EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA IMÓVEL ARRENDADA
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

O contrato de arrendamento e a comunicação de resolução, por falta de pagamento de rendas, não constitui título executivo para entrega do imóvel arrendado.

Texto Integral



Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            Está em causa a seguinte decisão:

“Na sequência do despacho de 25 de janeiro, veio o Exequente pugnar que os documentos que apresenta são título bastante para esta ação executiva destinada à entrega coerciva do imóvel arrendado.

Assim não entendemos.

Reiteramos que o artigo 15.º, n.º 1 do NRAU estabelece que o procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.

Por sua vez, o artigo 15.º, n.º 2 do NRAU preceitua que apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo, independentemente do fim a que se destina o arrendamento: a) Em caso de revogação, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo previsto no n.º 2 do artigo 1082.º do Código Civil; b) Em caso de caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável, o contrato escrito do qual conste a fixação desse prazo; c) Em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil; d) Em caso de denúncia por comunicação pelo senhorio, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista na alínea c) do artigo 1101.º ou no n.º 1 do artigo 1103.º do Código Civil ou da comunicação a que se refere a alínea a) do n.º 5 do artigo 33.º da presente lei; e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra; f) Em caso de denúncia pelo arrendatário, nos termos dos n. 3 e 4 do artigo 1098.º do Código Civil e dos artigos 34.º e 53.º da presente lei, o comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento de resposta do arrendatário.

Ou seja:

Os documentos previstos no n.º 2 do artigo 15.º do NRAU que, no regime anterior à Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto, correspondiam a titulo executivo, passaram a ser configurados como títulos sui generis, justificadores do recurso a um procedimento de natureza essencialmente administrativa, isto é, ao propalado procedimento especial de despejo.

Conforme decorre do artigo 15.º-A do NRAU, o Balcão Nacional do Arrendamento assegura a tramitação do procedimento especial de despejo.

No caso, não existe sentença de despejo.

Todos os demais títulos correm em sede procedimento especial de despejo, conforme a Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto.

Concluo, assim, que o Exequente não tem titulo executivo que legitime o recurso à ação executiva pelo que indefiro liminarmente o requerimento executivo – artigo 726.º, n.ºs 4 e 5, 6.º, n.º 2, ambos do CPC.” (Fim da citação.)


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Inconformado, o Exequente recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

a) Foram violados os artigos 1083º e 1084º do Código Civil com conjugação dos 726º e 859º 862º 866º do Código do Processo Civil, ao não considerar título executivo bastante, os procedimentos constantes nos artigos 14, nº5, 15 n.1 al. e) do NRAU. Efetivamente, é o próprio Código de Processo Civil que se refere a títulos executivos extrajudiciais, como configurando de per si autonomia àqueles que a lei estabelece como tal. Aliás, direito substantivo se impõe constante no artigo 1083º e 1084º que pela sua referência define o modo de operar a resolução do contrato de arrendamento e a forma de comunicação ao arrendatário, pilar da perfeição do título.

b) O exequente cumpriu pontualmente a comunicação de resolução com junção de contrato de arrendamento, titulado em sentença, comprovativo de liquidação/participação de imposto de selo. Assim cumprindo os requisitos a que se refere: “(…) os documentos a que a que se referem os n. 14, nº5, 15 n.1 al. e) do NRAU (…), neste circunstancialismo edificando um título executivo válido quer nos tribunais, quer no Balcão Nacional de Arrendamento. Outra posição não seria de aceitar porquanto o artigo 866º do Código de Processo Civil, expressamente prevê um tipo de título extrajudicial. Fá-lo na decorrência de antemão prever a aplicação da execução comum para entrega de coisa certa a situações de arrendamento, que tenham cumprido, por um lado a expressa resolução (em notificação judicial avulsa) e, por outro lado no incumprimento do arrendatário.

c) Constituiria flagrante dissintonia constitucional nos termos dos n. 1 e 2 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, cercear o direito ao acesso à justiça e aos tribunais elegendo-se uma única forma de efetivar os direitos num procedimento administrativo-burocrático (BNA), quando estão representados, designadamente na execução para entrega de coisa certa, outros títulos executivos como os que estão previstos no NRAU.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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A questão a decidir é a de saber se existe título executivo para a presente execução.

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Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente, das considerações infra exaradas e ainda do seguinte:

Em 9/7/2021, AA instaurou execução para entrega de coisa certa contra BB, na qual alega o reconhecimento judicial de certo arrendamento entre eles, a falta de pagamento das rendas que concretiza e a notificação judicial avulsa para resolução do contrato, pagamento das rendas e desocupação aprazada do imóvel, o que não foi cumprido.

O requerimento executivo vem acompanhado da sentença judicial que reconhece o arrendamento e da notificação judicial avulsa onde se invoca o não pagamento das rendas pelo locatário, no total de 41.000 euros; além disso, nesta notificação declara-se a resolução do contrato e pede-se a entrega do locado em certo prazo.

O requerimento executivo invoca o decurso do prazo previsto para a resolução do contrato e a vontade expressa de ver resolvido o contrato.


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            Os títulos executivos constam de um rol taxativo, não se admitindo a sua interpretação extensiva ou por analogia. (Ver Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, CE, página 150.)

Não sendo caso das previsões das alíneas b) e c) do art. 703 do Código de Processo Civil, só uma disposição legal especial atribuirá força executiva a títulos extrajudiciais.

            Conforme o NRAU – Lei 6/2006, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 e pela Lei 79/2014 – na subsecção relativa às ações judiciais, para o despejo existe a ação respetiva, só constituindo título executivo, para a cobrança de rendas, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.

            Naquele plano judicial, o art.14-A da referida lei é expresso sobre os casos em que se admitem títulos executivos, nenhum deles para a entrega do locado.

Importa então distinguir os casos expressos para pagamento de quantia certa e o despejo.

A diferença entre o pagamento das rendas e o despejo justifica-se pelo maior melindre inerente a este último.

Para o despejo, com o contrato de arrendamento e com a notificação judicial avulsa em causa, o senhorio pode instaurar o procedimento especial de despejo (subsecção seguinte da referida lei).

Conferindo a redação do art.15 da lei em análise, na versão de 2006 e na de 2012, percebemos que se passou da previsão de um título executivo para um título que justifica o procedimento especial de despejo.

Neste procedimento, a oposição do locatário fará com que o processo seja remetido ao juiz, que decidirá.

Conforme o seu art. 15.º-E, o “Balcão de Arrendamento” só converte o requerimento de despejo em título para desocupação do locado se for preenchida alguma das previsões das suas alíneas a) a c).

Percebe-se então que, apesar do procedimento se poder simplificar, o legislador não quis a execução imediata.

 Pelo exposto, não concordamos com o acórdão da Relação do Porto, de 24.9.2020, proc. 8231/16, em www.dgsi.pt. A sua solução, neste particular, o da previsão do art. 15, nº 1, e), retira-lhe sentido, esvaziando-a.

(Com interesse, Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, CE, páginas 1079, 1099, 1136, 1159 e 1160.)

Por fim, ao contrário do que defende o Recorrente, não é cerceado o acesso à Justiça. Cabe ao legislador definir os casos em que a natureza da causa e o título respetivo são suficientes para dispensar a ação declarativa, permitindo a imediata execução. Diferenciados os casos, um deles ou ambos são disponibilizados/impostos ao interessado. O legislador tem vindo a prever procedimentos especiais, procurando acautelar neles o acesso último aos tribunais.


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Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pelo Recorrente.

Coimbra, 2022-06-14


(Fernando Monteiro)

(Carlos Moreira)

(Moreira do Carmo)


«Vencido.

Há título executivo.

É o previsto na al. d) do nº1 do art. 703º do CPC: «d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva»

A lei especial aqui é o artº 15º nº2 al. e) do NRAU: «Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil...»

Estes documentos constituem título executivo na ação executiva comum por igualdade ou, até, maioria de razão: se uma lei especial lhes atribui este jaez para um procedimento liminarmente meramente de cariz administrativo, obviamente que tal força lhe pode/deve ser conferida para a ação executiva comum, porque geneticamente fiscalizada por um juiz, e na qual, assim, os direitos e deveres das partes podem ser melhor e mais abrangentemente escalpelizados, fiscalizados e decididos.

A alteração da epígrafe do artº 15º do NRAU, na redação dada em 2006 irreleva: ela resulta da posterior criação do BNA e do PED, visando adaptar os dizeres da lei a estas novas realidades; mas a finalidade precípua do preceito é a mesma nas duas redações, a saber: desocupação e entrega do locado com base em documentos aos quais a lei confere a natureza e força de títulos executivos.

Finalmente, o esvaziamento do artº 15º nº2 al. e) referido no projeto outrossim não colhe. É que munido destes documentos, o senhorio pode optar: ou usar o PED ou recorrer à ação executiva comum.

Parece-nos que esta postura exegética, que não retira ao senhorio a possibilidade de recorrer à ação executiva comum se estiver munido dos documentos que são os bastantes para aceder ao PED, é a que melhor consecute o justo equilíbrio dos interesses em presença, até porque em nada prejudica o executado e, inclusive, é a que mais e melhor respeita as regras do senso comum e da lógica, atenta a teleologia do que está em causa.

Destarte, e como previsto no projeto inicial, revogaria a sentença.

Carlos António Moreira.»