ACÇÃO EXECUTIVA
PERSI
EXCEPÇÃO INOMINADA
Sumário

I) Tendo o Tribunal recorrido apreciado e decidido a questão da admissibilidade da invocação da exceção da integração dos executados em Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), nos termos do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro - concluindo que a mencionada invocação não era legítima aos executados, o que, na perspetiva do Tribunal conduzia ao indeferimento liminar do incidente suscitado - foi proferida decisão respeitante ao objeto da questão a decidir, não tendo o Tribunal recorrido omitido a pronúncia que lhe incumbia efetuar, não tendo ocorrido a nulidade da decisão a que respeita o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
II) O D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o PERSI como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, visa proteger especificamente o cliente bancário, sendo que, verificada uma situação de mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contrato a que o diploma legal seja aplicável, cumpre à instituição de crédito promover as diligências necessárias à implementação do PERSI (cfr. artigo 12.º e ss. do D.L. n.º 227/2012).
III) A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é questão de conhecimento oficioso pelo Tribunal, não dependendo de invocação da correspondente exceção – de não integração no PERSI – no prazo concedido para a apresentação da defesa (tendo plena aplicação, a parte final do n.º 2 do artº 573º do CPC, que descarta a aplicação do princípio da preclusão).
IV) Considerando que a questão é de oficiosa apreciação, em linha com o que se dispõe no artigo 734.º, n.º 1, do CPC, em que o juiz pode conhecer oficiosamente, “até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”, a possibilidade de ocorrência de abusiva invocação dos executados sobre uma tal questão não preclude a possibilidade de, não o tendo feito em sede de despacho liminar, o Tribunal conhecer dessa questão até ao momento da transmissão dos bens penhorados.
V) Uma vez que, a integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento constituem verdadeiras condições da ação executiva - condições objectivas de procedibilidade da execução – a instauração desta determina que seja verificado se tal condição da ação se mostra reunida.
VI) A prova da integração do devedor no PERSI, a extinção do procedimento e a sua comunicação a este, realizada em suporte duradouro (designadamente, carta ou email) recai sobre o exequente.
VII) A instauração de acção executiva sem que se mostrem verificada a referida condição objectiva de procedibilidade gera a verificação de uma excepção dilatória inominada, que, como se viu, é de oficioso conhecimento, conduzindo à absolvição da instância (cfr. artigos 576.º, n.ºs. 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC).
VIII) Uma coisa é a comunicação em si (que deve ser realizada em “suporte duradouro”); e, outra, a prova do envio dessa comunicação e da sua receção pelo respetivo destinatário, sendo certo que, estão em causa declarações receptícias, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 224.º do CC.
IX) Não se mostrando comprovado que tenha ocorrido a integração dos executados em PERSI, nos termos em que a isso a mutuante se encontra vinculada, a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente o incidente suscitado pelos executados – invocando a sua não integração em PERSI - com fundamento em que a invocação dos executados era abusiva, não poderá, pois, subsistir, por a mesma contender com o regime jurídico vertido no D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, que determinava a (prévia) inclusão dos executados no PERSI.
X) A condição em causa – a integração dos executados em PERSI – tem de estar verificada à data de instauração da ação, pelo que, não tem sentido determinar a suspensão dos autos executivos, com vista a proporcionar que fosse viabilizado à exequente proceder – no decurso destes autos – ao desencadear do procedimento do PERSI.
(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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1. Em 20-12-2014, a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. apresentou em juízo, nos autos principais, requerimento executivo de onde consta, nomeadamente o seguinte:
“(…) Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa – Dívida civil [Execuções]
Título Executivo: Escritura
Factos:
1-Por escritura de “MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA”, lavrada no Edifício da CGD, em Almada, pelo Ajudante Principal do extinto Terceiro Cartório Notarial de Almada, AE, de fls. 115 a 117 do Livro de notas para escrituras diversas n.º 79-H, no exercício da sua actividade bancária, em 10/10/2003, a Exequente mutuou aos 1.º (VFG) e 2.º (VF) Executados a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), destinada à conclusão de construção de imóvel para habitação própria permanente, conforme escritura e respectivo documento complementar, juntos como DOC. 1, o qual se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
2-O empréstimo em causa, a que a Exequente atribuiu o n.º PT …, foi concedido pelo prazo de 39 (trinta e nove) anos.-V. DOC. 1
3-O empréstimo em apreço deveria ser amortizado em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros à taxa convencionada, na presente data fixada em 5,2300000%, conforme documento 1.
4-Sucede porém que, os Executados não procederam ao pagamento da prestação vencida em 10/10/2010, nem das subsequentes, situação essa que se mantém até à presente data.
5-O incumprimento por parte dos Executados provocou o vencimento total da dívida (cfr. artigos 781.º e 817.º C.C.). Assim sendo,
6-A dívida de capital ascende, à data de 22/10/2014 a € 94.789,01.
7-À referida quantia acrescem os juros vencidos desde a data de entrada em mora, ou seja, 10/10/2010 até 22/10/2014 no valor de € 12.323,55.
8-Acrescem ainda os juros vincendos até efectivo e integral pagamento, contados, nos termos convencionados à taxa de 2,2300000%, acrescida da sobretaxa de 3% ao ano em virtude da mora, a título de cláusula penal.
9-É ainda devido o valor das comissões, no montante de € 1.050,21.
10-A quantia em dívida, à data de 22/10/2014, ascende a € 108.162,77 (cento e oito mil, cento e sessenta e dois euros e setenta e sete cêntimos).
11-A partir de 22/10/2014 exclusive, a dívida supra será agravada diariamente em € 15,44, encargo este correspondente a juros calculados à taxa de 5,230%, acrescida das despesas extrajudiciais que a Exequente efectue da responsabilidade dos devedores.
12-Nos termos convencionados, ficam ainda por conta dos Executados “(…) as despesas resultantes de qualquer avaliação que a credora mande efectuar ao imóvel hipotecado bem como todas as despesas relacionadas com a segurança e cobrança do empréstimo, incluindo, designadamente, honorários de advogados e solicitadores e as derivadas da celebração deste contrato e seu distrate, do registo da hipoteca e seu cancelamento ou renúncia”, o que será liquidado posteriormente.-V. DOC. 1
13-Para garantia do mútuo em apreço, respectivos juros e demais despesas, comissões, penalizações, encargos e responsabilidades, a 1ª Executada constituiu a favor da Exequente, uma hipoteca, sobre o prédio urbano para habitação sito na Rua …, lote …, Urbanização de Belverde, freguesia de Amora, concelho de Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o n.º … e omisso na matriz.- (Cfr. certidão predial permanente que se junta como DOC. 2, e dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).
14-A referida hipoteca encontra-se devidamente registada na Conservatória do Registo Predial de Amora, através da Ap. n.º 33 de 02/06/2003.-Cfr. DOC. 2.
15-A propriedade do identificado imóvel está registada, na Conservatória do Registo Predial de Almada, a favor da 1.ª Executada (VFG), através da Ap. n.º 84 de 27/06/2000 (vide DOC. 2).
16-A hipoteca em apreço garante o bom pagamento das quantias mutuadas no contrato, acrescidas dos juros que forem devidos e, ainda, das penalizações e das despesas, fixadas ambas para efeitos de registo, até ao montante máximo de € 140.738,00. (vide DOC. 2).
17-Sobre o dito imóvel encontram-se, ainda, registados os seguintes ónus (vide DOC. 2):
a) Hipoteca a favor da CGD, ora Exequente, registada pela Ap. n.º 43 de 01/06/2001, a qual garante o bom pagamento da quantia mutuada em contrato de empréstimo anterior, no valor de 30.000.000$00 (€ 149.639,36), bem como respectivos juros, penalizações e despesas até ao montante máximo de 43.389.600$00 (€ 216.426,41);
b) Hipoteca a favor da Exequente, registada pela Ap. n.º 32 de 27/06/2002, a qual garante o bom pagamento da quantia mutuada em contrato de empréstimo anterior, no valor de € 100.000,00, bem como respectivos juros, penalizações e despesas até ao montante máximo de € 144.632,00.
18-Para garantia desse mútuo, respectivos juros e demais despesas, comissões, penalizações, encargos e responsabilidades, os 3.º (MM), 4.º (AC) e 5.º (IC) Executados constituíram-se Fiadores e principais pagadores, responsabilizando-se solidariamente pelo pagamento de tudo o que viesse a ser devido à Exequente em consequência do empréstimo titulado.- Cfr DOC. 1.
19-A escritura pública, junta como DOC. 1, constitui título executivo bastante, de acordo com o disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C., sendo certas, líquidas e exigíveis as dívidas dela decorrentes.
20-Nestes termos, a Exequente é credora dos Executados no montante global de € 108.162,77, que se reporta à data de 22/10/2014, e ao qual deve acrescer o valor dos juros vincendos calculados até efectivo e integral pagamento (…)”.
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2. Em 14-01-2015 foi penhorado o “Prédio urbano, sendo um edifício de Cave, Rés-do-Chão, 1º andar e logradouro, tipologia 6, destinada a habitação, sita na Rua …, lote …, Urbanização de Belverde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n.º …, da Freguesia de Amora, Concelho de Seixal e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º … da Freguesia de Amora”.
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3. Em 19-03-2015, 20-03-2015 e 03-06-2015, foram remetidas cartas para citação dos executados, nos termos do disposto no artigo 856.º do CPC, dando conta de que os mesmos ficavam citados para os termos da execução, tendo o prazo de 20 dias para:
“a. Pagar a quantia em dívida, juros e custas; ou querendo,
b. Deduzir oposição à execução através de embargos de executado; e/ou
c. Deduzir oposição à penhora;
Sem prejuízo do atrás referido e nos termos do nº 3 do artigo 753º do CPC fica também notificado que, no prazo da oposição e sob pena de ser condenado como litigante de má-fé, deve indicar os direitos, ónus e encargos não registáveis que recaiam sobre os bens penhorados, bem como os respetivos titulares ou beneficiários; e que pode requerer a substituição dos bens penhorados ou a substituição da penhora por caução, nas condições e nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 e no n.º 5 do artigo 751º do CPC.
COMINAÇÕES
Não sendo feito o pagamento e não havendo causa que determine a suspensão da execução, serão vendidos ou adjudicados os bens penhorados, para pagamento da quantia peticionada e eventuais créditos que possam ser reclamados.”.
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4. Na sequência, os executados não deduziram oposição à execução por embargos, nem oposição à penhora.
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5. Após, procedeu-se à citação e convocação dos credores, em conformidade com o disposto nos artigos 786.º, n.º 2 e 788.º do CPC.
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6. Em 25-01-2017, os executados juntaram aos autos procuração forense emitida a favor do seu mandatário.

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7. Em 27-01-2017, os executados apresentaram requerimento nos autos de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) notificados nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil, vêm manifestar a sua pretensão em que o imóvel penhorado seja vendido pela modalidade de propostas em carta fechada e pelo seu valor comercial.
Mais,
Vêm indicar, as quintas-feiras, das 14.30 horas às 15.30 horas, para efeito de mostra do bem a potenciais interessados (…)”.
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8. Em 13-07-2017, os executados apresentaram requerimento nos autos de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) notificados nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil vêm, nos termos do disposto no n.º 7 da mesma disposição legal, MANIFESTAR A SUA DISCORDÂNCIA com o valor indicado em tal decisão, o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:
Foi o Exmº AE de indicar como valor base de venda do imóvel penhorado o valor de €. 434.680,00 (Quatrocentos e trinta e quatro mil seiscentos e oitenta euros), correspondente ao seu VPT. Contudo,
Sabem os ora Requerentes, em virtude de avaliação por si pedida no início do corrente ano, que o imóvel dos autos detém um valor comercial na ordem dos €. 603.000,00 (Seiscentos e três mil euros), doc. 1. Ora,
Dispõe o n.º 3 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil que “o valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores:
a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos;
b) Valor de mercado”. Assim,
E porque garantidamente o valor comercial (de mercado) desse imóvel é substancialmente superior ao seu valor patrimonial, requer-se a V. Exª que, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil, se digne mandar promover as diligências necessárias à avaliação do imóvel e fixação do seu valor de acordo com o valor de mercado, passando a ser esse o valor base para a venda do dito imóvel.
Junta: 1 documento (…)”.
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9. Em 22-09-2017, os executados apresentaram requerimento nos autos de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) tendo em conta a disparidade de valores comerciais indicados para o imóvel dos autos e porque garantidamente o valor comercial (de mercado) desse imóvel é substancialmente superior ao seu valor patrimonial, requer-se a V. Exª que, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil, se digne mandar promover as diligências necessárias à avaliação do imóvel e fixação do seu valor de acordo com o valor de mercado, passando a ser esse o valor base para a venda do dito imóvel (…)”
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10. Em 18-10-2017, os executados apresentaram requerimento nos autos de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) No seu requerimento de fls. (Ref.: 26827623), os Exequentes pugnaram pela atribuição ao imóvel penhorado nos autos do valor comercial de €. 603.000,00 (Seiscentos e três mil euros), de acordo com avaliação oportunamente junta.
Já posteriormente a esse requerimento, e no âmbito das negociações que os Executados mantêm com a WhiteStar e cuja existência foi mencionada no supramencionado requerimento, foram os Executados de levar a cabo nova avaliação ao dito imóvel.
Essa avaliação, leva a cabo em 20 de Setembro de 2017 pelo Novo Banco, atribuiu ao imóvel, desta feita, um valor comercial de €. 605.925,00 (Seiscentos e cinco mil novecentos e vinte e cinco euros), doc. 1.
Entendem os Executados que, atenta a identidade da entidade avaliadora, não poderá esta avaliação ser objecto de qualquer dúvida ou reservas por parte do Exequente ou do Tribunal, apenas servindo para corroborar e reforçar o teor da avaliação já anteriormente junta aos autos pelos Executados.
Assim,
E face ao exposto, requer-se a V. Exª a admissão do documento ora junto que, atenta a data da sua elaboração só agora foi obtido, dando-se por reiterado o teor do requerimento de 22 de Setembro de 2017.
Junta: Um documento (…)”.
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11. Em 10-11-2017, os executados apresentaram requerimento nos autos de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Vêm os Executados, pela presente via, reiterar o teor do seu requerimento de fls. (Ref.: 26827623), requerendo a realização de uma avaliação ao imóvel, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil (…)”.
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12. Em 28-02-2018, os executados apresentaram requerimento nos autos de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) tendo tomado conhecimento do teor do requerimento de fls. (Ref.: 18072723) do Exmº AE, pelo qual este se pronunciou acerca da avaliação realizada ao prédio dos autos pelo Novo Banco, S.A., vêm expor e requerer o seguinte:
A despeito da pronúncia ora realizada pelo Exmº AE, não pode ser olvidado que, por requerimentos datados de 13 de Julho de 2017 remetidos aos autos (Ref.: 15716824) e ao Exmº AE (Ref.: 15717738), os Executados apresentaram Relatório de Avaliação que atribui ao prédio dos autos um valor de €. 603.000,00 (Seiscentos e três mil euros).
Esse Relatório mostra-se devidamente assinado por Perito Avaliador devidamente credenciado. E,
A verdade é que o valor resultante do Relatório de Avaliação do Novo Banco – automático ou não – se mostra mais consentâneo com o do sobredito Relatório de 13 de Julho de 2017 do que com a avaliação levada a cabo pela Exequente (redigido em língua estrangeira, recorde-se). Ora,
O Relatório de Avaliação do Novo Banco – tratando-se, como se trata, de documento interno – foi apenas junto aos autos para “…corroborar e reforçar o teor da avaliação já anteriormente junta aos autos pelos Executados” – cfr. requerimento dos Executados com a Ref.: 27072093. Ou seja,
Entre os dois Relatórios juntos aos autos, é o primeiro (junto a 13 de Julho de 2017), que acaba por assumir maior relevância. Donde,
Salvando o devido respeito, o Exmº AE deveria ter-se pronunciado, também, sobre o Relatório de Avaliação junto aos autos (e para si remetido) em 13 de Julho de 2017, já que o Relatório do Novo Banco tem, relativamente ao primeiramente junto aos autos, um carácter “secundário” ou de “apoio”. Assim,
Face ao exposto, tendo em conta a pronúncia do Exmº AE sobre o Relatório do Novo Banco, requer-se a V. Exª se digne ordenar a notificação ao AE para que este se pronuncie, também, sobre o Relatório de Avaliação junto aos autos pelos Executados em 13 de Julho de 2017 (que se encontra já na sua posse), assim se assegurando que o Tribunal fica na posse de todos os elementos relevantes e necessários à tomada de uma decisão justa. Finalmente,
Vêm os Executados aderir in totum à abertura demonstrada pelo Exmº AE no tocante à nomeação de um perito independente, para proceder à avaliação do imóvel dos autos (…)”.
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13. Em 08-03-2018, os executados apresentaram requerimento nos autos de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Entendem os Executados que a única forma de afastar qualquer tipo de dúvida ou questão, seja da parte dos Executados, seja da parte do Exequente, quanto à nomeação do Perito e, consequentemente, quanto à total idoneidade e imparcialidade do Relatório de Avaliação, será através da nomeação do Perito Avaliador por parte de uma entidade independente. Para o efeito,
Vêm os Executados informar que, pelas razões supra aduzidas, não concordam com a indicação do Perito levada a cabo pelo Exmº Agente de Execução propondo, em alternativa e pelas mesmas razões, que o Perito Avaliador que irá conduzir a avaliação comercial ao prédio dos autos seja nomeado por indicação do Tribunal (…)”.
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14. Em 07-06-2019, os executados apresentaram requerimento nos autos dando conta de que, no cumprimento do despacho de 03-06-2019 juntam aos autos comunicação enviada ao Perito nomeado para efeitos de agendamento da ordenada avaliação do imóvel penhorado.
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15. Em 18-09-2019, o Perito nomeado juntou aos autos relatório de avaliação do imóvel penhorado e na mesma data foi expedida notificação a exequente, credor reclamante e executados, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 812.º do CPC, notificando-os da modalidade e valor da venda dos bens penhorados.
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16. Em 07-10-2019 – pretensão que reiteram em 25-09-2020 - os executados apresentaram requerimento nos autos de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) notificados da decisão de venda vêm, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil, manifestar a sua DISCORDÂNCIA relativamente ao valor indicado em tal decisão, para o que apresentam a presente RECLAMAÇÃO, o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:
Foram os Executados notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil, da decisão de venda proferida pelo AE que atribuiu ao imóvel dos autos o valor base de venda de €. 744.250,00 (Setecentos e quarenta e quatro mil duzentos e cinquenta euros).
Resultando tal valor base da avaliação levada a cabo, em 15 de Junho de 2019, por Perito nomeado pelo Tribunal e cujo teor foi notificado aos Executados. Desde logo,
Devem os Executados relevar uma imprecisão/contradição o sobredito Relatório de Avaliação que, na sua óptica, serão de molde a colocar em causa o teor desse Relatório e, concretamente, o valor atribuído ao imóvel. Assim,
O imóvel em questão reveste a tipologia 6 (T6) conforme, aliás, é reconhecido a fls. 6/18 do sobredito Relatório. No entanto,
Quer na avaliação segundo o método comparativo de mercado (fls. 8/18) quer na avaliação segundo método do rendimento (fls. 13/18) o Perito apresenta os seus cálculos tendo por base um imóvel com a tipologia 5 (T5). Ora,
Levando em linha de conta que em qualquer dos métodos aplicáveis (comparativo de mercado e rendimento) o número de assoalhadas surge como uma das “…variáveis explicativas e influenciadoras na determinação do valor de compra/venda” (cfr. fls. 8/18 e 13/18), então é razoável e lógico concluir que o número de assoalhadas de um imóvel influencia e determina o seu valor comercial. Assim,
O valor atribuído no Relatório de Avaliação ao imóvel dos autos não terá respeitado todos os critérios aplicáveis, uma vez que, apesar de se tratar de um T6 (tal como reconhecidos no Relatório) foi avaliado como um T5. Mais,
Nos quadros de levantamento de amostras e características de fls. 9/18 a 12/18 e de fls. 14/18 e 15/18, temos que as comparações aí explanadas não foram, salvo num caso (amostra 4 de fls. 9/18), conduzidas com base em imóveis de tipologia idêntica (T6) mas sim com base em imóveis de tipologia “inferior” (T3, T4 e T5). Donde,
Uma vez mais, será razoável e lógico concluir que, caso o Exmº Perito tivesse levado em linha de conta a correcta tipologia do imóvel e caso o tivesse comparado com imóveis de idêntica tipologia, os valores atribuídos ao imóvel seriam superiores. Assim,
Face ao exposto, vêm os Executados manifestar a sua DISCORDÂNCIA do valor base apresentado na Decisão de Venda, uma vez que o Exmº Perito não levou me linha de conta todas as condições do imóvel dos autos – concretamente, a sua tipologia – que poderiam influir na sua avaliação e consequente atribuição de Valor de Mercado do prédio dos autos. Por essa via,
Requer-se a V. Exª se digne admitir a presente RECLAMAÇÃO e, por sua via, se digne ordenar que o Exmº Perito reveja o seu Relatório de Avaliação no sentido do mesmo passar a contemplar a correcta tipologia do imóvel (…)”.
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17. Por decisão de 29-10-2019, proferida no apenso B, foi julgada habilitada HEFESTO STC, S.A. para prosseguir a execução, em substituição da exequente primitiva.

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18. Por despacho de 29-09-2021 foi proferido despacho fixando o valor base para a venda do imóvel em € 744.250,00.
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19. Em 20-10-2021, os executados apresentaram requerimento nos autos de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) DA FALTA DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE PROCEDIBILIDADE DA EXECUÇÃO EM CURSO, DE CONHECIMENTO OFICIOSO E, COMO TAL, INVOCÁVEL A TODO O TEMPO
1. Nos presentes autos, veio a CGD (adiante Mutuante) executar Escritura de “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, pela qual mutuou aos Executados VFG e VF (adiante Mutuários) a quantia de €. 100.000,00 (cem mil euros), destinada à conclusão de construção de imóvel para habitação própria permanente.
2. Escritura essa que, por sua vez, foi Afiançada pelos Executados IC, AC e MM (adiante Fiadores). Portanto,
3. Resulta dos autos que os Mutuários outorgaram a sobredita Escritura de Mútuo com Hipoteca, para aquisição de habitação própria permanente. Logo,
4. Enquanto consumidores, uma vez que o imóvel adquirido não se destinava a revenda, mas sim para sua habitação.
5. Segundo a Mutuante, os Mutuários deixaram de pagar as prestações vencidas em 10 de Outubro de 2010.
6. Situação que se mantinha à data da instauração da presente execução (20 de Dezembro de 2014), portanto, há mais de 30 dias. Assim,
7. Feito este enquadramento, importa assim estabelecer que os Mutuários e os Fiadores, enquanto clientes bancários em Contrato de Crédito à Habitação, reuniam condições para serem integrados no PERSI, regulado pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
8. Integração essa que o Mutuante nunca cumpriu, em desrespeito pelas obrigações decorrentes do disposto nos artigos 14º e 21º do mencionado diploma. Pelo que,
9. Por essa via, estava o Mutuante impedido de instaurar a presente Execução, uma vez que a mesma se mostrava destituída da observância prévia das formalidades legais previstas no aludido Decreto-Lei nº 227/2012.Pois que,
10. A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. De facto,
11. A omissão dessa obrigação constitui uma verdadeira falta de condição objetiva de procedibilidade que, na busca do lugar paralelo, é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias.
12. E isto porque, em termos finalísticos, atendendo ao respetivo resultado, a referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa (cfr. Acórdão da RE, de 06.10.2016, Proc. 4956/14.8T8ENT.A.E1; Acórdão da RL, de 07.06.2018, relatado por Pedro Martins (in www.dsgi.pt).
13. De qualquer das formas, a não verificação dessa condição é insanável pois que o regime excecional previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012 afasta liminarmente a possibilidade de ser intentada a ação e, por maioria de razão, existe uma circunstância impeditiva que obsta a que, no decurso de uma ação executiva se desenvolva um PERSI. Pelo que,
14. Sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória, quando verificados os seus pressupostos, a ação judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. Acórdãos do STJ, de 09.02.2017, Proc. 194/13.5TBCMN.A.G1.S1, e da RE, de 27.04.2017, Proc. 37/15.5T8ODM.A.E1, ambos disponíveis in https://jurisprudencia.csm.org.pt). De facto,
15. Dispõe o artigo 14º desse Diploma que o cliente bancário – in casu, os Mutuários - é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
16. E o 21º que o Banco deve informar o fiador, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida para que este, querendo, requeira a sua integração no PERSI. Contudo,
17. Entre Outubro de 2010 (data do incumprimento) e Outubro de 2016 (data da cessão de créditos) o Mutuante não comunicou aos Mutuários a sua integração no PERSI nem informou os Fiadores do incumprimento em curso – nos termos dos artigos 14º e 21º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
18. Reunindo os Mutuários e os Fiadores, como reuniam, condições para tal, à luz das disposições imperativas do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro. Ora,
19. Nos termos das disposições conjugadas da al. c), do n.º 1 e da al. c) do n.º 2 do artigo 18º e do n.º n.º 4 do artigo 21º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, no período compreendido entre a integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a Instituição de Crédito está impedida de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, salvo se esse terceiro for uma instituição de crédito. Contudo,
20. No caso em apreço, o Mutuante, bem sabendo que os Mutuários e os Fiadores reuniam, em Outubro de 2016, condições para serem integrados no PERSI, cedeu ao seu crédito à ora Exequente sem ter cumprido as obrigações que para si decorriam dos mencionados artigos 14º e 21º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro. Já que,
21. Não integrou os Mutuários no PERSI nem informou os Fiadores dessa possibilidade. Aliás,
22. Caso a entidade bancária cedente tivesse, de facto, integrado os Mutuários e os Fiadores no PERSI, decerto que teria mencionado essa circunstância logo aquando da instauração da Execução, por força da obrigação que para si decorria. Assim,
23. O Mutuante cedeu o seu crédito à actual Exequente sem que, previamente, houvesse dado cumprimento às obrigações decorrentes do disposto nos artigos 14º e 21º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
24. Sendo certo que a Exequente, a quem a Mutuante cedeu o seu crédito, não  detém a qualidade de instituição de crédito. De facto,
25. A Exequente, de acordo com a consulta aos dados constantes da página públicahttps://publicacoes.mj.pt/DetalhePublicacao.aspx, tem por objecto social o “exercício das actividades consentidas por lei às sociedades de titularização de créditos, que consiste exclusivamente na realização de operações de titularização de créditos, mediante as suas aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento dos créditos adquiridos”. Portanto,
26. Não se trata de uma Entidade Bancária.Assim,
27. A este propósito, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, em 30 de Janeiro de 2020, que “I - A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito. II- De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI” – Proc. n.º 5520/18.8T8VNF-A.G1, in www.dgsi.pt. Assim,
28. É evidente que o Mutuante cedeu o crédito em causa nos autos à Exequente em violação do disposto nos artigos 14º e 21º do Dec. Lei n.º 227/2012, uma vez que, à data da cessão (12 de Julho de 2019), os Mutuários e os Fiadores mantinham o incumprimento das obrigações decorrentes da Escritura de Mútuo com Hipoteca num período superior a um mês. Por essa via,
29. Incumbia àquela instituição de crédito, por aplicação dos artigos 14º e 21º do Diploma em apreço, a obrigação de integrar os Mutuários no PERSI e de informar os Fiadores dessa possibilidade.
30. O que não se verificou.
31. Não se mostrando, por isso, tal procedimento concluído, uma vez que nem sequer foi iniciado. Ora,
32. Num quadro de integração no PERSI, sempre assistiriam aos Mutuários e aos Fiadores as garantias conferidas pelo artigo 18.º do Dec. Lei n.º 227/2012, que impedem a prática de diversos actos por parte das Instituições de Crédito, enquanto decorre o mencionado procedimento. Sendo que,
33. Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação contemplada pelo Dec. Lei n.º 227/2012 é a proibição de sobre eles serem intentadas ações judiciais (declarativas ou executivas) pelo credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no procedimento e a sua extinção – cfr. al. b) do n.º 1 do artigo 18º do Dec. Lei n.º 227/2012.
34. Procedimento esse que, como vimos, nem sequer se iniciou. Por outro lado,
35. Como já referido, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, salvo se o cessionário seja, ele próprio, uma Instituição de Crédito – als. c) e d) do n.º 1 e al. c) do n.º 2 do citado artigo 18º. De facto,
36. A proibição relevada no número anterior permite evitar a desvirtuação do regime resultante do Diploma em apreço, salvaguardando os interesses do cliente bancário. Já que,
37. Assim se evita a transmissão do crédito a uma entidade terceira que, por não ser Instituição de Crédito, não estaria obrigada a iniciar ou a prosseguir o PERSI. Com efeito,
38. De outro modo estaria encontrada uma via expedita para as Instituições de Crédito se subtraírem à obrigatória sujeição, para si e para os seus clientes, ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012. Para o efeito,
39. Bastaria que, em violação do disposto no Dec. Lei 227/2012, as Instituições Bancárias se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que, não sendo Instituição Bancária, não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no artigo 18º. Por essa via,
40. Podendo obter de imediato a satisfação do crédito cedido, sem quaisquer restrições, mediante a tomada das acções previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 18º no Dec. Lei 227/2012 – instauração de acções judiciais, cessão de créditos a terceiros, etc.
41. Tal representaria uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada. Assim,
42. Deparamo-nos com a inexigibilidade do crédito exequendo já que, não obstante o crédito haja sido cedido, o mesmo não podia ter sido cedido sem observância prévia das formalidades legais previstas no aludido Decreto-Lei nº 227/2012. De facto,
43. O Mutuante não podia ter cedido o crédito dos autos à Exequente sem ter previamente cumprido as exigências legais para com os Mutuários. Concretamente,
44. As que decorrem dos artigos 14º e 21º do Decreto-Lei nº 227/2012.
45. A propósito do incumprimento de integração do cliente bancário no PERSI e das suas consequências processuais, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão proferido em 29 de Setembro de 2020, no Processo n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, in www.dgsi.pt, que “1 - A preterição de sujeição do devedor ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), por parte da instituição de crédito credora, traduz-se no incumprimento de norma imperativa e que, em termos adjectivos, consiste numa condição objectiva de procedibilidade da pretensão, que deve regulada, com as adaptações que se revelem necessárias pelo regime jurídico das excepções dilatórias.
2 – As excepções dilatórias, nominadas ou inominadas, salvo as excepções contempladas no artigo 578º do Código de Processo Civil, são de conhecimento oficioso.
3 - A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso; como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, não está sujeita ao prazo concedido para apresentação da defesa, pelo que, atento o estatuído no artigo 573º, n.º 2, in fine do Código de Processo Civil, não está abrangida pelo princípio da preclusão”. Isto é,
46. A questão na não integração dos Mutuários e dos Fiadores no PERSI é do conhecimento oficioso e pode ser invocada a todo o tempo. No mesmo sentido,
47. Decidiu o Trib. da Relação de Évora, em Acórdão proferido em 06 de Outubro de 2016, no Proc. n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1, in www.dgsi.pt. que “estamos, assim, perante uma excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de acção executiva para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição da instância com as consequências descritas na decisão sob censura, incluindo a comunicação ao Banco de Portugal.
Em suma, no presente caso, existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objectiva de procedibilidade.
Por analogia, na busca do lugar paralelo, este vício encaixa no regime jurídico das excepções dilatórias, embora in casu seja de natureza atípica, sendo que, apelando à filosofia, intenção e objectivos legais, o mesmo não admite o respectivo suprimento da falta de pressupostos processuais, dado que se se trata de uma irregularidade insanável e sujeita a disciplina directiva e de carácter excepcional”. Assim,
48. A cessão de créditos, por parte do Banco Mutuante à Exequente, sem o prévio cumprimento, por parte do Mutuante, das obrigações que para si decorriam das normas imperativas dos artigos 14º e 21º do Decreto-Lei nº 227/2012, faz com que a ora Exequente, não possa demandar judicialmente o cliente bancário para satisfação do seu crédito, por falta de condição prévia de procedência da sua pretensão.
49. Ocorrendo, in casu, falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, situação equiparada a excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e, como tal, invocável a todo o tempo.
50. Não passível de ser sanada no decurso da acção e cujo reconhecimento desde já se requer (…)”.
*
20. A exequente pronunciou-se sobre a pretensão dos executados, por requerimento de 25-10-2021, junto aos autos em 28-10-2021, de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“1. Os Executados invocam a não integração no PERSS, alegando falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, situação equiparada a excepção dilatória inominada.
2. No entanto, não é verdade que os Executados não tenham sido integrados no PERSL
3. Com efeito, os Executados foram integrados no PERSI logo em 2013 e na falta de colaboração, foram remetidas cartas de extinção do PERSI, conforme cartas que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidas.
4. A entidade bancária só tem obrigação de integrar no PERSI uma vez e não cada vez que os Executados falham os pagamentos devidos.
5. Assim, os Executados tiveram a oportunidade de ser integrados no PERSI e não foram por incumprimento da sua parte dos requisitos necessários para o efeito.
6. Acresce que por toda a intervenção que os Executados já tiveram nos presentes autos, não deixa de ser curioso que só agora, após terem visto confirmado pelo Tribunal o valor de venda indicado pelo perito, relativamente ao imóvel penhorado nos presentes autos, se tenham lembrado de vir invocar a alegada falta de integração no PERSI.
7. Com efeito, não pode deixar de se considerar que a dívida em causa foi admitida, pelo que virem agora os Executados alegar uma suposta falta de cumprimento de uma formalidade para fugir à verdade material que já assumiram, não pode deixar de se considerar uma manobra dilatória completamente reprovável e inaceitável, como aliás tem vindo a ser seu apanágio ao longo do desenvolvimento processual nos presentes autos.
8. Desta forma, a Exequente cumpriu com o que lhe era devido, não existindo assim qualquer excepção, devendo os presentes autos prosseguir os seus normais termos até final, o que desde já se requer.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exa Doutamente suprirá, deverá ser indeferido o requerido pelos Executados por não se verificar a alegada excepção, devendo os presentes autos prosseguir os seus normais termos até final.
Junta: cartas integração e extinção no PERSI.”.
Com o referido requerimento, a exequente juntou aos autos, os seguintes documentos:
- Carta dirigida ao executado VF, datada de 01-01-2013, de onde consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
“PERSI N° 269207
Estimado/a cliente,
Por se registar incumprimento na(s) operaçâo(ões) abaixo indicadas:
Moeda: EUR
N.º Contrato DtVenc. Capital Juros Comissões Despesas Montante
…027591….-12-061. 993....316.70555,900,….865.65
….027593.085 201010-10 1….6.679,08©36,…0,008.673,07
…027592….101007 1….036.432….,440,008.317,83
em que é interveniente, informa-se que, de acordo com o disposto no Art.° 14° do D.L n* 227/2012, de 25 de outubro, procedemos à sua integração, nesta data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), acima referenciado.
Assim, para a resolução da sua situação de incumprimento, e para beneficiar dos direitos consignados no referido Dec-Lei, deverá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, até ao dia 2013-01-11, apresentando os seguintes documentos comprovativos:
Última Declaração de IRS e respetiva Certidão de Liquidação;
Documentos comprovativos de rendimentos auferidos, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais.
Para obter mais informações sobre o PERSI poderá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, enviar uma mensagem de correio eletrónico para o endereço caixadireta@cgd.pt ou consultar www.cgd.pt.
Se dispõe do serviço Caixa Direta On-Line, as próximas comunicações sobre este tema serão disponibilizadas no mesmo. (…)”;
- Carta dirigida à executada VFG, datada de 01-01-2013, de onde consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
“PERSI N° 269207
Estimado/a cliente,
Por se registar incumprimento na(s) operaçâo(ões) abaixo indicadas:
Moeda: EUR
N.º Contrato DtVenc. Capital Juros Comissões Despesas Montante
….485 2010-12-061….9.316.70  555,900,…..865.65
….027593….-101…..   6.679,08  ©36,210,….673,07
…..027592…..296.03   6….36      589,440,…..317,83
em que é interveniente, informa-se que, de acordo com o disposto no Art.° 14° do D.L n* 227/2012, de 25 de outubro, procedemos à sua integração, nesta data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), acima referenciado.
Assim, para a resolução da sua situação de incumprimento, e para beneficiar dos direitos consignados no referido Dec-Lei, deverá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, até ao dia 2013-01-11, apresentando os seguintes documentos comprovativos:
Última Declaração de IRS e respetiva Certidão de Liquidação;
Documentos comprovativos de rendimentos auferidos, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais.
Para obter mais informações sobre o PERSI poderá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, enviar uma mensagem de correio eletrónico para o endereço caixadireta@cgd.pt ou consultar www.cgd.pt.
Se dispõe do serviço Caixa Direta On-Line, as próximas comunicações sobre este tema serão disponibilizadas no mesmo. (…)”;
- Carta dirigida ao executado VF, datada de 19-06-2013, de onde consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
“PERSI Nº 259207
Estimado/a cliente,
Informa-se que ao abrigo do D.L. n° 227/2012, de 25 de outubro, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) foi extinto em 2013-06-19, por motivo de:
DECORREU MAIS DE 91 DIAS DESDE O INICIO DO PERSI
Com o fim deste procedimento a Caixa poderá resolver o contrato com fundamento no incumprimento e/ou intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu Crédito.
Caso reúna condições de acesso ao Regime Extraordinário previsto na Lei n° 58/2012 deverá apresentar nesta Instituição um requerimento para efeitos de aplicação das medidas extraordinárias previstas neste diploma legal.
Caso tenha créditos noutra Instituição de Crédito poderá ainda recorrer a um mediador de crédito, no prazo de 5 dias, para se manter ao abrigo das garantias do PERSI.
Mantendo-se a situação de incumprimento irá ser contactado pelo nosso departamento especializado em cobranças e recuperação de crédito.(…)”; e
- Carta dirigida à executada VFG, datada de 19-06-2013, de onde consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
““PERSI Nº 259207
Estimado/a cliente,
Informa-se que ao abrigo do D.L. n° 227/2012, de 25 de outubro, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) foi extinto em 2013-06-19, por motivo de:
DECORREU MAIS DE 91 DIAS DESDE O INICIO DO PERSI
Com o fim deste procedimento a Caixa poderá resolver o contrato com fundamento no incumprimento e/ou intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu Crédito.
Caso reúna condições de acesso ao Regime Extraordinário previsto na Lei n° 58/2012 deverá apresentar nesta Instituição um requerimento para efeitos de aplicação das medidas extraordinárias previstas neste diploma legal.
Caso tenha créditos noutra Instituição de Crédito poderá ainda recorrer a um mediador de crédito, no prazo de 5 dias, para se manter ao abrigo das garantias do PERSI.
Mantendo-se a situação de incumprimento irá ser contactado pelo nosso departamento especializado em cobranças e recuperação de crédito.(…)”.
*
21. Os executados apresentaram requerimento, em 28-10-2021, de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) notificados da decisão sobre a modalidade de venda dos bem penhorados e não podendo conformar-se com a mesma vêm, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil, expor e requerer o seguinte:
1. Foi o Exmº AE de, nos presentes autos e nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil, decidir sobre a modalidade de venda do bem penhorado (venda mediante leilão electrónico). Como é natural,
2. O Tribunal apenas poderá determinar a venda de bem penhorado, verificado que se mostre o cumprimento de todos os requisitos conducentes à procedibilidade da execução, assim se assegurando que os direitos e garantias dos Executados (mormente direitos constitucionalmente garantidos, como sejam o direito à habitação e à propriedade privada), bem como os Princípios do Estado de Direito (designadamente os da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos) não são (ou possam ser) violados por irregularidades e/ou desconformidades legais e/ou processuais. De facto,
3. Constituindo a venda judicial a “violação máxima” da propriedade privada dos Executados, há que garantir que a mesma apenas ocorre respeitados que se mostrem todos os prévios requisitos legais e processuais para a sua verificação.
4. E esses requisitos legais e processuais devem ser respeitados, desde logo, a partir da instauração da competente execução, mediante a confirmação – pelo Exequente – da regularidade de todos os requisitos de exequibilidade do título que apresenta a juízo, bem como de todos os requisitos de procedibilidade da execução então iniciada. Isto é,
5. Mercê das consequências que uma execução poderá vir a ter para o património e para a esfera jurídica do devedor, é essencial que uma execução apenas dê entrada em juízo e corra os seus termos se tais requisitos objectivos de procedibilidade se mostrarem cumpridos. Ora,
6. Como já referidos pelos Executados, no seu requerimento de fls. (Ref.: 40197476), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, nos presentes autos mostra-se em falta condição objetiva de procedibilidade da execução em curso.
7. Matéria de conhecimento oficioso e, como tal, invocável a todo o tempo. Concretamente,
8. A Entidade Bancária Mutuante (a CGD), previamente à instauração da presente execução, não deu cumprimento ao disposto nos artigos 14º e 21º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro. Já que,
9. Antes da instauração dos presentes autos, não integrou os Executados VFG e VF no PERSI, conforme obriga o artigo 14º desse diploma. Nem,
10. Comunicou aos Executados IC, AC e MM a possibilidade destes requererem a sua integração no PERSI, conforme obriga o artigo 21º do citado diploma. Pelo que,
11. Por essa via, estava a CGD impedida de instaurar a presente execução, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 18º do citado diploma.
12. Bem como impedida de ceder o seu crédito à ora Exequente (que não detém qualidade de entidade bancária), nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 18º do citado diploma.
13. Essa matéria, não obstante tenha apenas agora sido invocada pelos Executados é do conhecimento oficioso do Tribunal. Ou seja,
14. Matéria que o tribunal tem obrigação de conhecer independentemente de alegação, isto é, sejam ou não invocadas. Pelo que,
15. Perante uma questão de conhecimento oficioso, o Tribunal terá de a conhecer mesmo que ela não tenha sido alegada na impugnação.
16. Podendo, como tal, ser invocada a todo o tempo. De facto,
17. Veja-se, por tabelar, o Ac. Rel. Porto, de 13 de Maio de 2013, Proc. n.º 996/11.7TBMAI.P1, in dgsi.net, que decidiu que “uma das excepções de que toda a defesa deve ser deduzida na contestação que o artigo 489.º nº 2 do C.P.Civil contempla é núcleo de casos integrado pelos meios de defesa de que o tribunal pode conhecer oficiosamente (defesa retardável).
Assim desde que, como sucede com o comum da excepções dilatórias – artigo 495.º do C. P. Civil) - se trata de meios de defesa de que o juiz pode conhecer ex officio as partes podem obviamente invocá-las depois da contestação e em qualquer altura do processo” (sublinhado nosso). Ademais,
18. Reitera-se, a este propósito (incumprimento de integração do cliente bancário no PERSI e suas consequências processuais), o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 29 de Setembro de 2020, no Processo n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, in www.dgsi.pt, que decidiu que “1 - A preterição de sujeição do devedor ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), por parte da instituição de crédito credora, traduz-se no incumprimento de norma imperativa e que, em termos adjectivos, consiste numa condição objectiva de procedibilidade da pretensão, que deve regulada, com as adaptações que se revelem necessárias pelo regime jurídico das excepções dilatórias.
2 – As excepções dilatórias, nominadas ou inominadas, salvo as excepções contempladas no artigo 578º do Código de Processo Civil, são de conhecimento oficioso.
3 - A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso; como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, não está sujeita ao prazo concedido para apresentação da defesa, pelo que, atento o estatuído no artigo 573º, n.º 2, in fine do Código de Processo Civil, não está abrangida pelo princípio da preclusão”. Da mesma forma,
19. E já a propósito de cessão de créditos em caso de possibilidade de integração de cliente bancário no PERSI, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, em 30 de Janeiro de 2020, que “I - A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito. II- De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI” – Proc. n.º 5520/18.8T8VNF-A.G1, in www.dgsi.pt. Aliás,
20. A falta de integração dos Executados no PERSI foi já reconhecida pela própria Exequente de cujo requerimento dirigido ao Exmº AE – requerimento de 25 de Outubro de 2021, Ref.: 40246403 – resulta, em suma, que:
a) A Exequente reconhece, para os presentes autos e para a boa decisão que nos mesmos venha a ser tomada, a essencialidade do regime imperativo decorrente do Dec. Lei 227/2012, de 25 de Outubro, cuja violação constitui falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso.
b) A Exequente reconhece que, ao arrepio da imperatividade das disposições conjugadas dos artigos 21º e alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 18º do mencionado Dec. Lei 227/2012, de 25 de Outubro, os Executados/Fiadores não foram informados do atraso no cumprimento da obrigação em apreço, bem como da possibilidade de serem integrados no PERSI – para tanto basta ver que nenhum documento foi junto nesse sentido.
Donde, a Exequente reconhece que a Entidade Bancária Mutuante (CGD) estava impedida de demandar judicialmente os Executados/Fiadores e/ou de ceder o seu crédito à Exequente, por obediência ao disposto no Dec. Lei n.º 227/2012.
c) As cartas que a Exequente juntou aos autos (cujo teor, letra e assinatura se impugnaram) não foram recebidas pelos Executados/Mutuários sendo que, por si só, não provam o seu envio e, muito menos, a sua recepção.
Sobre este ponto, não tendo os Executados/Mutuários recebido tais missivas que, nos termos do disposto no Dec. Lei n.º 227/2012 revestem a qualidade de declaração receptícia, competiria à Exequente demonstrar que as cartas haviam sido enviadas, uma vez que a prova da sua não recepção constituiria prova de facto negativo, que só pode ser imposta aos Executados como ónus, desde que previamente se tenha por assente a demonstração por parte do credor da realização de actos tidos por idóneos a consubstanciar a efectiva notificação – ver, neste sentido, Ac. Relação de Lisboa, de 19 de Abril de 2018, relatado por Maria de Deus Correia (in www.dgsi.pt).
Ora, tal demonstração não pode resumir-se, como é evidente, à simples e inconclusiva junção de cópias de cartas que se podem retirar e imprimir de qualquer computador à disposição – ver, neste sentido, Ac. Relação de Lisboa, de 11 de Outubro de 2016, relatado por Luís Espírito Santo (in www.dgsi.pt) e Ac. Relação de Lisboa, de 07 de Junho de 2018, relatado por Pedro Martins (in www.dgsi.pt).
Aliás, as mencionadas cartas, a existirem, deveriam ter sido juntas aos autos logo no requerimento executivo.
d) Como já referido, os factos sub judice constituem matéria do conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo.
Assim, não obstante a tramitação processual já levada a cabo, só agora os Executados ficaram em condições de, com total propriedade, afirmar que a Entidade Bancária Mutuante (CGD) não havia dado cumprimento do disposto no Dec. Lei 227/2012 – circunstância, aliás, confirmada pelo Exequente no requerimento a que ali se responde (requerimento da Exequente de 25 de Outubro de 2021, Ref.: 40246403).
Aliás, poderiam os Executados, de igual forma, recriminar a Entidade Bancária Mutuante e a ora Exequente pelo facto de, já há muito, poderem e deverem ter assegurado o cumprimento das obrigações que para si decorriam do Dec. Lei n.º 227/2012.
Contudo, como em tantos outros casos, as Entidades Bancárias insistem em violar as disposições imperativas do Dec. Lei n.º 227/2012.
Ainda assim, pretender que à Entidade Mutuária e/ou à Exequente é lícita a violação das disposições imperativas do Dec. Lei n.º 227/2012 pelo simples facto dos Executados só agora estarem em condições de trazer ao conhecimento do Tribunal matéria do conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo é, salvando o devido respeito, subverter as normas processuais e as disposições imperativas do Dec. Lei n.º 227/2012.
21. Em suma, os Executados não foram integrados no PERSI nem informados de que o poderiam ser, em clara e expressa violação do disposto nos artigos 14º e 21º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
22. Não obstante, a CGD instaurou a presente execução e, mais tarde, cedeu o seu crédito à ora Exequente, em clara e expressa violação das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 18º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro. Pelo que,
23. É evidente que, no caso em apareço, subsiste FALTA DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE PROCEDIBILIDADE DA EXECUÇÃO EM CURSO, não passível de ser sanada no decurso da acção. E que,
24. Para todos os efeitos legais – vide, inclusivamente, basta e unânime Jurisprudência a esse propósito – constitui causa da inexequibilidade do título executivo – MATÉRIA DE CONHECIMENTO OFICIOSO E, COMO TAL, INVOCÁVEL A TODO O TEMPO. Ora,
25. Permitir uma venda judicial de bem penhorado ocorra nas circunstâncias sub judice, em que subsiste uma situação conducente à inexequibilidade do título e que constitui falta de condição objectiva de procedibilidade da execução em curso, constituiria uma gritante violação nas normas legais e processuais aplicáveis in casu.
26. Com a consequente violação de direitos e garantias, constitucionalmente assegurados, dos Executados.
27. Mas que constituiria, também, uma gravosa e inadmissível ratificação da conduta da CGD que, ilegalmente, instaurou os presentes autos e cedeu o seu crédito sem dar cumprimento a normas imperativas já em vigor desde 2013.
28. Ilegalidade essa em que, como é consabido, as entidades bancárias insistem em incorrer e com a qual o Tribunal não poderá compactuar. De facto,
29. Como decidiu o Trib. da Relação de Évora, em Acórdão proferido em 06 de Outubro de 2016, no Proc. n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1, in www.dgsi.pt. Que “estamos, assim, perante uma excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de acção executiva para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição da instância com as consequências descritas na decisão sob censura, incluindo a comunicação ao Banco de Portugal.
Em suma, no presente caso, existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objectiva de procedibilidade.
Por analogia, na busca do lugar paralelo, este vício encaixa no regime jurídico das excepções dilatórias, embora in casu seja de natureza atípica, sendo que, apelando à filosofia, intenção e objectivos legais, o mesmo não admite o respectivo suprimento da falta de pressupostos processuais, dado que se se trata de uma irregularidade insanável e sujeita a disciplina directiva e de carácter excepcional”. Assim,
30. A cessão de créditos, por parte do Banco Mutuante (CGD) à Exequente, sem o prévio cumprimento, por parte do Mutuante, das obrigações que para si decorriam das normas imperativas dos artigos 14º e 21º do Decreto-Lei nº 227/2012, faz com que a ora Exequente não possa demandar judicialmente o cliente bancário para satisfação do seu crédito, por falta de condição prévia de procedência da sua pretensão.
31. Ocorrendo, in casu, falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, situação equiparada a excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e, como tal, invocável a todo o tempo. Pelo que,
32. Como já referido, o Tribunal apenas poderá determinar a venda de bem penhorado, verificado que se mostre o cumprimento de todos os requisitos conducentes à procedibilidade da execução, assim se assegurando que os direitos e garantias dos Executados (mormente direitos constitucionalmente garantidos, como sejam o direito à habitação e à propriedade privada), bem como os Princípios do Estado de Direito (designadamente o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos) não são (ou possam ser) violados por irregularidades e/ou desconformidades legais e/ou processuais. Pelo que,
33. Face ao exposto, atentos os direitos, garantias e Princípios em cotejo, não poderá ser ordenada a venda judicial do bem penhorado sem que antes o Tribunal se pronuncie sobre a questão ora trazida ao seu conhecimento, reconhecendo a falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, com a consequente inexequibilidade do título, o que desde já se requer (…)”.
*
22. A exequente apresentou requerimento, em 05-11-2021, de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 1. A Exequente mantém o alegado no requerimento anterior e impugna as conclusões que os Executados elencam nos pontos 1 e 2 do seu requerimento, porquanto a Exequente não aceita a aplicação do Decreto-Lei 227/2012, tal como os Executados alegam.
2. Com efeito, os Executados nunca colocaram em causa o incumprimento nos autos, sendo que na data em que se verificou tal incumprimento – Outubro de 2010, ainda nem sequer existia o diploma relativo ao PERSI – DL 227/2012.
3. Assim, não existia obrigação de integração no PERSI, tendo, não obstante, o Banco dado essa oportunidade aos executados, os quais, convenientemente, negam.
4. Inclusivamente, as cartas foram enviadas para a morada prevista e não temos porque considerar que não foram entregues, sendo que a lei apenas exige envio por meio duradouro.
5. Os Executados invocam falta de integração do PERSI, mas não demonstram que estivessem preenchidos os requisitos para aplicação do mesmo.
6. De facto, os Executados não demonstram que tenham comunicado dificuldades ou alertado o Banco para o risco de incumprimento.
7. Quando o Banco/Exequente tentou dar oportunidade aos Executados para regularizarem o seu incumprimento, tal não aconteceu por inércia dos Executados, a qual não pode ser imputada à Exequente.
8. Os Executados em nada ficaram prejudicados pela alegada falta de integração no PERSI, sendo certo que a Exequente sempre esteve disponível para um possível acordo que nunca foi solicitado.
9. Acresce que, por uma questão de economia processual, não se vislumbra qualquer utilidade em extinguir a presente acção, quando podem ser aproveitados os actos e caso os Executados queiram negociar, a Exequente mantém-se disponível.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exa Doutamente suprirá, deverá ser indeferido o requerido pelos Executados por não se verificar a alegada excepção, devendo os presentes autos prosseguir os seus normais termos até final. (…)”.
*
23. Os executados apresentaram requerimento, em 16-11-2021 - pretensão reiterada pelos requerimentos apresentados em 02-12-2021 e 03-01-2022 -, de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 1. Não obstante o alegado pela Exequente no ponto da 2 da sua peça, o Dec. Lei 227/2012, de 25 de Outubro é totalmente aplicável ao caso em apreço por força do disposto no seu artigo 39º já que, à data da instauração dos presentes autos, os Executados mantinham obrigações vencidas há mais de 30 dias. Assim,
2. Existia total obrigação para a integração dos Executados no PERSI, nos termos das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 39º e do n.º 4 do artigo 14º do citado Dec. Lei 227/2012, de 25 de Outubro.
3. As cartas mencionadas pela Exequente não foram recebidas pelos Executados – nem sequer tendo sido juntas cartas referentes aos Fiadores – sendo que, de acordo com a Jurisprudência já citada nos autos, o ónus da prova do seu envio e recepção incumbe à Exequente. Mais,
4. Sempre se diga que, a partir do momento em que, à data de entrada em vigor do Dec. Lei 227/2012, de 25 de Outubro, os Executados mantinham obrigações vencidas há mais de 30 dias, não só cumpriam as condições de integração no PERSI, como subsistia para a Exequente a obrigação em promover essa integração – o que não fez. Já que,
5. A iniciativa (obrigação) dessa integração impendia, exclusivamente, sobre o Exequente – ver n.º 1 do artigo 14º do Dec. Lei 227/2012, de 25 de Outubro.
6. Quanto ao invocado nos pontos 10 a 12 da peça da Exequente, há apenas que dar por reproduzido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, em 30 de Janeiro de 2020, que decidiu que “I - A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito. II- De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI” – Proc. n.º 5520/18.8T8VNF-A.G1, in www.dgsi.pt.
7. Face ao exposto, atentos os direitos, garantias e Princípios em cotejo, não poderá ser ordenada a venda judicial do bem penhorado sem que antes o Tribunal se pronuncie sobre a questão ora trazida ao seu conhecimento, reconhecendo a falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, com a consequente inexequibilidade do título, o que desde já se requer.”.
*
24. Os executados apresentaram requerimento, em 20-01-2022, de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) notificados (em 18 de Janeiro) da data para a realização da venda do imóvel dos autos (que se iniciou a 15 de Janeiro), vêm suscitar a IRREGULARIDADE PROCESSUAL desse acto, o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:
Desde logo, colocam os Executados em causa a regularidade de uma venda judicial notificada a 19 de Janeiro de 2022, mas em curso desde 15 de Janeiro de 2022, docs. 1 e 2.
Subsistirá alguma razão objectiva para que o Exmº AE tenha notificado os Executados apenas quatro dias após o início da venda?
Há alguma coisa a esconder dos Executados?
Assim se requerendo que V. Exª se digne apreciar a conduta do Exmº AE. Ademais,
Por requerimento de fls. (Ref.: 40197476) vieram os Executados suscitar INCIDENTE DE FALTA DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE PROCEDIBILIDADE DA EXECUÇÃO EM CURSO, DE CONHECIMENTO OFICIOSO E, COMO TAL, INVOCÁVEL A TODO O TEMPO, que inviabilizaria que os presentes autos prosseguissem.
Requerimento com idêntico teor foi rementidos ao Exmº AE.
Por Despacho de fls. (Ref.: 410656276) foi o Meritíssimo Dr. Juiz de Direito de ordenar que se “notifique, com cópia do presente despacho, os executados para comprovarem o pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente que suscitaram e da multa legalmente acrescida – arts. 145.º, n.ºs. 1 e 3 e 570.º, n.º 3, ambos do CPC”.
Assim reconhecendo a natureza incidental da arguição dos Executados.
Os Executados, por requerimento de fls. (Ref.: 40566960), liquidaram a taxa de justiça devida por esse Incidente. Ora,
Face ao exposto, não podem os presentes autos prosseguir para a venda do imóvel penhorado sem que antes o Tribunal se pronuncie sobre o Incidente deduzido.
Especialmente quando tal Incidente argui factos que poderão colocar em causa a validade dessa venda. De facto,
Imaginem-se os prejuízos de difícil reparação que ocorrerão para os Executados se a venda for feita nas presentes circunstâncias, em que se encontram sujeitos ao Tribunal, mas ainda não apreciados, factos passíveis de colocarem em causa a própria Execução, face à inexistência de título executivo. Pelo exposto,
Vêm os Executados arguir IRREGULARIDADE PROCESSUAL requerendo a V. Exª se digne ordenar a suspensão da venda judicial em curso até que o Incidente deduzidos nos presentes autos seja apreciado e decidido.”.
*
25. Na sequência, datado de 24-01-2022, foi proferido o seguinte despacho:
“1. Na presente acção executiva para pagamento de quantia certa, instaurada em 20-12-2014:
- a 27-01-2015, foi penhorado imóvel;
- a 19-03-2015, 20-03-2015 e a 03-06-2015, os executados foram citados e não deduziram embargos nem oposição à penhora;
- a 25-01-2017, notificados para se pronunciarem sobre a modalidade da venda e valor base, “vêm manifestar a sua pretensão em que o imóvel penhorado seja vendido pela modalidade de propostas em carta fechada e pelo seu valor comercial”;
- a 13-07-2017, notificados da decisão sobre a venda do imóvel, “manifestaram a sua discordância (…)”, e concluíram, pelas diligências necessárias à avaliação do imóvel e fixação do seu valor de acordo com o valor de mercado, passando a ser esse o valor base para a venda do dito imóvel”;
- a 22-09-2017, reiteraram o peticionado a 13-07-2017;
- a 18-10-2017, juntaram avaliação do imóvel feita pelo Novo Banco (no valor de 605.925,00 euros), por forma a “corroborar e reforçar o teor da avaliação já anteriormente junta aos autos pelos Executados”;
- a 10-11-2017, reiteraram a realização de avaliação ao imóvel “nos termos do disposto no n.º 5 do art. 812.º do CPC”;
- a 28-02-2018, aderiram à abertura do Agente de Execução proceder à avaliação do imóvel por “perito independente”;
- a 08-03-2018, discordaram do perito indicado pelo Agente de Execução;
- a 07-06-2019, deram conhecimento da data possível para vistoria do imóvel pelo senhor perito (entretanto nomeado);
- a 23-09-2019, arguiram irregularidade processual relativa à notificação do relatório pericial;
- a 07-10-2019, notificados da decisão sobre a venda do imóvel (segunda decisão, pós-relatório pericial), vieram reclamar, pedindo a revisão do relatório pelo sr. Perito;
- a 01-10-2020, vieram discordar da liquidação da multa e pagamento de taxa de justiça pela reclamação que deduziram;
- a 29-09-2021, foi proferida decisão judicial que determinou a venda do imóvel pelo valor base de 744.250 euros.
(…)
2. Ainda não volvido um mês sobre a decisão de 29-09-2021 que, ao fim de quatro anos, decidiu definitivamente qual o valor base para venda do imóvel, ao encontro (até superou) do valor base indicado e por que pugnaram, eis que os executados, contrariamente a toda a postura que assumiram ao longo daquele período, onde lutaram activamente pelo prosseguimento da acção executiva com a venda do imóvel por justo valor comercial e lograram paralisar o avanço do processo, vieram arguir a 20-10-2021, a falta de integração dos mesmos em PERSI, que reconduzem a “falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, de conhecimento oficioso e, como tal, invocável a todo o tempo”.
Não pode ser.
3. Os executados não deduziram embargos à execução.
O direito de arguirem a excepção dilatória de falta de integração do PERSI não ficou precludido – art. 139.º, n.º 3, do CPC – porque se trata de matéria de conhecimento oficioso – arts. 573.º, n.º 2 e 551.º, ambos do CPC.
Acontece que, em nosso entender, a arguição de tal excepção após um período de quatro anos que infligiram ao processo no debate persistente relativo ao justo valor comercial por que devia, e deve, ser vendido o imóvel, venda esta a que expressamente anuíram, configura um clamoroso abuso do direito de defesa – art. 334.º do CPC, por evidenciar que contra a intenção do prosseguimento da acção executiva que os vários requerimentos apresentados naquele período de tempo alimentaram, assumem agora os executados a postura contrária de extinção do processo por questão formal que poderiam ter feito valer inicialmente e não fizeram, aproveitando a brecha legal do conhecimento oficioso para derradeiramente evitar a venda de um imóvel a que antes anuíram.
Resultado deste inaceitável volte-face na postura dos executados é, por via daquele instituto, neutralizar a pretensão agora manifestada, por ser contrária à lisura e à boa fé processual com que as partes devem litigar.
4. Pelo exposto, indefiro liminarmente o incidente por os executados agirem em abuso do direito.
Condeno-os no pagamento das custas do incidente, fixando a taxa de justiça em três unidades de conta – art. 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
Notifique.”.
*
26. Não se conformando com a referida decisão, dela apelam os recorrentes/executados, pugnando pela revogação da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. Visa-se com o presente Recurso reagir contra o Despacho de fls. (Ref.: 412262654), que indeferiu liminarmente o Incidente deduzido nos autos pelos Executados, assim não tendo o Tribunal a quo conhecido da Excepção inominada, invocável a todo o tempo, do conhecimento oficioso e insanável arguida pelos Executados em virtude do que e no qual estes arguiram– a sua não integração no PERSI.
2. Essa não integração foi confessada pela Exequente nos seus requerimentos de fls. (Ref.: 40590058 e 40712586), sendo manifesto o seu alheamento pelo cumprimento do dispositivo legal aplicável.
3. O Despacho a quo incorreu em errada interpretação e aplicação do normativo previsto no artigo 334º do Cód. Civil, cujos pressupostos não se encontram cumpridos, sendo por isso ILEGAL, NULO E INCONSTITUCIONAL.
4. O Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, advoga a proteção do direito à habitação do mutuário em situação de dificuldades económicas na sua dimensão decorrente do “Direito à Habitação” (artigo 65º C.R.P.), pelo que competia ao Tribunal, face à iminente venda e à virtual perda da habitação do executado, retirar todas as consequências sobre a Execução, o que, todavia, preteriu ao indeferir liminarmente o Incidente deduzido pelos Executados.
5. Impunha-se decisão diversa por parte do Tribunal a quo - uma que, interpretando e aplicando correctamente a disposição do artigo 334º do Cód. Civil, não houvesse configurado a conduta dos Executados como uma de abuso de direito e assim tivesse conhecido da ocorrência de falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, de conhecimento oficioso e, como tal, invocável a todo o tempo e insuprível.
6. Daqui decorre a nulidade do Despacho a quo, por omissão de pronúncia – artigo 615º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil.
7. Em qualquer circunstância, dessa omissão de pronúncia resulta inevitavelmente a prática de um ato que a lei não admite, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, com influência decisiva na decisão da causa – artigo 195º do Cód. Proc. Civil.
DA QUESTÃO PRÉVIA E PACÍFICA NA RELAÇÃO MATERIAL CONTROVERTIDA: NÃO INTEGRAÇÃO DOS EXECUTADOS NO PERSI:
8. Nos presentes autos, veio a CGD (adiante Mutuante) executar Escritura de “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, outorgada com os Executados, enquanto consumidores, destinada a aquisição de habitação própria permanente.
9. Embora os Executados, enquanto clientes bancários, reunissem condições para serem integrados no PERSI, essa integração nunca ocorreu como, aliás, a Exequente reconhece nos seus requerimentos de fls. (Ref.: 40590058 e 40712586).
10. Ainda assim, o Mutuante, bem sabedor dessa obrigação, não se coibiu de instaurar os presentes autos sem antes proceder à mencionada integração nem, mais tarde, de ceder o seu crédito à ora Exequente, em violação do disposto nos artigos 14º e 21º e nas als. b) e c) do n.º 1 do artigo 18º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
11. Ocorrendo, in casu, falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, situação equiparada a excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e, como tal, invocável a todo o tempo e insanável, que se requer que o Tribunal conheça.
DO (SUPOSTO) ABUSO DE DIREITO: DA NULIDADE DO DESPACHO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA: DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE:
12. O Tribunal a quo indeferiu liminarmente o Incidente pelo qual os Executados suscitaram a sua não integração no PERSI por os mesmos actuarem (supostamente) em abuso de direito.
13. Os Executados, com a sua conduta, nunca excederam qualquer um dos limites estabelecidos no artigo 334º do Cód. Civil, não se mostrando cumpridos os pressupostos do abuso de direito, pelo que a conclusão do Tribunal a quo apenas pode ficar a dever-se a errada interpretação e aplicação do competente normativo.
14. A Exequente instaurou, em 20 de Dezembro de 2014, a presente acção executiva, sem título executivo, já que previamente não havia integrado os Executados no PERSI, em violação do disposto no artigo 703º do Cód. Proc. Civil.
15. A Secretaria Judicial, o Agente de Execução e o Tribunal, receberam e tramitaram a Execução e nenhum deles conheceu da insuficiência do título, conforme lhes permitiam, respectivamente, os artigos 725º, 855º, n.º 1, als. a) e b) e 6º, n.º 2 e 726º, n.º 2, als. a) e b), todos do Cód. Proc. Civil.
16. Em 27 de Janeiro de 2015, foi penhorado o imóvel dos autos, sem que dos mesmos constasse título executivo!
17. Apenas em Janeiro de 2017 vieram os Executados intervir nos autos, nos termos e para os estritos efeitos do no n.º 1 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil – e não, como pretende o Tribunal a quo, para dar qualquer “anuência” à venda do imóvel dos autos.
18. Portanto, entre 2014 e 2017, antes, portanto, da primeira intervenção dos Executados, foi instaurada e tramitada execução sem que a mesma se encontrasse acompanhada de título com força executiva – por violação das disposições imperativas do Dec. Lei n.º 227/2012 de 25 de Outubro – Excepção do conhecimento oficioso.
19. Pretender que a obrigação de verificar e suscitar esse vício recaía exclusivamente sobre os Executados implicaria a violação do Princípio da Igualdade das Partes – artigo 4º do Cód. Proc. Civil - já que apenas a conduta dos Executados seria sancionada.
20. Já a Exequente – que instaurou a presente Execução bem sabendo da inexequibilidade do título –, para além de não merecer qualquer censura processual, ao invés, viu a sua conduta premiada, sancionada, ratificada e rectificada pelo Tribunal a quo através da prolação do Despacho recorrido.
21. Donde, se o abuso de direito em que os Executados supostamente incorreram foi oficiosamente conhecido pelo Tribunal a quo – já que essa questão nem sequer foi suscitada pela Exequente – então também estava ao alcance do Tribunal conhecer oficiosamente da Excepção invocada pelos Executados.
22. Contrariamente ao invocado pelo Despacho a quo, os Executados limitaram-se a cumprir com as normas e obrigações processuais com que se iam deparando, nunca tendo assumido um comportamento de onde fosse possível retirar, sem margem para dúvidas, que era sua pretensão negociar com a Exequente, vender o imóvel dos autosou, sequer, conformarem-se com um eventual desfecho que isso viesse a ditar.
23. Nem nunca inculcaram na Exequente ou no Tribunal a confiança e investimento na confiança de que não viriam a invocar irregularidades decorrentes do desrespeito pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
24. Muito pelo contrário, a Exequente, quando confrontada com a falta de integração dos Executados no PERSI, não invocou qualquer abuso de direito por parte destes.
25. Pelo contrário, colocou em causa a aplicabilidade do regime do PERSI, requerendo que a invocada Excepção fosse indeferida e, mais tarde, requereu a suspensão dos autos por 30 dias para integrar os Executados no PERSI – cfr. requerimentos da Exequente de fls. (Ref.: 40369681 e 40590058 e 40712586).
26. Sendo assim evidente que em momento algum os Executados inculcaram na Exequente a confiança e investimento na confiança de que não suscitariam nos autos a questão da sua não integração no PERSI.
27. Da mesma forma, os Executados nunca assumiram qualquer conduta da qual pudesse resultar prejuízo para a Exequente – uma vez, em qualquer circunstância, o seu crédito e respectivas garantias manter-se-iam intocadas.
28. Pelo contrário, toda a sua conduta ao longo do processo se pautou, estritamente, pelo exercício do seu Contraditório, por resposta, nos termos e moldes já apontados, a notificações, à apresentação de reclamações ou à arguição de irregularidades processuais - intervenção processual essa nunca excedeu os limites da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico desse direito.
29. A arguição da preterição do imperativo formal e legal do PERSI destinou-se, precisamente, a evitar que a decisão daí decorrente – venda judicial de imóvel de habitação, sem a existência de título executivo válido - excedesse os limites da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico dos direitos em cotejo no processo executivo – concretamente, dos direitos dos Executados, enquanto consumidores, a parte mais frágil na relação jurídica dos autos.
30. O Tribunal a quo veio a qualificar a conduta dos Executados como abuso de direito, assim se recusando a conhecer a questão suscitada no Incidente e, logo, assim incorrendo em omissão de pronúncia, uma vez que recusou pronunciar-se sobre questões que devia apreciar – artigo 615º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil – vício conducente à nulidade do Despacho recorrido.
31. É unanimemente entendido pela Jurisprudência, que a falta de integração do cliente bancário no PERSI consiste numa condição objectiva de procedibilidade da pretensão, que deve regulada, constituindo Excepção inominada, do conhecimento oficioso, invocável a todo o tempo e insuprível.
32. Contudo, o Tribunal a quo não só não conheceu oficiosamente dessa Excepção, como ainda entendeu – por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 334º do Cód. Civil - que o suposto abuso de direito em que os Executados laboraram era impeditivo de virem invocar a sua não integração no PERSI.
33. Se, como no caso em apreço, a Exequente, conscientemente, viola a lei – instaurando uma Execução desacompanhada de título executivo – e se essa questão não é sindicada pelo Tribunal, estará vedada aos Executados a possibilidade de virem suscitar essa ilegalidade a todo o tempo e independentemente da tramitação entretanto ocorrida?
34. Não nos parece, já que esse entendimento permitiria, sob a capa do “abuso de direito”, ratificar, sancionar condutas nulas, porquanto condutoras a resultados que a lei não permite, conforme previsto no artigo 195º do Cód. Proc. Civil.
35. Como é pacífico na Jurisprudência, a invocação do abuso de direito não pode redundar, com subversão do escopo das exigências de forma, em mero instrumento de convalidação de negócios que a lei declara inválidos, pelo que, os efeitos da invalidade por vício de forma podem ser excluídos pelo abuso de direito, mas sempre em casos excepcionais ou de limite.
36. A conclusão do Tribunal a quo assenta numa errada interpretação e aplicação do normativo constante do artigo 334º do Cód. Civil, já que não ocorreu no caso em apreço qualquer abuso de direito por parte dos Executados, tendo estes demonstrado apenas uma conduta guiada pelas necessidades processuais que iam sendo ditadas pelo andamento do processo.
37. Nunca tendo os Executados inculcado na mente da Exequente – ou do Tribunal – a confiança e investimento na confiança que era sua intenção proceder à venda do imóvel, conformar-se com um eventual desfecho judicial que isso viesse a ditar ou que não viriam a invocar irregularidades decorrentes do desrespeito pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
38. A Exequente, ao instaurar os presentes autos, bem sabedora do incumprimento do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, deveria estar preparada para, a qualquer momento e independentemente da conduta processual dos Executados, essa questão vir a ser suscitada – pelos Executados, pelo Agente de Execução ou mesmo, em prol do seu dever de conhecimento oficioso, pelo Tribunal.
39. Veja-se, a este propósito, o teor dos já mencionados requerimentos da Exequente de fls. (Ref.: 40369681, 40590058 e 40712586) em que esta, ao invés de suscitar qualquer abuso de direito vem requerer a suspensão da instância por 30 dias para proceder à integração dos Executados no PERSI!
40. Em todo o caso, a ocorrer qualquer situação de abuso de direito – o que, sem conceder, apenas por mera hipótese de patrocínio se admite – a mesma nunca teria revestido a excepcionalidade ou a gravidade mencionadas no Acórdão citado, atenta a conduta sempre assumida pelos Executados que nunca inculcaram na Exequente ou no Tribunal a confiança e o investimento na confiança de que não viriam a actuar como actuaram.
41. Face ao exposto, não poderia o Tribunal a quo invocar uma situação de abuso de direito para, indeferindo liminarmente o Incidente deduzido, recusar conhecer as questões levadas ao seu conhecimento por intermédio do Incidente deduzido pelos Executados - a falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso.
42. A conduta do Tribunal a quo, recusando-se conhecer a questão que lhe foi submetida, traduz-se numa convalidação da Execução dos autos, assim ratificando e sancionando a ilegalidade nela cometida e assim subvertendo o escopo das exigências de forma a que a mesma deve obedecer, já que aceita e convalida a instauração de uma execução, com a subsequente penhora e venda de um imóvel, destituída de título executivo.
43. O Tribunal a quo, ao não conhecer da invocada Excepção e das consequências que a mesma aportaria para os autos, assim permitindo a venda do imóvel dos autos, incorreu na violação dos artigos 14º e 18º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e dos artigos 4º, 6º, n.º 2, 703º, 725º, 726º, 855º do Cód. Proc. Civil.
44. Em suma, o Tribunal a quo, mercê de uma errada interpretação e aplicação do dispositivo constante do artigo 334º do Cód. Civil, qualificou como abuso de direito a invocação, pelos Executados, da Excepção inominada, invocável a todo o tempo e do conhecimento oficioso, decorrente da sua não integração no PERSI.
45. Face a essa errada qualificação, o Tribunal a quo, indeferiu liminarmente o Incidente deduzido pelos Executados, assim se recusando a apreciar questão que foi levada ao seu conhecimento.
46. O Tribunal a quo, ao recusar-se apreciar questão que foi levada ao seu conhecimento, sem que para tal tivesse argumento válido, incorreu em omissão de pronúncia, conducente à nulidade desse Despacho, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 615º, n.º 1, al. d) e 613º, n.º 3 todos do Cód. Proc. Civil.
47. Incorreu, ainda, em violação do Princípio da Igualdade entre as Partes, por ter conhecido oficiosamente um suposto abuso de direito por parte dos Executados – matéria nem sequer abordada pela Exequente – não tendo, como seria exigido, conhecido oficiosamente da Excepção invocada pelos Executados.
48. Em qualquer circunstância, a posição omissiva do Tribunal a quo permite a práctica de um acto que a lei não admite – a venda judicial de imóvel sem título executivo – e promove a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve – a prévia integração dos Executados no PERSI, como condição objectiva da procedibilidade da Execução e o conhecimento oficioso, pelo menos entre 2014 e 2017, da Excepção inominada daí decorrente – acto nulo, por força do disposto no artigo 195º do Cód. Proc. Civil.
49. Sendo, em qualquer circunstância, evidente que tal irregularidade, ao influir na decisão de permitir a venda do imóvel dos autos - nestas circunstâncias -, conduzirá necessariamente à Nulidade do Despacho a quo - por força do disposto no artigo 195º do Cód. Proc. Civil (…)”.
*
27. A recorrida/exequente contra-alegou, pugnando por ser negado provimento ao recurso tendo concluído o seguinte:
“A. Vieram os Recorrentes interpor recurso do douto despacho do Tribunal de 1ª Instância, que decidiu: “Pelo exposto, indefiro liminarmente o incidente por os executados agirem em abuso do direito.”, por não concordarem com o mesmo.
B. Os Recorrentes insurgem-se contra a decisão do Tribunal de 1ª Instância que versou sobre a apreciação da aplicação do regime de PERSI, invocando que o mesmo será nulo, ilegal e inconstitucional, mas sem razão.
C. Os Recorrentes vêm, desde logo, requerer o efeito suspensivo das alegações de Recurso, o qual não poderá ser aplicado, como se demonstrará de seguida.
D. Com efeito, o pedido de suspensão é efectuado em nome do Recorrente VG, alegando este ser proprietário do imóvel penhorado nos presentes autos e que este será a sua casa de morada de família.
E. De tudo o alegado pelo Recorrente, não se pode chegar à conclusão que o mesmo é, desde logo, proprietário do imóvel, nem que este seja sua casa de morada de família.
F. Primeiro, o imóvel é propriedade da Recorrente VFG, conforme resulta da certidão de registo predial do imóvel, bem como o referido Recorrente VM não tem a sua morada fiscal no imóvel, conforme resulta da caderneta predial do mesmo.
G. O facto de juntar aos autos o comprovativo de uma factura de comunicações não faz, só por si, pressupor que se trata da sua casa de morada de família ou sequer que tenha posse do imóvel.
H. Posse essa, que para todos os efeitos, não se mostra titulada.
I. Aliás, nem a própria proprietária vem alegar que o imóvel se trata de casa de morada de família, pelo que não se vê como poderá tal aproveitar a um simples mutuário, com o que foi invocado ou falta disso.
J. Acresce que, à semelhança do que se passa no decorrer da acção executiva, a ratio do efeito suspensivo atende a determinados pressupostos.
K. Aliás, os Recorrentes, no processo principal, por último, requereram a suspensão da entrega efectiva do imóvel, não da venda.
L. Ademais, não basta a alegação que o bem imóvel que se encontra penhorado nos autos será a casa de morada de família.
M. De facto, os Recorrentes não demonstram de forma alguma que o imóvel em causa seja casa morada de família, nem fazem qualquer demonstração ou prova do prejuízo grave e dificilmente reparável que a venda do imóvel iria causar.
N. Donde resulta que, a inexistência de argumentos que sustentem o pedido realizado pelos Recorrentes só poderá significar que não se trata de uma situação que causará o prejuízo grave e dificilmente irreparável que a Lei pretende ver tutelado.
O. Com efeito, tendo contraído um empréstimo no qual deram como garantia o imóvel em causa em caso de incumprimento contratual, como foi o caso, os Recorrentes bem sabiam que a garantia em questão iria ser accionada e que isso poderia representar a alienação do bem, não se podendo furtar à sua responsabilidade sem mais.
P. Ora, os Recorrentes não prestaram a caução a que estão adstritos por Lei, nem apresentam qualquer fundamentação que justifique a sua admissão.
Q. Sendo certo que, a suspensão da execução constitui uma situação excepcional e não a regra.
R. Este mecanismo legal não procede de forma automática, não bastando para tal invocá-lo.
S. É, pois, necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica excepcionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da prestação de caução.
T. O critério da justificação é normativo e relaciona-se com a interacção entre as finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelos Recorrentes, pressupondo que se possa concluir que foi alegada uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão sobre os Recorrentes das diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo.
U. Ora, os Recorrentes também não demonstraram de forma alguma que não teriam outro local para habitar ou que não tivessem capacidade para isso.
V. Pelo que, não só não existe qualquer nulidade do despacho proferido, como devem os mesmos prosseguir os seus termos, nomeadamente, com a venda do imóvel penhorado, a qual ocorreu no dia 09-02-2022 e teve proposta apresentada superior ao valor mínimo definido.
W. Assim sendo, salvo melhor opinião, a Recorrida considera não estarem cumpridos os requisitos para se considerar que poderá ser atribuido efeito suspensivo ao recurso, devendo aplicar-se o n.º 1 do artigo 647º do CPC, que atribui efeito devolutivo ao recurso, o que desde já se requer.
X. Assim como não se verifica qualquer nulidade no despacho recorrido, como de seguida se demonstrará, pelo que, consequentemente, deverá a instância executiva prosseguir a sua normal tramitação até final, nomeadamente com a venda do imóvel.
Y. Ao contrário do que os Recorrentes pretendem fazer crer, o despacho recorrido não sofre de nulidade, ilegalidade ou sequer inconstitucionalidade.
Z. Desde logo, não é verdade que a Recorrida tenha, alguma vez, assumido que não integrou os Recorrentes no PERSI.
AA. Assim como também não é verdade que a Recorrida não tenha equacionado o instituto do abuso de direito pela actuação dos Recorrentes.
BB. Com efeito, os Recorrentes fazem uma interpretação deturpada e a seu jeito dos requerimentos remetidos aos autos pela Recorrida que importa aqui esclarecer, para que não fiquem dúvidas.
CC. Desde logo, e como a Recorrida invocou nos seus requerimentos, não é verdade que os Recorrentes não tenham sido integrados no PERSI.
DD. Com efeito, os Recorrentes foram integrados no PERSI logo em 2013 e na falta de colaboração, foram remetidas cartas de extinção do PERSI, conforme cartas que encontram juntas autos.
EE. A entidade bancária só tem obrigação de integrar no PERSI uma vez e não cada vez que os Recorrentes falham os pagamentos devidos.
FF. Assim, os Recorrentes tiveram a oportunidade de ser integrados no PERSI e não foram por incumprimento da sua parte dos requisitos necessários para o efeito.
GG. Acresce que por toda a intervenção que os Recorrentes já tiveram nos presentes autos, não deixa de ser curioso que só após terem visto confirmado pelo Tribunal o valor de venda indicado pelo perito, relativamente ao imóvel penhorado nos presentes autos, se tenham lembrado de vir invocar a alegada falta de integração no PERSI.
HH. Até porque, e como também já foi alegado, não pode deixar de se considerar que a dívida em causa foi admitida, o que nunca foi impugnado pelos Recorrentes, pelo que virem agora os mesmos alegar uma suposta falta de cumprimento de uma formalidade para fugir à verdade material que já assumiram, não pode deixar de se considerar uma manobra dilatória completamente reprovável e inaceitável, como aliás tem vindo a ser seu apanágio ao longo do desenvolvimento processual nos presentes autos.
II. Aliás, isto mesmo foi invocado no requerimento da Recorrida e consubstancia os fundamentos do abuso de direito que o tribunal a quo bem aplicou.
JJ. E isso não significa que o despacho recorrido seja contraditório.
KK. Os Recorrentes têm, efectivamente, impulsionado os autos, mas recorrendo a manobras dilatórias conforme sua conveniência.
LL. No entanto, os Recorrentes nunca colocaram em causa o incumprimento nos autos, sendo que na data em que se verificou tal incumprimento – Outubro de 2010, ainda nem sequer existia o diploma relativo ao PERSI – DL 227/2012.
MM. Assim, não existia obrigação de integração no PERSI, tendo, não obstante, o Banco dado essa oportunidade aos executados, os quais, convenientemente, negam.
NN. Inclusivamente, as cartas foram enviadas para a morada prevista e não temos porque considerar que não foram entregues, sendo que a lei apenas exige envio por meio duradouro.
OO. Nessa senda, vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-10-2021, processo 2915/18.0T8ENT.E1, disponível em www.dgsi.pt, o qual decidiu que: “1. O regime legal do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado.
2.Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente.
3. Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas.
4. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efectivo recebimento da correspondência.”
PP. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a obrigação legal sub judice, conforme demonstra demais jurisprudência indicada nesse sentido.
QQ. Os Recorrentes invocam falta de integração do PERSI, mas também não demonstram que estivessem preenchidos os requisitos para aplicação do mesmo.
RR. De facto, os Executados não demonstram que tenham comunicado dificuldades ou alertado o Banco para o risco de incumprimento.
SS. Quando o Banco/Exequente tentou dar oportunidade aos Executados para regularizarem o seu incumprimento, tal não aconteceu por inércia dos Executados, a qual não pode ser imputada à Exequente.
TT. Por outro lado, invocando os Executados que não foram integrados no PERSI, não podem os mesmos vir alegar que o crédito não podia ser cedido, uma vez que tal só se verificava se estivesse a decorrer o PERSI.
UU. Com efeito, a entidade bancária só está proibida de ceder os seus créditos enquanto estiver a decorrer o PERSI, o que não era o caso, pois os Executados assim não quiseram.
VV. Assim, não existindo PERSI em curso (ou estando o mesmo findo), poderia o crédito ser cedido legitimamente, como foi e, consequentemente, pelo que também improcede esse argumento dos Executados.
WW. Os Recorrentes em nada ficaram prejudicados pela alegada falta de integração no PERSI, sendo certo que a Exequente sempre esteve disponível para um possível acordo, tentado através de vários contactos, mas nunca concretizado, mais uma vez, por inércia dos Recorrentes.
XX. Pelo que também não é verdade que os Recorrentes nunca tenham demonstrado possibilidade de acordo. Criaram, sim, expectativas, para depois as defraudarem.
YY. Isso mesmo resulta de toda a sua actuação processual, descrita no douto despacho recorrido, bem como de contactos mantidos.
ZZ. O que a Recorrida alegou nos autos, nesta sequência, não foi a aceitação da não aplicação do PERSI, como os Recorrentes pretendem fazer crer, mas a possibilidade de, por uma questão de cautela de patrocinio, economia processual, não existindo utilidade em extinguir a presente acção e podendo ser aproveitados os actos, ser dada nova oportunidade aos Recorrentes de então apresentarem nova proposta, ainda que fosse por nova integração no regime do PERSI.
AAA. No entanto, isso não retira aos Recorrentes a responsabilidade de estarem a agir com abuso de direito, como bem concretizou o tribunal a quo, já que sempre se dirá que a invocação pelos Recorrentes da falta de integração no PERSI como forma de obstar à instauração da execução – após um longo período de incumprimento contratual reiterado, configura um abuso de direito por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do direito invocado (artigo 334º do CC), conforme decidido por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20-02-2020, processo 1792/16.0T8OVR-A.P1, disponível em www.dgsi.pt , bem como Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2019, processo 144/13.9TCFUN-A.L1.S1.
BBB. Assim, bem andou o tribunal a quo ao decidir que: “Acontece que, em nosso entender, a arguição de tal excepção após um período de quatro anos que infligiram ao processo no debate persistente relativo ao justo valor comercial por que devia, e deve, ser vendido o imóvel, venda esta a que expressamente anuíram, configura um clamoroso abuso do direito de defesa – art. 334.º do CPC, por evidenciar que contra a intenção do prosseguimento da acção executiva que os vários requerimentos apresentados naquele período de tempo alimentaram, assumem agora os executados a postura contrária  de extinção do processo por questão formal que poderiam ter feito valer inicialmente e não fizeram, aproveitando a brecha legal do conhecimento oficioso para derradeiramente evitar a venda de um imóvel a que antes anuíram. Resultado deste inaceitável volte-face na postura dos executados é, por via daquele instituto, neutralizar a pretensão agora manifestada, por ser contrária à lisura e à boa fé processual com que as partes devem litigar.”
CCC. Está, desta forma, demonstrada a verificação do disposto no artigo 334º do C.C..
DDD. Assim, não se pode também considerar, ao contrário do que os Recorrentes pretendem fazer crer, que exista omissão de pronúncia do tribunal a quo sobre a questão de integração ou não daqueles no PERSI por parte da Recorrida, uma vez que tal consideração fica precludida com a conclusão da existência de abuso de direito por parte daqueles.
EEE. Com efeito, ainda que se entendesse da forma como os Recorrentes pretendiam de que não teria existido integração no PERSI, tal invocação representa, neste contexto processual, um abuso de direito, pelo que nada a mais havia a considerar por parte do tribunal a quo.
FFF. Assim como não há qualquer violação do principio da igualdade, pois que a Recorrida não tinha que vir invocar a violação do regime do PERSI, uma vez que já o tinha feito correr, não se verificando qualquer irregularidade da sua parte, cabendo sim aos Executados demonstrar que tal teria acontecido, o que não se verifica.
GGG. Note-se que os presentes autos decorrem há oito anos e só agora se encontram na fase de venda, sem ter sido colocado em causa o incumprimento ou sequer ter sido apresentada oposição à execução, tendo os Executados causado a expectiva de resolução, nem que fosse pela via judicial, quando tentam apurar o valor que consideram adequado para venda do imóvel garantia do crédito, que extravassou a mera resposta a notificações processuais, ao requererem esclarecimentos e diligências nesse sentido.
HHH. Daqui resulta que os Recorrentes demonstraram sim vontade expressa em vender o imóvel e/ou pagar a dívida exequenda para, só depois, invocarem a não integração no PERSI, bem como inculcaram na Exequente ou no Tribunal a confiança e investimento na confiança de que não viriam a invocar irregularidades decorrentes do desrespeito pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
III. Mais uma vez, dos requerimentos da Exequente não resulta o contrário disso, antes tendo a mesma demonstrado que, não obstante não assistir razão aos Executados, estava disponível a apresentar alternativas para a rápida resolução da questão levantada, alternativas essas que, mais uma vez, foram ignoradas pelos Recorrentes para obterem o fim único pretendido, que será a extinção dos presentes autos, sem intenção alguma de chegar a acordo e atrasar o andamento processual da venda do imóvel, fazendo assim também uso reprovável dos meios judiciais.
JJJ. Tal comportamento faz, como facilmente se percebe, aumentar o prejuízo da Exequente, com o protelar do pagamento do crédito em causa, que lhe é devido, com as consequentes despesas que daí advém, bem como com a deteriorização do imóvel que serve de garantia.
KKK. Por tudo o acima exposto fica mais do que claro que não existe, também, qualquer violação de direitos constitucionais.
LLL. Desde logo, o direito à habitação não se confunde com o direito de ressarcimento do credor.
MMM. Com efeito, o direito à habitação, consagrado no art. 65.º n.º 1 da Constituição, não se confunde com o direito à propriedade de casa própria.
NNN. Cabe ao Estado assegurar a protecção do direito constitucional à habitação, e não ao credor que concedeu o empréstimo destinado à aquisição desse bem.
OOO. Para além do que, conforme já referido supra, não foi demonstrado de forma fundamentada que estivesse aqui em causa a habitação de qualquer dos Recorrentes.
PPP. Desta forma, bem andou o despacho recorrido que deve ser mantido (…)”.
*
28. Por despacho de 18-05-2022 foi admitido o requerimento recursório.
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29. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
A) Se a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil?
B) Se se verificou nulidade, nos termos do artigo 195.º do CPC?
C) Se a decisão recorrida violou os artigos 14.º e 18.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro?
D) Se a decisão recorrida violou os artigos 4.º, 6.º, n.º 2, 703.º, 725.º, 726.º, 855.º do CPC?
E) Se a decisão recorrida incorreu em errada interpretação e aplicação do normativo previsto no artigo 334º do Cód. Civil?
F) Se a decisão recorrida incorreu em violação do princípio da igualdade entre as partes, por ter conhecido oficiosamente um suposto abuso de direito dos Executados e não ter conhecido oficiosamente da excepção invocada pelos executados?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
*
4. Fundamentação de Direito:
Vejamos o recurso apresentado, apreciando as questões supra enunciadas.
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A) Se a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil?
Nas alegações de recurso, os recorrentes concluíram, nomeadamente, que:
“1. Visa-se com o presente Recurso reagir contra o Despacho de fls. (Ref.: 412262654), que indeferiu liminarmente o Incidente deduzido nos autos pelos Executados, assim não tendo o Tribunal a quo conhecido da Excepção inominada, invocável a todo o tempo, do conhecimento oficioso e insanável arguida pelos Executados em virtude do que e no qual estes arguiram– a sua não integração no PERSI.
2. Essa não integração foi confessada pela Exequente nos seus requerimentos de fls. (Ref.: 40590058 e 40712586), sendo manifesto o seu alheamento pelo cumprimento do dispositivo legal aplicável.
3. O Despacho a quo incorreu em errada interpretação e aplicação do normativo previsto no artigo 334º do Cód. Civil, cujos pressupostos não se encontram cumpridos, sendo por isso ILEGAL, NULO E INCONSTITUCIONAL.
4. O Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, advoga a proteção do direito à habitação do mutuário em situação de dificuldades económicas na sua dimensão decorrente do “Direito à Habitação” (artigo 65º C.R.P.), pelo que competia ao Tribunal, face à iminente venda e à virtual perda da habitação do executado, retirar todas as consequências sobre a Execução, o que, todavia, preteriu ao indeferir liminarmente o Incidente deduzido pelos Executados.
5. Impunha-se decisão diversa por parte do Tribunal a quo - uma que, interpretando e aplicando correctamente a disposição do artigo 334º do Cód. Civil, não houvesse configurado a conduta dos Executados como uma de abuso de direito e assim tivesse conhecido da ocorrência de falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, de conhecimento oficioso e, como tal, invocável a todo o tempo e insuprível.
6. Daqui decorre a nulidade do Despacho a quo, por omissão de pronúncia – artigo 615º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil.(…)”.
Vejamos se a decisão recorrida padece da nulidade que lhe foi apontada.
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, uma sentença é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Apreciemos se, no caso, o juiz deixou de se pronunciar sobre questões de que devesse conhecer, sabendo-se que, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades» (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pág. 132).
Apenas existirá nulidade da sentença por omissão de pronúncia (ou por indevida pronúncia) com referência às questões objecto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.
A nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, pressupõe que a questão tenha passado despercebida ao tribunal.
Assim, já não preenche esta concreta nulidade de omissão de pronúncia a decisão meramente sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, Pº 07A091, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
Caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Poderá, todavia, existir mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronúncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608.º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A questão a decidir pelo julgador está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.
De acordo com o nº 2 do art. 608º do CPC, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras, sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção.
“O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).
Assim, “importa distinguir entre os casos em que o tribunal deixa de pronunciar-se efetivamente sobre questão que devia apreciar e aqueles em que esse tribunal invoca razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção, sendo coisas diferentes deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, por não ter o tribunal de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, Processo 226/16.5T8MAI-E.P1, relator NELSON FERNANDES).
Na realidade, como se referiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011 (P.º n.º 480/09.9JALRA.C1, relator ORLANDO GONÇALVES): “1.- A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. 2.- O que importa é que o tribunal decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão”.
Se a decisão não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que, a decisão tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos argumentos ou considerações expendidas, designadamente por opostos, irrelevantes ou prejudicados em face da solução adotada.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
No caso em apreço, passando em revista a decisão recorrida, verifica-se que nela o Tribunal recorrido fez uma retrospetiva dos trâmites processuais desenvolvidos, para, seguidamente, referir que não é legítima ao executado a invocação da exceção da falta de integração no PERSI, porque os executados não deduziram embargos de executado e, porque, muito embora o direito de arguição da excepção dilatória de falta de integração do PERSI não tenha ficado precludido – por se tratar de matéria de conhecimento oficioso – arts. 573.º, n.º 2 e 551.º, ambos do CPC – “a arguição de tal excepção após um período de quatro anos que infligiram ao processo no debate persistente relativo ao justo valor comercial por que devia, e deve, ser vendido o imóvel, venda esta a que expressamente anuíram, configura um clamoroso abuso do direito de defesa – art. 334.º do CPC, por evidenciar que contra a intenção do prosseguimento da acção executiva que os vários requerimentos apresentados naquele período de tempo alimentaram, assumem agora os executados a postura contrária de extinção do processo por questão formal que poderiam ter feito valer inicialmente e não fizeram, aproveitando a brecha legal do conhecimento oficioso para derradeiramente evitar a venda de um imóvel a que antes anuíram”.
Ora, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-05-2018 (Pº 2962/16.7T8STB.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO), “para efeitos da nulidade prevista na alínea d) do n.º1 do art.º 615.º do CPC, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio”.
No caso, conforme resulta do exposto, o Tribunal recorrido apreciou e decidiu a questão da admissibilidade da invocação da aludida exceção, concluindo que a mencionada invocação não era legítima aos executados, o que, na perspetiva do Tribunal conduzia ao indeferimento liminar do incidente suscitado por aqueles.
A discordância dos executados relativamente a um tal juízo demonstra, precisamente, que o mesmo teve lugar.
Nesta medida, tendo sido proferida cabal decisão respeitante ao objeto da questão a decidir, não se verifica ter o Tribunal recorrido omitido a pronúncia que lhe incumbia fazer, a qual, como se viu, efetuou.
Não se verifica, pois, ter a sentença recorrida, incorrido na nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por omissão de pronúncia, improcedendo a arguição de nulidade correspondente.
*
B) Se se verificou nulidade, nos termos do artigo 195.º do CPC?
Sem prejuízo do referido, concluem os executados, na sua alegação de recurso, que:
“(…) 7. Em qualquer circunstância, dessa omissão de pronúncia resulta inevitavelmente a prática de um ato que a lei não admite, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, com influência decisiva na decisão da causa – artigo 195º do Cód. Proc. Civil (…)”.
Vejamos:
Desde logo, importa distinguir, que uma realidade são as nulidades da sentença, a que se reportam as várias situações contempladas no já citado artigo 615.º do CPC e, outra, a ocorrência de uma nulidade do processo, por omissão ou inobservância das prescrições processuais previstas no ordenamento jurídico. Ali, o vício será intrínseco à decisão proferida, viciando-a com nulidade; aqui, o vício reporta-se à prática de um acto ou à omissão de uma formalidade em violação da tramitação prevista na lei, contendendo não com o conteúdo do ato, mas com a sua relação com a tramitação processual.
Fernando Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, Almedina, 2005, p. 51) estabelece a linha delimitadora entre nulidades do processo e da sentença, nos seguintes termos: "A distinção entre nulidades de processo e nulidades de sentença consiste fundamentalmente no seguinte: enquanto as primeiras se identificam com quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido, as segundas resultam da violação da lei processual por parte do juiz ao proferir alguma decisão, situando-se no âmbito restrito da elaboração de decisões judiciais desde que essa violação preencha um dos casos contemplados no n.º 1 do artigo 668.º".[do CPC de 1961, correspondendo ao atual artigo 615.º, n.º 1, do CPC].
Ou seja: “Nulidade de processo é a invalidade resultante da omissão de um acto de processo prescrito na lei ou a prática de um acto de processo contrário ao por ela estabelecido ou de uma irregularidade cometida no processo que possa influir no exame ou na decisão da causa (art.º 195.º, n.º 1 do CPC); já a nulidade da sentença é um vício intrínseco dela como tal tipificado na lei (art.º 615.º, n.º 1, als. a) a e) do CPC)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-04-2016, Pº 316/12.3TTFUN.L1-4, rel. ALVES DUARTE).
Na realidade, uma coisa é a nulidade processual (por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência), outra, bem diferente, é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso, um vício do conteúdo do acto (aqui se inserindo a omissão de pronúncia, que é um vício referente aos limites).
Sobre o conceito de nulidade processual refere Miguel Teixeira de Sousa (“O que é uma nulidade processual?”, in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível no endereço: https://blogippc.blogspot.com/search?updated-max=2018-04-19T07:00:00%2B01:00&max-results=12&start=163&by-date=false) o seguinte:
“1. Tem-se vindo a observar que o conceito de nulidade processual tem originado algumas confusões. Importa procurar desfazer estas confusões (o que, aliás, nem sequer é difícil).
2. Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas:
-- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual;
-- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.
No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação. Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.
3. Do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.
Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual. Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.
É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar:
-- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); (…);
-- As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art. 186.º a 202.º CPC.
4. Em conclusão:
-- Só há nulidade processual quando o vício respeita ao acto como trâmite, não ao acto como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte;
-- Em especial, não é correcto reconduzir qualquer vício relativo ao conteúdo de um acto processual do tribunal ou da parte ao disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC.”.
O mesmo Autor refere-se à distinção entre nulidades do processo e nulidades da sentença nos seguintes termos (“Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária”, in Blog do IPPC, 22-09-2020, disponível no endereço: https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html):
“O CPC trata das nulidades processuais nos art. 186.º a 202.º e das nulidades da sentença e do acórdão nos art. 615.º, 666.º e 685.º. Perante isto, pode colocar-se a questão: por que motivo têm tratamento em diferentes lugares do CPC as nulidades processuais e as nulidades da sentença? Ou noutra formulação: dado que a sentença é um acto processual, qual o motivo para que a nulidade da sentença não esteja tratada em conjunto com as nulidades processuais? Ou noutra formulação ainda mais precisa: constando do art. 195.º CPC uma regra geral sobre a nulidade dos actos, qual a justificação para que exista uma regulamentação específica sobre a nulidade da sentença?
A resposta tem a ver com a dupla perspectiva pela qual a sentença pode ser considerada (assim como qualquer outro acto processual) e é a seguinte: a sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.
Disto decorre que uma sentença pode constituir uma nulidade processual, se for considerada na perspectiva da sentença como trâmite: basta, por exemplo, que ela seja proferida fora do momento apropriado na tramitação processual. Um exemplo (naturalmente académico): se, no procedimento comum, o juiz proferir uma decisão logo a seguir ao termo da fase dos articulados, verifica-se uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC, porque foi praticado um acto que a lei, naquele momento, não permite.
Importa notar, no entanto, que, atendendo à diferença da sentença como trâmite e como acto, a nulidade processual do art. 195.º CPC nada tem a ver com a nulidade da sentença dos art. 615.º, 666.º e 685.º CPC. É fácil verificar que assim é.
A nulidade processual decorrente do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC existe mesmo que a sentença não padeça de nenhum outro vício, nomeadamente daqueles que estão enumerados no art. 615.º CPC. Quer dizer: a sentença pode conter toda a fundamentação exigível, pode não padecer de nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, pode não conter nenhuma omissão ou nenhum excesso de pronúncia e pode não condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, mas, ainda assim, porque é proferida fora do momento adequado, verifica-se a nulidade processual imposta pelo art. 195.º, n.º 1, CPC.
Voltando ao exemplo (académico) acima referido: o proferimento da sentença logo depois da fase dos articulados constitui uma nulidade processual; no entanto, essa sentença pode não padecer de nenhum dos fundamentos de nulidade enumerados no art. 615.º, n.º 1, CPC.
O inverso também é possível (e é, aliás, a situação mais frequente): se a sentença é proferida no momento processualmente adequado, mas se a mesma não contém toda a fundamentação exigível, padece de uma contradição entre os fundamentos e a decisão, contém uma omissão ou um excesso de pronúncia ou condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, não há nenhuma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC, embora se trate de sentença que é nula segundo o disposto nos art. 615.º, n.º 1, 666.º e 685.º CPC.”.
Nesta linha, a eventual ausência de pronúncia sobre requerimento apresentado por uma das partes suscita uma questão de nulidade da decisão, por omissão de pronúncia – a qual se considerou inexistir - e não uma nulidade processual.
Estabelecida esta distinção, cumpre aferir se ocorreu alguma nulidade processual.
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Enquanto as nulidades a que se referem os artigos 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º do CPC são nulidades expressa e autonomamente referidas na lei (nulidades principais), nos demais casos, conforme resulta do mencionado artigo 195.º, n.º 1, do CPC, as irregularidades detetadas na tramitação processual só constituirão nulidade se o vício – resultante da omissão de um ato que a lei prescreve, da prática de um ato admitido ou prescrito sem a observância das formalidades respetivas ou da prática de um ato ou a sua omissão em violação da sequência processual fixada pelo juiz ao abrigo do disposto no artigo 547.º do CPC (quanto a esta última situação e neste sentido, Paulo Pimenta; Processo Civil Declarativo; 2.ª ed., Almedina, 2018, p. 278) - , influir no exame ou decisão da causa (nulidades secundárias, atípicas ou inominadas).
De acordo com o disposto no artigo 196.º do CPC, “[d]as nulidades mencionadas nos artigos 186.º a 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso”.
As nulidades de oficioso conhecimento (que “constituem sempre objecto implícito do recurso”, podendo “ser sempre alegadas no recurso ainda que anteriormente o não tenham sido” – assim, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, 2009, p. 52), nos casos relativos às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal superior (artigo 199.º, n.º 3, do CPC) e, nos casos em que o juiz, ao proferir a sentença/decisão, omite formalidade de cumprimento obrigatório, (designadamente o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa), são situações em que devem imperar factores de objetividade e de certeza no que respeita ao manuseamento dos mecanismos processuais, em que o juiz, ao proferir decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei.
Conforme refere Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 22-23): “A ocorrência de nulidades processuais pode derivar da omissão de acto que a lei prescreva ou da prática de acto que a lei não omita, ou admita sob uma forma diversa daquela que foi executada. Sem embargo dos casos em que as nulidades são de conhecimento oficioso, devem ser arguidas pelos interessados, perante o juiz (arts. 196.º e 197.º). É a decisão que vier a ser proferida que poderá ser impugnada pela via recursória, agora com a séria limitação constante do n.º 2 do art. 630.º (…).
Tal solução deve ser aplicada aos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que se projecta na sentença, mas que não se reporte a qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 615.º. Se, por exemplo, não tiver sido ponderada na sentença a existência de contestação que, por erro do sistema informático ou da secretaria, não foi registada ou integrada nos autos, gerando uma situação de aparente revelia, estamos perante nulidade processual. Assim, embora a mesma afecte a sentença, deve ser objecto de prévia reclamação que permita ao próprio juiz reparar as consequências que precipitadamente foram extraídas, ainda que com prejuízo da decisão que foi proferida (…).
Mas a questão nem sempre encontra resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando seja cometida nulidade de conhecimento oficioso ou em que o próprio juiz, ao proferir a sentença, omita uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa”.
Nas circunstâncias descritas, os executados, depois de considerarem que a decisão recorrida padecia do vício de omissão de pronúncia, no que se reporta à apreciação da questão da não integração do executado pela exequente no PERSI, vieram invocar que a falta de verificação pelo Tribunal da aludida exceção de não integração dos executados no PERSI, na execução em curso, comportou o cometimento de nulidade processual.
Sucede que, a decisão de indeferimento liminar do incidente suscitado apreciou, precisamente que:
“(…) 2. Ainda não volvido um mês sobre a decisão de 29-09-2021 que, ao fim de quatro anos, decidiu definitivamente qual o valor base para venda do imóvel, ao encontro (até superou) do valor base indicado e por que pugnaram, eis que os executados, contrariamente a toda a postura que assumiram ao longo daquele período, onde lutaram activamente pelo prosseguimento da acção executiva com a venda do imóvel por justo valor comercial e lograram paralisar o avanço do processo, vieram arguir a 20-10-2021, a falta de integração dos mesmos em PERSI, que reconduzem a “falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, de conhecimento oficioso e, como tal, invocável a todo o tempo”.
Não pode ser.
3. Os executados não deduziram embargos à execução.
O direito de arguirem a excepção dilatória de falta de integração do PERSI não ficou precludido - art. 139.°, n.° 3, do CPC - porque se trata de matéria de conhecimento oficioso - arts. 573.°, n.° 2 e 551.°, ambos do CPC.
Acontece que, em nosso entender, a arguição de tal excepção após um período de quatro anos que infligiram ao processo no debate persistente relativo ao justo valor comercial por que devia, e deve, ser vendido o imóvel, venda esta a que expressamente anuíram, configura um clamoroso abuso do direito de defesa - art. 334.° do CPC, por evidenciar que contra a intenção do prosseguimento da acção executiva que os vários requerimentos apresentados naquele período de tempo alimentaram, assumem agora os executados a postura contrária de extinção do processo por questão formal que poderiam ter feito valer inicialmente e não fizeram, aproveitando a brecha legal do conhecimento oficioso para derradeiramente evitar a venda de um imóvel a que antes anuíram.
Resultado deste inaceitável volte-face na postura dos executados é, por via daquele instituto, neutralizar a pretensão agora manifestada, por ser contrária à lisura e à boa fé processual com que as partes devem litigar.(…)”.
Da decisão recorrida resulta – como já supra apreciado - que o Tribunal recorrido apreciou, como devia, o incidente suscitado pelos recorrentes, o qual, após o competente contraditório, indeferiu liminarmente.
Ora, quanto ao mais, conforme resulta do trecho evidenciado da fundamentação da decisão recorrida, a mesma, não deixou o Tribunal recorrido de apreciar a questão suscitada pelos recorrentes, no sentido da não integração dos executados no PERSI, decidindo o incidente correspondente - considerando que o abuso do direito de defesa que caraterizou na pretensão dos recorrentes “neutralizou” uma tal pretensão, impedindo a produção dos seus respetivos efeitos - e, fê-lo, de acordo com as prescrições de tramitação processual legalmente previstas, não tendo praticado ato não admitido por lei, nem omitido algum ato ou formalidade que a lei prescrevesse.
Não se verifica que, assim decidindo, tenha ocorrido o cometimento de algum vício processual, por ação ou omissão.
Conclui-se, pois, inexistir a nulidade arguida.
*
C) Se a decisão recorrida violou os artigos 14.º e 18.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro?
Concluem também os recorrentes dizendo que:
“(…) DA QUESTÃO PRÉVIA E PACÍFICA NA RELAÇÃO MATERIAL CONTROVERTIDA: NÃO INTEGRAÇÃO DOS EXECUTADOS NO PERSI:
8. Nos presentes autos, veio a CGD (adiante Mutuante) executar Escritura de “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, outorgada com os Executados, enquanto consumidores, destinada a aquisição de habitação própria permanente.
9. Embora os Executados, enquanto clientes bancários, reunissem condições para serem integrados no PERSI, essa integração nunca ocorreu como, aliás, a Exequente reconhece nos seus requerimentos de fls. (Ref.: 40590058 e 40712586).
10. Ainda assim, o Mutuante, bem sabedor dessa obrigação, não se coibiu de instaurar os presentes autos sem antes proceder à mencionada integração nem, mais tarde, de ceder o seu crédito à ora Exequente, em violação do disposto nos artigos 14º e 21º e nas als. b) e c) do n.º 1 do artigo 18º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
11. Ocorrendo, in casu, falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso, situação equiparada a excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e, como tal, invocável a todo o tempo e insanável, que se requer que o Tribunal conheça.
(…)
14. A Exequente instaurou, em 20 de Dezembro de 2014, a presente acção executiva, sem título executivo, já que previamente não havia integrado os Executados no PERSI, em violação do disposto no artigo 703º do Cód. Proc. Civil.
15. A Secretaria Judicial, o Agente de Execução e o Tribunal, receberam e tramitaram a Execução e nenhum deles conheceu da insuficiência do título, conforme lhes permitiam, respectivamente, os artigos 725º, 855º, n.º 1, als. a) e b) e 6º, n.º 2 e 726º, n.º 2, als. a) e b), todos do Cód. Proc. Civil.
16. Em 27 de Janeiro de 2015, foi penhorado o imóvel dos autos, sem que dos mesmos constasse título executivo!
17. Apenas em Janeiro de 2017 vieram os Executados intervir nos autos, nos termos e para os estritos efeitos do no n.º 1 do artigo 812º do Cód. Proc. Civil – e não, como pretende o Tribunal a quo, para dar qualquer “anuência” à venda do imóvel dos autos.
18. Portanto, entre 2014 e 2017, antes, portanto, da primeira intervenção dos Executados, foi instaurada e tramitada execução sem que a mesma se encontrasse acompanhada de título com força executiva – por violação das disposições imperativas do Dec. Lei n.º 227/2012 de 25 de Outubro – Excepção do conhecimento oficioso.
(…).
43. O Tribunal a quo, ao não conhecer da invocada Excepção e das consequências que a mesma aportaria para os autos, assim permitindo a venda do imóvel dos autos, incorreu na violação dos artigos 14º e 18º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e dos artigos 4º, 6º, n.º 2, 703º, 725º, 726º, 855º do Cód. Proc. Civil”.
A recorrida contrapôs, sobre a invocação de uma tal questão, nomeadamente, o seguinte:
“(…) LL. (…) os Recorrentes nunca colocaram em causa o incumprimento nos autos, sendo que na data em que se verificou tal incumprimento – Outubro de 2010, ainda nem sequer existia o diploma relativo ao PERSI – DL 227/2012.
MM. Assim, não existia obrigação de integração no PERSI, tendo, não obstante, o Banco dado essa oportunidade aos executados, os quais, convenientemente, negam.
NN. Inclusivamente, as cartas foram enviadas para a morada prevista e não temos porque considerar que não foram entregues, sendo que a lei apenas exige envio por meio duradouro.
OO. Nessa senda, vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-10-2021, processo 2915/18.0T8ENT.E1, disponível em www.dgsi.pt, o qual decidiu que: “1. O regime legal do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado.
2.Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente.
3. Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas.
4. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efectivo recebimento da correspondência.”
PP. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a obrigação legal sub judice, conforme demonstra demais jurisprudência indicada nesse sentido.
QQ. Os Recorrentes invocam falta de integração do PERSI, mas também não demonstram que estivessem preenchidos os requisitos para aplicação do mesmo.
RR. De facto, os Executados não demonstram que tenham comunicado dificuldades ou alertado o Banco para o risco de incumprimento.
SS. Quando o Banco/Exequente tentou dar oportunidade aos Executados para regularizarem o seu incumprimento, tal não aconteceu por inércia dos Executados, a qual não pode ser imputada à Exequente.
TT. Por outro lado, invocando os Executados que não foram integrados no PERSI, não podem os mesmos vir alegar que o crédito não podia ser cedido, uma vez que tal só se verificava se estivesse a decorrer o PERSI.
UU. Com efeito, a entidade bancária só está proibida de ceder os seus créditos enquanto estiver a decorrer o PERSI, o que não era o caso, pois os Executados assim não quiseram.
VV. Assim, não existindo PERSI em curso (ou estando o mesmo findo), poderia o crédito ser cedido legitimamente, como foi e, consequentemente, pelo que também improcede esse argumento dos Executados.
WW. Os Recorrentes em nada ficaram prejudicados pela alegada falta de integração no PERSI, sendo certo que a Exequente sempre esteve disponível para um possível acordo, tentado através de vários contactos, mas nunca concretizado, mais uma vez, por inércia dos Recorrentes.
XX. Pelo que também não é verdade que os Recorrentes nunca tenham demonstrado possibilidade de acordo. Criaram, sim, expectativas, para depois as defraudarem.
YY. Isso mesmo resulta de toda a sua actuação processual, descrita no douto despacho recorrido, bem como de contactos mantidos.
ZZ. O que a Recorrida alegou nos autos, nesta sequência, não foi a aceitação da não aplicação do PERSI, como os Recorrentes pretendem fazer crer, mas a possibilidade de, por uma questão de cautela de patrocinio, economia processual, não existindo utilidade em extinguir a presente acção e podendo ser aproveitados os actos, ser dada nova oportunidade aos Recorrentes de então apresentarem nova proposta, ainda que fosse por nova integração no regime do PERSI (…).”.
Atento o invocado, cumpre apreciar se a decisão recorrida violou os aludidos normativos mencionados pelos recorrentes do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Vejamos:
O Decreto-Lei nº. 227/2012, de 25 de outubro, veio prever acerca do Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) – entretanto objeto de alteração pelo D.L. n.º 70-B/2021, de 6 de agosto - estabelecendo “princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações”.
Do preâmbulo deste diploma resulta pretender-se estabelecer “um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”.
Visa-se proteger especificamente o cliente bancário que seja consumidor, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, que celebra contratos de mútuo com entidades bancárias, nos termos do art. 3.º, al. a) do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro.
De acordo com o n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro – preceito que define o “âmbito” de aplicação do regime instituído, o mesmo aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
De acordo com o disposto no artigo 3.º, al. a) do D.L. n.º 227/2012, define-se «cliente bancário», como “o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”.
De acordo com a Lei de Defesa do Consumidor (cfr. artigo 2.º, n.º 1) considera-se “consumidor” todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Dá conta Teresa Almeida (Lei de Defesa do Consumidor Anotada; Instituto do Consumidor, Dez. 2001, p. 10), “o conceito de consumidor sofre uma importante alteração, no sentido da sua aproximação à noção constante da generalidade dos textos comunitários: o uso a que se destina o bem, serviço ou direito adquirido deixa de ser necessariamente privado, bastando que seja um uso não profissional (…)”.
E, conforme ensina Jorge Morais Carvalho (Os Contratos de Consumo - Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo; Lisboa, 2011, pp. 22-26):
“Qualquer conceito de consumidor pode, em princípio, ser analisado com referência a quatro elementos, todos presentes na norma citada: elemento subjectivo, elemento objectivo, elemento teleológico e elemento relacional.
O elemento subjectivo (“todo aquele”) é bastante amplo, abrangendo, numa primeira abordagem, todas as pessoas, físicas ou jurídicas, embora sofra depois uma restrição face ao elemento teleológico (…).
O elemento objectivo também tem uma amplitude significativa (“a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços e transmitidos quaisquer direitos”), parecendo abarcar qualquer relação contratual estabelecida entre as partes (…).
O elemento teleológico também consta da definição (“destinados a uso não profissional”). Neste ponto, a actual Lei de Defesa do Consumidor adopta uma expressão diferente da anterior (“uso privado”), embora esta circunstância não reflicta qualquer diferença do ponto de vista dos sujeitos abrangidos. A finalidade pode ser revelada por forma positiva (“uso privado”) ou por via negativa (“uso não profissional”).
Discute-se o preenchimento deste requisito sempre que o bem é destinado a uso misto, ou seja, simultaneamente, a uso profissional e a uso não profissional. É o caso, por exemplo, da pessoa que adquire um automóvel para utilizar quer no exercício da sua actividade profissional quer na sua vida privada. Nestes casos, o melhor critério para determinar se se trata de uma relação de consumo parece consistir no uso predominantemente dado ao bem (…).
Outra questão diz respeito ao momento em que deve ser verificado o destino a dar aos bens: o momento da celebração do contrato, o momento da entrega ou um momento posterior? Uma vez que o cumprimento das regras específicas de protecção dos consumidores depende do conhecimento da natureza da relação por parte do profissional, é ao momento da celebração do contrato que se deve reportar a determinação do uso predominante a dar ao bem.
A noção contém ainda o elemento relacional, impondo que a contraparte (em relação ao consumidor) seja uma “pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Face ao elemento teleológico assinalado (“uso não profissional”), a lei portuguesa parece clara no sentido da não inclusão na noção de consumidor das pessoas, físicas ou jurídicas, que actuam no âmbito de uma actividade económica, independentemente de terem conhecimentos específicos no que respeita ao negócio em causa”.
E, de acordo com o artigo 3.º, al. c) do D.L. n.º 227/2012, considera-se como “contrato de crédito”, “o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma”.
O regime normativo consagra, essencialmente, dois mecanismos: Um, em momento temporal prévio ao incumprimento contratual do mutuário consumidor, previsto e regulado nos artigos 9.º a 11.º, sob a designação elucidativa de “Gestão do risco de incumprimento”; e, outro, para fazer face à mora dos mutuários no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, previsto nos artigos 12.º a 21.º, onde se regula o denominado “Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)”.
No âmbito do PERSI “as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.
O desiderato da criação deste mecanismo foi o de “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”, prevendo-se que, caso o PERSI não termine com um acordo entre as partes, o cliente bancário possa solicitar a intervenção do Mediador do Crédito, bem como a criação de uma rede “que apoie os consumidores em dificuldades financeiras, nomeadamente através da prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”.
Prevendo acerca dos princípios gerais estabelecidos no diploma, referencia o artigo 4.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, que:
“1 - No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa.
2 - Os clientes bancários devem gerir as suas obrigações de crédito de forma responsável e, com observância do princípio da boa fé, alertar atempadamente as instituições de crédito para o eventual risco de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e colaborar com estas na procura de soluções extrajudiciais para o cumprimento dessas obrigações”.
Especificamente, acerca do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situação de Incumprimento (PERSI), o artigo 12.º do mesmo diploma legal, impõe às instituições de crédito a obrigatoriedade de promoverem “as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito”.
Tal procedimento passa, então, por uma “Fase Inicial”, prevista no artigo 14.º (considerando-se a redação anterior à conferida pelo D.L. n.º 70-B/2021, de 6 de agosto), no qual se referencia que:
“1 - Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que:
a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, considerando-se, para todos os efeitos, que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação;
b) O cliente bancário, que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre em mora, devendo, para todos os efeitos, considerar-se que a integração desse cliente no PERSI ocorre na data do referido incumprimento.
3 - Quando, na pendência do PERSI, o cliente bancário entre em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de outros contratos de crédito celebrados com a mesma instituição, a instituição de crédito deve procurar obter a regularização do incumprimento no âmbito de um único procedimento, informando o cliente bancário desse facto nos termos previstos no número seguinte.
4 - No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no número anterior”.
Prolonga-se por uma “Fase de Avaliação e Proposta”, enunciada no artigo 15.º do mesmo Decreto-Lei, preceito onde se prescreve que:
“1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito.
2 - Para os efeitos previstos no número anterior, a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe as informações e os documentos estritamente necessários e adequados, nos termos a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal.
3 - Salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo máximo de 10 dias.
4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:
a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou
b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.
5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.
Após a referida fase, o procedimento segue para uma “Fase de Negociação”, regulada nos termos do artigo 16.º do mesmo diploma, do seguinte modo:
“1 - Caso o cliente bancário recuse as propostas apresentadas, a instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas à situação do cliente bancário, apresenta uma nova proposta.
2 - Quando o cliente bancário proponha alterações à proposta inicial, a instituição de crédito comunica-lhe, no prazo máximo de 15 dias e em suporte duradouro, a sua aceitação ou recusa, podendo igualmente apresentar uma nova proposta, observando o disposto no n.º 5 do artigo anterior.
3 - O cliente bancário pronuncia-se sobre as propostas que lhe sejam apresentadas no prazo máximo de 15 dias após a sua receção”.
O PERSI extingue-se, entre outros casos, no 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se for acordada pelas partes, por escrito, a respetiva prorrogação (cfr. artigo 17.º, n.º 1, al. c) do D.L. n.º 272/2012, de 25 de outubro).
De harmonia com o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 18.º do D.L. n.º 272/2012, de 25 de outubro, “no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (…) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
Assim, “a falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31-01-2019, Pº 832/17.0T8MMN-A.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO), que o mesmo é dizer que, “estando o crédito em incumprimento sujeito ao âmbito de aplicação do diploma que aprovou o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o credor não pode instaurar execução para obter a satisfação do seu crédito sem previamente instaurar e tramitar este procedimento.” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-01-2020, Pº 4097/14.8TBMTS.P1, rel. ANA LUCINDA CABRAL).
As demais alíneas do n.º 1 do artigo 18.º impedem a instituição de crédito a, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento (al. a)), de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito (al. c)) e de transmitir a terceiro a sua posição contratual (al. d)).
Quanto a fiadores, estabelece o artigo 21.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, o seguinte:
“1 - Nos casos em que o contrato de crédito esteja garantido por fiança, a instituição de crédito deve informar o fiador, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida.
2 - A instituição de crédito que interpele o fiador para cumprir as obrigações decorrentes de contrato de crédito que se encontrem em mora está obrigada a iniciar o PERSI com esse fiador sempre que este o solicite através de comunicação em suporte duradouro, no prazo máximo de 10 dias após a referida interpelação, considerando-se, para todos os efeitos, que o PERSI se inicia na data em que a instituição de crédito recebe a comunicação anteriormente mencionada.
3 - Aquando da interpelação para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição de crédito deve informar o fiador sobre a faculdade prevista no número anterior, bem como sobre as condições para o seu exercício.
4 - Sem prejuízo de se tratar de um procedimento autónomo relativamente ao PERSI desenvolvido com o cliente bancário, é aplicável ao PERSI iniciado por solicitação do fiador o disposto no n.º 4 do artigo 14.º e nos artigos 15.º a 20.º, com as devidas adaptações”.
A jurisprudência tem apreciado este regime jurídico do PERSI, a propósito de variadas questões.
Entre outras decisões, enunciam-se, por ordem cronológica crescente, as seguintes:
- Acórdão do TRE (Tribunal da Relação de Évora) de 06-10-2016 (Pº 4956/14.8T8ENT-A.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO): “O Decreto-Lei nº 227/2012, impõe assim às instituições de crédito mutuante uma “renegociação forçada” e confere ainda ao cliente diversas garantias não displicentes tais como a impossibilidade de a instituição de crédito mutuante (a) resolver o contrato com fundamento no incumprimento, (b) intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito, (c) ceder a terceiros, total ou parcialmente, o crédito em questão, ou (d) transmitir a sua posição contratual – tudo isto, enquanto durar o PERSI”;
- Acórdão do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) de 09-02-2017 (Pº 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA): “O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – instituído pelo DL n.º 272/2012, de 25-10, que está em vigor desde 01-01-2013 e é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito – constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (arts. 14.º a 17.º do referido diploma legal). Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (art. 18.º, n.º 1, al. b), do citado DL n.º 272/2012)”;
- Acórdão do TRC (Tribunal da Relação de Coimbra) de 07-11-2017 (Pº 29358/16.8YIPRT.C1, rel. VÍTOR AMARAL): “Se for necessária a ampliação da matéria de facto, a sentença deve ser anulada, com repetição parcial do julgamento, como no caso de necessidade de determinação fáctica tendente a esclarecer quanto à notificação, ou não, da abertura e do encerramento de PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no DLei n.º 227/2012, de 25-10) ao cliente/devedor, sem prejuízo da apreciação de outros pontos fácticos, com o fim de evitar contradições. Com aquele PERSI pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma instituição de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção. É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação. Enquanto não ocorrer extinção do PERSI, está vedada à instituição de crédito a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito. No quadro daqueles deveres de informação, esclarecimento e proteção, cabe à instituição de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida, para o que cabe ao credor dar conhecimento à contraparte da abertura e do encerramento do PERSI, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova da respetiva notificação”;
- Acórdão do TRC de 19-06-2018 (Pº 29358/16.8YIPRT.C1, rel. VÍTOR AMARAL): “Com o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no DLei n.º 227/2012, de 25-10) pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma entidade de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção. É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação. Enquanto não ocorrer extinção do PERSI, está vedada à entidade de crédito a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito. No quadro daqueles deveres de informação, esclarecimento e proteção, cabe à entidade de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida, para o que cabe ao credor dar conhecimento à contraparte da abertura e do encerramento do PERSI, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova da respetiva notificação. Dada essa oportunidade, não pode a contraparte (devedor) demitir-se da necessária cooperação/colaboração com a entidade de crédito, devendo, ao invés, empenhar-se nos contactos e prestação de informações necessários, sem o que o credor não poderia levar a bom termo o cumprimento dos deveres a seu cargo. A falta dessa cooperação/colaboração é causa de extinção do PERSI pela entidade de crédito (por iniciativa desta) (…)”;
- Acórdão do TRE de 28-06-2018 (Pº 2791/17.0T8STB-C.E1, rel. MATA RIBEIRO): “Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação comtemplada pelo Dec. Lei 227/2012 é a proibição de sobre eles serem intentadas ações judiciais, proibição esta que impende sobre o credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no PERSI e a sua extinção – cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b). A preterição de sujeição do devedor ao PERSI, por parte do Banco credor, consubstancia incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objetiva de procedibilidade da própria pretensão, que deve ser enquadrada com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias. O regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso. A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artº 573º do CPC, que descarta a aplicação do princípio da preclusão”;
- Acórdão do TRC de 28-11-2018 (Pº 494/14.7TBFIG-A.C1, rel. ALBERTO RUÇO): “Nos termos do n.º 4 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. O envio de uma carta, desacompanhada de aviso de receção, na ausência de prova sobre o efetivo recebimento da carta, é insuficiente para provar que a mencionada comunicação do banco ao cliente foi feita”;
- Acórdão do TRP (Tribunal da Relação do Porto) de 09-05-2019 (Pº 21609/18.0T8PRT-A.P1, rel. JUDITE PIRES): “Estando em causa obrigações decorrentes de contratos de crédito vigentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, perante a situação de mora do devedor terá este de ser automaticamente integrado no PERSI, ficando sujeito à disciplina regulamentadora do referido diploma, sendo vedado à instituição de crédito o recurso às vias judiciais para obtenção da satisfação dos seus créditos antes de extinto o aludido procedimento pré-judicial. Sendo a integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento condições objectivas de procedibilidade da acção executiva, a instauração desta exige a verificação das referidas condições objectivas de procedibilidade, isto é, integração do devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este em suporte duradouro (designadamente, carta ou email), recaindo sobre o exequente o ónus de o comprovar. A instauração de acção executiva sem que se mostrem verificadas as referidas condições objectivas de procedibilidade gera excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso”;
- Acórdão do TRE de 16-05-2019 (Pº 4474/16.9T8ENT-A.E1, rel. JOSÉ MANUEL BARATA): “O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, criou o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), visando promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, como resulta do respetivo Preâmbulo. Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários, na situação comtemplada pelo Dec.-Lei 227/2012, é a proibição de serem propostas ações judiciais sobre o credor para a satisfação do seu crédito entre a data da integração do devedor no procedimento e a sua extinção – artº 18º/1 b). Demonstrando os autos que o procedimento previsto nos artigos 12º a 17º teve início mas não se mostra concluído (extinto), estamos perante uma exceção dilatória inominada – preterição de sujeição do devedor ao PERSI – de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 573º/2 in fine e 578º do CPC, o que implica a absolvição da instância”;
- Acórdão do TRG (Tribunal da Relação de Guimarães) de 30-01-2020 (Pº 5520/18.8T8VNF-A.G1, rel. ALCIDES RODRIGUES): “A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito. De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei n.º 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI”;
- Acórdão do TRL de 07-05-2020 (Pº 2282/15.4T8ALM-A.L1-6, rel. ADEODATO BROTAS): “O PERSI - instituído pelo DL 227/2013, de 25/10 - compreende três fases: a “fase inicial”, que corresponde ao desencadeamento do procedimento com inclusão obrigatória do cliente no PERSI (art. 14.º); a “fase de avaliação e proposta”, em que a instituição de crédito, uma vez analisada a situação financeira do cliente, deve apresentar-lhe uma ou mais propostas de regularização ou concluir pela incapacidade financeira do cliente (art. 15.º); e, uma fase eventual de “negociação” (art. 16.º), que se abre quando o cliente recuse as propostas do banco. Se na fase de avaliação e proposta, o cliente não colaborar com a instituição de crédito, não lhe facultando os elementos nem prestando as informações solicitados que possibilitariam a avaliação da sua capacidade financeira, a instituição de crédito pode, em alternativa: (i) aguardar o decurso do prazo de 91 dias subsequentes à integração do cliente no PERSI e, por essa via, comunicar a extinção do PERSI (artº 17º nº 1, al. c)); ou (ii) proceder à extinção do PERSI, por sua iniciativa, ao abrigo do artº 17º nº 2, al. d), com fundamento na falta de colaboração com a instituição de crédito. A extinção do PERSI só produz efeito após a respectiva comunicação (artº 17º nº 4). E, enquanto não ocorrer essa comunicação de extinção do PERSI a instituição de crédito está impedida de: (i) resolver o contrato de crédito com fundamento no incumprimento; (ii) intentar acções judiciais com vista à satisfação do crédito (artº 18º). Assim, a comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da acção executiva: a inobservância dessa condição de admissibilidade da execução obsta a que o crédito possa ser realizado coactivamente levando, por isso, à extinção da execução instaurada contra o devedor”;
- Acórdão do STJ de 19-05-2020 (Pº 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, rel. MARIA OLINDA GARCIA): “A instituição de crédito que move ação executiva contra o mutuário consumidor, que se encontra em mora, tem o ónus de demonstrar que cumpriu as obrigações impostas pelos artigos 12º e seguintes do DL n.227/2012, que prevê o regime jurídico do PERSI. Enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art.18º daquele diploma). O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância”;
- Acórdão do TRL de 21-05-2020 (Pº 5585/15.4T8FNC-A.L2-2, rel. LAURINDA GEMAS): “Na oposição à execução para pagamento de quantia (fundada no incumprimento de contratos de mútuo) é sobre a instituição de crédito, exequente-embargada, que recai o ónus da prova do envio e receção de cartas atinentes à integração dos executados clientes bancários no PERSI. Para tanto não bastam as cópias de cartas alegadamente enviadas (pelo correio) e as declarações do seu legal representante e os depoimentos de testemunhas (funcionários do Banco) se não constar dos autos mais nenhuma prova documental a esse respeito, designadamente talão de registo, prova de depósito, aviso de entrega da qual resulte a expedição e muito menos a receção dessas cartas (ou mesmo outra correspondência comprovadamente rececionada em que seja feita menção àquelas). Está-se, com as devidas adaptações, perante uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, já que não estando demonstrado o prévio cumprimento por parte da instituição de crédito-exequente dos princípios e regras imperativas estabelecidas no DL n.º 227/2012, de 25-10, a mesma não pode intentar ações judiciais com vista à satisfação do seu crédito - cf. art. 17.º, n.º 1, al. al. b) -, faltando assim um pressuposto processual ou uma condição de procedibilidade da sua pretensão. Não configura abuso do direito a invocação pelos executados dessa exceção se, em face do factos provados, não se descortina nenhuma razão objetiva para que a exequente pudesse confiar que, caso instaurasse (como fez, em 01-10-2015) uma ação executiva contra os mesmos fundada no incumprimento, verificado a partir de 01-05-2015, dos contratos de mútuo (celebrados em 28-12-2012), eles se iriam abster de invocar na sede própria as garantias de que beneficiavam por força de lei imperativa, tão pouco se podendo considerar que estivessem manifestamente a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”;
- Acórdão do TRE de 21-05-2020 (Pº 715/16.1T8ENT-B.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO): “A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância. As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10. A actualização da morada é um ónus do cliente bancário e a falta de cumprimento do mesmo é da sua responsabilidade. Caso seja endereçada a correspondência para a morada que foi efectivamente disponibilizada ao banco tem de se considerar cumprida a obrigação de notificação para os termos do PERSI”;
- Acórdão do TRL de 29-09-2020 (Pº 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, rel. MICAELA DA SILVA SOUSA): “A falta de integração no PERSI, verificados que estejam os respetivos pressupostos, impede que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta, no sentido de tentar extrajudicialmente a regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial: “A preterição de sujeição do devedor ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), por parte da instituição de crédito credora, traduz-se no incumprimento de norma imperativa e que, em termos adjectivos, consiste numa condição objectiva de procedibilidade da pretensão, que deve regulada, com as adaptações que se revelem necessárias pelo regime jurídico das excepções dilatórias. (…). A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso (…)”;
- Acórdão do TRL de 13-10-2020 (Pº 15367/17.3T8SNT-A.L1-7, rel. MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA): “Devendo a instituição de crédito informar o cliente bancário (através de comunicação em suporte duradouro) da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, nos termos do nº 3 do art. 17 do DL nº 227/2012, de 25.10, deve considerar-se como inexistente ou inválida tal comunicação se a mesma não indicar qualquer fundamento para a extinção do procedimento; A comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível que determina a extinção da instância executiva quanto ao crédito correspondente”;
- Acórdão do TRC de 24-11-2020 (Pº 3655/18.6T8CBR-B.C1, rel. SÍLVIA PIRES): “O DL nº 227/2012, de 25.10, entrado em vigor em 1.1.2013, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações. O seu âmbito de aplicação rege-se pelo art.º 2º que dispõe: 1 - O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários: a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria; b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel; c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo; d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato; e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês. 2 - O disposto no presente diploma não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março. Nos arts. 12º a 21º do mencionado DL encontra-se regulado o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento – PERSI – cabendo às instituições de crédito a sua implementação relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. A aplicação da lei do tempo deste procedimento encontra-se prevista no art.º 39º do referido DL nos seguintes termos: 1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias. 2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º. 3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º. No que a estes contratos respeita e sendo, para a implementação do PERSI, cumulativos os requisitos do devedor ser cliente bancário e os contratos de crédito estarem em vigor – art.º 12º - deve começar por se averiguar se os mesmos se encontravam em vigor em 1.1.2013 – data da entrada em vigor do DL 227/2012, de 25.10. Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios – art.º 2º, n.º 1 da LDC”;
- Acórdão do TRC de 15-12-2020 (Pº 6971/18.3T8CBR-A/B.C1, rel. MARIA TERESA ALBUQUERQUE): “(…) O regime estabelecido no PERSI insere-se no âmbito da tutela do consumidor, integrando a chamada “ordem pública de proteção” e, por isso, em face da obrigatoriedade legal da integração prévia e automática no PERSI nos termos dos arts 14º/1 e 39º do DL 227/2012, de 25/10, constitui a mesma uma condição objetiva de procedibilidade da ação executiva, cuja omissão consubstancia exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, implicante da absolvição da instância executiva. Pode a mesma ser invocada nas alegações de recurso, satisfazendo o necessário contraditório a possibilidade que a embargada mantém de contrariar aquela invocação nas contra-alegações”;
- Acórdão do STJ de 16-12-2020 (Pº 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1, rel. CATARINA SERRA): “O PERSI, como mecanismo ou instrumento para a prevenção de incumprimento no crédito bancário, não tem por suficiente ou bastante o mero cumprimento formal, por parte da instituição de crédito, de integração do cliente no procedimento, antes se lhe exigindo a concreta observância de deveres específicos e a realização de diligências concretas”;
- Acórdão do TRL de 05-01-2021 (Pº 105874/18.0YIPRT.L1-7, rel. MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA): “A comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação, declarativa ou executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância; A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro” (cfr. arts. 3, al. h), 14, nº 4, e 17, nº 3, do DL 227/2012, de 25.10), o que inclui, designadamente, o papel (uma carta remetida pelo correio) ou um e-mail; Coisa distinta é a prova do envio dessas comunicações e da sua receção pelos destinatários, entendendo-se que estão em causa declarações receptícias, nos termos e para os efeitos previstos no art. 224 do C.C.; Tendo o Tribunal convidado a A., instituição de crédito, para que documentasse a abertura, tramitação e encerramento do PERSI e a sua efetiva comunicação aos RR., devem as cópias das cartas, endereçadas estes, que foram juntas pela A. em resposta, ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, podendo aquela fazer prova do facto-indiciário do respetivo envio por meio de testemunhas; provado, desse modo, o envio das cartas, é de presumir a sua receção pelos RR., sem prejuízo destes ilidirem tal presunção (…)”;
- Acórdão do TRP (Tribunal da Relação do Porto) de 23-02-2021 (Pº 8821/19.4T8PRT-A.P1, rel. RODRIGUES PIRES): “A integração do cliente bancário no PERSI [Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento], estando em causa contrato de crédito englobado na previsão do art. 2º do Dec. Lei nº 227/2012, de 25.10. e verificando-se uma situação de mora do mutuário, é obrigatória, uma vez reunidos os respetivos pressupostos, de tal modo que a ação executiva só pode ser intentada após a extinção deste procedimento, recaindo sobre o exequente o ónus de o comprovar. Se a execução é instaurada, sem que se mostrem reunidas estas condições, tal implica a ocorrência de uma exceção dilatória inominada ou atípica, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva, exceção esta suscetível de conhecimento oficioso (…)”;
- Acórdão do STJ de 13-04-2021 (Pº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, rel. GRAÇA AMARAL): “A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC). Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art. 362.º do CC. Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada; A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova. Consequentemente, o conhecimento imediato da referida excepção dilatória em fase de saneador com fundamento de que tal factualidade – o envio da carta de comunicação de integração no PERSI – não pode ser feita com recurso à prova testemunhal impede a possibilidade de a respectiva parte poder fazer a prova da sua alegação”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-09-2021 (Pº 173/21.9T8ENT-A.E1, rel. MANUEL BARGADO): “As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a referida obrigação legal”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-09-2021 (Pº 3935/19.3T8ENT-A.E1, rel. JAIME PESTANA): “A instituição de crédito está obrigada a informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro, que é «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas»”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-10-2021 (Pº 4270/21.2T8SNT-B.L1-1, rel. RENATA LINHARES DE CASTRO): “O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tem aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1. O recurso a tal procedimento constitui condição prévia de admissibilidade e procedibilidade à instauração de acção pela qual a instituição bancária peticiona a declaração de insolvência de clientes bancários que entraram em incumprimento do contrato de mútuo com hipoteca para aquisição de imóvel que corresponda à casa de morada de família e constitua a habitação própria e permanente dos mesmos. Sendo tal acção intentada com preterição dessa obrigação, estar-se-á perante uma excepção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos requeridos (…)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-10-2021 (Pº 2915/18.0T8ENT.E1, rel. MÁRIO COELHO): “O regime legal do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente. Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efectivo recebimento da correspondência”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-11-2021 (Pº 5633/18.6 T8FNC- A.L1-6, rel. TERESA PARDAL): “A arguição pela executada embargante, fiadora da obrigação exequenda, da excepção inominada de omissão de condição de procedibilidade da execução por incumprimento das normas de aplicação do PERSI é de conhecimento oficioso, podendo ser arguida só em sede de recurso, cabendo ao exequente embargado o ónus de alegar e provar que cumpriu as referidas normas. Não provando o exequente embargado ter cumprido as referidas normas, procede a excepção dilatória de omissão de condição de procediblidade da execução, devendo a executada embargante ser absolvida da instância executiva”;
- Acórdão do STJ de 16-11-2021 (Pº 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S1, rel. MARIA CLARA SOTTOMAYOR): “A aplicação do instituto do abuso do direito tem uma natureza subsidiária, só a ele sendo lícito recorrer na falta de uma norma jurídica que resolva, de forma adequada, a questão em causa. Dada a integração automática do cliente-devedor em mora no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (e o dever do Banco proceder à mesma), tem de se considerar que os executados estão abrangidos por este regime de regularização da dívida, que só se extingue em situações tipificadas na lei (artigo 17.º, n.º 1 e 2, do DL 227/2012, de 25-10) e mediante comunicação aos clientes bancários-devedores, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do diploma que criou o PERSI. Não constando da matéria de facto que tenha ocorrido a extinção do PERSI, nem que a exequente Caixa Geral de Depósitos, SA, tenha comunicado aos executados, nos termos da lei, essa eventual extinção, conclui-se que o Banco exequente instaurou a execução durante o período de vigência do PERSI, numa fase em que estava impedido de o fazer, por força da lei (artigo 18.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 227/2012). Neste contexto, e na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo cliente-bancário das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui um abuso do direito, mesmo que tal tenha sucedido após a alienação do imóvel, garantia do mútuo. Não se pode esquecer, como se salienta no Preâmbulo do diploma legal que prevê o PERSI, que estamos perante uma relação jurídica caraterizada por uma acentuada assimetria informativa, em que a lei inculca uma especial responsabilidade nas instituições bancárias e considera o cliente bancário-consumidor como a parte mais fraca”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-11-2021 (Pº 17026/20.0T8PRT.E1, rel. MARIA ADELAIDE DOMINGOS): “A extinção do PERSI com o fundamento legal de terem decorrido 91.º dias subsequentes à data da integração do cliente bancário nesse procedimento, não exime a entidade bancária de lhe comunicar, para além daquele fundamento legal, as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI. A ineficácia da extinção do PERSI impede a entidade bancária de intentar ação executiva contra o cliente bancário tendente à satisfação do seu crédito, por faltar uma condição de admissibilidade da execução, que correspondente a uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva caso a mesma tenha sido instaurada”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2021 (Pº 930/20.3T8ACB-A.C1, rel. LUÍS CRAVO): “A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI [aprovado pelo Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10], quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. Assim como constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito. De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI. O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias (atípicas ou inominadas). As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14º, nº 4 e 17º, nº 3 do dito DL 227/2012, de 25/10 – e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364º, nº 2 e 393º, nº 1, ambos do C.Civil) exceto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação (…)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-02-2022 (Pº 5978/19.8T8VNF-A.G1, rel. JOAQUIM BOAVIDA): “A não comunicação aos consumidores clientes bancários da sua integração no PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) e da extinção do procedimento impede a instituição de crédito de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento e de intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. As normas que consagram a obrigatoriedade das comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste têm carácter imperativo e estabelecem condições objectivas de procedibilidade, que operam, na sua ausência, como excepções dilatórias atípicas ou inominadas, de natureza insuprível e de conhecimento oficioso, conduzindo, no caso de se verificarem os respectivos pressupostos, à absolvição da instância – arts. 576º, nº 2, 578º e, especificamente quanto à acção executiva, 726º, nº 2, al. b), do CPC (…)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-02-2022 (Pº 6487/13.4T2SNT.L1-6, rel. António
 SANTOS): “1. O regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro - de sujeição do devedor ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – tem por objecto, em termos subjectivos e objectivos, por um lado as instituições de crédito como credores e, por outro, os contratos de crédito celebrados com clientes bancários. 2. A preterição de sujeição do devedor ao PERSI nos termos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, consubstancia um incumprimento de uma norma imperativa, razão porque a existir tal inobservância é o vício em causa de conhecimento oficioso, estando em causa uma excepção dilatória inominada. 3. Estando em causa contratos de crédito cujo incumprimento ocorre já em 2004 e 2006, e que foram objecto de cessão pela instituição de crédito a entidade de diversa natureza já em 2008 ( muitos anos antes ainda da entrada em vigor em 1/1/2013 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro ) , não incorre a adquirente/cessionária em violação de obrigação de sujeição do devedor ao PERSI quando em Março de 2013 vem intentar a acção executiva. 4. Perante o referido em .3., não ocorre fundamento legal para que sejam os executados absolvidos da instância coerciva com base em excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso. 5. Ao referido em .3. e 4.. acresce que a execução iniciada em 12.03.2013 é proposta por cessionária que não sendo uma Instituição de crédito, certo é que , mesmo antes da entrada em vigor da legislação PERSI, ofereceu ao Executado mutuário uma possibilidade ( em acordo de pagamento da divida ) favorável ( com redução significativa do capital ) de cumprir pontualmente as suas obrigações, o que não veio a aproveitado”;
- Acórdão do TRP de 07-03-2022 (Pº 121/20.3T8VLG-A.P1, rel. MIGUEL BALDAIA DE MORAIS): “O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tem aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1. A circunstância de o cliente bancário ter sido anteriormente integrado em PERSI já extinto não constitui obstáculo a que venha novamente a beneficiar desse regime, caso se encontrem reunidos os necessários pressupostos normativos para esse efeito. Verificados esses pressupostos, a falta de integração do cliente bancário no PERSI constitui impedimento legal a que a instituição de crédito instaure ação executiva destinada a obter a cobrança coerciva de crédito abrangido por esse regime legal. Sendo a ação executiva intentada com preterição dessa obrigação, estar-se-á perante uma exceção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos executados”;
- Acórdão do TRP de 07-03-2022 (Pº 266/10.8TBVLC-B.P1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA): “O regime do PERSI, previsto no DL nº 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu art. 2º, nº 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da Lei de Defesa dos Consumidores, e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade. O art. 21.º do referido diploma legal não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento, uma vez que a posição dos avalistas não é equiparável às situações abrangidas pelo regime PERSI, tendo em conta a intenção legislativa subjacente à sua elaboração e o âmbito da sua aplicação. Não se vislumbra que a norma do art. 2º, nº 1, al. b) do DL 227/2012 de 25/10 (ou a interpretação a que se chegou) possa ser considerada inconstitucional, uma vez que da sua aplicação não resulta qualquer violação do direito à habitação previsto no artigo 65.º da Constituição, preceito constitucional que apenas se impõe como obrigação, não aos particulares, mas sim ao Estado e em que a única injunção directa que dela decorre é a proibição da privação arbitrária da habitação de um particular”;
- Acórdão do TRC de 08-03-2022 (Pº 824/20.2T8ANS.C1, rel. JOSÉ AVELINO GONÇALVES): “O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) constitui um mecanismo de protecção aplicável a clientes bancários que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, obviando a que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos. A omissão do PERSI integra excepção dilatória inominada que determina a absolvição do executado da instância executiva. É o exequente que tem o ónus de alegar e provar a existência, o envio e a respectiva recepção pelo devedor das comunicações exigidas no âmbito do PERSI. Na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo devedor das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui um abuso do direito”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-03-2022 (Pº 8027/14.7T8PRT.P1, rel. FILIPE CAROÇO): “A integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória quando verificados os respetivos pressupostos, pelo que a ação executiva só pode ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento quando a ele deva haver lugar. A instauração da execução, sem inobservância do PERSI, pode conduzir à sua extinção, devendo aquele procedimento ser tratado como uma condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias, de conhecimento oficioso e insanável. Porém, o tribunal só pode conhecer dessa exceção no despacho liminar ou, não o tendo feito, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (art.º 734º, nº 1, do Código de Processo Civil)”.
Por outro lado, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-10-2017 (Pº 6776-15.3T8ALM.L1-8, rel. ISOLETA ALMEIDA COSTA): “O DL 227/2015 de 25.10 veio determinar - tendo em conta uma especial necessidade de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, de clientes bancários decorrente da progressiva degradação das condições económicas e financeiras - que todas as instituições de crédito criassem um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), definindo procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito (PERSI). Destinou-se a viabilizar situações de difícil solvabilidade das famílias que viram subitamente os seus rendimentos reduzidos de modo substancial. Nos termos do disposto no seu artigo 2º nº1, o PERSI é aplicável aos contratos celebrados com clientes bancários que conforme a alinea a) do seu artigo 3º são os consumidores de acordo com a definição legal de consumidor constante da Lei 67/2003. A definição legal de consumidor constante da Lei 67/2003 adoptou um sentido restrito «consumidor» definido este como qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar (…)”.
Em semelhante linha, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2019 (Pº 6470/14.2T8ALM.L1-6, rel. MARIA DE DEUS CORREIA) que: “O regime do PERSI previsto no DL nº 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu art.º 2, nº 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da LDC, e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade. O art.º 21.º do referido diploma legal não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento”.
No mesmo sentido, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-02-2021 (Pº 11791/19.5T8LSB-A.L1-7, rel. ANA RODRIGUES DA SILVA) decidiu-se que: “O regime previsto no DL 227/2012, de 25 de Outubro só se aplica quando as situações de incumprimento se reportem aos contratos de crédito referidos no nº 1 do art. 2º desde diploma e quando os clientes bancários se integrem na noção de consumidores prevista na LDC; Esta lei adoptou um sentido restrito de consumidor, entendendo-se este como qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional, ou seja que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar;- Destinando-se o financiamento contraído a liquidar dívidas de uma empresa, não pode a dívida daí resultante ser abrangida pelo regime decorrente do 227/2012, de 25 de Outubro”.
Finalmente, cite-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-04-2021 (Pº 992/19.6T8PTG-A.E1, rel. CONCEIÇÃO FERREIRA), onde se decidiu, nos seguintes termos:
“(…) O PERSI não é indiferenciadamente aplicável aos contratos de crédito em risco de incumprimento ou em incumprimento, sendo apenas aplicável aos contratos aludidos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo”.
Ora, revertendo estas considerações para o caso dos autos, importa referenciar que não é questão controvertida, a da aplicabilidade do regime jurídico do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, ao contrato em questão, sendo os executados enquadráveis no conceito de consumidores para efeitos da lei do consumo.
Com efeito, conforme decorre do requerimento executivo – em que consta identificado como título executivo a “Escritura” que a ele foi anexa – em 10-10-2003, a exequente mutuou aos 1.º e 2.º executados a quantia ali referenciada, com vista à conclusão de construção de imóvel para habitação própria permanente, nas demais condições vertidas em tal escritura.
A aplicação à situação dos autos do regime jurídico instituído pelo D.L. n.º 227/2012, decorre do disposto nos artigos 1.º, 2.º e 39.º do mesmo diploma.
Verificada uma situação de mora no cumprimento de obrigações decorrentes do aludido contrato, cumpriria à instituição de crédito promover as diligências necessárias à implementação do PERSI (cfr. artigo 12.º e ss. do D.L. n.º 227/2012).
Neste ponto, começa o dissêndio entre as partes: Por um lado, os recorrentes consideram que a mutuante instaurou a execução sem cuidar de previamente integrar os executados no PERSI, vindo mais tarde a ceder o seu crédito à ora exequente, o que fez “em violação do disposto nos artigos 14.º e 21.º e nas als. b) e c) do n.º 1 do artigo 18.º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro”, tendo a exequente instaurado execução sem título, concluindo que, quer a secretaria judicial, quer o Agente de Execução, quer o Tribunal, receberam e tramitaram a Execução e nenhum deles conheceu da insuficiência do título, assim violando o Tribunal recorrido, os “artigos 14.º e 18.º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e dos artigos 4.º, 6.º, n.º 2, 703.º, 725.º, 726.º, 855.º do Cód. Proc. Civil”; por outro lado, a recorrida invocou que os recorrentes nunca puseram em causa o incumprimento verificado, que as cartas foram enviadas para a morada prevista, que os executados invocaram a falta de integração no PERSI, mas não demonstram que estivessem preenchidos os requisitos para a aplicação do mesmo e que não podem os executados invocar que o crédito não podia ser cedido, uma vez que não estava a decorrer o PERSI.
Ora, conforme resulta do requerimento da exequente – apresentado em 25-10-2021 – a mesma juntou aos autos as cartas de 01-01-2013 (dirigidas aos executados VF e VFG) onde informou os executados do incumprimento das prestações do contrato que indicou e que, “que, de acordo com o disposto no Art.° 14° do D.L nº 227/2012, de 25 de outubro, procedemos à sua integração, nesta data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), acima referenciado”, consignando as demais menções informativas delas constantes. Para além disso, juntou a exequente aos autos as cartas dirigidas aos mesmos executados, datadas de 19-06-2013, onde informa que o PERSI instaurado foi extinto, nessa data, por ter decorrido mais de 91 dias desde o início de tal procedimento.
Na sequência da junção aos autos de tais documentos, os recorrentes apresentaram o requerimento de 28-10-2021, os executados reiteraram existir “falta condição objetiva de procedibilidade da execução em curso”, que a “Entidade Bancária Mutuante (a CGD), previamente à instauração da presente execução, não deu cumprimento ao disposto nos artigos 14º e 21º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro. Já que, 9. Antes da instauração dos presentes autos, não integrou os Executados VFG e VF no PERSI, conforme obriga o artigo 14º desse diploma. Nem, 10. Comunicou aos Executados IC, AC e MM a possibilidade destes requererem a sua integração no PERSI, conforme obriga o artigo 21º do citado diploma. Pelo que, 11. Por essa via, estava a CGD impedida de instaurar a presente execução, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 18º do citado diploma. 12. Bem como impedida de ceder o seu crédito à ora Exequente (que não detém qualidade de entidade bancária), nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 18º do citado diploma (…)”.
Concluíram os executados, designadamente, que:
“(…) 20. A falta de integração dos Executados no PERSI foi já reconhecida pela própria Exequente de cujo requerimento dirigido ao Exmº AE – requerimento de 25 de Outubro de 2021, Ref.: 40246403 – resulta, em suma, que:
a) A Exequente reconhece, para os presentes autos e para a boa decisão que nos mesmos venha a ser tomada, a essencialidade do regime imperativo decorrente do Dec. Lei 227/2012, de 25 de Outubro, cuja violação constitui falta de condição objetiva de procedibilidade da execução em curso.
b) A Exequente reconhece que, ao arrepio da imperatividade das disposições conjugadas dos artigos 21º e alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 18º do mencionado Dec. Lei 227/2012, de 25 de Outubro, os Executados/Fiadores não foram informados do atraso no cumprimento da obrigação em apreço, bem como da possibilidade de serem integrados no PERSI – para tanto basta ver que nenhum documento foi junto nesse sentido.
Donde, a Exequente reconhece que a Entidade Bancária Mutuante (CGD) estava impedida de demandar judicialmente os Executados/Fiadores e/ou de ceder o seu crédito à Exequente, por obediência ao disposto no Dec. Lei n.º 227/2012.
c) As cartas que a Exequente juntou aos autos (cujo teor, letra e assinatura se impugnaram) não foram recebidas pelos Executados/Mutuários sendo que, por si só, não provam o seu envio e, muito menos, a sua recepção.
Sobre este ponto, não tendo os Executados/Mutuários recebido tais missivas que, nos termos do disposto no Dec. Lei n.º 227/2012 revestem a qualidade de declaração receptícia, competiria à Exequente demonstrar que as cartas haviam sido enviadas, uma vez que a prova da sua não recepção constituiria prova de facto negativo, que só pode ser imposta aos Executados como ónus, desde que previamente se tenha por assente a demonstração por parte do credor da realização de actos tidos por idóneos a consubstanciar a efectiva notificação – ver, neste sentido, Ac. Relação de Lisboa, de 19 de Abril de 2018, relatado por Maria de Deus Correia (in www.dgsi.pt).
Ora, tal demonstração não pode resumir-se, como é evidente, à simples e inconclusiva junção de cópias de cartas que se podem retirar e imprimir de qualquer computador à disposição – ver, neste sentido, Ac. Relação de Lisboa, de 11 de Outubro de 2016, relatado por Luís Espírito Santo (in www.dgsi.pt) e Ac. Relação de Lisboa, de 07 de Junho de 2018, relatado por Pedro Martins (in www.dgsi.pt).
Aliás, as mencionadas cartas, a existirem, deveriam ter sido juntas aos autos logo no requerimento executivo. (…)”.
E, no requerimento que apresentam, subsequentemente, em 16-11-2021, os executados referiram, nomeadamente, que:
“(…) 3. As cartas mencionadas pela Exequente não foram recebidas pelos Executados – nem sequer tendo sido juntas cartas referentes aos Fiadores – sendo que, de acordo com a Jurisprudência já citada nos autos, o ónus da prova do seu envio e recepção incumbe à Exequente”.
Ora, conforme resulta da jurisprudência anteriormente citada, é uniforme o entendimento de que a preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso, não dependendo de invocação da correspondente exceção – de não integração no PERSI – no prazo concedido para a apresentação da defesa (tendo plena aplicação, a parte final do n.º 2 do artº 573º do CPC, que descarta a aplicação do princípio da preclusão).
Considerando que a questão é de oficiosa apreciação, em linha com o que se dispõe no artigo 734.º, n.º 1, do CPC, em que o juiz pode conhecer oficiosamente, “até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”, vê-se com dificuldade a possibilidade de ocorrência de abusiva invocação dos executados sobre uma tal questão, a não ser que se mostre, comprovadamente, frustrada a tutela da confiança da contraparte, no sentido de que uma tal questão não iria ser invocada. Mas, ainda assim, mesmo nessa situação, estaria sempre salvaguardada a possibilidade de, não o tendo feito em sede de despacho liminar, o Tribunal conhecer dessa questão – a verificação da aludida prévia integração dos executados em PERSI -, até ao aludido momento da transmissão dos bens penhorados.
Por outro lado, uma vez que, a integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento constituem verdadeiras condições da ação executiva - condições objectivas de procedibilidade da execução – a instauração desta determina que seja verificado se tal condição da ação se mostra reunida.
E, dúvidas não há, no sentido de que a prova da integração do devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este, realizada em suporte duradouro (designadamente, carta ou email), recai sobre o exequente. E compreende-se que assim seja, uma vez que, enquanto a instituição de crédito não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade de encontrar uma solução extrajudicial para a situação de mora, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não pode recorrer à via judicial para fazer valer o seu crédito, nos termos já apontados, na decorrência do previsto no artigo 18.º, n.º 1, al. b) do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Assim, o prévio cumprimento dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor.
Ao invés, a instauração de acção executiva sem que se mostrem verificada a referida condição objectiva de procedibilidade gera a verificação de uma excepção dilatória inominada, que, como se viu, é de oficioso conhecimento, conduzindo à absolvição da instância (cfr. artigos 576.º, n.ºs. 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC).
Contudo, no presente caso, não pode olvidar-se que, perante a invocação de não integração dos executados no PERSI, a exequente contrapôs invocando que os executados foram integrados no PERSI (cfr. ponto 3 do requerimento datado de 25-10-2021, junto aos autos em 28-10-2021) e juntou aos autos prova documental (as cartas anexas a tal requerimento).
Neste ponto, importa sublinhar uma evidência: Uma coisa é a comunicação em si (que deve ser realizada em “suporte duradouro”); e, outra, a prova do envio dessa comunicação e da sua receção pelo respetivo destinatário, sendo certo que, estão em causa declarações receptícias, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 224.º do CC.
Ora, no caso, não obstante a junção das aludidas missivas – expressas quanto a alguns dos executados em “suporte duradouro” (nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 3.º, al. h), 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, podendo revestir tal imposição legal, o envio de carta em papel, ou o envio de um email) - a exequente não comprovou ter comunicado aos executados o respetivo teor, não tendo junto aos autos, qualquer meio de prova documental, nem requerido a produção de outro meio de prova, com vista demonstrar a ocorrência de comunicação.
É certo que o referido diploma legal, onde se encontra regulado o regime jurídico do PERSI, não contempla a necessidade de que o envio da comunicação deva ocorrer com aviso de receção, mas, certo é que, todavia e ainda assim, o “suporte duradouro” em que consiste a comunicação – quer a de integração do devedor no PERSI, quer a de extinção deste procedimento – será insuficiente para, sem outros elementos, demonstrar que uma tal comunicação foi levada ao conhecimento do seu destinatário, pelo que deverá ser alegada factualidade pertinente com vista ao seu envio e receção pelo respetivo destinatário, o que, no caso, não ocorreu.
E, se também é certo que, a comunicação em si mesma poderia ser considerada como princípio de prova do envio, seria necessário, para concluir pela ocorrência de tal envio, que tal princípio de prova fosse coadjuvado com recurso a outros meios de prova, cuja requisição ou produção pela exequente não teve lugar.
Note-se que a apreciação que se vem efetuando não é reconduzível à mera decisão do incidente de impugnação das missivas juntas (os únicos documentos juntos pela exequente) – que sempre estaria prejudicado na sua apreciação (cfr. artigos 444.º, 450.º, n.º 1, 292.º a 295.º e 608.º, n.º 2, do CPC) - , mas sim, à verificação da ausência de demonstração probatória, do onerado com a respetiva prova (a exequente), de que as comunicações de integração e extinção do PERSI foram remetidas e rececionadas pelos executados (mutuários e fiadores).
Assim, na decorrência do que se vem dizendo, não se mostra comprovado que relativamente aos executados tenha ocorrido a integração dos mesmos em PERSI, nos termos em que a isso a mutuante se encontra vinculada.
A decisão recorrida, que indeferiu liminarmente o incidente com fundamento em que a invocação dos executados era abusiva, não poderá, pois, subsistir, por a mesma contender com o regime jurídico vertido no D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, que determinava a (prévia) inclusão dos executados no PERSI.
Importa evidenciar, por último, que a condição em causa – a integração dos executados em PERSI – tem de estar verificada à data de instauração da ação, pelo que, não tem sentido determinar a suspensão dos autos executivos, com vista a proporcionar que fosse viabilizado à exequente proceder – no decurso destes autos – ao desencadear do procedimento do PERSI.
Verifica-se, pois, que ocorre a mencionada exceção inominada atinente à falta de demonstração da prévia integração dos executados em PERSI, determinando a absolvição da instância dos executados.
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D) Se a decisão recorrida violou os artigos 4.º, 6.º, n.º 2, 703.º, 725.º, 726.º, 855.º do CPC?
E) Se a decisão recorrida incorreu em errada interpretação e aplicação do normativo previsto no artigo 334º do Cód. Civil?
F) Se a decisão recorrida incorreu em violação do princípio da igualdade entre as partes, por ter conhecido oficiosamente um suposto abuso de direito dos Executados e não ter conhecido oficiosamente da excepção invocada pelos executados?
Suscitaram os recorrentes ainda as questões enunciadas em D), E) e F).
A apreciação destas questões encontra-se prejudicada em função da pronúncia precedente (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC), sendo que, tal apreciação suporia um juízo diverso do expresso na questão anterior, conducente à absolvição da instância dos executados.
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A apelação procederá, conduzindo à revogação da decisão de indeferimento liminar recorrida, datada de 24-01-2022, que se substituirá por decisão que, julgando verificada a ocorrência de exceção inominada, atinente à falta de demonstração da prévia integração dos executados em PERSI, absolve os executados da instância.
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De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, sendo de revogar a decisão recorrida, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre a apelada/exequente, que decaiu integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar procedente a apelação, revogando a decisão de indeferimento liminar recorrida, datada de 24-01-2022, que se substitui pela presente, que julgando verificada a ocorrência de exceção inominada, atinente à falta de demonstração da prévia integração dos executados em PERSI nos termos previstos no D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, absolve os executados da instância.
Custas pela apelada/exequente.
Notifique e registe.
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Lisboa, 14 de julho de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva