclui 11.270,00 a título de IVA.

Considerando que o valor de 11.270,00 foi entregue ao Estado, a título de IVA, não deve integrar o valor a restituir à massa insolvente, devendo nessa parte proceder a pretensão da apelante.  

Sumário:

(…).

            IV – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando a apelante a restituir à apelada a quantia de 49.000,00, confirmando no demais a decisão recorrida.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento, em ambas as instâncias.

            Notifique.

            Coimbra, 14 de junho de 2022




[1] Adotou-se a metodologia utilizada pela apelante que numerou os factos não provados de 1 a 9, para simplificar a sua análise.
[2] Cfr. ensinamentos de Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2ª edição, 2021, Almedina, p.239.
[3]Apud Ac. do TRG de 18.11.2021, proferido no proc. 3099/18.0T8VNF-M.G1, igualmente acessível em www.dgsi.pt.