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CÔNJUGES
SEPARAÇÃO DE FACTO
DIREITO A ALIMENTOS
INDIGNIDADE
VIOLAÇÃO DO DEVER DE FIDELIDADE PELO ALIMENTANDO
Sumário
1.–O legislador afirma, sem margem de dúvida, que a regra após o divórcio é o da autossubsistência ou auto-suficiência de cada um dos ex-cônjuges- artigo 2016º, nº1 do Código Civil- i.e, a atribuição do direito a alimentos do ex-cônjuge assume natureza excepcional, especial e tendencialmente temporária, afastando-se do genérico direito a alimentos.
2.–Resulta ainda exigido pelo disposto no artigo 2016º, nº3º, do Código Civil que a atribuição não seja manifestamente iníqua - “Por razões de manifesta equidade, o direito a alimentos pode ser negado”, correspondendo, portanto, a uma cláusula geral negativa do direito a alimentos do ex-cônjuge.
3.–Endereçando ao julgador a definição concreta dos “casos especiais” em que o direito a alimentos será negado ao ex-cônjuge carenciado, por se revelar chocante onerar o outro com a obrigação correspondente por razões associadas à conduta do ex-cônjuge necessitado, semelhantes às que a lei já refere para a cessação da obrigação alimentar, em geral e, em particular, na situação de violar gravemente os seus deveres para com o obrigado.
4.–Na delimitação do âmbito do artigo 2019º do Código Civil, em particular “ da cessação do benefício por indignidade - comportamento moral”, parece que melhor se ajustará às situações, em que o comportamento causal ocorra após o fim/cessação da relação conjugal, e na revisão /extinção dos alimentos anteriormente atribuídos ao ex-cônjuge, pelo que não colhe a abrangência retroactiva invocada pelo apelante no que concerne à infidelidade da Autora , e sempre se apresentaria desmesurado, reconduzir de per si a violação do dever de fidelidade matrimonial ao conceito indeterminado de “comportamento moralmente indigno”.
5.–Conquanto o direito a alimentos entre ex-cônjuges instituído pela Lei nº 61/2008 se tenha afastado da noção de culpa, esta, não poderá ser ignorada ou inócua para a ponderação da existência desse direito, na perspetiva da responsabilidade e/ou contributo do cônjuge credor de alimentos para a degradação e rutura do casamento.
6.–Provando-se que a Autora violou de modo reiterado e duradouro os deveres de fidelidade e de respeito para com o Réu, que ao inteirar-se da situação sentiu profundo desgosto e sofrimento, tal factualidade constitui motivo ponderoso e équo, segundo os padrões sociais e éticos dominantes, para o desvincular da prestação de alimentos, justificando-se a negação do direito à Autora, em aplicação do disposto no artigo 2016º, nº3, do Código Civil.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 7ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.–RELATÓRIO:
1.–Da Acção
A.… intentou acção declarativa e processo comum para a fixação de alimentos, contra B…. Alegou que se encontra separada de facto do Réu, estando pendente processo de divórcio[1] ; nessa circunstância, não podendo exercer qualquer actividade profissional por motivos de saúde e custear as suas despesas de subsistência, e dispondo o Réu de situação económica desafogada, pede que seja condenado a pagar-lhe a título de alimentos a quantia mensal de €2325,00.
Na contestação Réu alegou, que apesar de terem vidas autónomas, vivem ainda na mesma casa, pagando as despesas inerentes, não sendo devidos alimentos à Autora em tal situação. Por outro lado, alega que a Autora lhe foi infiel durante vários anos, conforme resulta da sua contestação reconvenção no processo de divórcio, estando excluído o dever de alimentos e, que além do mais, a mesma não está impossibilitada de trabalhar, auferindo rendimento como vendedora; concluiu pela improcedência do pedido.
Após a suspensão da instância requerida pelas partes e, retomada pela inexistência do acordo anunciado, o Réu apresentou articulado superveniente.
Alegou que, resultou provado na sentença de divórcio, que a Autora manteve relacionamento amoroso e duradouro com terceiro, que veio ao conhecimento do Réu em 2007, causando-lhe profundo sofrimento e desgosto e constituiu a causa da rutura conjugal, verificando-se a excepção da prestação de alimentos ao ex-cônjuge prevista no artigo 2016º, nº2, do Código Civil, por razões de manifesta equidade, e paralelo na situação consagrada no artigo 2019º, nº2, do mesmo diploma legal.
Por último, alegou que já não vive na casa comum, que será vendida em breve e a Autora disporá de metade do respetivo valor suficiente para prover ao seu sustento.
A Autora na resposta defende que não há lugar à apreciação de culpa no divórcio para efeitos de aplicação de qualquer sanção, designadamente de índole patrimonial; por outro lado, a atender-se a tal situação, o Réu perdoou, continuando em casa e a dormir na mesma cama até 2009 e também ele violou os deveres conjugais, impugnando ainda as novas despesas invocadas pelo Réu.
Em sede de audiência prévia a Autora reduziu o pedido de alimentos para o valor mensal de €1225,00 e a partir de abril de 2014. A Autora foi submetida a perícias médicas pelo IML, cujos relatórios estão nos autos.
No prosseguimento da instância, realizou-se audiência de discussão e julgamento, seguida de sentença com o seguinte dispositivo decisório “Face ao que precede e com os fundamentos que se deixam expostos julgo a acção proposta por A… contra B…parcialmente procedente por provada. Em consequência, condeno o Réu a pagar a Autora o valor de €450, 00 a título de pensão de alimentos mensal, vencidas e vincendas desde Novembro de 2018. Sobre tais montantes acrescem juros de mora à taxa legal aplicável desde a data de notificação desta sentença. A pensão de alimentos deve ser paga pelo Réu à Autora até ao dia 8 do mês a que diga respeito. A pensão de alimentos deve ser actualizada anualmente de harmonia com a taxa de inflação publicada pelo INE. A primeira actualização será devida em janeiro de 2023.No demais peticionado, absolve-se o Réu. (..)” 2.–Do Recurso
Inconformado, o Réu interpôs recurso e requereu a fixação do efeito suspensivo, oferecendo caução.
O tribunal a quo indeferiu a prestação de caução e fixou efeito devolutivo ao recurso.
De novo inconformado, interpôs recurso desta decisão, o qual veio a ser julgado improcedente pela relatora, transitado e consta do apenso A.
As conclusões do recurso da sentença são as seguintes:
«I–O nº 7 da matéria de facto dada como provada, por estar desmentido pelos factos 22 e 24 e em directa contradição com eles, deve ser removido, pois não ficou provado que a Recorrida pague renda de casa, seja 550 €, seja outra verba qualquer. II–O manifesto e comprovado relacionamento entre a Recorrida e X... (2.1.23 a 2.1.32 da matéria de facto provada), que esteve na origem da ruptura entre Recorrente e Recorrida que levou ao desmoronar do seu casamento – de acordo com o artigo 2019ºdo Código Civil – preenche o conceito de indignidade da Recorrida pelo comportamento moral, afastando qualquer direito seu a alimentos do Recorrente. III–As suspeitas de uma posterior relação do Recorrente na constância do casamento não relevam, uma vez que o Recorrente não está a pedir alimentos. IV–Não se provou que a Recorrida não pode trabalhar, algo que deveria também ser considerado para afastar o seu direito a alimentos. V–A Recorrida não provou uma única despesa, como se extrai de 3 a 10 dos factos não provados, somada com a exclusão de 7 dessa rubrica (cf. conclusão I supra). VI–Do teor de 21 da matéria de facto provada extrai-se que toda a gente tem despesas, mas tal é insuficiente para condenar o Recorrente a pagar alimentos com base no Indexante de Apoios Sociais, até porque ele não é o Estado. VII–De 22 e 24 da matéria de facto provada extrai-se que a Recorrida vive em casa do filho, que – obviamente – não lhe cobra renda (razão pela qual 7 dos factos provados é descabido) e pagou (pretérito) prestações do empréstimo e consumos domésticos, o que significa que já não paga, daí que nada tivesse provado sobre despesas. VIII–O Recorrente provou despesas de 2014, que não foram acutalizadas na sentença recorrida atendendo ao decurso de oito anos, que mais não fosse pela taxa de inflação. IX–A capacidade de ganho do Recorrente diminuiu com a sua aposentação, sempre sendo demasiado pagar à Recorrida vinte por cento do que passou a ganha para a Recorrida. X–Os retroactivos de dezassete mil e cem euros que o Recorrente foi condenado a pagar de uma vez, à cabeça, partindo da fixação pela Primeira Instância em Novembro de 2018 do início daobrigação de prestar alimentos assentam em pressupostos errados. XI–Consta de 11 da matéria de facto provada que entre Julho e Outubro de 2014 a Recorrida embolsou 114.411,36 €, os quais, divididos por 450 €, o valor em que o Tribunal a quo entendeu fixar uma pensão de alimentos a prestar pelo Recorrente à Recorrida, resultam num quociente demais de duzentos e cinquenta e quatro meses. XII–De Julho de 2014 até à sentença decorreram noventa meses, faltando cento e sessenta e quatro (!) até que, à razão de quatrocentos e cinquenta euros por mês, esse dinheiro se tivesse esgotado, sendo que cento e sessenta e quatro meses são mais de treze anos e meio, o que significa que a Recorrida não irá necessitar de alimentos antes de meados de 2035. XIII–A prestação de alimentos, ou o respectivo pedido, faz-se em vista de uma necessidade de os receber e de uma possibilidade de os prestar actuais e não futuras. XIV–Mesmo os 953,00 € por mês que a sentença recorrida usa como exemplo de cálculo significam só a partir de 2024 a Recorrida necessitaria de alimentos. XV–Por outro lado, tendo a Recorrida reduzido o seu pedido ao período subsequente a Abril de 2014 em diante e tendo em conta que desde esse mês decorreram noventa e três meses até hoje, chega-se 1.230,23 € mensais até hoje se por esses noventa e três meses dividirmos os 114.411,36 €,algo que contraria o nº 3 do artigo 2016º-A do Código Civil e que mostra que ainda hoje a Recorrida não pode ter necessidades alimentares, muito menos com qualquer retroactividade. XVI–O pagamento de 5 dos factos provados, a ter sido feito pela Recorrida, ainda por cima com uma antecipação de seis anos, seria sempre de considerar um gasto perdulário, pois se ela não tinha dinheiro (esta acção já pendia nessa altura e assentava nesse falso pressuposto) não tinha que andar a pagar dívidas de outrem ou a assumir empréstimos e antecipar pagamentos para o mesmo fim. XVII–Esta é uma circunstância que influi sobre as necessidades de quem pede alimentos, de acordo com o artigo 2016º-A do Código Civil, e devia ter sido equacionada pelo Tribunal a quo em termos de responsabilizar a Recorrida, tirando as ilações para a inerente desnecessidade de elementos. XVIII–A obrigação de alimentos a ex-cônjuges é uma situação anómala, pois a regra é cada um bastar-se com o que tem. XIX–Essa anomalia não ocorre quando um dos ex-cônjuges é investido num vultoso rendimento como o de 11 dos factos provados, implicando rejeição do seu pedido de alimentos e/ou da sua retroactividade. XX–Na sentença recorrida vão violadas as normas dos artigos 2016º, nº 1, 2016º-A, nºs. 1 e 3 e 2019º do Código Civil, que, aplicadas no sentido correcto, redundariam na absolvição do Recorrente do pedido. Revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que absolva o Recorrido do pedido alimentar contra ele deduzido ou, na hipótese improvável de assim não se entender, diminuindo substancialmente a prestação a pagar e eliminando totalmente a retroactividade da mesma, farão V. Exas., como é hábito, Justiça.»
A Autora apresentou contra-alegações, refutando integralmente a argumentação do apelante, pugnando pela manutenção do julgado.
*
Corridos os Vistos, cumpre decidir.
3.–O Objecto do recurso
Consabido que a actuação do tribunal de recurso está delimitada pelas conclusões do recorrente, apreciaremos se, não é devida prestação de alimentos à Ré, ex-cônjuge do Autor, em virtude de tribunal a quo: a)-Incorrer em erro de julgamento da matéria de facto; b)-Incorrer em erro na aplicação e interpretação do direito, desconsiderando a “indignidade moral” do ex cônjuge por infidelidade reiterada, factor excludente do benefício e, a Ré ter capacidade de angariar o seu sustento; assim não se concluindo, o excessivo valor fixado.
II.–FUNDAMENTAÇÃO
A.–Os Factos
O Tribunal a quo deu por provada a factualidade seguinte: 1.–B…, com 26 anos, e A…, com 23 anos, contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, no dia 6 de outubro de 1980. 2.–Na pendência do casamento entre B… e A… ocorreram os seguintes factos, com base nos quais, por sentença de 15 de julho de 2013, transitada em julgado a 15 de outubro de 2013, proferida no processo nº786/09.7TMLSB do 3º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, foi decretado o divórcio entre as partes: ---
“(…)1.2.- B…é médico e trabalha no Centro de Saúde de ...; no mesmo Centro de Saúde … trabalha também Y.., onde exerce funções administrativas (vide respostasaos quesitos 1º e 2ºda Base Instrutória). 1.3.- Y… frequentava a casa de A …e B…desde há vários anos, na Rua … (vide resposta ao quesito 3º da Base Instrutória). 1.4.- No Natal dos anos 2005 e 2006, B… pediu a A…para escolher presentes de Natal para oferecer a Y…o, tendo sido comprados presentes, nomeadamente um relógio e um colar; B… nos Natais de 2006 e seguintes não ofereceu presentes a A… e aos filhos de ambos, dizendo que os sustentava o ano inteiro (vide resposta aos quesitos 4º e 5º da Base Instrutória). 1.5.- A 8 de novembro e a 12 de dezembro de 2007 B… disse a A… que se queria divorciar e estar sozinho (vide resposta ao quesito 6º da Base Instrutória). 1.6.- Durante a coabitação entre A… e B…, este saía de casa aos fins de semana e chegava tarde muitas vezes, invocando como fundamento sair para trabalhar (vide resposta ao quesito 7º da Base Instrutória). 1.7.- Aproximadamente a partir de final de 2008 e janeiro de 2009, B… deixou de dormir aos fins de semana em casa, regressando apenas domingo à noite, sem dar qualquer explicação a A… (vide resposta ao quesito 8º da Base Instrutória). 1.8.- Em 2008 B… e A… não passaram juntos o Natal, nem foram no dia de Natal a casa do primo, como era habitual (vide respostas aos quesitos 9º) e 19º da Base Instrutória). 1.9.- Desde 15 de março de 2009 B… deixou de dormir no mesmo quarto com A… e passou a dormir sozinho num quarto distinto na mesma casa (vide resposta ao quesito 10º da Base Instrutória). 1.10.- No dia 27 de março de 2009 B.… encontrava-se com Y… o num apartamento na Rua do …, de sua propriedade e da sua irmã (vide resposta ao quesito 11º da Base Instrutória). 1.11.- Antes do facto referido em 1.13. infra, A… tentou entrar com a chave na casa da Rua do… e não conseguiu por a fechadura ter sido mudada (vide resposta ao quesito 12º) da Base Instrutória). 1.12.- Nesse mesmo dia, após as 23.00 horas, B..recusou abrir a porta desta casa ao filho N.., dizendo-lhe que estava na sua casa (vide resposta ao quesito 13º) da Base Instrutória). 1.13.- B… esteve com Y… na casa da Costa ... referida em 1.11. e 1.12.- desde cerca das 22.30 horas/ 23.00 horas do dia 27 até hora não apurada do dia 28 de março de 2009 (vide resposta ao quesito 14º) da Base Instrutória). 1.14.- No dia 3 de abril de 2009, cerca das 20.00 horas, B… foi buscar Y… à casa desta e trouxe-a cerca da meia-noite (vide resposta ao quesito 15º) da Base Instrutória). 1.15.- No dia 7 de abril de 2009, B… foi buscar Y.… a sua casa, cerca das 20.00 horas, tendo-a levado a casa por volta das 00.45 horas (vide resposta ao quesito 16º) da Base Instrutória). 1.16.- Na altura de I- 1- 1.5. supra, A.. perguntou a B… se este tinha outra pessoa, ao que este respondeu que não (vide resposta ao quesito 17º) da Base Instrutória). 1.17.- Na altura referida em I- 1- 1.6. supra, B… encontrava-se em sofrimento e desgosto por lhe ter sido contado que a sua mulher A… mantinha há vários anos um relacionamento amoroso com X…. (vide resposta ao quesito 18º) da Base Instrutória). 1.18.- Aproximadamente entre o dia 2 e o dia 11 de outubro de 2009, B… esteve ausente de casa, sem dizer para onde foi nem quando voltava (vide resposta ao quesito 23º) da Base Instrutória). 1.19.- Aproximadamente entre o dia 28 de novembro e o dia 9 de dezembro de 2009, B… ausentou-se de casa, sem dizer para onde ia, tendo sido visto a conviver com Y… durante esta semana no ..., onde tinha uma casa do seu pai (vide respostas aos quesitos 24º) a 26º) da Base Instrutória). 1.20.- Desde dezembro de 2009, B.… sai de casa à 6ª feira de manhã e regressa 2ª feira à noite (vide resposta ao quesito 27º) da Base Instrutória).1.21. Entre 27 e 31 de maio e entre 3 e 14 de junho de 2010 B… ausentou-se de casa em que vivia com A…, sem lhe ter dito nada (vide resposta ao quesito 28º) da Base Instrutória). 1.22.- Entre o dia 29 e o dia 30 de dezembro de 2009 A… foi internada no Hospital de S. José, SOS, SALA 4, em consequência de acontecimentos não apurados (vide resposta ao quesito 35º) da Base Instrutória). 1.23.- A… conheceu X… aproximadamente entre 1992 a 1994 no Sport Lisboa Benfica, onde este fora jogador de futebol e onde esta era voluntária (vide resposta ao quesito 37º) da Base Instrutória). 1.24.-Aproximadamente após 1994, A.… conversava frequentemente com X..., nomeadamente: 1.24.1.- Em almoços, em encontros no Sport Lisboa Benfica, num mesmo evento social na inauguração de uma perfumaria aproximadamente em outubro de 2004; 1.24.2.- E em conversas telefónicas e mensagens telefónicas, nomeadamente: a) De 16.11.2001 a 15.12.2001, A.… fez 20 (vinte) chamadas telefónicas a X… e remeteu-lhe 33 (trinta e três) mensagens escritas, (…) horas; c) De 16.11. a 15.12.2004, A.… fez 3 (três) chamadas a X..; d) De 16.12.2004 a 15.01.2005, A... fez 10 (dez) chamadas telefónicas a X e remeteu-lhe uma mensagem escrita, (…)1. A… encontrava-se por diversas vezes com X…no estabelecimento onde arranjava as unhas, o que foi visto por várias pessoas (vide respostas aos quesitos 43º) e 44º) da Base Instrutória). 1.25.2.- E andou de braço dado com este no Centro Comercial (vide resposta ao quesito 45º) da Base Instrutória). 1.25.3.- E trocaram olhares de intimidade (vide resposta ao quesito 46º) da Base Instrutória). 1.25.4.- E recebeu uma vez comida na boca dada por X…, numa refeição que tomaram juntos aproximadamente em 2005/2006 (vide resposta ao quesito 47º) da Base Instrutória). 1.26.–Aproximadamente no verão de 2005, A. e X…o chegaram juntos à Taberna do Pescador em Setúbal, onde se integraram numa mesa onde se encontravam a almoçar outras pessoas relacionadas com o futebol (vide resposta ao quesito 48º) da Base Instrutória). 1.27.– A convivência entre A.… e X.… era vista por pessoas que pensavam que ela era a mãe do futebolista …, filho deste (vide resposta ao quesito 49º) da Base Instrutória). 1.28.– Em 2006 esteve com X… no Bar Carruagem em Oeiras (vide respostas ao quesito 50º) da Base Instrutória). 1.29.– A… e X… trataram da abertura de uma conta bancária para ser movimentada por uma amiga comum (vide respostas aos quesitos 51º) e 62º) da Base Instrutória). 1.30.– A 14 de dezembro de 2000, quando A… teve um acidente, telefonou a X, que se encontrava próximo do local onde se encontrava, por terem agendado um encontro para este lhe dar um equipamento desportivo para o filho, tendo este acorrido ao local, onde a abraçou (vide respostas aos quesitos 52º) e 53º) da Base Instrutória). 1.31.–Em julho de 2006, A… contratou o fornecimento e montagem de uma cozinha para uma residência que habitava, com um fornecedor indicado por X… (vide resposta ao quesito 55º) da Base Instrutória). 1.32.–Em convívios posteriores a 2005 entre A… e X…, nomeadamente acompanhados de Y..., este deu-lhe a mão e fez-lhe festas na cara em número de vezes não apurados (vide resposta ao quesito 56º) da Base Instrutória).1.33. Entre 2005 e 2007, A… telefonou para Y..., em número de vezes não apurado, para lhe perguntar se o marido estava ou não a trabalhar (vide resposta ao quesito 57º) da Base Instrutória).1.34. Y… já foi convidada no Soito, nomeadamente, pela irmã de JA..., em número de vezes não apurado (vide resposta ao quesito 63º) da Base Instrutória).” (fls.516 a 531). -
3.–Entre 1 de janeiro de 2004 e 18 de novembro de 2008 a autora foi agente da empresa que comercializa o eletrodoméstico Bimby, processada através do filho, através da qual retirou comissões. 4.–Neste período, a autora forneceu diversos eletrodomésticos no âmbito daquela sua actividade. 5.–A autora subscreveu o documento de fls.556-b) e ss, sob epígrafe “Acordo de regularização de responsabilidades” com o nº8.....1, pelo qual se obrigou a pagar ao Banco Santander Totta a dívida consolidada de € 15 244, 85, acrescida de juros, em 96 prestações mensais no valor de € 256,22 cada uma, entre 24.04.2012 a 24.04.2020, dívida esta respeitante à consolidação da dívida assumida no contrato 000 3... 9... 7... de 10.04.2010, no valor de € 10 887,81 de capitais, juros e encargos contratuais que havia sido por si contraída para auxiliar o seu filho . 6.–A autora, para pagamento do contrato referido em E) supra, que se encontrava em processo contencioso, entregou a Banco Santander Totta o valor de € 20 155,00, em 13.08.2014. 7.–A autora o tem gastos de renda de casa no valor mensal de € 550,00 desde abril de 2014. 8.–O réu auferiu rendimento anual líquido de € 45 000,00 em 2011. 9.–O réu tem as seguintes despesas mensais a partir de abril de 2014: -a)- O valor de € 500,00 de renda de casa; -- b)- O valor de € 250,00 de encargos de utilização de veículo automóvel, incluindo gasolina e seguro de manutenção; --c)- O valor de € 350,00 de alimentação; -d)- O valor de € 250,00 de vestuário e de tratamento de roupas; e)- O valor de € 150,00 de despesas com o pagamento de quota anual da Ordem dos Médicos, sindicato dos médicos, revistas e bibliografia, quota do Sport Lisboa e Benfica (lugar em estádio), cinema, bilhetes de espetáculos culturais e recreativos, convívio social, refeições e presentes de carácter social e familiar; ---f)- O valor de € 200,00 de despesas de água, de eletricidade, de telefone, televisão por Cabo; -g)- O valor de €150,00 de despesa de empregada doméstica. 10.–A A e o Réu, por escritura pública de compra e venda de 14 de outubro de 2014, declararam vender a …, a fração autónoma designada … em Lisboa, descrita na Conservatória de Registo Predial com o nº3016, registada em favor de ambos, pelo preço de € 450 000, 00, fração sobre a qual incidiam duas hipotecas. 11.–Entre junho e outubro de 2014, A e Réu receberam pela venda referida em J) supra, após pagar ao Santander Totta o remanescente dos créditos hipotecários que incidiam sobre a fração e à mediadora imobiliária, o valor de € 114 411,36 cada um 12.–A 1 de novembro de 1986 a A e o R declararam arrendar a …nos termos do documento com a epígrafe “Contrato de arrendamento para Habitação (Regime de renda condicionada)”, constante de fls.598 e 599, o 3º…, concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o art. ...— 13.–A fração referida em 12) supra é constituída por 5 assoalhadas, uma casa de banho e uma cozinha e foi habitada pela A e pelo Réu até 2006. 14.–O valor atual da renda de casa paga pelo réu ao senhorio, pelo contrato de 12 supra, é de €170,00. 15.–O filho das partes, ocupa o andar arrendado supra por consentimento do pai. 16.–Após o casamento a Autora deixou de exercer actividade profissional remunerada. 17.–A Autora, após ter sido gasto o dinheiro que recebeu da sua parte da venda do imóvel que detinha com o Réu, passou a receber ajuda económica de familiares e amigos. 18.–Na sequência de acidente de viação sofrido, à Autora foi atribuída incapacidade parcial permanente de 36, 42% em 1999. 19.–A Autora aufere RSI no valor de €189,00 mensais. 20.–No âmbito dos presentes autos foi diagnosticada à Autora uma incapacidade parcial permanente de 21%, a que acresce 0,05% decorrente de patologias de natureza psicológica e psiquiátrica. 21.–A Autora tem despesas de alimentação, vestuário, saúde e higiene pessoal de valor concretamente não apurado. 22.–A Autora vive em casa do filho J. 23.–A Autora toma algumas refeições em casa de amigos. 24.–Como contrapartida de viver na casa do filho, a Autora pagou diversas prestações mensais do empréstimo contraído para a sua aquisição, bem como os consumos domésticos relativos ao imóvel. 25.–Durante a pendência da acção, o réu fez urgências no Centro de Saúde de … exerce clínica numa empresa da CUF … foi médico na fábrica de …, dá consultas privadas no Centro Médico de …, dá consultas em lares da 3ª idade e faz domicílios. 26.–O Réu está reformado auferindo o valor mensal de €2 205, 50 (liquido). 27.–O Réu é sócio da Sociedade … Lda. 28.–A Autora desistiu da instância quanto ao pedido de fixação de alimentos provisórios apresentado na acção de divórcio, o que não foi aceite pelo Réu. 29.–A 26 de Junho de 2011 foi proferido despacho no processo de divórcio não homologando a desistência da instância, ficando o incidente a aguardar impulso processual da aqui Autora, sem prejuízo do disposto no art. 285º do CPC.
E, Não Provado: 1.–A Autora não pode fazer esforços, não pode andar de transportes públicos, não pode fazer a lide da casa. 2.–A autora recebe apenas prestação de Rendimento Social de Inserção no valor mensal de €177,00. 3.–A autora gasta de alimentação o valor mensal de € 300,00. 4.–E de vestuário o valor mensal de € 75,00. 5.–E de água, gás, eletricidade e telefone o valor mensal de € 100,00. 6.–E de produtos de higiene pessoal o valor mensal de € 30,00. 7.–E de medicação o valor mensal de € 130,00. 8.–A autora necessita de fazer fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala. 9.–A autora tem de fazer deslocações de táxi. 10.–Em julho de 2014 tinha em atraso o pagamento de energia elétrica e em risco de corte de serviço.
B.– Mérito do recurso
1.–Impugnação da matéria de facto
Sustenta o apelante que o facto provado em 7 deverá ser eliminado, atenta a contradição com os factos provados 22 e 24 e ausência de prova daquele.
Os factos em causa: 7.- A autora … Pinto tem gastos de renda de casa no valor mensal de € 550,00 desde abril de 2014;22.- A Autora vive em casa do filho J;24.- Como contrapartida de viver na casa do filho, a Autora pagou diversas prestações mensais do empréstimo contraído para a sua aquisição, bem como os consumos domésticos relativos ao imóvel.
Não lhe assiste razão com semelhante fundamento.
A matéria do ponto 7 corresponde a facto dado por assente em sede de audiência prévia, com base no acordo das partes- cfr. ponto G dos factos assentes (provado por documento e acordo das partes)
Conquanto essa afirmação do pagamento pela Autora da renda de casa em questão seja naturalmente contemporânea à data da petição e realização daquele acto judicial (2014/2015), compreende-se a inclusão na matéria provada, seguindo o fio cronológico de toda a factualidade.
Ainda assim, o rigor e precisão da enunciada matéria de facto provada aconselham alteração correctiva do ponto 7, o que se determina, nos seguintes termos: “A autora teve gastos de renda de casa no valor mensal de € 550,00 desde abril de 2014 e pelo menos até abril de 2015.”
Improcede a impugnação, sem prejuízo da consignada alteração de redacção ao ponto 7.
2.–A prestação de alimentos entre o ex-cônjuges
Para a melhor compreensão do objecto do recurso, há a precisar que a Autora na petição inicial fundou o pedido de alimentos na situação de separação de facto do Réu, sobrevindo, entretanto, o divórcio do casal decretado por sentença de 15.07.2013 e, a venda da casa de morada de família, como resulta dos sucessivos articulados das partes e da matéria de facto provada.
A sentença recorrida veio a condenar o Réu a pagar à Autora a prestação mensal de 450, 00 Euros desde Novembro de 2018, a título de alimentos devidos entre ex-cônjuges, considerando verificados os pressupostos de atribuição estabelecidos nos artigos 2016º, nº2 e 2003º e 2004º do Código Civil.
O apelante sustenta em adverso que perante a provada infidelidade da Autora ao longo de anos do casamento é de excluir a atribuição de alimentos, apontando para o disposto no artigo 2019º do Código Civil; a Autora contrapõe que as alterações legais ao divórcio expurgaram a apreciação da culpa na matéria.
Apreciemos.
Como é pacífico, as alterações do regime do divórcio introduzidas pela Lei n.º 61/2008 de 31.10, implicaram profunda modificação dos pressupostos e conteúdo do direito/obrigação de prestação de alimentos ao ex –cônjuge.
Alterações legais ditadas, em larga medida, pela regulação do divórcio dissociado da apreciação da “culpa “, dando eco às modificações de vulto das concepções ético-morais e sociais acerca do casamento e da família, em alinhamento com a orientação prosseguida nos instrumentos legislativos internacionais.[2]
Os preceitos relevantes na configuração dos alimentos entre ex-cônjuges correspondem aos artigos 2003º, 2013º, 2016º, 2016ºA e 2019º do Código Civil.
Em primeira linha, o legislador afirma agora, sem margem de dúvida, que a regra após o divórcio é o da autossubsistência ou auto-suficiência de cada um dos ex-cônjuges- artigo 2016º, nº1 do Código Civil- ou seja, a atribuição do direito a alimentos do ex-cônjuge assume natureza excepcional, especial e tendencialmente temporária, afastando-se do genérico direito a alimentos.
Nesse pressuposto, poderá então o ex-cônjuge beneficiar da prestação de alimentos por parte do outro, assente na ideia de um dever de solidariedade / dever assistencial imposto em função da vida em comum ocorrida no passado, caso o alimentado deles necessite para prover à sua subsistência e o alimentando tenha possibilidade de os prestar –artigo 2016º, nº2, e alínea a) do n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil.
Paralelamente, a medida dos alimentos deixou de ser aferida segundo o padrão /estilo de vida dos cônjuges durante o matrimónio – artigo 216ºA, nº3, do Código Civil- cingindo-se ao “ tudo o que é indispensável “para o sustento, habitação e vestuário ( artigo 2003º, n.º 1, do Código Civil).[3]
Parâmetros inovadores que os tribunais superiores vêm dando eco de modo consistente e uniformizado na aplicação casuística do pedido de alimentos entre ex-cônjuges.
Assim, inter alia, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.04.2017 refere a propósito: «A Lei n.º 61/2008, de 31-10 – inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004 – veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, tendo esse direito passado a ter cariz excepcional. Ao ter optado, claramente, por aderir ao princípio da auto -suficiência, o legislador passou a conferir ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária, características estas que estão bem evidenciadas no art. 2016.º do CC. (…).»[4]
Resulta ainda exigido pelo disposto no artigo 2016º, nº3º, do Código Civil que tal atribuição não seja manifestamente iníqua - “Por razões de manifesta equidade, o direito a alimentos pode ser negado.”, correspondendo, portanto, a uma cláusula geral negativa do direito.[5]
Alteração que segundo a exposição de motivos do Projecto de Lei 509/X, diz respeito “a casos especiais que os julgadores facilmente identificarão em que o direito de alimentos ao ex-cônjuge necessitado seja negado, por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente.”
Na densificação do artigo 2016º, nº3, do Código Civil, a doutrina vem identificando situações que se prendem com a conduta do necessitado. Será o caso em que o credor dos alimentos viole gravemente os seus deveres para com o obrigado, o caso de alimentando ter contraído novo casamento, iniciar união de facto ou de se ter tornado “indigno” do benefício pelo seu comportamento moral. [6]
Em texto mais recente, Pedro Dias Ferreira refere a propósito do dispositivo em análise: “Já não se trata de comportamentos que atentem concretamente contra os direitos da pessoa do obrigado a alimentos, mas pela circunstância de os seus comportamentos imorais serem, em si mesmos, considerados indignos do seu benefício.
Exemplos de escola recolhidos quanto a comportamentos ou atividades imorais: i) prostituição, vida desregrada, ofensas contra a honra do obrigado ou seus familiares, etc...”[7]
No domínio da jurisprudência dos tribunais superiores, destacamos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.3.2016.[8]
«(..)O legislador não definiu o conceito desta “cláusula de equidade negativa”, tendo optado por uma cláusula geral a concretizar casuisticamente pelo julgador por forma a abranger situações tão diversas que a sua previsão não lograria esgotar. O carácter vago e impreciso da norma deixa ao critério do tribunal definir “os casos especiais” em que o direito a alimentos será negado ao ex-cônjuge carenciado por se revelar “chocante onerar o outro com a obrigação correspondente. Procurando integrar este conceito, escreveu Rita Lobo Xavier que “só poderá tratar-se de situações ligadas à conduta do ex-cônjuge necessitado, semelhantes às que a lei já refere para a cessação da obrigação alimentar, em geral, na alínea c) do artigo 2013º, e, em particular, na parte final do artigo 2019º: quando o credor violar gravemente os seus deveres para com o obrigado, ou quando se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral” (Recentes Alterações ao regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, 2009, Almedina, pág. 44).»
E, mais adiante afirmando « Embora se tivesse procurado eliminar a apreciação da culpa como factor relevante da atribuição de alimentos, por se querer reduzir a questão ao seu núcleo essencial – a assistência de quem precisa por quem tem possibilidades (cfr. mencionada exposição de motivos), consideramos que a ideia de culpa, na vertente da responsabilidade ou contributo do cônjuge carecido de alimentos para a degradação e ruptura do casamento, não será totalmente alheia à densificação da referida cláusula geral ou conceito indeterminado. Também razões associadas ao posterior comportamento do ex-cônjuge, como por exemplo, colocar-se deliberadamente numa posição de carência ou não diligenciar activamente pela sua auto-suficiência, podendo e devendo fazê-lo, querendo onerar o outro, apesar da sua aptidão para prover com autonomia à obtenção de meios. (..).»
A jurisprudência da segunda instância vem acompanhando igual desiderato na aplicação concreta do disposto no artigo 2016º, nº3, do Código Civil.
Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-09-2015:[9]
«As razões manifestas de equidade têm, pois, de consistir em circunstâncias de acentuada relevância que tornem imperioso, segundo o sentir social, o afastamento daquele dever de solidariedade / dever assistencial.»
Na mesma senda, o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.07.2021, cujo sumário elucida :[10]
«II-Muito embora o direito a alimentos entre ex-cônjuges instituído pela Lei nº 61/2008 se tenha afastado da noção de culpa, esta, na perspetiva da responsabilidade e/ou contributo do cônjuge credor de alimentos para a degradação e rutura do casamento, não poderá ser simplesmente ignorada na ponderação da existência desse mesmo direito; III- Deste modo, podem motivos ligados à conduta do ex-cônjuge necessitado – à semelhança do previsto, quanto à cessação da obrigação alimentar, no art. 2013, nº 1, al. c), do C.C. (se o credor de alimentos violar gravemente os seus deveres para com o obrigado), ou na parte final do art. 2019 (indignidade do beneficiário dos alimentos pelo seu comportamento moral) – justificar a negação do direito a alimentos ao ex-cônjuge necessitado “por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”;(..)».[11]
No sentido da exclusão do direito a alimentos por razões de equidade, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-01-2020 considerou:
«Com a reforma operada pela Lei 61/2008, 31-10, o artº 2016º foi alterado, sendo eliminada qualquer referência à culpa (tal como no então adotado regime geral do divórcio-rutura), pelo que qualquer dos cônjuges tem agora direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (nº 2).III.- As razões de equidade são ainda relevantes, mas agora para efeitos de negar os alimentos (nº 3), o que permite, atendendo a todas as circunstâncias do caso concreto, impedir a prestação de alimentos quando a culpa do cônjuge que os pede tornar a concessão iníqua.»[12]
Por último, estabelece o artigo 2019º do Código Civil que “Em todos os casos referidos nos artigos anteriores, cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair novo casamento, iniciar união de facto ou se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral.»[13]
Quanto à delimitação do campo de actuação deste dispositivo, em particular” da cessação do benefício por indignidade - comportamento moral”, parece que melhor se ajustará às situações, em que o comportamento causal ocorra após o fim/cessação da relação conjugal, e na revisão /extinção dos alimentos anteriormente atribuídos ao ex-cônjuge beneficiário. [14]
Pires de Lima e Antunes Varela dão nota da objectiva consonância entre a hipótese de novo casamento e a invocada indignidade do "alimentado", levando, identicamente, a que a lei diga que "cessa o direito a alimentos" que, tudo junto, faz evidenciar que a ocorrência fáctica condicionante da cessação deverá ser posterior ao divórcio. [15]
Pelo que, s.m.o., não colhe a abrangência retroactiva invocada pelo apelante no que concerne ao comportamento da Autora na pendência do casamento;[16] ainda assim, sempre se apresentaria desmesurado, reconduzir de por si a violação do dever de fidelidade no casamento ao conceito indeterminado de “comportamento moralmente indigno”.
3.–A exclusão do direito a alimentos do ex-cônjuge e as razões de equidade
Doravante, não estando o tribunal vinculado à alegação das partes em matéria de direito, configura-se no caso concreto a exclusão do direito a alimentos reclamado pela Autora, por razões de manifesta equidade e em aplicação do artigo 2016º, nº3, do Código Civil.
A equidade- artigo 4º do Código Civil- traduz-se na observância das regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, dos parâmetros da justiça relativa e dos critérios de obtenção de resultados uniformes.
Como explicitam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a equidade tem como significado básico a “conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva.”[17]
Castanheira Neves refere que, "quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. ... A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da juridicidade. ... A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto".[18]
Em anotação ao artigo 4º do Código Civil Antunes Varela “quando se considera a equidade como fonte (mediata) de direito não se quer com isso atribuir força vinculativa à decisão (equitativa) concreta, como faz por exemplo o sistema anglo saxónico que confere binding authority a determinadas decisões judiciais. O que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta em que a equidade se funda.”[19]
Apreciemos a situação concretizada na demanda e as razões manifestas de equidade referidas no artigo 2016º, nº3, do Código Civil e que em concreto evidenciam a negação do direito a alimentos da Autora.
A sentença que decretou o divórcio entre as partes concluiu, que a factualidade apurada e que está reproduzida no ponto 2 dos factos provados dos presentes autos “revelou a sucessiva e prolongada violação pela Autora dos deveres de fidelidade e respeito para com o Réu, com afectação séria da comunhão conjugal. [20]
Ficou provado nuclearmente e no que ora interessa, que a Autora manteve relacionamento amoroso e íntimo prolongado com X…por cerca de treze anos, a quem acompanhava frequentemente em lugares públicos, de braço dado, teve conta bancária conjunta, trocando gestos de afecto e apoio e vista como mãe do próprio filho daquele.
Até ao conhecimento da situação pelo Réu em final do ano de 2007, não se apurou factualidade que da sua parte inculque a violação dos deveres conjugais para com a Autora.
Ou seja, perante essa factualidade e a autoridade do caso julgado firmado no processo de divórcio permite (re)afirmar que, a Autora violou de modo reiterado e duradouro os deveres de fidelidade e de respeito entre 1994 e pelo menos até 2007; altura em que Réu ao inteirar-se da situação, sentiu profundo desgosto e sofrimento, passando então fins de semana ausente e em relacionamento íntimo pontual com terceira.
O dever de fidelidade recíproca entre cônjuges corresponde genericamente ao compromisso da dedicação exclusiva dos cônjuges entre si e envolve a proibição de qualquer deles em manter relações sexuais com terceiras pessoas.[21]
De igual modo, na situação do cônjuge reiteradamente se fazer acompanhar publicamente com terceiro, traduz um relacionamento afectivo com terceira pessoa incompatível com o casamento, e nesse sentido, também se verifica flagrante violação do dever de respeito por parte da Autora na pendência do casamento com o Réu.[22]
Ora, como retro explanado, apesar de se ter afastado a noção de culpa no processo de divórcio, e em coerência do sistema, na atribuição do direito a alimentos entre os ex-cônjuges, o comportamento do credor de alimentos na vigência do matrimónio, na perspetiva da responsabilidade do devedor, não assume, todavia, carácter inócuo ou inconsequente.
E, na esteira da densificação jurisprudencial sobre a questão - «(…e/ou contributo do cônjuge credor de alimentos para a degradação e rutura do casamento, não poderá ser simplesmente ignorada na ponderação da existência desse mesmo direito. Deste modo, podem motivos ligados à conduta do ex-cônjuge necessitado – à semelhança do previsto, quanto à cessação da obrigação alimentar, no art. 2013, nº 1, al. c), do C.C. (se o credor de alimentos violar gravemente os seus deveres para com o obrigado), ou na parte final do art. 2019 (indignidade do beneficiário dos alimentos pelo seu comportamento moral) – justificar a negação do direito a alimentos ao ex-cônjuge necessitado “por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente. Deste modo, podem motivos ligados à conduta do ex-cônjuge necessitado – à semelhança do previsto, quanto à cessação da obrigação alimentar, no art. 2013, nº 1, al. c), do C.C. (se o credor de alimentos violar gravemente os seus deveres para com o obrigado), ou na parte final do art. 2019 (indignidade do beneficiário dos alimentos pelo seu comportamento moral) – justificar a negação do direito a alimentos ao ex-cônjuge necessitado “por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente.» [23]
Em sentido convergente, também ,no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-12-2020: « “ (…)a atuação do cônjuge que viola o contrato de casamento e dá origem à sua cessação/dissolução, não pode deixar de ter, em concatenação com outros fatores, algum impacto e relevância para a densificação do conceito legal indeterminado de indignidade por comportamento imoral.(..).»[24]
Voltando à situação ajuizada, resultou provado que a Autora ao longo de mais de dez anos da vida conjugal com o Réu, desconsiderou para com ele os elementares deveres conjugais de fidelidade e de respeito, tudo fazendo concluir que foi essa a causa da rutura do casal, deixando-o desgostoso e em sofrimento, e ciente da inviabilidade do casamento despoletou a postura ulterior do Réu, que passou a ausentar-se de casa aos fins de semana e em companhia de outrem.
Tal factualidade constitui motivo ponderoso e équo, segundo os padrões sociais e éticos dominantes e na procura de uma solução mais justa, desvincular o Réu da prestação de alimentos, justificando-se a negação do direito à Autora, em aplicação do disposto no artigo 2016º, nº3, do Código Civil.
De qualquer modo, mesmo que em tal não se conceda, a apreciação crítica da factualidade e a natureza excepcional do direito a alimentos entre ex-cônjuges, leva a concluir que também não se verifica a necessidade elegível para a sua atribuição, de acordo com o disposto no artigo 2016º, nº2, e 2016º A do Código Civil.
A Autora vive em casa de um dos filhos e aufere 189,00 Euros mensais de RSI; a IPP de 20%+ 0,01 atribuída no relatório médico forense não a impede de trabalhar, ou pelo menos, com diligência, permite efectuar alguns trabalhos domésticos ou outros compatíveis com a idade e habilitações não especificadas; tal rendimento se gerido com parcimónia, permitirá angariar meios para prover às despesas básicas da sua subsistência (cfr pontos 1, 8., 16, 17, 19 e 20 dos factos provados). Acresce que, a Autora optou por abrir mão do valor que recebeu com a venda da casa de morada de família, em benefício do filho, o que aparentando atitude abnegada, também de forma desavisada e desatenta à sua efectiva situação económica, contribuiu para a penúria de meios.
Em suma e para concluir que, a factualidade ajuizada não viabiliza a atribuição de alimentos reclamada pela Autora ao Réu, seja pela exclusão do direito por razões ponderosas de equidade, seja pela ausência do pressuposto da sua necessidade.
III.–DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes em conceder provimento ao recurso, e em consequência, revogam o julgado de primeira instância, absolvendo o Réu do pedido de alimentos.
As custas são a cargo da Autora apelante.
Lisboa, 21.06.2022
ISABEL SALGADO CONCEIÇÃO SAAVEDRA CRISTINA COELHO
[1]No Processo nº 786/09.7TMLSB-Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, foi decretado o divórcio por sentença proferida em 15/7/2013. [2]Também foi eliminado o sistema do divórcio-sanção baseado na violação dos deveres conjugais, mas mantiveram-se os referidos deveres conjugais no art. 1672 do C.C. cuja violação não se sanciona hoje pela via da ação de divórcio. [3]Tendência prosseguida pela Jurisprudência anteriormente às alterações do CC de 2008- v. ex. os Acórdãos do STJ de 27.01.2005 e de 14.11.2006, in www.dgis.pt. [4]No Proc.1412/14.8T8VNG.P1.S1, in www.dgsi.pt; também na doutrina, cf.ex, Cfr. Amadeu Colaço in o Novo Regime do Divórcio, 2ª, pág.145/51. [5]No regime anterior, proveniente da Reforma de 1977, a excepção apresentava-se sob numa formulação positiva no artigo 2016, nº2, do CC; ali se dispunha que, excepcionalmente, podia o tribunal, por razões de equidade, conceder alimentos ao cônjuge que a ele não teria direito nos termos do número anterior, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração prestada por esse cônjuge à economia do casal. [6]Vide, neste sentido, Jorge A. Pais de Amaral, in Direito da Família e das Sucessões, 2014, pág. 192/3. [7]In e-book III JORNADAS DE DIREITO DA FAMÍLIA E DAS CRIANÇAS. [8]No proc. 2836/13.3TBCSC.L1. S1, e também em idêntico sentido o Acórdão do STJ de 27.04.2017 atrás citado no proc.1412/14.8T8VNG.P1. S1, in www.dgsi.pt. [9]No Proc 2836/13.3TBCSC.L1, in www.dgi.pt. [10]No Proc. 512/17.7T8MFR.L1, sendo membros deste colectivo a, respectivamente a Relatora e Primeira Adjunta, não publicado. [11]Em idêntico sentido, o Acórdão do TRL de 17.06.2014 proferido pelo mesmo colectivo no proc. 1273/08.6TMLSB.L1, acessível in www.dgsi.pt. [12]No proc178/14.6T8STB-C. E1; também patente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-04-2008, proc.1399/2008-2, in www.dgi.pt. [13]A redacção actual resulta da alteração ao Código Civil introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, que veio inserir, a par do novo casamento do alimentado ou da indignidade do seu comportamento, a situação de união de facto como causa de cessação do direito a alimentos. [14]Observe-se que apesar de anterior às alterações legais de 2008, lê-se no Acórdão do STJ de 29.04.1997 “se, depois da fixação concreta, houver novo circunstancialismo relevante, a fixação é passível de revisão e até pode haver cessação. Mas depois. (…) permite assacar esse tipo de comportamento a época posterior às decisões alimentar ou de divórcio.”, no proc. 680D, e também entre outros o Acórdão do TRL29-04-1997 no proc. JTRL00010933” - “V - Como resulta do artigo 2019, a indignidade tem de ser posterior à concessão dos alimentos. Na verdade, a expressão aí utilizada "se tornar indigno", não permite outra interpretação”, todos. in www.dgsi.pt. [15]In Código Civil Anotado, V, pág. 616. [16]Embora no articulado superveniente apresentado em 23.06.2014, o Réu tenha invocado a causa excludente do direito aos alimentos por razões de equidade e no respaldo do preceituado no artigo 2016º, nº3, do CC. [17]In Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, 2007, pág.415. [18]In. Questão de Facto - Questão de Direito, pág 351. [19]In Código Civil Anotado, I vol. 3ª edição. [20]Já na sentença em recurso o tribunal apreciou a matéria nos seguintes termos - “Quanto às circunstâncias em que terminou o casamento da Autora e do Réu, embora sejam sopesadas, não assumem peso de maior, considerando o modo como está agora configura o direito a alimentos do ex-cônjuge. Tanto mais que a violação do dever de fidelidade não se verifica apenas por parte da Autora, como pode aferir-se da leitura da matéria de facto provada nesse âmbito.” [21]Cfr. Antunes Varela in Direito da Família”, 1982, pág. 275. [22]Neste sentido Cfr. o Acórdão do TRL de 17.6.2014, já citado. [23]Cfr. Acórdão do TRL de 13.7.2021 já citado em caso com caraterísticas análogas. [24]No proc. 487/18.5T8CLD.C1, in www.dgsi.pt.; também prosseguindo idêntica interpretação cfr. o Acórdão do TRL de 15.09.2015, no proc. 22836/13, 3TBCSC.L1, acessível na mesma página.