CONTRATO DE SEGURO MULTIRRISCOS HABITAÇÃO
QUEDA DE UM MURO
TEMPESTADE “ELSA”
ÂMBITO DE COBERTURA
EXCLUSÕES DA GARANTIA
Sumário

I – Se, no âmbito de um contrato de seguro multirriscos habitação, com previsão de cobertura de danos em consequência de «Aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos», com extensão das coberturas de «Aluimentos de terras, Tempestades, Inundações» aos muros integrantes do imóvel seguro, o local do sinistro estava sob a influência da tempestade “Elsa”, com as consequências e adversidades que a mesma acarretou, tendo o muro em causa – um muro de delimitação da propriedade e de suporte de terras – desabado em consequência da pressão exercida pelas águas pluviais respetivas, é de concluir pela cobertura do seguro.
II – Não é de admitir que se limite a garantia do seguro à existência do risco “alagamento pela queda de chuva” desde que associado a vento superior a 100 kms/h., visto poder existir alagamento pela chuva desacompanhada de vento forte (no caso, verificam-se ambas as condições).
III – Cabia à demandada, que invocou a exclusão da garantia do seguro, por falta de manutenção ou conservação, deterioração ou desgaste normais ou bens que assentem em fundações que contrariem as normas técnicas ou as boas regras de engenharia para a sua construção, o ónus da prova da respetiva factualidade de suporte, sob pena de procedência do acionamento do seguro.

Texto Integral

            Processo n.º 3181/20.3T8VIS.C1 – Apelação

            Comarca de Viseu, Viseu, Juízo Local Cível

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra O..., S.A., ambos já identificados nos autos, pedindo que:

a) se declare que o contrato de seguros referido nos autos e que se encontrava em vigor ao tempo do sinistro ocorrido no dia 19/12/2019 cobre o referido evento e

b) a condenação da ré a reparar os danos/prejuízos sofridos pelo autor e que estão orçamentados no montante de € 21.279,00, acrescido de juros de mora.

Alega, para tal, em resumo, que no ano de 2015 celebrou com a ré um contrato de seguro riscos múltiplos habitação, titulado pela apólice que identificou, sendo o objecto segurado o bem imóvel identificado em 2º. Alegando seguidamente a ocorrência, no dia 19/12/2019, da tempestade Elsa, disse que pelas 20h00m do mencionado dia e como consequência da referida tempestade um dos muros que delimita a sua propriedade e que confronta com a via publica a sul ruiu. Após ter participado o sinistro à ré esta rejeitou a responsabilidade, com o que não se conforma face à circunstância das condições particulares cobrirem, entre outros, os danos “muros/muretes não int. do Edifício” e as cláusulas 29º, 33º, computando os prejuízos a este título sofridos na quantia de € 17.300,00, acrescido de IVA.

Citada a ré contestou defendendo-se por impugnação e por excepção.

Impugnando disse que em causa está a derrocada parcial de um muro de suporte de terras e de vedação, que tinha cerca de 4 m de altura, construído em alvenaria de blocos de cimento e que possuía uma via cinta no seu topo e sem pilares e tubagem para escoamento e drenagem de águas.

Mais disse que na sequência da peritagem efectuada após a participação do sinistro conclui-se que o muro não estava dimensionado nem construído de acordo com as regras técnicas, não apresentando quaisquer elementos estruturais adequados para desempenhar eficazmente a função de contenção de terras com a sua dimensão, concretamente pilares e vigas em betão armado. Invoca seguidamente que as boas práticas de construção impunham que junto à base do muro tivesse sido aplicado, no lado de dentro, um tubo para drenar as águas da chuva que se vão infiltrando no terreno que o mesmo tinha como função sustentar.

Afirmou, ainda, que com a degradação dos materiais e diminuição da resistência do muro a queda do muro era evidente, sem embargo do aumento do lençol freático pela acumulação de águas pluviais e saturação do solo por inexistência do sistema de drenagem.

Termina dizendo que os danos no muro resultaram de deficiências originárias na construção do muro, pelo que mesmo que a queda accionasse uma qualquer cobertura o dano sempre estaria excluído, nos termos das als. b) e c) das exclusões aplicáveis à cobertura e que não é legitimo exigir-lhe uma indemnização causada num muro feito sem obedecer às boas práticas de construção, o que à época da subscrição do contrato era do desconhecimento da ré. Impugnou, por fim, o valor do orçamento por não se reportar à restauração natural mas sim à construção de um muro novo, em betão armado.

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Por despacho datado de 15/12/2020 foi declarada a existência de erro na forma do processo, com a consequente distribuição como acção de processo comum.

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Com dispensa da realização da audiência prévia, elaborou-se despacho saneador tabelar, identificando-se o objecto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, e finda a mesma foi proferida a sentença de fl.s 143 a 160, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide:

a) Declarar que o contrato de seguro titulado pela apólice identificada em 1. dos factos provados cobre o sinistro descrito em 6. dos mesmos factos provados.

b) Absolver a ré do pedido de entregar ao autor a quantia de € 21.279,00, acrescido de IVA.

c) Condenar a ré a entregar ao autor, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, quantia não concretamente apurada mas inferior ao valor agora referido em b) e correspondente à quantia necessária à reconstrução da parte do muro que ruiu e com as características assentes em 15. a 18. dos factos provados, a liquidar em execução de sentença.

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As custas eventualmente devidas a juízo serão suportadas por autor e pela ré, o primeiro na proporção do seu decaimento.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré, O..., SA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 183), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1ª/ Existe erro na apreciação da matéria de facto, bem como contradições.

2ª/ O Tribunal não deu como provada a matéria não provada das alíneas c), d), e), f) e g) devia ter sido julgada provada.

3ª/ Concretamente a matéria da alínea d) da matéria de facto não provada é uma explicação ou repetição em parte do facto provado nº 6, quando neste se diz que foi como consequência do peso das águas das chuvas caídas e acumuladas no terreno, que provocaram pressão sobre o muro, associado às características construtivas do mesmo e mencionadas em 15. a 18. dos factos provados, cedendo, ruiu parcialmente um dos muros que delimita a propriedade do autor e de suporte de terras.

4ª/ Por isso, sob pena de contradição nas respostas a matéria da alínea d) devia ser considerada provada.

5ª/ Também deriva da matéria de facto provada no nº 6, quando neste de faz a relação com os factos 15. a 18. , que a matéria não provada das alíneas c) a e), por um corolário lógico, tinha que ser considerada provada.

6ª/ De um muro de sustentação de terras com 4 metros de altura e a sustentar terra com praticamente essa altura, sem pilares intervalados na sua estrutura, sem tubagem para escoar e drenar águas, com uma caixa de recepção de águas das caleiras no seu interior não se pode esperar grande longevidade, ainda por cima apresentando degradação, fissuras e sem manutenção por parte do Autor.

7ª/ O colapso deste muro resultou da forma errada e deficiente como foi construído, em blocos de cimento sobrepostos, sem pilares e sem vigas, aliado ao facto de se terem indo degradando os seus elementos construtivos.

8ª/ Impõem, assim, que a matéria referida não provada seja considerada provada, além dos documentos juntos aos autos, nomeadamente as fotografias juntas com a contestação e a matéria do nº 6 dos factos provados, também o depoimento da testemunha BB, que foi o perito da empresa independente R..., S.A., que procedeu à averiguação do sinistro e avaliação dos danos, nas passagens seguintes: 00:01:45; 00:02:18; 00:03:20; 00:05:10; 00:07:10 e 00:08:31.

9ª/ Que confirma as circunstâncias em que o muro estava construído, a sua degradação e falta de manutenção e que este muro não tinha possibilidades de resistir.

10ª/ Relevam ainda as seguintes passagens do depoimento da testemunha BB , agora a instâncias da Meritíssima Juiz nas passagens 00:09:40; 00:10:22 e 00:12:10.

11ª/ Para além de se tratar, quanto à previsibilidade das consequências (a sua ruína era previsível a qualquer momento) de um facto da experiência comum, como que de um facto notório.

12ª/ A matéria da alínea f) também deve ser considerada provada, porque, em rigor, se trata de matéria de excepção (alegada em 37º da contestação) à qual competia ao Autor responder, o que não fez.

13ª/ Finalmente, quanto ao facto provado 5., não foi produzida qualquer prova, discordando-se totalmente da fundamentação invocada pela Meritíssima Juiz, para o dar como provado ( ser um facto notório) pelo que deve ser julgado não provado.

14ª/ Assim, em resumo, os concretos meios de prova que impõem decisão diversa quanto aos factos não provados da alínea c), d), e) f) e g) e que devem ser considerados provados são as fotografias juntas com a contestação e demais documentos nomeadamente os orçamentos quanto à forma de construção do muro, em que nenhum prevê a hipótese de construir o muro tal como foi o que ruiu, o depoimento da testemunha BB nas passagens indicadas nas conclusões 8ª/ e 9ª/.

15ª/ Ao presente sinistro nunca podiam ser aplicadas, pela sua natureza, as coberturas de "Inundações", mas quando muito a de "Tempestades" previstas na cláusula 32º, 2.1 - a).

16ª/ Na verdade, a da Cláusula 32º, 2.1-b) refere-se a alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior de edifício em consequência de danos causados pelos riscos mencionados em 2.1, na condição de estes danos se verifiquem nas 72 horas seguintes ao momento da destruição parcial do edifício".16

17ª/ Já a da cláusula 32, 2.1 - a) pressupõe:

a) que se esteja perante "tufões, ciclones, tornados e toda a acção directa de ventos fortes ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique instalações, objectos ou árvores num raio de 5 Kms envolventes dos bens seguros e desde que, no local e momento do sinistro, os ventos tenham atingido velocidade igual ou superior a 100km/hora".

18ª/ Não consta da matéria alegada, nem da matéria provada, nem de qualquer meio de prova que no local e momento do sinistro, os ventos tenham atingido velocidade igual ou superior a 100 Km/hora.

19ª/ Também não consta da matéria alegada ou provada que tenha havido destruição de instalações, objectos arremessados ou projectados num raio de 5 Km envolventes dos bens seguros.

20ª/ Por isso, há confusão manifesta quando na douta sentença se afirma que o sinistro dos autos e ao invés do que sustenta a Ré mostra-se enquadrado pelas coberturas garantidas pela apólice contratada e descritas em 1. dos factos provados.

21ª/ Aliás, o Autor, em parte nenhuma da petição inicial, ao contrário do que dá a entender a douta sentença, alegou, de forma fundamentada, a causa do sinistro, nomeadamente como é que a causa foi a tempestade, limitando-se a dizer, de forma conclusiva que foi em consequência da "tempestade Elsa".

22ª/ Por isso, o sinistro não tem enquadramento nas coberturas da apólice, sendo que o muro caiu naquele dia, porque dado as suas características construtivas e o seu estado de total degradação era iminente que a todo o tempo podia ruir.

23ª/ Aliás, a circunstância, de total degradação em que se encontrava, aliada ao facto de o autor não fazer a sua manutenção, embora a tal estivesse obrigado, constituía sempre causa de exclusão do sinistro tal como consta do facto provado nº 4:" Ficam excluídos desta a cobertura [Muros, Muretes e Portões] os danos devidos a falta de manutenção ou conservação, bem como decorrentes de notória deterioração ou degastes normais devidos a continuação do uso".

24ª/ Assim, a acção deve ser julgada não provada e improcedente a Ré absolvida do pedido.

25ª/ Consigna-se, para efeitos do disposto no art. 639º, nº 2 do C.P.Civil, que na opinião da recorrente na douta sentença recorrida foi violado o disposto no art. 607º, n.4, na medida em que o tribunal não analisou criticamente as provas, concluindo por uma decisão da matéria de facto que não está em conformidade com a prova produzida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.   

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes do item 5.º dos factos provados, que devem passar a considerar-se como não provados e das alíneas c) a g), dos factos dados como não provados, que devem passar a considerar-se como provados e;

B. Se o sinistro em causa se mostra ou não, enquadrado nas coberturas da apólice do seguro contratado entre as ora partes.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. O autor e a ré celebraram, em 2015, um contrato de seguro denominado “Riscos Múltiplos Habitação – HOMIN”, titulado pela apólice n.º ...75, pelo período de 1 ano, que foi sucessivamente renovado, conforme documento constante de fls. 85 a 88, cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

2. O objecto seguro no mencionado contrato é o bem imóvel composto por moradia unifamiliar, sita na Rua ..., em ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...28 e descrita, a favor do autor, na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...31.

3. No âmbito de tal apólice mostram-se contratadas, entre outras, as seguintes coberturas: “Aluimento de Terras: Capital Seguro: € 253,452,42, Franquias: € 150,00; (…) Inundações: Capital Seguro: € 253,452,42, Franquias: € 150,00”, (…) Muros/Muretes não Int. Edifício: Capital Seguro: € 25.345,24, Franquias: € 150,00; (…); Tempestades: Capital Seguro: € 253,452,42, Franquias: € 150,00” (…)”, conforme documento de fls. 83/84, cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

4. As condições gerais e especiais da mencionada apólice são, entre outras, as seguintes: “(…) Cláusula 32.ª Objecto e Garantias facultativas do contrato (…) 2 – TEMPESTADES 2.1. Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de: a) tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique instalações, objectos ou árvores num raio de 5 kms envolventes dos bens seguros e desde que, no local e momento do sinistro, os ventos tenham atingido velocidade igual ou superior a 100 kms hora; b) alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício em consequência de danos causados pelos riscos mencionados em 2.1., na condição que estes danos se verifiquem nas 72 horas seguintes ao momento da destruição parcial do edifício. (…). 3 – INUNDAÇÕES 3.1. Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de: a) tromba de água ou queda de chuvas torrenciais – precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro; b) rebentamento de adutores, redes externas de distribuição de águas, coletores, drenos, diques e barragens; c) enxurradas ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais. (…). 24 – ALUIMENTO DE TERRAS Garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos. (…). 29 – MUROS, MURETES E PORTÕES Garante, com os limites constantes das Condições Particulares, a extensão das coberturas de Aluimento de Terras, Tempestades, Inundações e Choque ou Impacto de Veículos Terrestres aos muros, muretes e portões (divisórios de propriedade ou de contenção de terras) pertencentes ao imóvel seguro. (…). Cláusula 33.ª – Exclusões aplicáveis às coberturas facultativas ou à cobertura de incêndio quando contratada como seguro facultativo (…) 3- Além do disposto nos pontos 1. e 2. deste artigo, relativamente às coberturas abaixo indicadas, o presente contrato fica sujeito às seguintes exclusões: TEMPESTADES Ficam excluídas desta cobertura: (…) 4- Os danos em muros, muretes e portões, salvo se garantidos pela presente apólice. (…) INUNDAÇÕES Ficam excluídas desta cobertura: (…) 3- Os danos em muros, muretes e portões, salvo se garantidos pela presente apólice. (…). ALUIMENTOS DE TERRAS Ficam excluídas desta cobertura: (…) 4- Os danos em muros, muretes e portões, salvo se garantidos pela presente apólice. (…) MUROS, MURETES E PORTÕES Ficam excluídas desta cobertura: (…), b) os danos devidos a falta de manutenção ou conservação, bem como os decorrentes de notória deterioração ou desgaste normais devidos a continuação de uso; c) os danos causados por ou aos bens seguros que assentem sobre fundações que contrariem as normas técnicas ou as boas regras de engenharia para a sua execução, em função das características dos terrenos e do tipo de construção ou bens envolvidos. (…)”, conforme documento constante de fls. 10 a 60 e cujo teor se considera integralmente reproduzido nesta sede para todos os efeitos legais.

5. No dia 19 de Dezembro de 2019 o território português, e algumas regiões em particular entre as quais o distrito ..., foram atingidos por um fenómeno climatérico extremo, com pluviosidade intensa e vento forte, denominado pelo IPMA como “tempestade Elsa”, que colocou este distrito ... sob “aviso vermelho”, o mais grave dos avisos meteorológicos emitidos por aquele instituto.

6. Por volta das 20h00m do mencionado dia 19 de Dezembro de 2019 e como consequência do peso das águas das chuvas caídas com a ocorrência de tal fenómeno climatérico e acumuladas no terreno, que provocaram pressão sobre o muro, associado às características construtivas do mesmo e mencionadas em 15. a 18., cedendo, ruiu parcialmente um dos muros que delimita a propriedade do autor e de suporte de terras e que confronta com a via pública a sul, onde se encontra implantada a moradia referida em 2.

7. O autor comunicou à ré o evento mencionado em 6.

8. A ré nomeou um gabinete de peritagens – R..., S.A. – para avaliar os danos e determinar a sua causa na sequência do que se deslocou um perito ao local seguro.

9. Posteriormente a ré enviou ao autor uma carta, datada de 21 de Janeiro de 2020, comunicando que, e além do mais, “(…) Após a necessária e cuidada apreciação, fundamentalmente com base no relatório de peritagem, constatámos que a ocorrência participada é alvo de exclusão da cobertura “Muros e Muretes Integrantes do Edifício”, designadamente na alínea b) e c) da cobertura acima referida, conforme disposto nas Condições Gerais da Apólice. (…)”, conforme documento de fls. 63 cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

10. O autor adjudicou a obra de reparação do muro referido em 6. à empresa A... Unipessoal, Lda, após lhe ter pedido um orçamento.

11. A empresa A... Unipessoal, Lda apresentou ao autor, e a seu pedido, o orçamento constante de fls. 64, cujo conteúdo se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no valor total de € 17.300,00 + IVA.

12. O muro descrito no orçamento mencionado em 11. configura um muro em betão armado, mais caro que um muro de blocos sobrepostos, sem vigas, sem pilares, sem tela e sem dreno da parte de dentro.

13. Com a reparação do mencionado muro o autor despendeu quantia não concretamente apurada.

14. Finda a peritagem o gabinete de peritagens referido emitiu, além do mais, o certificado de fls. 89 a 95, cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

15. Na data e hora mencionadas em 6. o muro aí também referido tinha cerca de 4 metros de altura.

16. (…) Era construído em alvenaria de blocos de cimento.

17. (…) E apresentava uma via cinta no seu topo, sem a existência de pilares e tubagem para escoamento e drenagem de águas.

18. Na zona interior do muro havia uma caixa de recepção de águas da zona das caleiras.

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B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

a) Todo o muro referido em 6. ruiu.

b) O custo da reparação do muro indicado em 6., com as características que apresentava, ascende à quantia de € 17.300,00.

c) Era expectável, face à forma como o muro tinha sido construído – concretamente as suas características referidas em 15. a 18. – que o mesmo iria cair, por degradação dos materiais com o tempo, diminuindo progressivamente a sua resistência.

d) A inexistência de sistema de drenagem do muro mencionado em 6. causou progressivamente um aumento do lençol freático pela acumulação das águas pluviais e saturação do solo.

e) O colapso do muro mencionado em 6. resultou de deficiências originárias na sua construção.

f) À data da subscrição do contrato referido em 1. as características do muro mencionado em 6., descritas em 15. a 18., eram do total desconhecimento da ré.

g) As boas práticas de construção de um muro de suporte de terras, com 4 metros de altura, impõem a aplicação:

1. Junto à base do muro, do lado de dentro, de um tubo para drenar as águas da chuva que se vão infiltrando no terreno;

2. De pilares;

3. De vigas; e

4. De lintéis em betão armado.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes do item 5.º dos factos provados, que devem passar a considerar-se como não provados e das alíneas c) a g), dos factos dados como não provados, que devem passar a considerar-se como provados.

No que a esta questão respeita, entende a ora recorrente, que o Tribunal devia dar como provada e não provada a factualidade constante dos itens em referência, em conformidade com o que antecede, com base no depoimento prestado pela testemunha BB, conjugado com as fotografias juntas com a contestação e orçamentos, quanto à forma de construção do muro, sendo a al. d), a repetição do facto provado n.º 6, pelo que, sob pena de contradição, tem de ser considerada como provada e constitui facto notório, não tendo sido feita prova, relativamente ao facto provado n.º 5.

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são, pois, elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a factualidade posta em causa pelos ora recorrentes, nas respectivas alegações de recurso.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes do item 5.º dos factos provados, que devem passar a considerar-se como não provados e das alíneas c) a g), dos factos dados como não provados, que devem passar a considerar-se como provados.

Para facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:

“5. No dia 19 de Dezembro de 2019 o território português, e algumas regiões em particular entre as quais o distrito ..., foram atingidos por um fenómeno climatérico extremo, com pluviosidade intensa e vento forte, denominado pelo IPMA como “tempestade Elsa”, que colocou este distrito ... sob “aviso vermelho”, o mais grave dos avisos meteorológicos emitidos por aquele instituto.

B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

c) Era expectável, face à forma como o muro tinha sido construído – concretamente as suas características referidas em 15. a 18. – que o mesmo iria cair, por degradação dos materiais com o tempo, diminuindo progressivamente a sua resistência.

d) A inexistência de sistema de drenagem do muro mencionado em 6. causou progressivamente um aumento do lençol freático pela acumulação das águas pluviais e saturação do solo.

e) O colapso do muro mencionado em 6. resultou de deficiências originárias na sua construção.

f) À data da subscrição do contrato referido em 1. as características do muro mencionado em 6., descritas em 15. a 18., eram do total desconhecimento da ré.

g) As boas práticas de construção de um muro de suporte de terras, com 4 metros de altura, impõem a aplicação:

1. Junto à base do muro, do lado de dentro, de um tubo para drenar as águas da chuva que se vão infiltrando no terreno;

2. De pilares;

3. De vigas; e

4. De lintéis em betão armado.

Como acima já referido e consta da sentença recorrida, a matéria de facto em causa foi considerada como provada e não provada, com base na seguinte fundamentação (cf. fl.s 149 e 152 a 154):

(…)

A ocorrência do fenómeno climatérico identificado em 5. – “Tempestade Elsa” – consubstancia um facto notório e do conhecimento geral, fenómeno esse que provocou efectivamente inúmeros danos materiais a nível nacional e também, e em particular neste distrito ....

(…)

 Vejamos agora a construção do muro.

Conhecidas as características que o muro apresentava, descritas em 15. a 18., ficou já por demonstrar que a construção desse muro não o tenha sido segundo as boas regras de construção.

Não se olvidando que BB afirmou, em julgamento, que na análise que fiz do muro ele não estava construído segundo as boas regras da construção facto é que estas suas palavras não foram densificadas, aquando da sua inquirição, em actos concretos que nos permitissem concluir pela apontada ausência de construção segundo as boas regras da construção, tendo-se a testemunha em causa limitado a reiterar o exarado no certificado de fls. 90, concretamente as características assentes em 15. a 18., sendo insuficiente para concluir que as mesmas não respeitaram as referidas boas práticas fazer-se referência, no certificado, às als. b) e c) das cláusulas de exclusão.

Por outro lado nenhuma prova se produziu para efeitos de concretização das “boas práticas de construção” para um muro de suporte de terras com 4 m de altura.

Tendo embora a ré alegado que as boas práticas de construção de um muro de contenção de terras com 4 m de altura impunham a aplicação de tubo de drenagem, pilares, vigas e lintéis em betão armado a verdade é que nenhuma prova foi produzida no sentido de assim realmente ser.

Veja-se que o certificado de fls. 89 e ss. e a que nos vimos referindo se limita a elencar as características do muro, incluindo da sua construção, consideradas assentes em 15. a 18. sendo já absolutamente omisso relativamente às técnicas construtivas que deveriam ser observadas na construção de um muro de contenção de terras com 4 m de altura. É certo que aí se faz referência a um muro de betão armado. Tal referência surge, contudo, no contexto aí assinalado e que consiste no facto de se tratar do material descrito no orçamento que o autor pediu e que faz fls. 64 dos autos mas sem que daí se extraia, por não ser possível, as concretas e boas práticas de construção a observar.

E não se argumente dizendo que as boas práticas de construção a observar correspondem aos trabalhos descritos no orçamento mencionado, constante de fls. 64, pois que a única conclusão que do orçamento se retira é que os trabalhos aí descritos foram ou pedidos pelo ao autor ou a este apresentados pela empresa que elaborou o orçamento. Elencando este orçamento os trabalhos a executar não evidencia já este orçamento, só por si, que as “boas práticas de construção” de um muro de contenção com 4 m de altura apenas se atinjam executando os serviços aí descritos, ficando por apurar se poderão ou não ser outros, incluindo em alvenaria de blocos de cimento, com pilares, com cintas vigas, aterros, sapatas, drenos, etc…

Para que pudéssemos porventura concluir no sentido das “boas práticas construtivas” do muro em causa se alcançarem apenas mediante a execução dos trabalhos exarados no orçamento a que nos vimos referindo seria mister a produção de outros meios probatórios que assim nos fizesse concluir, meios probatórios que não foram produzidos.

Releva ainda neste contexto a circunstância de estarmos perante um muro cuja construção é contemporânea à construção da moradia, tendo todas as testemunhas arroladas pelo autor afirmado, de forma convincente, que o muro em causa, com as características que apresentava na data em que ruiu, se encontrava construído há cerca de 20 anos… a significar que as regras de construção a considerar sempre teriam de ser as que se mostravam vigentes à data, o que nos remonta para há cerca de 20 anos atrás… muro esse que se manteve de pé durante estes 20 anos, suportando 20 invernos e sem que tivesse ruído em data anterior….!!!!, o que só por si impede se possa considerar provado que fosse expectável a queda do muro dos autos.

Em conformidade, e consequência, a factualidade não assente em g) e c).

A demais factualidade considerada não provada fica a dever-se a ausência de prova ou prova em sentido contrário, acrescentando-se ainda, com relevo para a descrita sob a al. f) dos factos não provados, que, como resulta da apólice constante de fls. 85 e ss., o contrato dos autos foi outorgado em 14 de Dezembro de 2015 – fls. 88 – data em que já se mostrava implantado no terreno o muro em discussão nestes autos, razão pela qual não é crível que a ré desconhecesse, como invoca, as características do muro, tanto mais que lhe é possível fazer as inspecções do local de risco tidas por pertinentes, conforme expressamente clausulado em 23º das clausulas gerais (fls. 25), desconhecendo-se se vistoriou, ou não, o objecto do contrato, incluídos os muros exteriores, na data da subscrição do contrato.

Em conformidade os factos provados e não provados.”.

Vejamos, então, se do depoimento, documentos e argumentação invocados pela recorrente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que a supra mencionada matéria de facto seja modificada ou alterada.

Esta, no essencial, resume-se a saber da existência da designada tempestade “Elsa” e causas da queda do muro referido no item 6.º dos factos provados.

 Ora, ouvido na íntegra, o depoimento prestado pela testemunha BB, o mesmo declarou que é perito de seguros e, nessa qualidade, elaborou a peritagem e relatório relativo ao ajuizado sinistro.

Referiu que o muro tinha 4 metros de altura, era feito de blocos de cimento e tinha uma viga/cinta, em cima. Não tinha pilares.

Inquirido acerca da questão de saber se “o muro foi construído de acordo com as regras técnicas de construção”, respondeu: “Não, na análise que eu fiz, não. Devido aos 4 metros, não era adequado a suster terra de 4 metros”.

Relativamente à existência de “elementos de drenagem”, respondeu: “Não, não foram detectados. No pavimento não. Só para as caleiras”.

Inquirido acerca de saber se o muro “tinha condições de segurar as terras mais tempo”, disse que “já havia dificuldades de drenagem”.

Reinquirido pela M.ma Juiz relativamente ao que disse acerca da boa construção do muro, referiu que “não estava dimensionado para a força exercida pelas terras e das águas pluviais. Devia ser de betão armado com drenagem no fundo”.

Acrescentou que “o muro começava a apresentar degradação. Era preciso fazer a manutenção do muro e terreno. Não estava dimensionado para a tarefa”.

Instado pela M.ma Juiz acerca do facto de o muro já ter sido feito há mais de 20 anos, sem sofrer derrocada, repetiu que “não estava dimensionado para a tarefa. Conseguiu, até que chegámos a este ponto. Tinha fissuras. O segurado deveria ter intervindo e não interveio. Não fez manutenção”.

Referiu, ainda, que no dia da ocorrência do sinistro, “foi um dia de chuvas intensas, relacionadas com a depressão Elsa”.

Ora, compulsado este depoimento, bem como os demais elementos probatórios referidos na fundamentação da matéria de facto constante da sentença recorrida (acima transcrita), esta (fundamentação) mostra-se fiel e espelha o que do mesmo e demais elementos de prova se pode retirar e, por conseguinte, não contêm virtualidades para, se alterar a factualidade em causa, no sentido propugnado pela recorrente.

Esta, como já se referiu, pretende que se dê como provado que a queda do muro não se deveu à alegada intempérie, mas sim por defeitos na sua construção, aliada à degradação dos materiais com que foi construído e do decurso do tempo.

Do depoimento prestado pela testemunha BB, resulta que este, no essencial, se limitou a repetir o que já fez constar do relatório que elaborou a pedido da ora ré.

Designadamente, atribui a derrocada do muro ao facto de ter sido construído em blocos de cimento, ao invés de ser em betão armado, como já sucede no novo que mandou construir e da degradação dos materiais, aliado ao facto de o muro não ter pilares nem sistema de drenagem. Repetindo, várias vezes, que o muro “não estava dimensionado para a tarefa”.

E sem que, quando a M.ma Juiz lhe relembrou que o muro já tinha mais de 20 anos, tenha dado qualquer resposta concreta e lógica, para que o muro tenha derrocado, neste dia e não antes. Embora no seu relatório (fl.s 90) conste que a queda do muro teve a ver com “o peso das águas das chuvas acumuladas no solo, que provocaram pressão sobre o muro, o qual cedeu” e na audiência, como acima já referido, reconheceu que naquele dia houve “chuvas intensas, relacionadas com a depressão Elsa”.

Ora, como se refere na fundamentação de facto da decisão recorrida, a alegada “má construção do muro”, não se pode bastar, para ser dada como assente, com o depoimento prestado pela testemunha BB, o qual, para além de descrever as características do muro, em concreto, nada adiantou para concluir, como conclui.

Não se pode esquecer que o muro já tinha mais de 20 anos, resistindo ao tempo e às inconstâncias atmosféricas, sem ruir, vindo a ruir num dia de chuvas intensas, por força da depressão/tempestade Elsa e do acumular das águas pluviais no solo.

Porque razão derrocou neste dia e não antes?

Dificilmente se pode aceitar que teve que ver com as respectivas características – sendo que se trata de um muro com mais de 20 anos – alheadas da intempérie que, naquele dia, se abateu sobre o local.

De igual modo, nada nos autos demonstra que o muro estivesse degradado.

Reitera-se que era um muro com mais de 20 anos, cujas características eram cognoscíveis da ré quando contratou com o seu segurado, pelo que não se pode concluir que a derrocada se deveu a “deficiências originárias na sua construção”.

De igual modo irreleva o que a recorrente alega relativamente à al. f).

O muro já estava feito quando foi celebrado o contrato e tudo o que consta dos itens 15.º a 18.º dos factos provados era visível. Trata-se de matéria que visa a exclusão do seguro cuja prova incumbe à ré, pelo que não se pode considerar confessada pelo autor, que se pode limitar a invocar a existência do sinistro, limitando-se a ré, no artigo 37.º da contestação a exprimir uma conclusão e não um verdadeiro facto.

Efectivamente, relendo a contestação apresentada, a ré limita-se a referir que o muro “tem deficiências originárias na construção do mesmo”, que desconhecia, mas sem que, por exemplo, relativamente às fundações, tenha alegado fosse o que fosse, sendo estas, o elemento mais relevante para a estabilidade do muro ou de um edifício.

Assim, mostra-se plenamente justificada a decisão de dar como não provados os factos constantes das alíneas c) a g), dos factos não provados.

Acrescente-se que inexiste qualquer contradição entre o que consta do item 6.º dos factos provados e o que consta da al. d), dos factos não provados.

O que se refere no referido item 6.º é que a causa da queda do muro foi o excesso de chuva, ao passo que na alínea d), se refere como causa, a inexistência de sistema de drenagem.

Dar as duas coisas como demonstradas é que seria contraditório entre si.

Efectivamente, como se refere, entre outros, no Acórdão desta Relação de 22/2/2000, in CJ, ano XXV, tomo 1, a pág. 30 “… só há contradição de factos quando estes sejam absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que uns não possam coexistir com os outros”.

Ou, citando Alberto dos Reis, in CPC, Anotado, Vol. IV, 1981, a pág. 553, uma resposta é contraditória com outra quando em ambas se façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a da outra.

O que, salvo o devido respeito, não ocorre in casu. Como acima se referiu, trata-se de duas causas da derrocada distintas, pelo que não existe a alegada contradição.

Relativamente ao item 5.º dos factos provados, cujos factos a recorrente pretende sejam dados como não provados, por “não ter sido produzida qualquer prova”, nem se tratar de factos notórios, igualmente, não se vislumbram razões para a almejada alteração.

Desde logo, foi a testemunha BB, que referiu que no dia do sinistro, houve chuvas intensas, devido à depressão Elsa. De resto, já no relatório que este apresentou (fl.s 90) se refere “… dia de intensas chuvas, no seguimento da depressão Elsa”.

E, tal como se refere a fl.s 7 da sentença recorrida (149 dos autos), trata-se, efectivamente, de factos notórios.

Estes, como resulta do disposto no artigo 412.º, n.º 1, do CPC são os que “… são do conhecimento geral”.

Assim se devendo considerar “… os que sejam de conhecimento e de experiência comum, de acordo com os padrões médios da coletividade de um determinado tempo e lugar. A exigência do conhecimento geral atua em vários âmbitos: na esfera pessoal, o facto notório tem de constar como certo ou falso para a generalidade das pessoas de cultura média, entre as quais se encontra o juiz; na esfera cognoscitiva, no sentido de que tal conhecimento deve integrar a cultura média, não integrando apenas um saber especializado; na esfera espacial, no sentido de que tal facto deve ser conhecido no território a que respeita” – cf. Código GPS, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 504.

Ou, como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC, Anotado, Vol. 2.º, 4.ª Edição, pág. 209 “São notórios os factos do conhecimento geral, isto é, conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência (…) No domínio do processo civil, a esfera social que o caracteriza tem de abranger as partes e o juiz da causa.”.

Ora, dada a publicidade que foi dada ao episódio/fenómeno metereológico, designado por “tempestade Elsa”, quer por parte dos órgãos de comunicação social, quer pelo IPMA, que emitiu avisos dirigidos às várias regiões do país, tanto nos dias que a antecederam, quer no dia em que a mesma atingiu o território nacional, bem como pela constatação directa que da mesma tiveram as pessoas por ela afectadas, estamos, fora de dúvidas, perante facto notório, atentos os critérios acima referidos.

Pelo que, se mantêm como provados os factos constantes do item 5.º, dos factos respectivos.

Em suma, nada resulta no sentido de serem alteradas as respostas que mereceram os itens da matéria de facto em análise.

Consequentemente, quanto a esta questão, improcede o recurso, mantendo-se inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida.

B. Se o sinistro em causa se mostra ou não, enquadrado nas coberturas da apólice do seguro contratado entre as ora partes.

No que a esta questão respeita, como decorre do relatório que antecede, alega a recorrente que se encontra excluída a sua responsabilidade pelo ressarcimento dos danos aqui reclamados, com o fundamento em que não se verifica o risco “tempestades”, porque para tal, sempre, seria necessário que se tivesse demonstrado a ocorrência de ventos de velocidade igual ou superior a 100 kms/h, mesmo que se verifique a ocorrência de chuvas fortes, face ao teor das cláusulas 29.ª e 32.ª das Condições da Apólice.

Na sentença em recurso, considerou-se que o sinistro em causa se enquadra na previsão das cláusulas 29.º e 32.ª, 2, 1, b), tendo a ré, em conformidade, sido condenada suportar os prejuízos advindos do sinistro em apreço.

É sabido que em matéria de interpretação e integração de contratos rege o disposto nos artigos 236.º, 238.º e 239.º, todos do Código Civil e 10.º e 11.º do DL 446/85, de 25 de Outubro (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais).

Estas, atento o carácter especial do contrato de seguro, em regra, resultante de clausulado pré-fixado pelas seguradoras.

Assim, em matéria de contrato de seguro, importa apurar o sentido normal da declaração, o que, como refere José Vasques, in Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, a pág. 351 “se fará pela busca do sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ela”, em conformidade com o disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC e desde que, atento o carácter formal do contrato de seguro, nos termos do artigo 238.º, n.º 1, do mesmo Código, a declaração tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso.

Só sendo de apelar à interpretação mais favorável ao aderente prevista no artigo 11.º, n.º 2 da LCCG, no caso das cláusulas ambíguas, as quais, de acordo com o autor e ob. cit., a pág. 352, citando Rodrigues Bastos, são aquelas que, apesar de se lhes aplicarem as regras gerais de interpretação, continuam obscuras ou às quais podem ser fixados mais do que um sentido.

Idêntico entendimento expressa Moitinho de Almeida, in Contrato de Seguro Estudos, Coimbra Editora, 2009, a pág.s 126 e seg.s, o qual, a pág. 140, refere que mesmo nos casos em que se imponha uma interpretação complementadora por força da existência de cláusulas insuficientes, ou falta de cláusulas necessárias, tal interpretação não pode conduzir a uma ampliação do objecto negocial, limite este que, no domínio dos seguros, deve ser entendido de modo particular, dada a relevância da amplitude do risco no âmbito deste contrato, ali acrescentando que tal interpretação é de excluir quando “implique a ampliação do núcleo da prestação da seguradora, na acepção da jurisprudência alemã segundo a qual esse núcleo se reporta aquelas cláusulas que estabelecem as condições e delimitam a prestação da seguradora, sem as quais o núcleo essencial do contrato careceria de precisão.”.

Rematando, a pág.s 151 e 152 que na interpretação do contrato de seguro se exige “bom senso e uma análise serena dos interesses em presença: dos tomadores de seguro consumidores, frequentemente logrados nas suas legítimas expectativas por cláusulas ambíguas, demasiado técnicas ou escondidas nas apólices; das seguradoras que lutam contra a fraude dos segurados e para as quais a definição do risco é essencial para uma boa gestão dos seus negócios.”.

Por outro lado, como refere Pedro Romano Martinez, in Contratos Comerciais, Principia, a pág. 83, no contrato de seguro, dado que este tem na sua génese uma proposta por ela mesmo redigida, deve entender-se que o real declaratário a que se alude no n.º 1 do artigo 236.º do CC é o tomador do seguro.

Por último, como resulta do teor do artigo 10.º da LCCG, importa, ainda, ao interpretar as cláusulas de um contrato de seguro, analisar o contexto de cada contrato singular em que se incluam.

Estes critérios têm vindo a ser seguidos, de forma unânime, no nosso STJ, podendo ver-se, neste sentido, entre outros, os Acórdãos de 05 de Julho de 2012, Processo 1028/09.0TVLSB.L1.S1; de 27 de Novembro de 2018, Processo n.º 3158/16.3T8LSB.L1.S1 e de 18 de Março de 2021, Processo n.º 1542/19.0T8LRA.C1.S1 (este citado na sentença recorrida), todos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.

Como decorre do disposto no artigo 37.º, do Decreto Lei 72/2008, de 16/4 (Lei do Contrato de Seguro), o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito na respectiva apólice, na qual, se deve fazer constar todo o conteúdo do acordado pelas partes, em que se incluem, para além de outras coisas, a identificação dos riscos contra que se faz o seguro, bem como, com destaque, as cláusulas que estabeleçam o âmbito das coberturas, designadamente a sua exclusão ou limitação (cf. seu n.º 3, al. b).

Apólice esta que, por via de regra é precedida da proposta de seguro, a qual mais não é do que uma declaração de ciência e de vontade, cujo conteúdo se destina a determinar a completa e exacta representação do risco, e a indicação de todas as circunstâncias que possam influenciá-lo e a documentar a vontade de querer concluir o contrato de seguro – cf. Guerra da Mota, O Contrato de Seguro Terrestre, 1.º vol, pág.s 404 e seg.s, citado por Abílio Neto, Código Comercial e das Sociedades Anotados, 15.ª edição, nota 14, a pág. 277.

Como refere José Vasques, ob. cit., a pág.s 211 e 212, a declaração do risco é uma das obrigações fundamentais do tomador do seguro e constitui uma declaração unilateral do proponente, a qual é aceite pela seguradora e que se destina a avaliar o risco e a permitir o cálculo do prémio, acrescentando que “A declaração do risco não é uma declaração de vontade, mas sim uma declaração de ciência, cujo cumprimento permitirá ao segurador aceitar ou recusar essa declaração.”.

E porque a declaração do risco constitui uma obrigação prévia à celebração do contrato, não são admitidas, contrariamente ao direito comum, sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes no comércio jurídico, bem assim a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, cf. artigo 253.º, n.º 2, CC, uma vez que, no contrato de seguro, a seguradora baseia toda a sua prestação nas declarações do tomador do seguro, nas quais deve (precisa, acrescentamos nós) de ter toda a confiança.

Traçado o quadro teórico em que nos devemos mover ao interpretar as cláusulas de um contrato de seguro e a importância que tem a definição dos riscos que se têm em vista ao celebrar um contrato de seguro, importa, agora, em face da factualidade dada como assente, aferir se os danos que sobrevieram para o autor em consequência do ajuizado sinistro estão, ou não, cobertos pelo contrato de seguro em causa.

Não se discute que o referido contrato é válido, bem como aceitam as partes a eficácia do mesmo, abrangendo os riscos nele previstos, assim como é pacífica a ocorrência do sinistro e a existência dos relatados danos, residindo o dissídio entre as partes na forma de interpretar as cláusulas 32.ª, n.º 2, 2.1, al.s a) e b) e 29.ª das Cláusulas Gerais, conforme acima já referido, o que, na tese da ré, configura uma exclusão da sua responsabilidade.

A referida cláusula 32.ª, n.º 2, 2.1, al.s a) e b), tem o seguinte teor:

“(…) 2 – TEMPESTADES

2.1. Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de:

a) tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique instalações, objectos ou árvores num raio de 5 kms envolventes dos bens seguros e desde que, e momento do sinistro, os ventos tenham atingido velocidade igual ou superior a 100 kms hora;

b) alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício em consequência de danos causados pelos riscos mencionados em 2.1., na condição que estes danos se verifiquem nas 72 horas seguintes ao momento da destruição parcial do edifício. (…).”.

E o seu n.º 3, o seguinte teor:

“INUNDAÇÔES

3.1- Garante os danos causados aos bens seguros em consequência de:

a) tromba de água ou queda de chuvas torrenciais – precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos, no pluviómetro;”.

A ter, ainda, em linha de conta a cláusula 29.ª, com o seguinte teor:

“MUROS, MURETES E PORTÕES

Garante, com os limites constantes das Condições Particulares, a extensão das coberturas de Aluimentos de terras, Tempestades, Inundações e Choque ou Impacto de Veículos Terrestres, aos muros, muretes e portões (divisórios de propriedade ou contenção de terras) pertencentes ao imóvel seguro.”.

Na Cláusula 24.ª estipula-se o seguinte:

“ALUIMENTO DE TERRAS

Garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: Aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimentos de terrenos.”.

Ora, conforme consta dos itens 5.º e 6.º dos factos provados, o sinistro em causa ocorreu num dia de fenómeno climatérico extremo, com pluviosidade intensa e vento forte, tendo sido emitido pelo IPMA aviso vermelho para o distrito ..., tendo o muro ruído, em consequência do peso das águas da chuva, que se acumularam no terreno, pressionando-o.

Assim, com todo o respeito pelo alegado pela recorrente, estão verificados todos os condicionalismos previstos para a assunção do risco: chuva intensa, vento forte, alerta vermelho e queda do muro, que ruiu, parcialmente.

Não se pode exigir a uma pessoa mediana e minimamente sagaz que faça a destrinça entre chuva intensa e vento forte, mas que este só o é se superior a 100 Kms/h e aquela se superior a dez milímetros, em dez minutos, no pluviómetro, que, por certo, não deverá ter em casa.

O facto é que o local do sinistro estava sob a influência da tempestade “Elsa”, com todas as consequências e adversidades que a mesma acarretou, conhecidas da generalidade de todos, mormente aqueles que por ela foram mais directamente atingidos, tendo o muro desabado em consequência da pressão exercida pelas águas pluviais.

Não se concebe que se limite a responsabilidade à existência do risco “alagamento pela queda de chuva” desde que associado a vento superior a 100 kms/h. Pode existir alagamento pela chuva desacompanhada de vento forte (no caso, até se verificam ambas as condições).

Efectivamente, no contrato em apreço, cf. Cláusula 32.ª, 3, 3.1, a), está autonomamente previsto o risco “Inundações”, nos moldes acima transcritos, pelo que sempre teria a ré de responder perante o segurado.

A exclusão alegada pela ré (Cláusula 33.ª), no que se refere à falta de manutenção ou conservação, deterioração ou desgaste normais ou bens que assentem em fundações que contrariem as normas técnicas ou as boas regras de engenharia para a sua construção, não é aplicável, por força de não se terem demonstrado os factos em que assentava (cf. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).

Como acima já referido, a definição dos riscos assumidos num contrato de seguro é um dos elementos mais importantes, se não o decisivo, no clausulado de um contrato de seguro e interpretar-se as referidas cláusulas como o pretende a recorrente, seria restringir o núcleo da prestação da seguradora, seria minimizar/reduzir o risco previsto no contrato, o que, com o devido respeito, os comandos interpretativos acima enunciados não consentem.

A conclusão a que chegamos, afigura-se-nos como o mero resultado da interpretação das cláusulas contratadas, de acordo com os ditames legais aplicáveis e sem esquecer que foi a própria seguradora que redigiu e precisou qual o âmbito da sua responsabilidade (trata-se de contrato de adesão), pelo que não pode vir, agora, pretender excluir o risco que assumiu com a celebração do contrato de seguro em causa, nos termos expostos.

Ora, in casu como resulta da factualidade descrita nos itens 5.º e 6º dos factos provados, conjugada com a não demonstração do que consta nas alíneas c) a g), dos factos não provados que, o autor provou os elementos constitutivos do direito a que se arroga e, inversamente, não se verifica a factualidade em que poderia assentar a exclusão da responsabilidade da ora ré em indemnizar o autor pelos danos sofridos em consequência do ajuizado sinistro; em suma, não se provou a exclusão do risco seguro, cuja prova incumbe à ré, ora recorrente, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, incumbindo-lhe, por isso, a obrigação de indemnizar o autor, sendo, assim, de manter a decisão recorrida.

Consequentemente, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 14 de Junho de 2022.