A regra de que o valor do pedido formulado pelo autor deve somar-se ao valor do pedido (reconvencional) formulado pelo réu só deve aplicar-se desde que o articulado deduzido tenha a aparência de uma reconvenção
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. — RELATÓRIO
1. AA veio apresentar reclamação do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Desembargador do Tribunal da Relação do Porto em 30 de Março de 2022 que não admitiu o recurso de revista, ao abrigo do art. 643.º do Código de Processo Civil.
2. O despacho reclamado é do seguinte teor:
I. — 1. Por requerimento de 21.02.2022, veio o Apelante/Réu AA interpor recurso de revista normal do acórdão proferido em 11.01.2022.
Justificou a recorribilidade do acórdão, considerando, para além do mais, o valor de 38.000,00€, enquanto valor da presente causa, resultante da soma do valor da ação com o valor da reconvenção (8.000,00€ + 30.000,00€).
Para tanto, fez referência a despacho proferido em sede de audiência prévia, que teve lugar em 20.01.2020, com o seguinte teor:
“Fixa-se à causa o valor indicado pela Autora, com o acréscimo resultante da dedução de pedido reconvencional – cfr. artigos 301.º, n.º 1 e 299.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.”
2. Sobre o dito requerimento de interposição de recurso, veio a Apelada/Autora BB, por requerimento de 07.03.2022, sustentar a inadmissibilidade do recurso de revista normal, por duas ordens de razões, nomeadamente valor da causa e verificação de dupla conforme.
3. Por sua vez, o interveniente CC, por requerimento de 11.03.2022, veio aderir ao teor do referido requerimento apresentado pela Autora.
II. — Nos termos do art. 629.º, n.º 1, do CPCivil, “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa”.
Por sua vez, “cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre a decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa (…)” (art. 671.º, n.º 1, do CPCivil).
E, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.
III. — Em ordem a determinar o valor da presente causa, assim como da sucumbência do Apelante/Réu, para além do despacho mencionado supra em I – 1), importa considerar os seguintes atos processuais:
1 – A Autora indicou 8.000,00€ como valor da ação.
2 – A 12.12.2017, o Réu contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido.
3 – Em 31.07.2019, o Réu apresentou articulado que denominou de “complemento à CONTESTAÇÃO oportunamente apresentada, bem como PEDIDO RECONVENCIONAL dirigido contra os RR DD e EE”, indicando como valor do pedido reconvencional o montante de 30 000,00€.
4 – Em 20.01.2020, no âmbito do despacho saneador, e no que concerne ao pedido reconvencional, foi assim decidido:
(…) DD e EE encontram-se no lado passivo da ação.
Pelo que não pode o Réu deduzir contra eles pedido reconvencional, porque, como se viu, só o pode fazer contra a Autora, que é a parte contrária – cfr. o disposto no nº 1 do artigo 266º do Código de Processo Civil, que reza da seguinte forma: “O réu pode, em reconvencao, deduzir pedidos contra o autor”.
Sendo ainda certo que também não pode o Réu socorrer-se do disposto no nº 4 da disposição legal citada, tendo em atenção o modo como a ação se encontra gizada, a concreta causa de pedir, o pedido formulado e em face também do decidido superiormente pelo Tribunal da Relação do Porto.
Resta dizer que, na sequência do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, DD e EE vieram apresentar a sua defesa, nos termos de folhas 982 e seguintes, não tendo alegado qualquer facto.
Ou seja, a causa de pedir e o pedido formulado na peticao inicial mantêm-se intactos. (…)
E, de igual modo, o pedido reconvencional deduzido pelo Réu nos termos em que o foi contra os Chamados do lado passivo, DD e EE, afigura-se-nos inadmissível.
Por essa razão, rejeita-se o mesmo.
Este articulado, de resto, é anómalo e estranho à lide, pelo que se determina o seu desentranhamento e devolução à parte apresentante, deixando cópia nos autos e justifica-se, nos termos do disposto no artigo 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais, a condenação em custas, fixando-se o seu montante em 1 unidade de conta.
5 – Em 20.02.2020, o Réu apresentou requerimento de interposição de recurso de apelação quanto ao referido despacho que fixou o valor da causa, sustentando, entre o mais:
“9. Se o pedido reconvencional não foi aceite, não pode adicionar-se o valor do pedido reconvencional ao valor da ação”.
6 – Aquele requerimento de interposição de recurso foi apreciado em 24.04.2020 por despacho de 24.04.2020, merecendo decisão nos seguintes termos:
“(…) “O que equivale a dizer que o segmento do despacho saneador que o recorrente pretende colocar em crise, com o recurso interposto, só pode ser impugnado no recurso da decisão final, nos termos do artigo 644º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil – vide, no mesmo sentido e entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 6JUN2017 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 5MAR2010 e de 16OUT2009, acessíveis em com os nºs 608/17.5TBCBR-A.C1, 265853/08.6YIPRT-A.L1 e 224298/08.4YIPRT-B.L1, respetivamente. (…)
Cabe ainda notar que caso se entendesse subsumir a pretensão do Réu na alínea h) do artigo 644º, nº 2 do Código de Processo Civil, seria proferida decisão a jugar o recurso extemporâneo.]
7 – Na apelação da sentença final, objeto de apreciação e decisão pelo acórdão de que agora se pretende recorrer de revista, o Réu não impugnou a decisão da 1.ª instância que rejeitou liminarmente o pedido reconvencional, determinando, inclusive, o respetivo desentranhamento e devolução à parte apresentante, por considerar estar-se perante um “articulado anómalo e estranho à lide”.
IV. — Os termos da tramitação processual que deixámos elencados em III), autorizam-nos a afirmar, sem margem para dúvidas, que o valor da presente causa assume no presente a importância de 8.000,00€, e não de 38.000,00€ como defendido pelo Apelante.
Com efeito, embora no momento em que a 1.ª instância proferiu despacho de fixação do valor da causa, se justificasse, formalmente, a consideração do valor da ação somado ao valor da reconvenção – e apenas porque o despacho que rejeitou liminarmente a reconvenção (proferido em simultâneo), ainda não havia transitado em julgado –, o certo é que a parcela do valor da reconvenção deixou de assumir qualquer relevância, para efeitos de quantificação do valor da causa, a partir do exato momento em que transitou em julgado a dita decisão de rejeição liminar.
Desde então, não subsistindo sequer nos autos o articulado da reconvenção, naturalmente os interesses prosseguidos pelo “Reconvinte” deixaram de constituir objeto do presente processo, pelo que toda e qualquer eventual expressão económica dos mesmos não pode ser aqui considerada, nomeadamente para efeitos de determinação da utilidade económica do processo, à luz das regras previstas no art. 296.º e segs. do CPCivil.
Por outro lado, como é sabido, o valor da sucumbência corresponde à determinação da medida em que uma decisão judicial é desfavorável relativamente a uma das partes no processo.
No caso, o acórdão proferido por este Tribunal traduz-se numa decisão totalmente desfavorável para o Réu, com referência ao pedido formulado pela Autora na ação, o que vale por dizer que assume o valor de 8.000,00€, valor que não sofreria alteração ainda que fosse de atender ao montante defendido pelo Réu como valor da causa.
“Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30.000,00” (art. 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.
V. Termos em que, ao abrigo das citadas disposições legais, por não ser admissível, não admito a interposição do recurso de revista por parte do Apelante AA.
Custas do incidente anómalo a cargo do Requerente/Recorrente (art. 527.º, nºs 1 e 2, do CPCivil, e 1.º do RCProcessuais).
3. O Réu AA fundamentou sua reclamação nos seguintes termos:
I – O VALOR DA CAUSA
1. No despacho saneador, prolatado na audiência prévia realizada no dia 20.01.2020, foi fixado o valor à presente ação, através do seguinte segmento:
“Fixa-se à causa o valor indicado pela Autora, com o acréscimo resultante da dedução de pedido reconvencional – cfr. artigos 301º, nº 1 e 299º, nº 2 do Código de Processo Civil.”
2. O aludido trecho do despacho saneador fixou, pois, o valor da ação em €38.000,00.
3. Com efeito, o valor indicado pela Autora na petição é de €8.000,00 (cfr. página 24 e última da petição inicial, de 07.11.20217, com a REFª: ...98, a fls. dos autos).
4. O valor indicado pelo Réu na reconvenção é de €30.000,00 (cfr. requerimento de 31.07.2019 com a Ref.ª ...68).
5. O aludido despacho que fixou o valor à ação transitou em julgado e constitui caso julgado formal – cfr., o art. 620.º do CPC.
6. Porém, o Tribunal da Relação do Porto, violando o caso julgado formal, no despacho reclamado, fixa novamente o valor da causa, em €8.000,00, não obstante o valor da causa ter sido expressamente fixado, como se referiu, pelo tribunal de primeira instância, em €38.000,00.
7. Em violação da decisão da primeira instância, que fixou o valor da ação em €38,000,0, o despacho reclamado veio a estabelecer, no ponto IV da fundamentação, que “os termos da tramitação processual que deixámos elencados em III), autorizam-nos a afirmar, sem margem para dúvidas, que o valor da presente causa assume no presente a importância de 8.000,00€, e não de 38.000,00€ como defendido pelo Apelante.”
8. Alega ainda em defesa da (nova) fixação do valor da ação na importância de €8.000,00, o seguinte argumento:
“Com efeito, embora no momento em que a 1.ª instância proferiu despacho de fixação do valor da causa, se justificasse, formalmente, a consideração do valor da ação somado ao valor da reconvenção – e apenas porque o despacho que rejeitou liminarmente a reconvenção (proferido em simultâneo), ainda não havia transitado em julgado –, o certo é que a parcela do valor da reconvenção deixou de assumir qualquer relevância, para efeitos de quantificação do valor da causa, a partir do exato momento em que transitou em julgado a dita decisão de rejeição liminar.”
9. Para depois concluir como se segue: “Termos em que, ao abrigo das citadas disposições legais, por não ser admissível, não admito a interposição do recurso de revista por parte do Apelante AA.”
10. A decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto colide frontalmente com a lei e com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de competência para a fixação do valor da causa, para efeitos de recurso.
11. Podemos afirmar com segurança que constitui jurisprudência consagrada e dominante do Supremo Tribunal de Justiça, que os tribunais superiores carecem de competência para alterar o valor da causa, mormente para efeitos de alçada (cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 23.11.2021, no Processo n.º 2056/18.0T8BRR-A.L1.S1).
12. “O valor da causa a atender para efeitos gerais, incluindo os de admissibilidade de recurso, é o fixado definitivamente pela primeira instância, mesmo que tacitamente” – cfr. o sumário do Ac. do STJ de 23.04.2008, proferido no Processo n.º 08S320.
13. No mesmo sentido, ver ainda o Acórdão do STJ de 11.5.2011, no Processo nº 1071/08...., em cujo sumário se pode ler: “fixado o valor da causa em atenção ao pedido formulado na petição inicial e na reconvenção, por falta de impugnação e/ou de fixação oficiosa pelo juiz, tal valor processual mantém-se, não obstante alterações posteriores por facto do autor, sendo esse valor que determina a competência do tribunal, a forma do processo comum e a admissibilidade do recurso”.
14. Já no domínio do CPC atual a jurisprudência do STJ sobre a atribuição exclusiva ao tribunal de primeira instância para fixar o valor da causa, manteve-se inalterada.
15. “Cabe ao tribunal de primeira instância fixar o valor da causa, estando vedado aos tribunais de recurso usarem as faculdades previstas no art.º 306.º do Código de Processo Civil.” (cfr. sumário do Ac. STJ, de 08.03.2018, no Processo n.º 4255/15.8T8VCT-A.G1.S1).
16. O Supremo Tribunal de Justiça tem, reiteradamente, firmado, quanto a esta matéria, as seguintes linhas orientadoras, assinaladas na decisão sumária, proferida em 18/09/2015, no processo n.º158/13.9TTBRR.L1.
17. O valor da causa é fixado definitivamente na 1ª instância, sem possibilidade de posterior alteração no tribunal de recurso, pelo que, mesmo que haja condenação acima do valor da causa ali fixado, o valor que releva para efeitos de alçada e de recurso é apenas aquele, e não o da utilidade económica do objeto (material) do recurso, nem o valor tributário (cfr. Acórdãos de 16/06/2015, Recurso n.º 962/05.1TTLSB.L1.S1, de 12/01/2006, Recurso n.º2132/05, e de 12/02/2003, Revista n.º 4540, todos da 4.ª Secção do STJ, disponíveis em www.dgsi.pt).
18. Ainda que a decisão (implícita ou explícita) sobre o valor da causa tenha subjacente um erro de julgamento, resultante da circunstância de tal valor se encontrar em flagrante oposição com os critérios consagrados na lei para o determinar, tal decisão, na medida em que transite em julgado, tem força obrigatória dentro do processo, não se configurando qualquer nulidade. O valor assim fixado é, imodificavelmente, o que releva para efeitos de recurso, ainda que a condenação sentenciada lhe seja superior (Cfr. Acórdãos de 29/10/1992 (doc. n.º SJ199210290828082, Processo 082808) e de 13/01/05 (doc. n.º SJ200501130036962, Processo 04B3696).
19. Uma vez que a competência para a fixação do valor de uma causa cabe à 1ª instância e não aos Tribunais Superiores (ressalvando a situação de conhecimento de recurso da decisão proferida na 1.ª instância), a decisão do Tribunal da Relação que infrinja esta regra terá mesmo de ser considerada inexistente – cfr. Ac. de 19.02.2008 (doc. n.º SJ2008021902801, Processo 08A280).
20. “Tal como na vigência do CPC de 1961, o valor da causa não pode, fora desse condicionalismo de recurso, ser alterado pela Relação (ac. do STJ de 16.6.2016, Melo Soares, em www.dgsi.pt, proc. 962/02 e, se ela o fizer, a decisão da Relação será inexistente (ac. do STJ, de 19.2.08, Moreira Camilo, www.dgsi.pt, proc. 08A280)” – cfr. Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.º ed., pág. 616).
21. No caso concreto dos autos, na primeira instância, foi fixado à causa o valor de € 38.000,00, por decisão transitada em julgado.
22. Sendo assim, como a questão do valor da causa não é objeto do recurso de revista (nem foi no recurso de apelação), temos de considerar como definitivo o valor fixado pela 1ª instância.
23. Tal valor é, pois, superior ao valor da alçada do tribunal recorrido, pelo que a decisão proferida é recorrível no que diz respeito a esse pressuposto.
24. Com efeito, os valores das alçadas acham-se fixados nos artigos 24.º, n.º 1, da LOFTJ, 31.º, n.º 1, da NLOFTJ e 44.º, n.º 1 da LOSJ/2013 e são, pois, os seguintes: €30.000,00 para os tribunais da relação; €5.000,00 para os tribunais de primeira instância.
25. A decisão reclamada violou, pois, as disposições dos artigos 306.º, n.º 1 e 2, 620.º e 629.º, n.º 1, todos do CPC.
II – O VALOR DA SUCUMBÊNCIA
26. Um n.º 1 do art. 629.º do CPC prescreve que só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre desde que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal; em caso de dúvida fundada acerca do valor da sucumbência, atender-se-á somente ao valor da causa.
27. Conforme resulta da parte final do referido preceito legal (“fundada dúvida acerca do valor da sucumbência”) a lei privilegia o valor do processo em cujo âmbito foi proferida a decisão recorrida nos casos em que os mecanismos processuais não permite não permitem quantificar o documento decaimento com segurança.
28. Sempre que se verifique alguma dúvida objetiva que não possa ser sanada mediante o confronto entre o valor de referência (metade da alçada) e o resultado declarado na sentença ou acórdão, a lei acolheu a solução prática de apenas se atender ao valor da causa.
29. A parte final do n.º 1 do art.º 629.º do CPC é, portanto, uma válvula de proteção da parte que pretende recorrer, concretizando o direito ao recurso e ao acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP.
30. No caso dos autos está-se perante uma situação de fundada dúvida sobre o valor da sucumbência, pelo que se deve atender, para efeitos de admissibilidade da revista, ao valor da causa.
31. Com efeito, quer o pedido formulado pela A., quer o pedido deduzido pelo Réu em reconvenção não correspondem a um pedido de quantia certa, pelo que, não sendo o respetivo decaimento aritmeticamente quantificável, está-se remetido para uma situação de fundada dúvida quanto ao valor da sucumbência o que convoca a aplicação, nos termos do n.º 1 do art. 692.º in fine, do critério do valor da causa para aferição da admissibilidade da revista.
32. Abre-se aqui um parêntesis, para, por facilidade de exposição, se transcreverem os pedidos deduzidos pela partes no processo.
33. A autora deduziu o seguinte pedido na ação, através do requerimento de 29.01.2018 (depois de alertada pelo Tribunal, para a ausência de pedido no final da p.i., por despacho de 17.01.2018):
BB, notificada para concretizar o pedido formulado ao Douto Tribunal, vem dar cumprimento ao mesmo, peticionando ao tribunal que, na procedência da acção:
- Seja o R condenado a reconhecer a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de 2 novos sócios na transformação da sociedade X..., S.A. actualmente designada V..., S.A. já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio CC;
- Seja o R condenado a reconhecer a simulação absoluta na compra, por si, de 2500 acções da sociedade X..., S.A. actualmente designada V..., S.A., a EE, em 27 de Dezembro 2002, pelo montante de €2 500,00 dois mil e quinhentos euros e que seja declarada a nulidade de tal negócio:
- Seja o R condenado a reconhecer a simulação absoluta na compra, por si, de 2500 acções da V..., S.A. a DD, em 30 de Agosto de 2017, pelo montante de €2 500,00 dois mil e quinhentos euros e que seja declarada a nulidade de tal negocio.”
34. No final da contestação com reconvenção, de 31.07.2019, o Réu , por sua vez, pediu que a ação fosse julgada improcedente e cumulativamente com tal pedido que fosse julgado procedente o seguinte pedido reconvencional:
A) SER A RÉ DD CONDENADA A RECONHECER QUE OUTORGOU EM NOME PRÓPRIO A ESCRITURA PÚBLICA DE AUMENTO DE CAPITAL E DE TRANSFORMAÇÃO EM SOCIEDADE ANÓNIMA LAVRADA A FLS 130 A ...32 DO LIVRO 197-A DO ... CARTÓRIO NOTARIAL DE E QUE O FEZ EM NOME PESSOAL MAS COM A OBRIGAÇÃO ASSUMIDA PERANTE O RÉU AA DE TRANSFERIR AS ACÇÕES POR ELA SUBSCRITAS, CORRESPONDENTES A 2.500 ACÇÕES COM O VALOR NOMINAL DE 1 EURO CADA UMA, PARA O AA;
B) SER O RÉU EE CONDENADO A RECONHECER QUE OUTORGOU EM NOME PRÓPRIO A ESCRITURA PÚBLICA DE AUMENTO DE CAPITAL E DE TRANSFORMAÇÃO EM SOCIEDADE ANÓNIMA LAVRADA A FLS 130 A ...32 DO LIVRO 197-A DO ... CARTÓRIO NOTARIAL DE E QUE O FEZ EM NOME PESSOAL MAS COM A OBRIGAÇÃO ASSUMIDA PERANTE O RÉU AA DE TRANSFERIR AS ACÇÕES POR ELE SUBSCRITAS, CORRESPONDENTES A 2.500 ACÇÕES COM O VALOR NOMINAL DE 1 EURO CADA UMA, PARA O AA;
C) NO CASO DE OS RR FF E GG A TER UM COMPORTAMENTO NOS PRESENTE AUTOS EM DESCONFORMIDADE COM AS OBRIGAÇÕES REFERIDAS NAS ALÍNEAS ANTERIORES, NOS TERMOS SOBREDITOS, QUE: - SEJA A RÉ DD CONDENADA A PAGAR AO RÉU AA A QUANTIA DE €2.500,00 RELATIVA AO CAPITAL SOCIAL REALIZADO PELO RÉU AA EM NUMERÁRIO E QUE A RÉ DD SUBSCREVEU; -SEJA O RÉU EE CONDENADO A PAGAR AO RÉU AA A QUANTIA DE €2.500,00 RELATIVA AO CAPITAL SOCIAL REALIZADO PELO RÉU AA EM NUMERÁRIO E QUE O RÉU EE SUBSCREVEU;
D) QUE CASO OS ALUDIDOS RR VENHAM A TER UM COMPORTAMENTO NOS PRESENTES AUTOS DESCONFORME COM AS OBRIGAÇÕES REFERIDAS NAS ALÍNEA A) E B) DO PEDIDO RECONVENCIONAL, NOS TERMOS SOBREDITOS, SEJA: - A RÉ DD CONDENADA A PAGAR AO RÉU AA, UMA COMPENSAÇÃO, PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS PELA PERDA DO CONTROLO DA MAIORIA DO CAPITAL SOCIAL DA V..., S.A (DETENÇÃO DE MAIS DE 50% NO CAPITAL SOCIAL QUE O R. AA PERDE) DAÍ DECORRENTES, OU SEJA, A PAGAR UMA INDEMNIZAÇÃO A FIXAR EM EXECUÇÃO SE SENTENÇA MAS DE VALOR NÃO INFERIOR A €15.000,00; - O RÉU EE CONDENADO A PAGAR AO RÉU AA ,UMA COMPENSAÇÃO, PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS PELA PERDA DO CONTROLO DA MAIORIA DO CAPITAL SOCIAL DA V... SA (DETENÇÃO DE MAIS DE 50% NO CAPITAL SOCIAL QUE O R. AA PERDE) DAÍ DECORRENTES, OU SEJA, A PAGAR UMA INDEMNIZAÇÃO A FIXAR EM EXECUÇÃO SE SENTENÇA MAS DE VALOR NÃO INFERIOR A €15.000,00;”
(requerimento de 31.07.2019)
Retomando, o que se alegou supra no artigo 31).
35. Como se sentenciou com exemplar acerto no Ac. RG de 07.05.2020 (P. 2607/17), “a sucumbência para este efeito resulta da ponderação entre o que foi pedido e o que foi procedente, e a fundada dúvida surge quando a cada pedido não corresponde um valor, impedindo uma opção aritmética”.
36. É este também o ensinamento da doutrina. Exempli gratia, veja-se o que, a este propósito, escrevem J. Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre (CPC anotado, Vol. 3.º, 3.ª ed., pág. 25):
“Ao passo que o valor do processo tem de ser certo e líquido e é obrigatoriamente fixado pelo juiz da causa, em regra no despacho saneador (art. 306.º - 2), a ele se atendendo para determinar a competência do Tribunal, a forma do processo de execução comum, a admissibilidade do recurso ordinário e o patrocínio judiciário na ação executiva e no apenso de verificação de créditos (ver o n.º 2 da anotação art. 296.º), já o valor da sucumbência pode não estar determinado. Basta imaginar o caso em que o autor formula um pedido ilíquido, sendo o réu condenado no que se vier a liquidar (cf. arts. 556.º-1, alíneas b) e c), e 609.º-2). Em casos como este, o requisito da sucumbência não pode funcionar, atendendo-se apenas, como decorre da parte final do número 1 deste artigo ao valor da causa.”
37. Sendo ilíquidos os pedidos formulados na ação e na reconvenção, tem apenas de se atender ao valor da causa que, na espécie, foi fixado, com trânsito em julgado, em €38.000,00.
38. Daí a plena admissibilidade da revista.
39. Mesmo que se entenda que, por não se estar em presença de uma situação de “fundada dúvida”, deve funcionar o requisito da sucumbência (o que apenas se admite a benefício de raciocínio), é de concluir que o valor deste ultrapassa – e muito – metade da alçada da Relação e que, por isso, estão preenchidos os requisitos de recurso para o Supremo Tribunal de justiça.
Vejamos.
40. A sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte, que, por isso, se designa parte vencida; esta é, portanto, aquela a quem a decisão prejudica, que com ela sofreu gravame ou a quem ela foi desfavorável.
41. A sucumbência, como prejuízo causado pela decisão no processo ou recurso, é independente da posição assumida pela parte no desenvolvimento da relação jurídica processual: o réu que não contesta e o recorrido que não contra-alega se perderem ou forem condenados, também sucumbem.
42. Tomando de empréstimo as judiciosas palavras de Maria José Capelo, “em cada grau de jurisdição, os pressupostos da admissibilidade do recurso devem averiguar-se ex novo, independentemente da conduta da parte na instância recorrida.” (in Cadernos de Direito Privado, n.º 54, Abril/Junho de 2016, pág. 47).
43. Nesta conformidade, a sucumbência deve ser perspetivada objetivamente como prejuízo, perda, ou resultado final desfavorável da decisão de que se recorre.
44. Por conseguinte, a sucumbência afere-se pelo contraste entre, por um lado, o resultado da decisão, e, por outro, o valor económico dos interesses prosseguidos pela parte, ou seja, pelo reflexo negativo daquela decisão sobre esses interesses cuja tutela é reclamada.
45. O vetor da operação aritmética tendente a apurar a medida dessa diferença é, pois, necessariamente a situação jurídica resultante da decisão de que se pretende recorrer.
46. Assim, quando a decisão recorrida é a da 2.ª instância, o valor da sucumbência apura-se entre o valor do(s) pedido(s) e o resultado do dispositivo do acórdão da Relação.
47. In casu, o objeto do processo é o pedido formulado pela autora na ação e o pedido deduzido pelo réu em reconvenção.
48. A 1.ª instância julgou procedente a ação e indeferiu liminarmente o pedido reconvencional. Esse valor global, resultante da soma dos pedidos da ação e da reconvenção, representa a medida da sucumbência do réu.
49. O acórdão recorrido não alterou para menos o resultado final desfavorável para o réu e operado pela primeira instância.
50. Pelo contrário, agravou-o, como adiante se alegará mais desenvolvidamente.
51. A circunstância de ter sido julgado intempestivo o recurso interposto da decisão de indeferimento liminar da reconvenção em nada interfere com a valorização qualitativa da utilidade económica em que o Réu decaiu.
52. O decaimento na Relação é exatamente o mesmo da 1.ª: na 1.ª instância procedeu a ação e improcedeu a reconvenção sendo que o dispositivo do acórdão recorrido deixou incólumes e inalterados esses juízos decisórios em que se constituem a sucumbência do Réu.
53. Isto é, não há qualquer diferença no valor dos interesses não entendidos na 1.ª e na 2.ª instância: o dano ou prejuízo que define a sucumbência, é o mesmo, justamente porque não há diferença entre a situação jurídica do Réu definida no acórdão da Relação e a situação pré-existente ao proferimento dessa decisão.
54. Em suma, seja a sucumbência calculada com base na diferença entre o valor da soma dos pedidos formulados na ação e na reconvenção e o que resulta do acórdão recorrido, seja calculada com base na diferença entre o prejuízo decorrente para o Réu da decisão da 1.ª e o resultante do acórdão recorrido, o depoimento corresponde ao valor de €38.000,00.
55. A uma improcedência total da contestação e da reconvenção tem de corresponder uma sucumbência total, expressa na soma das utilidades económicas atribuídas pela Autora à ação (€8.000,00) e pelo Réu no pedido reconvencional (€30.000,00).
56. Ascendendo a medida do dano ou prejuízo da sucumbência a, pelo menos, €38.000,00 (na realidade é superior, como audiente se demonstrará), é plenamente admissível o recurso de revista.
57. Importa sublinhar que não se pode falar de aceitação tácita da decisão que indeferiu liminarmente a reconvenção.
58. Em primeiro lugar, porque o Réu interpôs efetivamente recurso dessa decisão. A circunstância de o recurso não ter sido conhecido com fundamento em intempestividade da respetiva interposição, em nada belisca a manifestação expressa da vontade de recorrer.
59. Em segundo lugar, e não menos decisivamente, mesmo que o Réu não tivesse interposto recurso do despacho que indeferiu liminarmente a reconvenção, daí não se poderia inferir a aceitação tácita dessa decisão com reflexos na determinação do valor da sucumbência.
60. Dispõe o n.º 2 do art. 632.º do CPC que “não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida”.
61. Nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal, a aceitação pode ser expressa ou tácita, sendo que esta última “é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer”.
62. A aceitação expressa resulta de “palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação” . cfr., M.Teixeira de Sousa, Estudo sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., pág. 386; vide, também, no mesmo sentido, Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 1984 (reimpr.), pág. 279.
63. Por mor da letra unívoca da lei, a figura da aceitação tácita pressupõe sempre “a prática de um facto”.
64. No CPC de 1939 (art. 681.º) a aceitação tácita era aquela que derivava da prática, sem reserva alguma, de facto incompatível com a vontade de recorrer.
65. Em comentário aessa norma pregressa, Alberto dos Reisexplicava que nem todos os factos incompatíveis com a vontade de recorrer configuravam aceitação tácita, mas tão só aqueles a partir dos quais se possa inferir, sem reserva alguma, uma vontade de não recorrer (CPC Anotado, Vol. V, cit., pág. 279).
66. Na lei vigente, a fórmula “sem reserva alguma” deu lugar à expressão “inequivocamente” (n.º 3, do arte 632.º).
67. A lei exige, portanto, que da prática de um facto resulte, de forma inequívoca, a aceitação tácita da decisão.
68. Tal significa, primo conspectu, que o n.º 3 do art. 632.º do CPC não dá relevo jurídico a qualquer atitude omissiva para efeitos de considerar que a decisão foi aceite. A aceitação da decisão assenta numa condição por ação, e não por omissão.
69. Diz-nos a prática jurisprudencial que a aceitação tácita da decisão ocorre, em regra, com o cumprimento espontâneo e voluntário da decisão. O pagamento na sequência da condenação, desacompanhado de qualquer declaração, constitui um exemplo típico de aceitação prática da decisão – cfr., v.g., Ac. STJ de 28.5.2015, P. 2471/ 12, e Ac. RE de 14.10.2009, P. 392970/08.
70. J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes referem uma decisão do TC que considerou inconstitucional a interpretação no sentido de que o ato de interposição de recurso para o TC, que não foi admitido por se entender que não estavam esgotados os recursos ordinários, era incompatível com a subsequente interposição de recurso para o Supremo (in CPC anotado, Vol. III, Tomo I, 2.ª ed., anotação do art. 681.º).
71. Temos assim que, à luz do direito processual civil, não é equiparável um comportamento omissivo a um tácito.
72. A propósito do lugar paralelo das declarações de vontade tácitas, Paulo Mota Pinto sublinha que a declaração tácita é uma declaração por ação, explicitando que a atitude omissiva não tem, em regra, valor declarativo no Código Civil (in Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 1995, pág. 639).
73. Veja-se também a situação paralela da revelia: o réu que, apesar de citado, não contesta (assim como o recorrido que não contra-alega) se perder a ação também sucumbe.
74. Nesta ordem de ideias, A. Abrantes Geraldes assinala que o mero silêncio da parte, depois de notificada da decisão, não consubstancia qualquer manifestação tácita da renúncia ou aceitação, acrescentando que a desvalorização do silêncio “é ainda maior nos casos em que a decisão nem sequer é susceptível de recurso autónomo e em que a impugnação é diferida para o recurso da decisão final (art. 644.º, n 3)” - in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., 2016, pág. 79.
75. Na mesma linha de pensamento, M. Teixeira de Sousa escreve que a renúncia “não se confunde com a omissão de impugnação, porque ela pressupõe uma manifestação de vontade (ainda que tácita) de não impugnar uma decisão” (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., pág. 382).
76. Do que fica dito segue-se que a omissão do ato de recorrer nada quer significar em termos de manifestação de vontade tácita.
77. O decurso do prazo, sem que a parte vencida tenha recorrido no prazo legal, apenas acarreta a preclusão do direito à prática desse ato processual. Isso e nada mais – cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., pág. 79.
78. Se o facto da parte não recorrer tem apenas como consequência a perda do direito ao recurso naquela concreta instância, sem que de tal omissão se possa retirar qualquer aceitação definitiva da decisão, por maioria de razão se deve entender, que tendo sido interposto recurso que, contudo, não foi admitido por intempestivo (como no caso dos autos) não há aceitação tácita da decisão.
79. Inexistindo uma aceitação tácita da decisão que indeferiu liminarmente a reconvenção, o juízo sobre a admissibilidade da revista passa unicamente pela determinação do valor da sucumbência como resultado desfavorável (sucumbência material). É esta é a noção material que está presente quando se considera o réu revel como parte vencida perante uma sentença de procedência de ação.
80. Ou seja, apesar do réu revel nada ter pedido ou contraposto, a decisão é-lhe prejudicial, consistindo a sucumbência nesse dano.
81. Transpondo para o caso dos autos, a medida da sucumbência terá de resultar do confronto entre o dispositivo do acórdão recorrido e aquilo que foi requerido na ação e na reconvenção.
82. Ora vistas as coisas nesta perspetiva – que, salvo melhor opinião, é a correta à luz do sistema recursivo visto na sua coerência e unidade –, a medida da sucumbência do Réu é total, cifrando se na soma do pedido formulado na ação (€8000,00) do pedido reconvencional (€30.000,00), o que perfaz um valor global de €38.000,00, muito superior a metade da alçada da Relação.
83. Em derradeira alternativa, estar-se-á perante um caso de fundada dúvida no apuramento do valor da sucumbência, em que a medida desta será calculada com base no valor da causa, que, na espécie, foi fixado, com um trânsito em julgado, em €38.000,00.
SEM PRESCINDIR
84. Como consta das conclusões da alegação de recurso de revista do recorrente, mais concretamente do capítulo I (“DAS NULIDADES DO ACÓRDÃO SOB REVISTA [(art. 674.º, n.º 1, al. c)], al. “C) “Excesso de pronúncia” (nas págs. 104 a 110 da alegação), o Tribunal da Relação do Porto proferiu uma decisão que foi para além do pedido deduzido pela A. na presente ação.
85. O vício de excesso de pronúncia é particularmente gritante no segmento em que o Acórdão recorrido “declarou nulo o negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima”.
86. A A. não formulou o pedido de declaração de nulidade da transformação da sociedade. Aliás, se tivesse feito, a acção teria de ser necessariamente intentada contra a sociedade, e não o foi (cfr., artigo 60.º, n.º 1, do CSC).
87. Ao declarar a nulidade da transformação da sociedade, o Acórdão recorrido atribui um direito substancialmente diverso daquele que a A. visava obter através da pretensão que, na sua estratégia processual, efectivamente formulou.
88. Com efeito, o Acórdão recorrido decidiu, no que releva para a presente reclamação:
“Julgar parcialmente procedente, em matéria de direito, o recurso interposto da sentença final e, nessa medida, alterar a redacção do dispositivo daquela, passando o mesmo a conformar-se com o seguinte: (…)
Declaramos nulo o negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas “M..., Lda.” em sociedade por quotas e com a denominação “X..., S. A.”, objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001; (…)” [sendo o sublinhado nosso]
89. Como resulta do alegado trecho da alegação de recurso do recorrente, tal decisão é, desde logo, nula por exceção de pronúncia.
90. A declaração de nulidade do negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima tem como consequência a destruição e extinção da sociedade anónima, com um capital social de €155.000,00, pois, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 165.º do CSC, “Declarado nulo ou anulado o contrato de sociedade, devem os sócios proceder à liquidação (…)”.
91. Como consta dos factos dados como provados no acórdão recorrido, o recorrente detém uma participação no capital social que o tribunal fixa entre o valor nominal de €50.000,00 (no ponto 4.3 dos factos provados, na pág. 66 do Acórdão) e valor nominal de €75.750,05, ou seja 48,871% do capital (cfr. o ponto 4.39 dos factos provados, na pág. 69).
92. Nos termos do disposto no art. 301.º do CPC, “quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.”
93. O valor da sociedade no momento da transformação é espelhado pelo valor do seu capital social, ou seja, €155.000,00 (cfr. art. 301.º, n.º 1 do CPC).
94. Ao declarar a nulidade do contrato de sociedade anónima, o Acórdão recorrido destruiu a sociedade anónima, pelo que o valor da sucumbência, se o recorrido fosse titular de 100% do capital social não poderia ser inferior a €155.000,00.
95. Resultando dos factos dados como provados que o recorrente detém uma participação social de 48,871% do capital (cfr. o ponto 4.39 dos factos provados, na pág. 70), o valor da sucumbência, nunca poderá ser inferior a €75.750,05.
96. Há, porém, que referir, desde já, antecipando o cenário da sua previsível invocação, que o artigo 299.º, n.º 1, do CPC, exige que na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta.
97. Porém, como decorre da alegação de recurso, pelo menos para efeito de sucumbência, o recorrente não pode ser penalizado pelo facto de o Tribunal da Relação do Porto ter tomado uma decisão que vai para além do pedido deduzido pela A. na ação.
98. Dito de outro modo, no caso em apreço, o recorrente não pode ser duplamente penalizado pelo facto do Acórdão recorrido ter prolatado uma decisão que excede o que foi pedido pela Autora na ação.
99. Penalizado, por um lado, porque foi condenado num pedido superior, de valor mais elevado, ao que consta do pedido da autora deduzido na presente ação, deste modo, eclipsando uma sociedade na qual o autor tinham uma participação com um valor nominal superior a €75.000,00.
100. Penalizado porque, por outro lado, ao decidir dessa forma, para além do pedido, poderia o Tribunal estar a tentar impedir o recorrente de recorrer de revista para o STJ, por força da regra que determina que o valor da ação se fixa no momento da sua instauração, quando o prejuízo que lhe está a ser causado é igual ou superior a €50.000,00, ou até igual ou superior a €75.750,05, ou seja, muito superior ao valor da ação.
101. Dito de outro modo, a A. atribuiu à ação na petição inicial o valor de €8.000,00 porque o que estava em causa era somente saber de quem eram as cinco mil ações, com o valor nominal global de €5.000,00, que foram subscritas no aumento de capital da sociedade, a que acrescia o valor do pedido decondenação do Réu como litigante de má-féem €3.000,00 (€5000 mais €3000 = €8.000,00).
102. Porém, se a Autora tivesse pedido na sua petição inicial, como consta do acórdão recorrido, o pedido de declaração de “nulidade do negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas “M..., Lda.” em sociedade por quotas e com a denominação “X..., S. A.”, objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001.” (cfr. ponto 2 da parte decisória do Acórdão recorrido, na última página do Acórdão de 11.02.2022), o valor da ação não poderia deixar de ser de €155.000,00, por força da aplicação do disposto no artigo 301.º, n.º 1, do CPC.
103. No caso, foi atribuído à ação o valor de €38.000,00, correspondente aos €8.000,00 da petição e aos €30.000,00 da reconvenção, em face dos concretos pedidos quantitativos constantes das respetivas peças processuais (artºs. 297º e 298º do C.P.C.).
104. Em face da decisão constante do Acórdão recorrido, que declarou a nulidade do aumento de capital por simulação e ainda a nulidade do contrato de sociedade anónima, pelo facto de a mesma ter sido constituída por numero de sócios inferior a cinco, a sucumbência efetiva para o recorrente, não é a que decorre do valor que foi fixado na ação, mas sim a decorrente da concreta declaração de nulidade do acto constituinte da sociedade anónima, com a sua consequente destruição.
105. Daí que o prejuízo do recorrente nunca será inferior a €75.750,05, ou seja 48,871% do capital social de €155.000,00 (cfr. o ponto 4.39 dos factos provados, na pág. 70 do Acórdão recorrido).
106. Em suma, não se pode, no caso sub judice, aferir o valor da sucumbência pelo valor do pedido deduzido pela A. na p.i., dado que o Tribunal da Relação do Porto, condenando para além do pedido, declarou “nulo o negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas “M..., Lda.” em sociedade por quotas e com a denominação “X..., S. A.”, objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001.” (cfr. ponto 2 da parte decisória do Acórdão recorrido, na última página do Acórdão de 11.02.2022).
107. Podendo, no caso, o valor da sucumbência ser aferido pelo valor nominal da participação social do Recorrente no momento em que o aumento de capital e transformação da sociedade ocorreu, ou seja, €50.000,00, ou pelo valor nominal da participação aferido à data de decisão em função dos dados como provados nos autos, ou seja, €75.750,05.
108. Especulemos, a benefício da argumentação, que a decisão recorrida tinha, numa hipótese caricatural, condenado o recorrente a pagar à recorrida uma indemnização de um milhão de euros, que não havia sido pedida pela A. na p.i.
109. Neste caso o valor da sucumbência também estaria limitado ao valor que a A. atribuiu à ação na petição inicial, como defende a decisão de que se reclama? A resposta não pode deixar de ser negativa.
110. No Ac. do STJ, de 17.05.2018, no Processo 952/12.8TVPRT.P1.S1, foi decidido que o valor da condenação ultra petitum deverá ser tomado em consideração para aferir o valor da sucumbência, como decorre do seguinte trecho:
“No caso, não se suscitam dúvidas quanto ao preenchimento do pressuposto atinente ao valor da causa, posto que este é de € 108.526,74 (art. 297.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Porém, no que toca à sucumbência, importa atentar nos termos das condenações das instâncias, uma vez que, em conformidade com o AUJ n.º 10/2015, de 14-05-2015 (publicado no DR, I Série, de 26-06-2015), Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1.ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1.ª instância e o acórdão da Relação.
Vejamos:
A 1.ª instância condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 5.838,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento. Já a Relação, alterando essa decisão, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 17.838,00 acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, bem como no montante a liquidar ulteriormente, correspondente aos acrescidos tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar) e às acrescidas consultas médicas e medicamentos que a Autora, em consequência do acidente, terá de realizar no futuro.
Na parte que ora releva (por ser a que é posta em causa na presente revista), resulta, da comparação que se faça, entre os valores arbitrados pelas instâncias, que a 1.ª instância atribuiu à Autora, a título de dano biológico, a quantia de € 7.000,00 e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00, enquanto a Relação fixou, por esses mesmos danos, as quantias, respectivamente, de € 14 000,00 e de € 15 000,00 (sendo que as condenações nos valores já liquidados que supra se descreveram resultaram da subtracção das quantias já pagas pela ré, que ficaram demonstradas nos autos).
Assim sendo e olhando apenas às quantias que foram objecto de condenação líquida, é evidente que, situando-se a sucumbência da recorrente no valor de € 12.000,00 (diferença entre o valor fixado numa e noutra decisão), o recurso não seria admissível por falta de preenchimento do dito requisito, mas a verdade é que a Relação condenou igualmente aquela, no acórdão recorrido, numa quantia ilíquida, sem que existam quaisquer elementos nos autos que a permitam quantificar, sendo certo que a recorrente põe igualmente em causa, na revista interposta, a condenação nessa parte.
Ora, ciente de que nem sempre se mostra fácil ou possível quantificar a sucumbência (designadamente quando estejam em causa pedidos que não tenham uma clara tradução monetária ou pedidos genéricos), o legislador adoptou uma solução pragmática, mandando atender, nessas situações de dúvida fundada acerca do valor da sucumbência, apenas ao valor da causa (art. 629.º, n.º 1, in fine, do CPC). Donde, não sendo, in casu, possível quantificar o valor da sucumbência da recorrente na parte concernente à condenação ilíquida, há que privilegiar apenas o valor do processo, sendo, consequentemente, admissível o recurso de revista, cujo objecto importa, então, delimitar.
2.2.2. Tratamento jurídico das questões decidendas (à luz da doutrina e da jurisprudência):
a) Da violação do disposto no art. 609.º, n.º 1, do CPC (pontos 1. a 15. das conclusões):
Sustenta, a este propósito, a recorrente, que, face ao art. 14.º da petição inicial, para o qual remete a Autora no pedido formulado, esta apenas pediu a sua condenação no pagamento da quantia de € 108.526,74, acrescida do montante dos tratamentos de fisiatria, em virtude das dores lombares e cervicais de que padece, das deslocações de táxi (por não ser indicado deslocar-se em transportes públicos) e das consultas médicas e medicamentos, até ter alta, bem como dos ordenados que, desde essa data até ter alta, deixar de receber, a liquidar ulteriormente, tudo acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento. Pelo que, sendo o art. 14.º da petição muito claro no que diz respeito àquilo que a recorrida pretendia relegar para execução de sentença – ou seja, os tratamentos de fisiatria, as deslocações de táxi e as consultas médicas e medicamentosas até ter alta - não podia a Relação ter ficcionado um qualquer pedido explícito ou implícito já que o que aquela peticionou nos autos não foi aquilo em que a Relação decidiu condenar a recorrente, sendo certo que as despesas que foram peticionadas até à data da alta (ocorrida em 01-04-2011) foram apresentadas nos autos e já constam dos valores indemnizatórios atribuídos à recorrida na sentença.
Concluiu dizendo que, ao ter assim procedido – isto é, ao tê-la condenado nos aludidos tratamentos de fisiatria, consultas e medicamentos cujo montante relegou para execução de sentença – a Relação violou, no acórdão recorrido, o disposto no art. 609.º, n.º 1, do CPC.
Tal condenação surgiu na sequência de, em sede de apelação, a Autora ter invocado a nulidade da sentença nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC por o tribunal de 1.ª instância não se ter pronunciado sobre o pedido implícito de condenação da ré no pagamento dos tratamentos de fisiatria e fisioterapia, ainda que a liquidar em execução de sentença.
Apreciando a invocada nulidade, a Relação concluiu que, efectivamente, apesar de a Autora ter formulado o pedido de condenação da ré no pagamento dos valores necessários para continuar a fazer tratamentos de fisioterapia e dos valores relacionados com as deslocações em transporte de táxi para fazer esses tratamentos – fazendo, portanto, um pedido explícito e não implícito – o tribunal de 1.ª instância não se havia pronunciado sobre essa pretensão, cometendo, em consequência, nulidade por omissão de pronúncia.
Nessa conformidade, suprindo a nulidade verificada, a Relação condenou à Ré no pagamento à Autora das quantias relacionadas com os ditos tratamentos e consultas que esta terá de continuar a fazer e com os medicamentos de que continuará a carecer em virtude do acidente, tudo a liquidar em execução de sentença, de modo a distinguir aqueles que a Autora já teria de fazer e de tomar antes do acidente por força das patologias pré-existentes que ficaram provadas nos autos, daqueles que, por força do acidente, terá de fazer e de tomar.
Vejamos, então, se assiste razão à recorrente.
Dispõe o art. 609.º, n.º 1, do CPC que “sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.
Conforme ensina, a este propósito, Alberto dos Reis (ob. cit., volume V, p. 67 a 70), trata-se de limite que se encontrava já previsto no artigo 281º do Código velho que proibia que, na sentença, o juiz condenasse além, ou em coisa diversa, do que se houvesse pedido.
Com efeito, A sentença deve manter-se quanto ao seu conteúdo, dentro dos limites definidos pela pretensão do autor e da reconvenção eventualmente deduzida pelo réu, não podendo o juiz proferir sentença que transponha os limites do pedido, quer no que respeita à quantidade, quer quanto ao seu próprio objecto. A limitação contida no normativo em questão – consubstanciada na velha máxima do direito romano ne eat iudex ultra vel extra petita partium - constitui um corolário do princípio dispositivo, numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio. Será, assim, sobre o titular de determinado direito subjectivo que recairá o ónus de escolher, de entre diversas providências possíveis, aquela que melhor satisfaça os seus interesses, sendo o tribunal alheio a essa escolha, que depende única e exclusivamente da vontade do interessado e que uma vez efectuada – através da dedução do pedido – delimitará os poderes do juiz (art. 3.º, n.º 1, do CPC).
Os tribunais são órgãos incumbidos de dirimir os conflitos reais formulados pelas partes, mas não constituem, no foro da jurisdição cível contenciosa, instrumentos de tutela ou curatela de nenhum dos litigantes e daí que quando não haja coincidência entre a decisão e o pedido a lei fulmine a sentença com o vício da nulidade – artigo 615º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil. (…)
Senão vejamos:
É pacífico que a petição inicial (na qual é deduzido o pedido) – constituindo uma declaração da parte, por escrito, que, embora dirigida a tribunal, opera no confronto da parte contrária – deve ser interpretada à luz do disposto nos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil. Com efeito, revestindo a petição, à semelhança dos outros articulados, a natureza de acto jurídico, a sua interpretação deve ser feita, face ao disposto no art. 295.º do CC, em conformidade com as regras atinentes à interpretação da declaração negocial. Para além disso, o pedido deve ser interpretado à luz da causa de pedir em que se alicerça[1].
O pedido formulado pela Autora na petição inicial tem o seguinte teor: “Termos em que deverá a acção proceder, condenando-se a Ré a pagar à Autora € 108.526,74, acrescido do montante referido no artigo 14.º bem como os ordenados que desde esta data, até ter alta, deixar de receber, a liquidar ulteriormente, tudo acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento”. Consta, por sua vez, do artigo 14.º da petição para o qual remete o petitório:
“Acresce que a Autora carece de continuar a fazer tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar), em virtude das dores lombares e cervicais de que padece, bem como de se deslocar em táxi, uma vez que não é indicado deslocar-se em transportes públicos e carece de consultas médicas e de medicamentos, até ter alta (negrito e sublinhado nossos).
A Autora ancorou os danos peticionados, além do mais, nos seguintes factos: Mercê do embate a Autora:
a) sofreu danos físicos (…);
e) continua doente e com total impossibilidade para o trabalho, não sendo previsível quando venha a ter alta para retomar o trabalho;
f) ainda não está curada, nem sequer se encontra fixada a incapacidade de que padece em virtude do acidente, pelo que não lhe pode ser dada alta médica (…)”. Já na ampliação do pedido que apresentou, depois de se terem realizado várias sessões da audiência de julgamento, a Autora não fez qualquer referência ao aludido pedido de condenação da ré no pagamento do montante para tratamentos, consultas e medicamentos, mantendo-se, portanto, quanto a este apenas o que verteu inicialmente na petição.
Nesta conformidade, da interpretação que se faça do pedido nos termos supra expostos e à luz da causa de pedir, resulta ser evidente que o mesmo é expresso no sentido de a Autora pretender que a Ré seja condenada a pagar-lhe o montante para futuros tratamentos, consultas e medicamentos (isto é, os que tenha de efectuar depois da entrada da acção em juízo). Contudo, apenas até ter alta. Na verdade, é esse o sentido que qualquer destinatário, colocado na posição da ré, atribuiria ao pedido formulado nos autos.
Para essa delimitação temporal, terá certamente contribuído a circunstância de a Autora ter partido do pressuposto que, em 28-09-2012 (data da propositura da acção), ainda não lhe tinha sido dada alta, que não se encontrava curada e que, como tal, também ainda não lhe tinha sido fixada a incapacidade de que ficou a padecer em virtude do acidente.
Sucede, porém, que ficou demonstrado nos autos que a data da consolidação médico-legal dos danos físicos advenientes para a Autora em virtude do acidente se verificou em 01-04-2011 (cf. facto provado sob o ponto 18.) e, portanto, em data anterior à da propositura da acção.
Ora, a data da consolidação médico-legal mais não é do que, em linguagem corrente, a data da alta.
Por conseguinte, correspondendo a alta clínica à situação em que a lesão desapareceu totalmente (cura) ou se apresenta como insusceptível de modificação com terapêutica adequada (consolidação), é de concluir que, ao ter condenado a ré no pagamento à Autora do montante para tratamentos, consultas e medicamentos, a liquidar ulteriormente, sem qualquer limite temporal, a Relação excedeu claramente o pedido, posto que este estava expressamente delimitado até à data da alta.
Sublinhe-se, de resto, que foi a Autora que optou por limitar o seu pedido apenas até à data da alta, o que, de resto, acabou por reconhecer, já que só assim se explica que tenha tido necessidade de alegar, em sede de recurso de apelação, que tal pedido tinha sido formulado de forma implícita, quando, na verdade, o mesmo foi expresso e claro no apontado sentido.
Pelas razões aduzidas, forçoso é concluir que o acórdão recorrido, na parte em que condenou a Ré no pagamento do montante, a liquidar ulteriormente, sem qualquer limite temporal, para tratamentos, consultas e medicamentos de que carecer a Autora em virtude do acidente, enferma de nulidade por condenação em montante que extravasa o pedido (arts. 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC).
Cumpre, assim, suprir a mencionada nulidade, conhecendo do pedido formulado pela recorrente, o qual, face ao que acima se deixou dito, tem, naturalmente, de claudicar (art. 684.º, n.º 1, do CPC).
Com efeito, tendo a Autora peticionado a condenação da ré no pagamento do montante, a liquidar ulteriormente, para tratamentos de fisiatria, consultas e medicamentos, desde a data da propositura da acção até ter alta e tendo ficado demonstrado nos autos que a alta ocorreu em 01-04-2011, altura em que se consolidaram as lesões sofridas, é evidente que o pedido tem de improceder na medida em que quando a petição deu entrada em juízo (em 28-09-2012) já há muito que a alta tinha ocorrido.
Tal conclusão em nada sai beliscada pela circunstância de ter ficado demonstrado nos autos que a Autora carece de continuar a fazer tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar) em virtude das dores lombares e cervicais de que padece, bem como que carece de consultas médicas e medicamentos, posto que o direito a ser ressarcida por eventuais tratamentos, consultas e medicamentos de que possa carecer, no futuro, em virtude do acidente em questão, estava dependente de a mesma ter formulado pedido nesse sentido, incluindo para além da data da alta – sendo certo que se a Autora não o fez, sibi imputet.
Pelo exposto, suprindo a nulidade de que enferma o acórdão recorrido, há que revogar o segmento decisório em questão, com a consequente absolvição da Ré desse pedido.”
111. Por último, caso se venha a entender que, por força da condenação ultra petitum, se verifica uma “fundada dúvida acerca do valor da sucumbência”, passará, então, a valer a solução pragmática que privilegia o critério principal assente no valor do processo em que foi proferida a decisão.
112. “Uma vez que não se pode determinar com exactidão o valor da sucumbência, atenta a natureza dos pedidos e os efeitos jurídicos que a Autora pretende extrair da acção, o recurso deve ser admitido por não ser possível quantificar o valor exacto da sucumbência, sendo que em caso de dúvida acerca do decaimento, dever ser admitido o recurso, atendendo-se apenas ao valor da causa” (cfr. Ac. do STJ, de 24.06.2008, no Processo 08A1736).
113. Seja como for, o Supremo Tribunal de Justiça deverá aferir o valor da sucumbência tendo em consideração que na concreta decisão prolatada o Acórdão recorrido declarou nulo o negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, pedido que não foi deduzido pela Autora, recorrida, na presente ação
114. Interpretado o artigo 629.º, n.º 1, do CPC no sentido de que, tendo a decisão recorrida condenado para além do pedido, o prejuízo daí resultante para a parte vencida não é atendível como valor da sucumbência para efeitos de recurso, tal interpretação é materialmente inconstitucional por violação do direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20º da CRP.
115. Por último, mas não em último.
116. Na contestação com reconvenção constante do requerimento de 31.07.2019, o Réu, ora recorrente, veio opor-se à tese da A., plasmada na p.i., da existência de simulação no aumento de capital por entrada de novos sócios e, em sentido contrários, defender a tese de que:
a) “o aumento de capital social, subscrito pelo FF e pela DD, e a transformação da sociedade foram efectivamente queridos por todos os sócios; a A. e o CC, nomeadamente, quiseram a intervenção do FF e da DD no negócio jurídico e estes nele quiseram intervir, em nome próprio” (cfr. 63.):
b) “Uma vez que todas as partes quiseram o negócio, ele não pode ser havido como simulado – cfr., Manuel de Andrade, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª Reimpressão, pág. 176; (cfr. 64.ª)
c) “Para além de não haver simulação, a simulação retratada nos autos se enquadrar na figura do mandato sem representação, cuja licitude não é questionável uma vez que todas as partes quiseram o negócio, ele não pode ser havido como simulado” (cfr. 73.º)
d) Os RR DD e EE subscreveram em seu nome acções no capital social da sociedade em questão nos presentes autos, à semelhança do que fizeram noutras sociedades, a pedido e no interesse do sócio AA, com a obrigação de posteriormente transferir a propriedades das acções subscritas para o AA, ou para quem este lhe viesse a indicar, como efectivamente sucedeu, em ambos os casos, dado que quer a DD, quer o EE vieram a transferir a propriedade das 2.500 acções, que cada um subscreveu no capital social, para o AA em contratos de compra e venda de acções (cfr. artigos 84.º a 86.º)
117. No final da contestação o Réu pediu que a ação fosse julgada improcedente e cumulativamente com tal pedido que fosse julgado procedente o seguinte pedido reconvencional supra transcrito.
118. A utilidade económica do pedido reconvencional deduzido pelo Réu Reconvinte corresponde, pois, ao valor equivalente aos “prejuízos causados pela perda do controlo da maioria do capital social da V... SA,” que computou serem de valor não inferior a €30.000,00 e a liquidar em execução de sentença.
119. Ora, compulsada a sentença proferida em primeira instância, quer o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, confirma-se que, em ambos os casos, por força das respetivas decisões, o recorrente perdeu a detenção da maioria do capital social da V... SA (detenção de mais de 50% no capital social).
120. Pelo que o valor da sucumbência do AA não se restringe ao valor do pedido constante da p.i. (€8.000,00), mas sim ao valor do pedido constante da p.i. adicionado do valor do pedido constante da reconvenção (€30.000,00).
121. A sua sucumbência corresponde, assim, à totalidade da utilidade económica imediata do pedido constante da petição inicial adicionada da utilidade económica do pedido reconvencional, que corresponde ao valor da ação (€38.000,00).
122. Também por esse ângulo de análise, atenta a decisão proferida pelo tribunal a quo, com a procedência da tese da A. resulta que a utilidade económica do pedido por si estabelecido na reconvenção, corresponde ao valor da sucumbência – ou seja, pelo menos, €38.000,00.
123. Atenta a racionalidade subjacente, chamamos à colação o Ac. do STJ de 16.12.2021, no Processo 680/15.2T8BGC.G1.S1, onde se pode ler no respetivo sumário: “O facto de, para determinação do valor da causa, o valor do pedido reconvencional não se adicionar ao valor do pedido inicial, quando há identidade dos mesmos, não significa que não se atenda ao valor da utilidade económica do pedido reconvencional para cálculo do valor da sucumbência.”
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ DEVE A PRESENTE RECLAMAÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE POR PROVADA E, POR CONSEQUÊNCIA, SER DECLARADA NULA E DE NENHUM EFEITO A DECISÃO QUE NÃO ADMITIU O RECURSO, QUE DEVERÁ SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ADMITA O RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECORRENTE, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA!
4. A Autora BB respondeu à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento.
5. Em 18 de Maio de 2022, foi proferido despacho no sentido do indeferimento da reclamação.
6. Inconformado com o indeferimento da reclamação, o Réu AA veio requerer que sobre o despacho de 18 de Maio de 2022 recaísse um acórdão, ao abrigo dos arts. 643.º, n.º 4, in fine, e 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
7. A Autora BB e os Réus DD e EE prescindiram do prazo de resposta.
II. — FUNDAMENTAÇÃO
8. O art. 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:
O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
9. O Tribunal da Relação do Porto não admitiu o recurso, de revista com dois argumentos: em primeiro lugar, com o argumento de que a causa não tem valor superior à alçada do Tribunal da Relação (30 00 euros); em segundo lugar, com o argumento de que, ainda que a causa tivesse valor superior à alçada da Relação, a decisão impugnada não é desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal da Relação.
10. O primeiro argumento deve relacionar-se com os arts. 297.º, n.º 2, e 299.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil:
Artigo 297.º — Critérios gerais para a fixação do valor
2. — Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles […].
Artigo 299.º — Momento a que se atende para a determinação do valor
1. — Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal.
2. — O valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530.º.
11. O Tribunal da Relação sustenta que, desde que a decisão de rejeição liminar da reconvenção transitou em julgado, o valor da reconvenção deixou de relevar para efeitos do art. 297.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
12. O valor da causa corresponderia ao valor do pedido formulado pela Autora — 8000 euros —, sem que devesse somar-se o valor do pedido formulado pelo Réu — 30000 euros.
13. Impugnando-o, o Reclamante sustenta que, ainda que a decisão de rejeição liminar da reconvenção não tenha transitado em julgado, o valor da reconvenção continua a relevar.
14. O valor da causa corresponderia à soma do valor dos pedidos formulados pela Autora e pelo Réu.
15. O raciocínio do Tribunal da Relação do Porto deve subscrever-se.
16. Em primeiro lugar, poderia alegar-se que a simples dedução de reconvenção não pode ter como efeito processual imediato a alteração do valor da causa [1].
17. Em segundo lugar, ainda que se considere que a simples dedução de reconvenção pode ter como efeito processual imediato a alteração do valor da causa, e que a alteração do valor da causa não pode ser prejudicada pelas posteriores vicissitudes processuais [2] [3], sempre deverá exigir-se que o articulado deduzido tenha a aparência de uma reconvenção.
18. Em concreto, o pedido foi deduzido contra os co-Réus DD e EE, pelo que não tem sequer a aparência de uma reconvenção — i.e., de um contra-pedido deduzido pelo Réu contra a Autora [4].
19. O Réu, agora Reclamante, AA insurge-se contra os argumentos deduzidos, alegando que
“… o Tribunal de 1.ª instância fixou à causa o valor de €38.000,00, por decisão transitada em julgado, tendo, por isso, formado caso julgado formal.
Sendo, por isso, irrelevante debater se a simples dedução da reconvenção tem ou não tem como efeito processual imediato a alteração do valor da causa”.
20. Ora o art. 621.º do Código de Processo Civil determina que “[a] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga” — e, interpretando-o, diz-se que
“[a] determinação do âmbito objectivo do caso julgado postula a interpretação prévia da sentença, isto é, a determinação exacta do seu conteúdo (dos seus ‘precisos termos e limites’)” [5].
21. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 2012 — processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1 — diz, de forma impressiva, que “[a] determinação do âmbito de caso julgado, formal ou material, de uma sentença, pressupõe a respectiva interpretação” — e o critério enunciado no acórdão de 26 de Abril de 2012 é confirmado, p. ex., pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 2014 — processo n.º 177/03.3TTFAR.E1.S1 — e de 4 de Dezembro de 2018 — processo n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1.
22. Em consequência,
“[n]um recurso fundado em violação do caso julgado, tem necessariamente o Tribunal ‘ad quem’ de começar por determinar qual é — segundo os critérios interpretativos que devem ser utilizados para determinar o sentido de uma sentença — o âmbito possível de tal operação interpretativa, excluindo aqueles sentidos normativos que extravasem o âmbito consentido a uma actividade interpretativa, levando a alcançar e imputar-lhe sentidos decisórios que a sentença interpretada manifestamente não pode comportar” [6]
23. Em concreto, a decisão do Tribunal de 1.ª instância cuja força de caso julgado se discute é do seguinte teor:
“Fixa-se à causa o valor indicado pela Autora, com o acréscimo resultante da dedução de pedido reconvencional — cfr. artigos 301.º, n.º 1 e 299.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.”
24. Interpretando a decisão do Tribunal de 1.ª instância, de acordo com os critérios consolidados na doutrina e na jurisprudência [7], deverá dizer-se que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, deduziria do texto e do contexto da decisão que o “acréscimo resultante da dedução do pedido reconvencional” só relevará desde que deva aplicar-se a regra de que o valor da causa corresponderia à soma do valor dos pedidos formulados pela Autora e pelo Réu (cf. art. 299.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
25. Em todo o caso, ainda que não procedesse o primeiro argumento deduzido no despacho reclamado, sempre deveria apreciar-se o segundo — o argumento de que, ainda que a causa tivesse valor superior à alçada da Relação, a decisão impugnada não é desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal da Relação.
26. A decisão impugnada consta do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 11 de Janeiro de 2022.
27. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 11 de Janeiro de 2022 é do seguinte teor:
Pelos fundamentos expostos, decidimos:
A) Julgar improcedente o recurso interposto da decisão interlocutória e, consequentemente, manter o indeferimento da requerida suspensão da instância até comprovação da inscrição do registo da ação.
B) Julgar parcialmente procedente, em matéria de facto, o recurso interposto da sentença final, com a consequente modificação da decisão da matéria de facto nos termos que deixámos consignados no lugar próprio deste acórdão.
C) Julgar parcialmente procedente, em matéria de direito, o recurso interposto da sentença final e, nessa medida, alterar a redação do dispositivo daquela, passando o mesmo a conformar-se com o seguinte:
1. Declaramos nulo, por simulação, o negócio jurídico de aumento do capital da sociedade “M..., Lda.” e da admissão, como sócios, dos aqui Intervenientes Principais EE e DD, objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001;
2. Declaramos nulo o negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas “M..., Lda.” em sociedade por quotas e com a denominação “X..., S. A.”, objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001;
3. Declaramos inexistente o negócio jurídico correspondente ao contrato de compra e venda de ações, celebrado entre o Réu e o Interveniente Principal FF, em 27.12.2002, por documento particular; e
4. Declaramos inexistente o negócio jurídico correspondente ao contrato de compra e venda de ações, celebrado entre o Réu e a Interveniente Principal DD, em 30.08.2017, por documento particular.
D) Condenar o Apelante no pagamento das custas do recurso.
28. O Tribunal da Relação sustenta que a decisão impugnada só é desfavorável ao Réu em montante correspondente ao valor do pedido principal — 80000 euros — e que o valor do pedido principal é inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação — 30000 euros.
29. Impugnando-o, o Reclamante sustenta:
I. — que há fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, no sentido do art. 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (n.ºs 26-83 da reclamação);
II. — que o Tribunal da Relação do Porto proferiu uma decisão nula por excesso de pronúncia e que o excesso de pronúncia fez com que a decisão impugnada fosse desfavorável ao Réu em valor não inferior a 75750,05 euros (n.ºs 84-114);
III. — que, ainda que o Tribunal da Relação do Porto não tivesse proferido uma decisão nula por excesso de pronúncia, sempre a decisão impugnada seria desfavorável ao Réu em valor não inferior a 38000 euros, desde que fossem considerados os danos decorrentes da perda do controlo da maioria do capital social da V... SA (n.ºs 115-123).
30. Esclarecendo o alcance do excesso de pronúncia, o Réu, agora Reclamante, alega duas coisas:
I. — por um lado, alega que há excesso de pronúncia porque o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 2022 teria excedido os limites do pedido apresentado pela Autora, agora Reclamada;
II. — por outro lado, alega que há excesso de pronúncia porque o acórdão do Tribunal da Relação do Porto teria excedido os limites do recurso interposto pelo Réu, agora Reclamante, infringindo o princípio da proibição da reformatio in pejus.
31. O art. 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil consagra o princípio da proibição da reformatio in pejus, ao dizer que
Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo [8].
32. Em consonância com o princípio da proibição da reformatio in pejus do art. 635.º, n.º 5, “os efeitos da decisão transitada em julgado do recurso não podem ser piores para o recorrente que os efeitos que se produziriam no caso de não ter recorrido” [9].
33. Quanto à alegação de que há excesso de pronúncia porque o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 2022 excedeu os limites do pedido apresentado pela Autora, agora Reclamada, o Réu, agora Reclamante, vem agora dizer que
“… nem como lentes de aumento se enxerga como é que a declaração de nulidade da escritura de aumento de capital e de transformação da sociedade se contém dentro dos limites do pedido deduzido pela Autora nos presentes autos.
A autora, ora reclamada, deduziu o seguinte pedido na ação, através do requerimento de 29.01.2018 (depois de alertada pelo Tribunal, para a ausência de pedido no final da p.i., por despacho de 17.01.2018):
‘BB, notificada para concretizar o pedido formulado ao Douto Tribunal, vem dar cumprimento ao mesmo, peticionando ao tribunal que, na procedência da acção:
- Seja o R condenado a reconhecer a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de 2 novos sócios na transformação da sociedade X..., S.A. actualmente designada V..., S.A. já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio CC.
- Seja o R condenado a reconhecer a simulação absoluta na compra, por si, de 2500 acções da sociedade X..., S.A. actualmente designada V..., S.A., a EE, em 27 de Dezembro 2002, pelo montante de €2 500,00 dois mil e quinhentos euros e que seja declarada a nulidade de tal negócio;
- Seja o R condenado a reconhecer a simulação absoluta na compra, por si, de 2500 acções da V..., S.A. a DD, em 30 de Agosto de 2017, pelo montante de €2 500,00 dois mil e quinhentos euros e que seja declarada a nulidade de tal negocio.’
Com efeito, analisado o pedido completo deduzido na presente ação pela A. – que não o pedido truncado plasmado na decisão reclamada – podemos concluir que a pretensão da Autora com a presente ação era a de que as ações objeto do aumento de capital ficassem a pertencer ao sócio CC, como consta do seguinte trecho do pedido: ‘já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio CC’.
Com efeito, a tese da A., plasmada nos presentes autos, é a da existência de simulação relativa, ou seja, que aqueles que subscreveram o aumento de capital o fizeram como “homens de palha” do CC, como consta do pedido, ‘já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio CC.’
A própria causa de pedir da presente ação, tal como foi configurada pela A. na p.i., assenta no pressuposto de que o aumento de capital é válido e a transformação da sociedade foi querida por todos, pugnando pela entrega das ações relativas ao aumento ao sócio CC, que, conjuntamente com a sócia BB teriam, assim, a maioria do capital social da sociedade.
Assim, pode ler-se nos artigos 58.º, 97.º e 98.º da petição inicial da presente ação o seguinte:
58.º Ainda que por força da vontade das partes a V..., S.A seria detida por:
— (A.) BB com 48,871% do capital social
— (R.) AA com 48,871% do capital social
— CC e esposa com 2,258% do capital social (…)
97º Ou seja, tendo as partes, em concluo, actuado por forma a permitir a transformação da sociedade por quotas em anónima, a transformação é valida;
98º E tendo as partes, em concluo, actuado por forma a permitir o aumento de capital social pelo sócio CC, o aumento da participação daquele é válida.
Ou seja, a decisão reclamada toca as raias do absurdo ao considerar que o reclamante não conseguiu demonstrar que a declaração de nulidade da transformação da sociedade excede o pedido deduzido na ação pois, na verdade a mesma extravasa o pedido, como não se contém na causa de pedir”.
34. Quanto à alegação de que há excesso de pronúncia porque o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 2022 excedeu os limites do recurso interposto pelo Réu, agora Reclamante, infringindo o princípio da proibição da reformatio in pejus, o Reclamante vem agora dizer que
“… a decisão reclamada parece esquecer que somente o ora reclamante recorreu da sentença prolatada em 1.ª instância, pelo que ao Tribunal da Relação do Porto estava vedado proferir um Acórdão que colocasse o recorrente numa situação mais gravosa do que a da sentença recorrida”.
35. Examinemos, em primeiro lugar, o argumento de que há fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, no sentido do art. 629.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil.
36. A doutrina e a jurisprudência estão de acordo em que, “… para que funcione [a] solução [prevista no art. 629.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil para os casos de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência] não basta que seja suscitada controvérsia sobre o valor da sucumbência”, ou que se verifique uma situação de dúvida subjectiva [10].
37. Em consequência, a regra de que, “em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, [deve atender-se] somente ao valor da causa” deve ficar reservada “para os casos em que o regular funcionamento dos mecanismos processuais não permite quantificar com razoável segurança o decaimento” [11].
38. Ora, em concreto, o regular funcionamento dos mecanismos processuais permite quantificar com segurança o decaimento — se a decisão impugnada se pronunciou sobre a procedência ou improcedência do pedido principal e se o pedido principal foi julgado procedente, o decaimento não poderá ser superior ao valor do pedido principal (8000 euros).
39. Examinemos, em segundo lugar, o argumento de que o Tribunal da Relação do Porto proferiu uma decisão nula por excesso de pronúncia e que o excesso de pronúncia fez com que a decisão impugnada fosse desfavorável ao Réu em valor não inferior a 75750,05 euros.
40. A alegação de que há excesso de pronúncia porque o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 2022 teria excedido os limites do pedido apresentado pela Autora, agora Reclamada, foi expressamente considerada na fundamentação do acórdão recorrido.
41. O Tribunal da Relação do Porto explicou que a alteração dos factos dados como provados, em consequência da impugnação da matéria de facto deduzida pelo Réu, agora Reclamante, determinava que estivessem preenchidos os pressupostos da simulação absoluta:
“… em razão da modificação da decisão da matéria de facto, ficou por demonstrar que o aumento e subscrição do capital social tenha sido realizado pelo sócio CC, subsistindo apenas a simulação absoluta do dito negócio e, por consequência, a respetiva nulidade”.
42. Estando preenchidos os pressupostos da simulação absoluta, o Tribunal da Relação do Porto explicou que, ainda que a Autora, agora Reclamada, tivesse pedido que se reconhecesse uma simulação relativa, o facto de o Tribunal da Relação reconhecer uma simulação absoluta “de modo algum contende com o princípio do pedido, por não extravasar o núcleo essencial da pretensão da Autora [agora Reclamada]”.
43. O raciocínio do Tribunal da Relação do Porto deve subscrever-se.
44. A alegação de que o Tribunal da Relação do Porto proferiu uma decisão nula por exceder os limites do pedido apresentado pela Autora e que o excesso dos limites do pedido fez com que a decisão impugnada fosse desfavorável ao Réu em valor não inferior a 75750,05 euros, só poderia proceder desde que o Réu, agora Reclamante, alegasse e provasse:
I. — que o Tribunal da Relação do Porto proferiu uma decisão nula por excesso de pronúncia;
II. — que o excesso de pronúncia fez com que a decisão impugnada fosse desfavorável ao Réu em valor não inferior a 75750,05 euros (ou, em todo o caso, fosse desfavorável ao Réu em valor superior a 15000 euros).
45. O problema está em que o Réu, agora Reclamante, não conseguiu fazê-lo.
46. Em primeiro lugar, não conseguiu demonstrar que a decisão de “[declarar] nulo o negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas M..., Lda., em sociedade por quotas e com a denominação X..., S. A., objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001” excedesse o objecto do recurso, determinado pelo núcleo essencial dos pedidos formulados pela Autora.
47. Em particular, o Réu, agora Reclamante, não conseguiu demonstrar que decisão de “[declarar] nulo o negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas M..., Lda., em sociedade por quotas e com a denominação X..., S. A., objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001” excedesse o núcleo essencual do pedido de condenação do Réu, agora Reclamante, a “[r]econhecer a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de dois novos sócios na transformação da sociedade X..., S. A., atualmente designada V..., S.A.”.
48. Em segundo lugar, ainda que tivesse conseguido demonstrar um excesso de pronúncia, sempre deveria dizer-se que o Réu, agora Reclamante, não conseguiu demonstrar que o excesso de pronúncia fez com que a decisão impugnada fosse desfavorável ao Réu em valor não inferior a 75750,05 euros — ou, em todo o caso, superior a 15000 euros.
48. Entre a alegação do Réu, agora Reclamante, de que o despacho que fixou à causa o valor indicado pela Autora — 8000 euros — transitou em julgado e a alegação de que as decisões que julgaram procedente a acção prejudicaram o Réu, agora Reclamante, em valor superior a 15000 euros só não haveria uma contradição desde que o Réu, agora Reclamante, demonstrasse o valor da sucumbência.
49. A alegação de que há excesso de pronúncia porque o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 2022 teria excedido os limites do recurso interposto pelo Réu, agora Reclamante, infringindo o princípio da proibição da reformatio in pejus, essa, não foi expressamente considerada na fundamentação do acórdão recorrido.
50. Os termos em que o Tribunal da Relação altera a decisão do Tribunal de 1.ª instância correspondem, em parte, a uma alteração dos factos e, em parte, a uma alteração da qualificação jurídica dos factos: em parte, a uma alteração dos factos, com a eliminação dos factos dados como provados sob os n.ºs 22, 23, 34, 40 e 45; em parte, a uma alteração da qualificação jurídica dos factos, com a requalificação da simulação como absoluta e com a requalificação da nulidade dos contratos de compra e venda de acções como inexistência.
51. O Tribunal de 1.º instância julgou a acção procedente, nos seguintes termos:
1. Reconhece-se a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de dois novos sócios (EE e DD) na transformação da sociedade “X..., S.A”, atualmente designada “V..., S.A.”, já que o aumento e subscrição do capital social foi realizado pelo sócio CC;
2. Reconhece-se a simulação absoluta na compra, pelo Réu AA, de 2.500 ações da sociedade “X..., S.A”, atualmente designada “V..., S.A.”, a EE, em 27DEZ2002, pelo montante de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), declarando-se a nulidade de tal negócio; e
3. Reconhece-se a simulação absoluta na compra, pelo Réu AA, de 2.500 ações da sociedade “V..., S.A.”, a DD, em 30AGO2017, pelo montante de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), declarando-se a nulidade de tal negócio.
4. Decide-se ainda não haver lugar à condenação de qualquer das partes como litigante de má-fé.
52. O Tribunal da Relação do Porto decidiu, tão-só, alterar os factos dados como provados, em consequência da impugnação da matéria de facto deduzida pelo Réu, agora Reclamante, e a qualificação jurídica dos factos dados como provados.
I. — Em vez de declarar a nulidade do negócio simulado, em consequência da simulação relativa no aumento de capital, o Tribunal da Relação:
a. — declarou nulo, por simulação, o negócio jurídico de aumento do capital da sociedade M..., Lda., e da admissão, como sócios, dos aqui Intervenientes Principais EE e DD, “objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001”;
b. — declarou nulo o negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas M..., Lda., em sociedade por quotas e com a denominação X..., S. A., objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001.
II. — Em vez de declarar a nulidade, por simulação absoluta, da compra de 2.500 acções da sociedade X..., S.A, actualmente designada V..., S.A., a EE, o Tribunal da Relação “[declarou] inexistente o negócio jurídico correspondente ao contrato de compra e venda de ações, celebrado entre o Réu e o Interveniente Principal FF, em 27.12.2002, por documento particular”.
III. — Em vez de declarar a nulidade, por simulação absoluta, da compra de 2.500 ações da sociedade V..., S.A., a DD, o Tribunal da Relação “[declarou] inexistente o negócio jurídico correspondente ao contrato de compra e venda de ações, celebrado entre o Réu e a Interveniente Principal DD, em 30.08.2017, por documento particular”.
53. Ora a alteração dos factos foi pedida pelo Réu, agora Reclamante e a alteração da qualificação dos factos, ainda que não fosse pedida, foi determinada pelo Tribunal da Relação no pressuposto de que não prejudicava o Réu, agora Reclamante.
54. O teor do dispositivo é claro, no sentido de que o Tribunal da Relação decidiu “[j]ulgar parcialmente procedente, em matéria de direito, o recurso interposto da sentença final”, e o teor da fundamentação confirma-o: “… embora a pretensão essencial do Apelante, consubstanciada na sua absolvição da instância ou dos pedidos, não possa ser acolhida nesta instância de recurso, justifica-se, em ordem a ajustar a decisão à qualificação jurídica que atribuímos à factualidade julgada provada, a alteração do conteúdo do dispositivo da sentença”.
55. A alegação do Réu, agora Reclamante, de que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 2022 infringiu o princípio da proibição da reformatio in pejus corresponde, por isso, à alegação de que se dá uma situação absolutamente anómala, absolutamente excepcional ou extraordinária — de que os efeitos de um acórdão da Relação que julga parcialmente procedente o recurso são piores para o recorrente que os efeitos que se produziriam no caso de não ter recorrido da decisão da 1.ª instância.
56. O Réu, agora Reclamante, não demonstrou (não conseguiu demonstrar) que se desse uma situação tão anómala, tão excepcional ou extraordinária — que os efeitos da procedência parcial do recurso fossem piores que os efeitos da sua improcedência.
57. O raciocínio só poderá ser reforçado pela constatação de que “[a] regra da proibição da reformatio in pejus só tem aplicação quando a parte recorrente tiver ganhado algo na decisão recorrida, ou seja, quando a acção ou a defesa tenha sido julgada parcialmente procedente pelo tribunal recorrido” [12].
58. Ora, em concreto, o Réu, agora Reclamante, não ganhou nada na decisão do Tribunal de 1.º instância — a acção foi julgada totalmente procedente.
59. Face à improcedência de todas as alegações relacionadas com o excesso de pronúncia, não há que apreciar a questão de constitucionalidade suscitada.
60. Examinemos enfim, em terceiro e último lugar, o argumento de que, ainda que o Tribunal da Relação do Porto não tivesse proferido uma decisão nula por excesso de pronúncia, sempre a decisão impugnada seria desfavorável ao Réu em valor não inferior a 38000 euros, desde que fossem considerados os danos decorrentes da perda do controlo da maioria do capital social da V... SA.
61. O argumento só poderia proceder desde que o Réu, agora Reclamante, tivesse deduzido um pedido reconvencional — e um pedido reconvencional de indemnização.
62. O Réu, agora Reclamante, não deduziu nenhum pedido reconvencional e, por isso, não deduziu nenhum pedido reconvencional de indemnização — pedido formulado contra os co-Réus DD e EE não tem sequer a aparência de uma reconvenção.
63. Finalmente, o teor da reclamação para a conferência contém um argumento adicional ou suplementar, relacionado com a excepção de litispendência.
64. O Réu, agora Reclamante, alega que
“O paradoxal dessa afirmação nulo o negócio jurídico de transformação da sociedade por quotas M..., Lda., em sociedade por quotas e com a denominação X..., S. A., objeto de formalização por escritura pública de 27.12.2001’ excedesse o objecto do recurso, determinado pelos pedidos formulados pela Autora de condenação do Réu, agora Reclamante, a ‘[r]econhecer a simulação relativa no aumento de capital social por entrada de dois novos sócios na transformação da sociedade X..., S. A., atualmente designada V..., S.A.’] é confirmado pela existência de outra ação judicial, entre a reclamante e a reclamada, que ainda se encontra pendente em juízo, por ainda não ter sido objeto de julgamento, na qual é pedida a declaração de nulidade da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima.
Ou seja, entre o reclamante e a reclamada, está pendente no Juízo de Comércio ... o Processo 1692/20.... na qual a A. aqui reclamada, no que à economia da presente reclamação interessa, deduz o seguinte pedido, contra o aqui Réu e contra a sociedade:
“Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Excelência doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência: (…)
“seja declarada a nulidade/anulabilidade da escritura publica de aumento de capital e transformação de sociedade, celebrada no ... Cartório Notarial ..., no livro de escrituras diversas número cento e noventa e sete – F, a folhas cento e trinta a cento a trinta e dois” (cfr. a certidão da petição inicial do Processo 1692/20.... que corre ternos no Tribunal Judicial da Comarca ..., V.... - Juízo Comércio - Juiz ..., que se encontra junta aos presentes com o requerimento de 05.03.2020, com a Ref.ª ...46, a fls. dos presentes autos).
Ou seja, a existência desse processo judicial, do Juiz ... do HH, torna caricato – em prejuízo grave da própria credibilidade da justiça portuguesa – que neste processo judicial tenha sido proferida pelo Tribunal da Relação do Porto uma decisão que não só excede o concreto pedido que foi deduzido pela A. na presente ação, como vai coincidir com o pedido deduzido pela também aqui A. noutro processo judicial pendente noutro Tribunal, contra o aqui Réu, e na qual não foi deduzida a exceção de litispendência, pelo facto de os pedidos serem distintos.
Os presentes autos podem, assim, tornar-se num exemplo de escola de arbitrariedade judicial, característica das autocracias, em que o Réunuma concreta ação acaba por ser condenado por um pedido que é deduzido noutra ação judicial, entre as mesmas partes, sem que lhe fosse dada a possibilidade de invocar a exceção de litispendência, pois os pedidos deduzidos pela A. eram distintos e foram os tribunais que condenaram o Réu ultra petitum.
Aqueloutra ação judicial onde a aqui A. pede a declaração de nulidade do aumento de capital e da transformação da sociedade ainda se encontra pendente em juízo, conforme resulta da certidão do estado dos autos que se junta em anexo e que só é junta por causa da decisão reclamada.
Aliás, bastaria ler os capítulos da alegação de recurso de revista sobre a condenação ultra petitum e sobre a matéria da proibição da reformatio in pejus, para se chegar a uma conclusão diametralmente oposta à da decisão ora reclamada”.
65. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão de 25 de Junho de 2020 — processo n.º 5243/18.8T8LSB.L1.S1 —, dir-se-á tão-só que “[o] critério formal da litispendência e do caso julgado, assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção, do art. 581.º do Código de Processo Civil deve interpretar-se de acordo com a directriz substancial traçada no n.º 2 do art. 580.º, em que se diz que ‘[t]anto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior’”.
66. A reclamação prevista no art. 643.º do Código de Processo Civil, ou a reclamação para a conferência das decisões singulares proferidas, é, em todo o caso, um meio processual impróprio, absolutamente impróprio, para a apreciação das questões relacionadas com a procedência ou com a improcedência de excepções dilatórias — como, p. ex., para a apreciação das excepções dilatórias de caso julgado ou de litispendência.
III. — DECISÃO
Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação e confirma-se a decisão singular reclamada.
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
Lisboa, 7 de Julho de 2022
Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)
José Maria Ferreira Lopes
Manuel Pires Capelo
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[1] Como alega Miguel Teixeira de Sousa, anotação ao art. 299.º, in: CPC online — arts. 259.º a 310.º, in: WWW: < https://drive.google.com/file/d/1e1grKrixv49_-kiyvXSg4ijUCoYHR7Kq/view >, págs. 66-73 (71 — n.º 22): “enquanto se discutir a admissibilidade da reconvenção […] não pode haver nenhuma alteração do valor da causa”.
[2] Como consideram, p. ex., António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 346-348 (347); ou José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 361.º, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 605-607 (607).
[3] Com a consequência da irrelevância da desistência do pedido principal ou do pedido reconvencional (cf. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 361.º, cit., pág. 607) e, em geral, de toda a decisão por que se declare a extinção da instância reconvencional, “por motivos formais ou materiais” [cf. António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., pág. 347].
[4] Cf. art. 266.º, n.º 1, do Código de Processo Civil: “O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor”.
[5] José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 621.º, Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018 (reimpressão), págs. 754-757 (754-755).
[6] Cf. acórdão do STJ de 3 de Fevereiro de 2011 — processo n.º 190-A/1999.E1.S1.
[7] Cf. designadamente acórdãos do STJ de 16 de Abril de 2002 — processo n.º 02B3349 —, de 17 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 03B1993 —, de 5 de Novembro de 2009 — processo n.º 4800/05.TBAMD-A.S1 —, de 3 de Fevereiro de 2011 — processo n.º 190-A/1999.E1.S1 —, de 12 de Junho de 2012 — processo n.º 521-A/1999.L1.S1 —, de 13 de Fevereiro de 2014 — processo n.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1 —, de 12 de Março de 2014 — processo n.º 177/03.3TTFAR.E1.S1 —, de 24 de Novembro de 2015 — processo n.º 7368/10.9TBVNG-C.P2.S1 —, de 29 de Setembro de 2016 — processo n.º 17/13.5TBLSA.C1.S1 — ou de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 10758/01.4TVLSB-A.L1.S1.
[8] Sobre a interpretação do art. 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, vide por todos João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de processo civil, vol. II, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, págs. 137-140; António Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 635.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 113-121 (esp. nas págs. 116-119), António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 635.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 761-762; Rui Pinto, anotação ao art. 635.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 546.º-1085.º, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 263-268; ou José Lebre de Freitas / Armindo Ribeiro Mendes / Isabel Alexandre, anotação ao art. 635.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. III — Artigos 627.º-877.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2022, págs. 67-72 (esp. nas págs. 70-729.
[9] Rui Pinto, anotação ao art. 635.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 546.º-1085.º, cit., pág. 267.
[10] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 629.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, pág. 46.
[11] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 629.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 46.
[12] João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de processo civil, vol. II, cit., pág. 138.