PETIÇÃO INICIAL
CAUSA DE PEDIR
FACTOS ESSENCIAIS
PETIÇÃO DEFICIENTE
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CONHECIMENTO DO MÉRITO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Sumário


I. - A causa de pedir como conjunto de factos concretos (em maior ou menor número) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, deve conter todos os factos essenciais, que por indicação do art. 5 nº 1 do CPC são os que constituem a causa de pedir.
II. - Sendo essenciais, a falta de um deles implica a incompletude da causa de pedir e por isso mesmo a ineptidão da mesma, porque essa falta e essencialidade compromete o conhecimento do mérito da causa.
III. - Não pode convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido.

Texto Integral

                              


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório

AA instaurou ação declarativa de condenação contra BB; CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN e K… & ASSOCIADOS – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, S.A, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da quantia de € 111.120,00, valor das ações do R BES; e ainda a pagarem ao autor, solidariamente, juros à taxa legal de 4 % sobre a referida quantia, desde 04-08-2014 e até integral pagamento.

Alega o autor que foi cliente BES e é investidor não qualificado, tendo apenas o ensino básico e não tem conhecimento quer de instrumentos financeiros quer das sociedades emitentes de papel comercial, confiando na informação no seu banco; em 6-03-2014, o por intermédio do Banco Active Bank SA comprou em bolsa ações do BES. A resolução sobre o BES, dividiu o Banco em dois e criando um banco bom e outro mau tendo o autor sido induzido com a garantia de que o investimento que realizara era seguro como se um depósito se tratasse, tendo perdido as suas as economias por responsabilidade dos réus.

O Novo Banco, SA é responsável uma vez que a operação de resolução nada mais foi do que constituir o NB e transferir para este ativos e passivos, elementos extra patrimoniais e ativos sob a gestão do BES, o que constitui uma cisão de sociedades e também os demais réus, porquanto ocultaram de forma consciente a realidade financeira do grupo, permitindo que fossem vendidos no balcão produtos financeiros sem qualquer correspondência com o seu valor nominal, pelo que também eles são solidariamente responsáveis.

Os réus contestaram e o autor veio desistir da instância contra Réu OO e BB e desistir do pedido contra PP.

Por despacho proferido a 5-02-2019, o tribunal homologou aquelas desistências e absolveu da instância a Massa Insolvente do BES, em Liquidação.

No despacho saneador definindo as questões a decidir - apurar da ilegitimidade substantiva do Novo Banco, SA e ainda dos réus ex administradores do BES e da K.…, S.A e, não se verificado as referidas exceções de prescrição e caducidade, se o A. tem direito a ser indemnizado pelos RR., a título de danos patrimoniais – o tribunal em primeira instância conheceu das exceções de ineptidão da petição inicial, da ilegitimidade ativa e passiva julgando-as improcedentes.

E quanto ao mérito do pedido julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu os réus Novo Banco, SA, EE, CC e JJ, NN, LL e MM, GG, HH, KK e FF, II, DD e K.… e Associados – Sociedade de Revisores Oficial de Contas, S.A dos pedidos formulados pelo autor.

… …

Inconformado com esta decisão o autor interpôs recurso de apelação tendo a ré K..., S.A, apresentado resposta em que ampliou o âmbito do recurso no sentido de, a obter provimento ao recurso do autor, se conheça das questões da inimpugnabilidade dos relatórios de auditoria emitidos pela K..., S.A e da prescrição ou caducidade dos alegados direitos do Autor, invocadas na contestação da K..., S.A, e igualmente decidir pela improcedência da ação relativamente à K..., S.A e absolvição desta do pedido. E, ainda que assim não se entenda, que se conheça a ampliação do recurso e se julgue procedente a exceção da ilegitimidade passiva, absolvendo a Recorrida K.…, S.A da instância.

No acórdão proferido foi a apelação julgada parcialmente procedente e revogado o saneador-sentença quanto à decisão de absolvição do pedido dos Réus (6.º) CC, (9.º) GG, (10.º) HH, (15.º) LL, (16.º) MM e (17.º) NN, bem como da Ré (18.ª) K..., S.A, o qual foi substituído por decisão de absolvição destes Réus da instância, por se julgar verificada, no tocante ao pedido contra os mesmos deduzido, a exceção dilatória de nulidade de todo o processo decorrente de ineptidão (parcial) da petição inicial. No mais manteve esse acórdão da Relação o decidido no saneador-sentença recorrido e considerou prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pela Ré K.…, S.A. na sua alegação de resposta.

… …

O autor pediu a reforma da decisão recorrida quanto a custas, que foi indeferida, e arguiu a nulidade do acórdão por falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão nos termos do art. 615 n.º 1, als. b) e c) do CPC o que foi igualmente indeferido.

… …

Inconformado com a decisão da Apelação dela interpôs recurso o autor concluindo que:

“A. O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a absolvição do Novo Banco, SA e dos 4º, 7º, 8º 11º, 12º e 13º RR: do pedido e alterou a decisão de primeira instância de absolvição dos restantes RR. de absolvição do pedido para absolvição da instância.

B. O recorrente concorda com o douto acordam da Relação de Lisboa pois discorda dos seus fundamentos, que considera até serem contraditório e ambíguos, motivo pelo qual vem interpor o presente recurso de revista excecional, nos termos do artigo 672º do CPC.

C. São, em resumo, os seguintes os fundamentos para a admissão desta revista excecional:

a) Encontra-se aqui em causa a apreciação de questões essenciais para uma correta aplicação do direito, a saber:

1. O saber se foi violado o direito de propriedade do A protegido pelo artigo 69º da Constituição da República ao transferir-se para o NOVO BANCO, SA, através da medida de resolução, o património mobiliário e imobiliário do BES.

2. O saber se para satisfação dos seus créditos, os credores do BES, como é o caso do A., poderão ou não receber menos do que receberiam se o BES fosse sujeito a um processo de insolvência e não a uma medida de resolução, nos termos do art. 73º al a) da referida Diretiva 2014/59/EU e se o NOVO BANCO, SA é responsável pelo pagamento da diferença, nos termos do artigo 75º da mesma Diretiva.

3. A distinção entre factos e conclusões.

4. Em que circunstâncias deve o tribunal mandar aperfeiçoar a petição inicial nos termos dos artigos 4º, 5º, 6º e 7º do CPC

b). Está aqui em causa, também, uma questão com particular relevância social.

Isto porque a responsabilização ou não do NOVO BANCO, SA nos termos da alínea anterior irá afetar milhares de pessoas lesados do BES, muitas delas que depositaram no BES as poupanças duma vida, muitas delas ainda que contavam com essas poupanças para se sustentarem na sua velhice, o que é facto notório.

c). Finalmente, o acórdão ora recorrido está em contradição com outro(s) acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 07-06-2018, no âmbito do Processo 18056/16.2T8LSB.L1 que decidiu que o NOVO BANCO, SA poderia legitimamente ser civilmente demandado.

D. Quanto ao NOVO BANCO, SA, a decisão da Relação de Lisboa foi no sentido de absolver o NOVO BANCO, SA do pedido, sem razão, visto que através da medida de resolução, foi transferido para o NOVO BANCO, SA património imobiliário e mobiliário do BES Ora esses bens não fazem parte da massa insolvente do BES em liquidação, por terem sido transferidos, através da medida de resolução, para o NOVO BANCO, SA. A conclusão a tirar é, evidentemente, de que, sendo subtraído ao património da massa insolvente esses bens, o que houve foi uma expropriação sem indemnização (que constitui, na realidade, um confisco).

E. Além disso, a medida de resolução implicou que os credores e até acionistas do B... tivessem menos direitos do que os credores ou acionistas teriam de qualquer outra sociedade comercial insolvente, pois o património do B... foi transferido para o NOVO BANCO, SA, o que não sucederia num caso de insolvência, sendo certo que não é apenas o FUNDO DE RESOLUÇÃO o responsável pelo pagamento de quaisquer indemnizações devidas ao A: mas também o NOVO BANCO, SA para quem o património pertencente ao A. foi transferido.

F. Sobre esta questão citamos alguns acórdãos, em que os Tribunais da Relação entenderam que as Deliberações do Banco de Portugal padecem de inconstitucionalidade material visto que violavam o direito constitucional da propriedade privada consagrado no art.º 62.º da CRP.

G. Mais, o Tribunal, reconhecendo que as deliberações do Banco de Portugal, quando interpretadas de forma que se concretizem num esvaziamento do direito de propriedade do recorrente, anulando direitos fundamentais, são inconstitucionais, como já tem sido reconhecido pela jurisprudência, não pode considerá-las na composição deste litígio, uma vez que isso se mostra incompatível com a obediência que deve, prioritariamente, à Constituição, designadamente às normas suprarreferidas.

H. No caso em apreço, do que se trata é de apreciar direitos subjetivos privados que terão sido excessivamente restringidos por via de um ato administrativo. Como já ficou suficientemente desenvolvido, cremos,

I. A este Tribunal compete garantir a defesa dos direitos legalmente protegidos dos cidadãos, sendo certo que nessa tarefa o tribunal só deve obediência à Lei máxime à Lei Constitucional. Deste modo, se existe um ato administrativo que a contraria – independentemente de já ter sido ou não declarado nulo ou anulável – deve o Tribunal aplicar prioritariamente a Lei em detrimento desse ato administrativo.

J. A medida de resolução violou, assim, os princípios da legalidade (artigo 3.° da CRP), da igualdade (artigo 13.° da CRP) e o direito de propriedade (artigo 62.° da CRP).

K. Daí que o NOVO BANCO, SA, ao qual foram transmitidos esses bens, seja também responsável, na medida em que, ilegitimamente, enriqueceu através do património do BES, seja responsável na medida do seu enriquecimento, pela indemnização a fixar ao A, nos termos do artº 473º do CC.

L. Daí que ao decidir-se pela absolvição do pedido do NOVO BANCO, SA, em lugar de se ter decidido pela absolvição da instância, o douto acórdão recorrido violou as ditadas disposições da CRP, artº 473º do CC, e ainda os artigos 186º, 196º, 278º nº 1- b), 576º n.ºs 1 e 2, e 577º- b) do CPC, pelo que deverá ser revogada.

M. Mais decidiu ainda o acórdão ora recorrido a absolvição do NOVO BANCO, SA e dos 4º, 7º, 8º 11º, 12º e 13º RR do pedido, e de todos os restantes RR da instância (segundo bem interpreta o A. o acórdão recorrido) com o fundamento de o A. não ter alegado factos essenciais indispensáveis à procedência da ação, pelo que não haveria, sequer, lugar ao convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.

N. Afigura-se ao A. cristalino que em tudo isto que foi alegado na petição há matéria de facto indispensável à procedência da ação, ao contrário do que entende, mas sem concretizar, o douto acórdão recorrido, escudando-se em afirmações vagas e não fundamentadas para afirmar que o A. não alegou matéria de facto essencial à procedência da ação.

O. Ora constitui matéria de direito, de competência do STJ, o apurar se determinada matéria alegada é uma questão de facto ou uma questão de direito.

P. Aliás, este STJ no seu acórdão de 28.09.2017, processo 659/12.6TVLSB.L1.S1, da 7º seção, definiu no seu sumário com clareza que há expressões que pode parecer conclusivas ou reconduzir-se a puros conceitos normativos, mas, na realidade, contêm matéria de facto.

Q. Outra questão que o tribunal recorrido não colocou é a de saber se, para se ordenar o aperfeiçoamento da petição essencial, é necessário articular todos os factos essenciais à procedência da ação ou apenas alguns.

R. Parece resultar claro dos artigos 5º, 6º e 7º do CPC, que basta alegar alguns factos essenciais para a procedência da ação para que o juiz deva ordenar o aperfeiçoamento da petição inicial. Só assim se compreende o disposto no nº 2 do artigo 5º. Mais, a reforma do 2013 do CPC veio aumentar os poderes/deveres do juiz de gerir o processo de modo a alcançar a realização da justiça material.

S. Por isso, o disposto nos artigos 4º,5º 6º e 7º do CPC impõem ao juiz não só o poder, mas o dever de procurar a realização da justiça material, e nesse deve está o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.

T. Aliás, ao contrário do que vem afirmado no douto acórdão recorrido, está aqui em causa o princípio da igualdade das partes previsto no artº 4º do CPC. Ninguém ignora que há imensa matéria de facto relativa ao caso BES que o cidadão comum desconhecia e nem sequer poderia conhecer. Só agora se começam a conhecer factos em concreto, E O DEPARTAMENTO CENTRAL DE INVESTIGAÇÃO E AÇÃO PENAL DEMOROU 6 (SEIS!) ANOS A APURAR OS FACTOS QUE CONDUZIRAM À ACUSAÇÃO DOS ARGUIDOS (e á absolvição, em termos questionáveis, de alguns deles)

U. Para assegurar a igualdade das partes, o Tribunal recorrido teria de mandar aperfeiçoar a P.I. com os factos que, como é do domínio público, foram conhecidos depois da propositura da ação, nomeadamente decisões do Banco de Portugal, do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão e dos tribunais administrativos.

V. Ora, de acordo com os princípios supracitados, o Tribunal recorrido, mesmo que entendesse que o A. não apresentou factos, mas conclusões (o que não se aceita nem concede), deveria tê-lo convidado a aperfeiçoar a P.I. e não o fez tendo, assim, o tribunal recorrido violado as referidas normas do CPC e da Constituição da República.

X. Entende o douto acórdão recorrido decidiu o seguinte quanto aos RR:

“(4.º) EE, … (7.º) DD, (8.º) FF… (11.º) II, (12.º) JJ, (13.º) KK, lembramos que se decidiu, com força de caso julgado formal, que não se verifica a ineptidão da Petição Inicial no que concerne aos 4.º, 7.º, 8.º, 11.º, 12.º e 13.º Réus.

Como vimos, o Autor discorda, limitando-se a argumentar que foi alegada “matéria de facto essencial”, que, sustentada por prova documental/testemunhal e concretizada mediante articulado superveniente ou petição inicial aperfeiçoada, poderia conduzir à procedência da ação (artigos 1.º a 20.º, 23.º a 45.º, 53.º a 56.º, 61.º a 69.º, 73.º a 88.º da petição inicial)”.

Z. Não fundamenta o acórdão recorrido o porquê da verificação, quanto a estes RR., do caso julgado formal, pelo que a decisão é nula porque não fundamentada, nos termos do artigo 615º-1 b) do CPC.

AA. Por outro lado a decisão ora é contraditória e ambígua porque, quanto a outros RR. não considera haver caso julgado formal, sendo certo que a fundamentação da decisão é a mesma relativamente a todos: o não serem alegados factos essenciais à procedência da ação.

BB. Assim sendo, torna-se o referido acórdão ininteligível, o que implica a sua nulidade, nos termos do artigo 615º-1 c) do CPC.

CC. Aliás, a decisão de primeira instância que o tribunal recorrido considera constituir caso julgado formal quanto aos RR referidos e a que dá, indiretamente, o seu respaldo, enferma de um erro essencial que é o de considerar que, relativamente a esses RR. o A. é um credor social, pelo que a sua responsabilidade seria extracontratual, o que não é verdade, porquanto, ao adquirir ações do BES o A. é acionista e não apenas credor social do BES, havendo entre o A. e esses RR., como um contrato de sociedade, pelo que a sua responsabilidade não é extracontratual, nos termos dos art.º 483º, 485º e 486º do Código Civil, mas contratual, nos termos dos artigos 798º e 799º do CC.

DD. Não pode o recorrente aceitar que se verifica o caso julgado formal contra os RR, uma vez que tal violaria o artigo 620° - 1 do C.P.C.

EE. Ora o despacho saneador sentença proferido nos autos não incidiu apenas sobre a relação processual, mas sobre questões substantivas do processo, nomeadamente esta de se saber se a responsabilidade desses RR. é contratual ou extracontratual, e ainda sobre os seus atos de administração do BES e, além disso, não se enquadra em qualquer dos casos previstos no artigo 630º do CPC, pelo que o douto acórdão recorrido violou aquele artigo 620º do CPC devendo, por isso, ser revogado.

FF. O recorrente recorreu desse despacho saneador sentença. O Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se no sentido de não terem sido alegados factos essenciais para a procedência da ação, pelo que não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento. Além disso, e como acima se disse, decidiu, ambígua e contraditoriamente, e sem fundamentar a decisão, que os RR. referidos devem ser absolvidos do pedido e não da instância.

GG. Porém, relativamente a esses RR., não sendo ordenado o aperfeiçoamento da pi. deveriam os mesmos ser absolvidos da instância, nos termos do artigo 576º-2 do CPC.

HH. O douto acórdão recorrido violou as citadas disposições da Constituição da República, do Código Civil e do Código de Processo Civil pelo que deverá ser revogado e substituído por outro no qual se ordene que o A. seja convidado a aperfeiçoar a petição inicial.

II. Ou, caso assim se não entenda, se absolvam todos os RR e não apenas alguns, da instância e não do pedido.

… …

 Os réus Novo Banco, SA e K... & Associados, Sociedade de Revisores Oficiais de Contas S.A apresentaram contra-alegações defendendo a rejeição da revista excecional por falta de pressupostos e, em qualquer caso, a confirmação da decisão recorrida.

… …

Os autos foram remetidos à Formação a que alude o art. 672 nº 3 do CPC, que decidiu “a) não admitir a presente revista excecional, por qualquer dos pressupostos invocados, quanto à impugnação do segmento decisório respeitante à absolvição do Novo Banco, SA;

b) admitir a revista excecional com base no pressuposto previsto na al. a) do nº1 do 672 do CPC quanto à impugnação do segmento decisório de absolvição do pedido dos 4º, 7º, 8, 11º, 12º e 13 réus”

… …

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

Fundamentação

Foi julgada como provada a seguinte matéria de facto:

1 - Por decisão do Banco Central Europeu, datada de 13 de Julho de 2016, a autorização para o exercício da atividade bancária do BES foi revogada.

2 - Corre termos o processo de insolvência/liquidação do BES, no tribunal do Comércio ... secção, J.…, sob o n.º 18588/16.... – cfr doc de fl.s 318 a 323.

3 - Em reunião extraordinária do conselho ... do Banco de Portugal, de 03/08/2014, foi deliberado, além do mais, a constituição do Novo Banco, SA ao abrigo do artº 145º-G nº 5 do RGICSF e a transferência para o Novo Banco, SA, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, S.A.

4 - No anexo II a essa deliberação, foram referidos “Os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, registados na contabilidade, que serão objeto de transferência para o Novo Banco, SA, de acordo com os seguintes critérios:

a) -Todos os ativos, licenças e direitos, incluídos direitos de propriedade do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA com exceção dos seguintes:

iv) Ações próprias do BES SA.

b) - As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com exceção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):

v) - Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violação de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais – cfr doc fls. 931 verso a 942 cujo teor se dá por reproduzido.

5 - Em reunião Extraordinária do conselho ... do Banco de Portugal, de 11/08/2014 foi deliberado, clarificar e ajustar o perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, S.A, transferidos para o Novo Banco, SA, definido, além do mais, de modo mais preciso as exclusões constantes da

(considerando 21): - subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 03 de agosto (…)

(considerando 22) – subalínea (vi) a alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 Agosto, deve ficar explícito que as responsabilidades ou contingências do BES que não foram transferidas para o Novo Banco, SA podem também resultar de contratos de que o BES seja parte e não apenas da emissão de ações ou de dívida.

(considerado 23) “Na subalínea (vii) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve ficar explícito que os passivos do BES nela referidos que não foram transferidos para o Novo Banco, SA abrangem quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, embora sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, desde que estas estipulações estejam documentalmente comprovadas nos arquivos do BES em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas;”.

6 - Assim, a subalínea (v) e a subalínea (vii) da alínea b) do anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014, passaram, respetivamente, a ter as seguintes redações:

(v) - “Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;

(vii) - “Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

7 - Por Deliberação de 29 de dezembro de 2015, do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi deliberado, além do mais, alterar a redação da subalínea (vii) da alínea b) do anexo 2 da deliberação de 03 de agosto de 2014, que passou a ter a seguinte redação:

“Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

8 - O A. por intermédio do Banco Active Bank SA SA, comprou em mercado bolsista:

- a 06-03-2014: 60.000 ações do BES ao preço unitário de €1.470, no valor global de €88200,00.

- a 30/07/2014: 40,000 ações do BES ao preço unitário de €0,3590, no valor global de €14360,00

- a 31-07-2014: 40.000,00 ações do BES ao preço unitário de 0,2140€, no valor de €8560,00.

9 - O réu EE foi ... do “BES, S.A.”, desde setembro de 1991 a 13 de Julho de 2014.

10 - O Réu CC era ... do BES no departamento do ...; departamento ...; Sucursal Financeira ..., à Sucursal de ..., ... e ..., departamento de ... e ao ..., fazendo parte do comité de estratégia e coordenação internacional e do conselho ... da E....

11 - O Réu JJ foi ... do BES desde março de 2004 até 23-07-2014, tendo sido eleito para a comissão ... em 2004 e reconduzido em 2008 e 2012.

12 - II foi nomeado, em setembro de 1995, ..., em abril de 2000, foi eleito pela Assembleia Geral para conselho ... do BES e designado membro da comissão ..., cargo que foi reconduzido nos anos de 2004, 2008 e 2012.

13 - NN, LL e MM foram membros da comissão de auditoria do BES, enquanto órgão de fiscalização interna.

14 - DD foi ... do conselho ... e da comissão ... do BES

15 - GG foi ... do BES, com o centro de atividade no ..., exercendo o cargo de Presidente do B....

16 - HH foi eleito pela Assembleia Geral para o conselho ... do BES e designado membro da comissão ... cargo a que foi reconduzido pela Assembleia Geral nos anos de 2004, 2008 e 2012.

17 - Os RRs KK e FF foram ... do BES, entre setembro de 2006 a 3 de agosto de 2014, no caso do primeiro, e de julho de 2003 a 3 de Agosto de 2014, quanto ao segundo e, desde a data da resolução do BES até setembro de 2014, administradores do Novo Banco, tendo renunciado a tal cargo, nesse mês.

18 - PP, em fevereiro de 2006, foi cooptado para as funções de ... do BES até 31 de março de 2008 e, nessa data, foi eleito Presidente do conselho ... para o quadriénio ...11, sendo reeleito em 2012/2015, na Assembleia de 22 de março de 2012, exercendo sempre estas funções como membro ....

19 - K.… foi ... do conselho ... do BES entre 1 de fevereiro de 2005 e 2007 e a partir de 2007 passou a exercer as funções de ... e ... do BES

… …

O objeto do recurso é, por regra, delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do CPC - sendo que, em caso de revista excecional, a delimitação do objeto do recurso deve respeitar o determinado pela Formação a que alude o art. 672 nº 3 do CPC. Trata-se neste caso de uma atribuição legal exclusivamente conferida a esse coletivo decisório, que aprecia a verificação dos pressupostos previstos no nº 1 desse preceito e os seus limites, proferindo decisão insuscetível de reclamação ou de recurso - art. 672 nº 4 do CPC.

Na presente revista importa assim decidir se quanto aos réus 4º, 7º, 8, 11º, 12º e 13, que foram absolvidos do pedido, e quanto aos 6º, 9º, 10º, 15º, 16º, 17º e 18º, que foram absolvidos da instância, deve manter-se a decisão recorrida ou determinar-se o prosseguimento da ação com convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.

 … …

A decisão recorrida considerou como acertada a fundamentação da primeira instância (que absolveu os Réus do pedido) no que se refere ao reconhecimento da falta de alegação de factos essenciais constitutivos da causa de pedir, descartando o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial. Confirmou, assim, o saneador-sentença quanto aos 4.º, 7.º, 8.º, 11.º, 12.º e 13.º Réus (até por força do caso julgado formal do despacho saneador, que julgou não verificada a ineptidão da PI quanto a estes Réus), e só quanto aos demais (os 6.º, 9.º, 10.º, 15.º, 16.º, 17.º e 18.º Réus) não confirmou a decisão de primeira instância, revogando-a com substituição da parte em que os havia absolvido do pedido, pela decisão de absolvição destes Réus da instância.

A decisão distingue assim duas partes:

- a que decidiu a absolvição da instância dos réus - (6.º) CC, (9.º) GG, (10.º) HH, (15.º) LL, (16.º) MM e (17.º) NN, bem como da Ré (18.ª) K.., S.A - por ineptidão da petição inicial decorrente da falta de causa de pedir, revogando o saneador-sentença apelado;

 - a que deliberou a absolvição do pedido dos réus - EE, (7.º) DD, (8.º) FF, (11.º) II, (12.º) JJ e (13.º) KK) - confirmando o saneador-sentença.

 Tal distinção explica que quanto a estes últimos réus a revista interposta e admitida, nos termos limitados em que o foi, seja excecional e quanto ao primeiro grupo de réus -  (6.º) CC, (9.º) GG, (10.º) HH, (15.º) LL, (16.º) MM e (17.º) NN, bem como da Ré (18.ª) K..., S.A, - seja normal, uma vez que, neste segmento, não existe dupla conforme por a apelação ter revogado a sentença, substituindo a absolvição destes do pedido pela absolvição da instância.

Explicado que fica com a necessária clareza o objeto do recurso, temos para resolver a questão de saber se quanto aos réus que a decisão recorrida absolveu da instância, a ação deverá prosseguir com o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial e se, quanto àqueles que foram absolvidos do pedido com fundamento na falta de alegação de factos essenciais, deveria também prosseguir a ação com igual convite ao aperfeiçoamento. 

O recorrente opõe à decisão recorrida a alegação de que:

- articulou na petição matéria de facto indispensável à procedência da ação, devendo o STJ decidir se tal matéria alegada é de facto ou de direito;

- o tribunal recorrido deveria ter abordado a questão de saber se para se ordenar o aperfeiçoamento da petição essencial, é necessário articular todos os factos essenciais à procedência da ação ou apenas alguns.

Apreciando, a ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância, sendo de conhecimento oficioso pelo tribunal conforme os artigos 186 nº 1 e 2, alínea a), e 278, n.º 1, alínea b), ambos do CPC.

Sabemos que a petição inicial tem de formular um silogismo que estabeleça um nexo lógico entre as suas premissas (as razões de facto e de direito expostas) e a conclusão (o pedido deduzido), significando a sua falta uma inexistência de objeto do processo. Porém, dizer isto não resolve a concreta apreciação que em cada caso, em cada processo, é necessário realizar para concluir se a alegação consistente na causa de pedir é feita em termos genéricos tais que não ilustre e evidencie em factos concretos o objeto do litígio, ou se essa generalidade, ou deficiência por escassez ou falta de inteligibilidade, permite sem esforço de imaginação acrescentada pelo julgador compreender qual é a causa de pedir, de forma que em si mesma e mesmo sem aperfeiçoamento, autoriza um julgamento e uma decisão sobre o mérito da causa.

Nos termos dos arts. 5 nº 1 e 552 nº 1 al. d) do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as exceções, sendo na petição inicial (não em momento posterior) que devem ser articulados e constar os concretos factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito. Isto é, o autor está obrigado à alegação e prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido.

O Autor defendendo que alegou, quanto a todos os réus, factos essenciais suficientes para se conhecer do pedido, designadamente nos artigos 1.º a 20.º, 23.º a 45.º, 53.º a 56.º, 61.º a 69.º, 73.º a 88.º da petição inicial, argumenta que foram até dados como provados alguns factos, reconhecendo no entanto que careceriam os mesmos de ser concretizados, o que lhe deveria ter sido permitido fazer em articulado superveniente ou em petição inicial aperfeiçoada, por força do disposto nos artigos 4.º, 6.º e 7.º do CPC. E em qualquer caso, a assim não se entender, deviam então ter sido absolvidos da instância, pois, faltando a causa de pedir, a petição inicial seria inepta.

O raciocínio da decisão recorrida entende que relativamente a todos os réus (com exceção do Novo Banco, SA) se verifica uma situação de ineptidão da petição inicial que, no entanto, o saneador -sentença só declarou relativamente a alguns dos réus  - os (6.º) CC, (9.º) GG, (10.º) HH, (15.º) LL, (16.º) MM e (17.º) NN, bem como da Ré (18.ª) K..., S.A – uma vez que, quanto aos outros a circunstância de o despacho saneador-sentença haver decidido expressamente que inexistia ineptidão da petição inicial, não autoriza a alteração dessa decisão por força do caso julgado que nesse segmento se formou.

Em rigor de verdade, a decisão recorrida não admite que tendo sido articulados apenas alguns factos essenciais da causa de pedir e não todos, se deveria produzir um convite ao aperfeiçoamento. O que deixa claro é que, existindo uma situação de ineptidão da petição inicial quanto a todos esses réus, que deveria determinar a absolvição da instância, apenas revoga quanto a alguns a decisão da sentença no sentido da absolvição da instância, porque, quanto aos outros, o caso julgado não o permite, mantendo-se assim e por essa razão a absolvição do pedido.

Como já se escreveu no ac. RC de 18-10-2016 - no proc. 203848/14.2YIPRT.C1, in dgsi.pt. de que foi relator o aqui relator - citado no acórdão recorrido, no domínio da ineptidão da petição inicial a questão é sempre saber se, objetivamente, existe ou não causa de pedir, ainda que deficiente ou com pouca inteligibilidade, que permita um julgamento do mérito do pedido. E esta problemática prende-se com a que está no centro da presente revista e que é a de definir a extensão da previsão do poder/dever do julgador convidar ao aperfeiçoamento da petição inicial.

Sabemos que a locução normativa do art. 186 nº 3 do CPC - segundo a qual “se o réu contestar apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando ouvido o autor se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial” - não significa, menos ainda constitui, um princípio para que a ausência de arguição de nulidade por parte do réu torne boa a petição quando a esta falte a causa de pedir, por incompletude ou ininteligibilidade. A previsão do preceito quer significar que é o critério do julgador (e não a vontade das partes) que decide se aquilo que foi alegado pelo autor, independentemente de o réu ter arguido ou não essa nulidade por ineptidão, permite um julgamento de mérito, ainda que mais dificultado pela falta de clareza ou concretização do que alegou, o que acontecerá quando se revele que o demandado interpretou bem, e/ou até esclareceu com a contestação, essa falta de clareza e insuficiência.

O poder de convidar ao aperfeiçoamento dos articulados, para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590 nº 4 do CPC), tem de ser entendido em rigorosos limites e isto porque esta invitação pode apenas ter lugar quando existam insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito, mas que permitam que este conhecimento e decisão (com o convite, se aceite) sejam realizados de forma mais eficaz. Não deve assim convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir, como antes apontámos, o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido – vd. ac. STJ de 17-11-2021 no proc. 5870/20.3T8VNG.P1.S1 in dgsi.pt por confronto com o ac. do STJ de 16-12-2020 no proc. 656/14.7T8LRS.LL.S1, admitindo-se neste último a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento se a petição for insuficiente  sem porém se abordar se a insuficiência reporta ou pode reportar a factos essenciais, constitutivos da causa de pedir.

Em reforço do que defendemos, tem-se presente como importante que a não aceitação, por parte do Autor, do convite ao aperfeiçoamento que lhe tenha sido feito não determina que o processo termine (não pode convidar-se a aperfeiçoar e subsequentemente, determinar a ineptidão), o que provocaria, nessa situação, que a ação prosseguisse sem factos essenciais ao conhecimento do direito. A verificação da ineptidão da petição inicial determina a imediata absolvição da instância, sem possibilidade de permitir esse aperfeiçoamento.

É neste âmbito – o da possibilidade de conhecer ou não do mérito com os factos alegados – que se questiona no recurso se, a terem sido alegados alguns factos essenciais, mas não todos, deve ou não haver convite ao aperfeiçoamento. E a questão, assim enunciada, não terá cabimento legal. A causa de pedir como conjunto de factos concretos (em maior ou menor número) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, pode desdobrar-se segundo a taxonomia normativa do art. 5 nº 1 do CPC em factos essenciais que são precisamente, por indicação deste preceito, os que “constituem a causa de pedir” e que por isso mesmo têm de ser alegados pelo demandante na sua totalidade. Pela própria definição, sendo essenciais, a falta de um deles implica a incompletude da causa de pedir e por isso mesmo a ineptidão da mesma, não podendo argumentar-se que enunciando apenas alguns factos essenciais deixará de existir ineptidão e apenas uma situação de deficiência que imporia ao julgador o convite ao aperfeiçoamento. Não, a falta de um facto que seja essencial compromete o conhecimento do mérito da causa, porque a essencialidade se afere em função da importância decisiva que desempenha para o desfecho da ação.

Explicando melhor, no CPC anterior o art. 264 nº 1 autorizava o juiz a fundar a decisão não apenas nos factos alegados pelas partes mas também nos “instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa”, e consentia ainda no seu nº2 na utilização dos factos complementares que fossem complemento ou concretização de outros articulados e resultassem da instrução e discussão da causa, isto desde que a parte interessada manifestasse vontade deles se aproveitar e à parte contrária fosse dada a possibilidade de contraditório. Por sua vez, no CPC atual o art. 5º mantém o sentido daquelas anteriores disposições, salvo que o juiz não precisa agora do assentimento da parte interessada quanto à introdução dos factos no processo. A alteração de um para outro diploma pretendeu, “tanto quanto se possa perceber, enfatizar que apenas os factos essenciais têm se ser alegados na petição inicial, deixando clara a regra, que já existia, que os factos instrumentais podem ser mais tarde adquiridos no processo” – cfr. Mariana França Gouveia, in O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: a incessante procura da flexibilidade processual, p. 604. Todavia, ainda que tenha deixado de fazer-se referência no atual CPC ao princípio do dispositivo, ele encontra-se presente na liberdade das partes da decisão sobre a propositura da ação, sobre os exatos limites do seu objeto (quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às exceções perentórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transacionar) – cfr. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, editora, p. 136 e Mariana França Gouveia, op. e loc . cit.

Como antes dissemos, na liberdade das partes ao definirem os limites do objeto da ação cabe-lhes a responsabilidade exclusiva de enunciarem os factos essenciais que compõem a causa de pedir ou as exceções perentórias porque, sendo esses os factos principais, a sua disponibilidade de alegação pertence a quem tem de os invocar, o que os distingue dos factos não principais que se subdividem, na terminologia do Código, em factos instrumentais, concretizadores e complementares.

A categoria dos factos não principais foi incluída no texto do Código em 95/96 (no então nº 3 do art. 264) e mantem-se com uma ligeira alteração. Antes eram designados como “factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das exceções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outras que as partes hajam oportunamente alegado”, hoje “factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado”. E a diferença está, significativamente, no desaparecimento do qualificativo essenciais. No esforço de distinção, Castro Mendes - Direito Processual Civil, II, p. 208 – entende que factos instrumentais são os que interessam indiretamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos atos pertinentes e para Teixeira de Sousa - Introdução ao Processo Civil, p. 52 – tais factos são aqueles que indiciam os factos essenciais. Por outras palavras, são factos secundários, não essenciais, mas que permitem aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais.

Numa delimitação clara, Lopes do Rego - Comentário ao CPC, p. 201 - escreve que “factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da ação e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material”, enquanto que “factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da exceção ou da reconvenção deduzidas pelo réu”. E num igual registo de clareza, com especial atualidade para a presente decisão, Teixeira de Sousa alerta para que “(…) nunca se entendeu o (agora) disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b), e 4, CPC como permitindo suprir a inexistência ou insuficiência da causa de pedir; logo, não se pode admitir que os factos complementares que sejam alegados na sequência do convite ao aperfeiçoamento sejam factos integrantes da causa de pedir. Esta causa petendi tem de constar da petição inicial, sob pena de ineptidão deste articulado (art. 186.º, n.º 2, al. a), nCPC); assim, se a petição não é inepta por conter uma causa de pedir, nenhum facto que seja adquirido durante a tramitação da causa pode integrar essa mesma a causa de pedir. O que já está completo na petição inicial não pode ser completado por nenhum outro facto.” - In Blog do IIPC.ippc.blogspot. pt/2014/07/factos-complementares-e-causa-de-pedir.html.

Com a explicação de serem essenciais os factos que integrarem, naturalisticamente, os institutos jurídicos que servem de base à ação ou à exceção e com a distinção dos que, mesmo sendo complementares (ou concretização dos que as partes alegaram), não constituem os elementos típicos do direito que se pretende fazer valer em juízo, concluímos que a ausência de um facto essencial determina sempre a ineptidão da petição mesmo que outros factos essenciais tenham sido alegados. A ineptidão não é impedida por se terem alegado alguns faltando outros porque a importância dos factos (que faltem) está na sua natureza essencial. Isto é, não pode haver convite a aperfeiçoamento da petição para serem incluídos factos essenciais uma vez que a sua alegação cabe em exclusivo a quem tem o ónus de os introduzir em juízo.

 A invocação dos arts. 4º, 5º, 6º e 7º do CPC no sentido de ativar o julgador no poder/ dever de procurar a realização da justiça material não lhe impõe qualquer dever universal de intervenção que o obrigue ao convite ao aperfeiçoamento.

O princípio da igualdade das partes do art. 4º do CPC não visa substituir a responsabilidade da iniciativa daqueles a quem a lei comete o dever de alegar e provar os factos essenciais e tão pouco o princípio da cooperação, em qualquer das leituras que dele se faça, permite igual substituição. Por outro lado, o princípio da gestão processual introduzido no art. 6 do CPC, atribuindo ao juiz o poder de exercer influência sobre o processo, quer ao nível do procedimento propriamente dito quer ao nível do processo, ou seja, do pedido e da causa de pedir e das provas - Vd. Miguel Mesquita “A flexibilização do princípio do pedido à luz do direito processual civil” in RLJ ano 143, nº 3983, p. 145 – carece ser respeitado dentro dos limites que fixa. A formulação deste princípio na sua dimensão material, ao atribuir ao juiz o poder de intervir, chamando a atenção para a incompletude ou imprecisão das alegações, não tem a extensão com que é tomada, por exemplo, no direito alemão onde é uma verdadeira trave mestre do ordenamento jurídico processual - vd. §139 do ZPO – mas no qual, mesmo assim, o poder se estende a convidar a completar alegações de facto deficientes, centrando-se essencialmente na possibilidade de convidar a que sejam apresentados pedidos úteis a partir dos factos alegados.

A introdução deste princípio na reforma do Processo Civil de 2013 não trouxe alteração a toda a pregressa teoria processual da ineptidão, versus, deficiência, da petição inicial que se mantém inalterada - Vd. Miguel Mesquita, op.cit p. 146 – com a exigência antes enunciada de alegação dos factos constituintes da causa de pedir no texto da petição. Aliás, esta exigência não se satisfaz sequer com a simples junção de documentos em que tais factos possam eventualmente ser mencionados ou de onde se possam extrair, desde que não seja feita menção de tais factos na petição inicial. Caso se entendesse o contrário, por absurdo, bastaria que o autor indicasse a identidade do réu e que pedido formula, juntando depois a esmo os documentos de onde, com maior ou menor atenção e dificuldade, se pudesse eventualmente concluir a causa de pedir. A exigência de as partes apresentarem nos seus articulados os factos essenciais da causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (art. 5 nº 1 CPCivil) não tem respaldo na possibilidade de elas apresentarem documentos em substituição da alegação, porquanto os documentos servem para a prova dos factos, mas não para sua alegação (art. 362, 363 nº 1, 371 nº 1 e 376 nº 1 do CCivil). Acresce que, quaisquer factos que tenham sido fixados como provados num processo não podem ser importados para outro porque, nos termos do art. 421 nº 1 do CPC, o valor extraprocessual das provas apenas admite que os depoimentos e as perícias (e não os factos que permitiram provar) num processo com audiência contraditória da parte possam ser invocados noutro processo contra a mesma parte, desde que a produção de prova do primeiro processo não ofereça menos garantias. 

Analisando no concreto a alegação dos factos realizada pelo autor no contexto dos pedidos que formulou contra os réus em questão no recurso (EE, CC, DD, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN) estes são demandados enquanto ex administradores pelos danos sofridos pelo A. com a perda de valor das ações do BES subscritas pelo A., por intermédio do Activo Bank.

Não sofre reparo algum a configuração jurídica desta responsabilidade no enquadramento que dela faz a decisão recorrida, quer no sentido de a ter natureza extracontratual, quer quanto à exegese da previsão normativa do art. 78 n.º 1 do CSC, quer quanto à do art. 79 nº 2 deste diploma.

Em resumo, a responsabilidade direta dos administradores para com os credores sociais, que admite a que aqueles sejam acionados por estes em ação autónoma, tem por objeto os danos causados diretamente à sociedade em consequência da insuficiência patrimonial e que, por sua vez, se repercutem em danos indiretos para o credor social. Por esta razão, esta ação exige ao demandante a qualidade de credor social e a violação concreta e concretizada por parte do administrador, das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores sociais. E tem toda a atualidade e rigor a advertência constante da decisão recorrida para as situações de falência da sociedade, caso em que os direitos dos credores podem ser exercidos durante o processo de falência, pela administração da massa falida.

Ao lado desta responsabilidade direta/indireta, o art. 79 do CSC prevê uma outra, em termos gerais, com remissão para o disposto no art. 483 do CC (responsabilidade extracontratual por violação dos deveres genéricos de respeito ou de normas gerais destinadas à proteção de outrem) para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções.

É nesta configuração do quadro das responsabilidades do administradores que deve inscrever-se a verificação dos factos que lhes servem como causa de pedir e, em verdade, quanto ao primeiro segmento de responsabilidade possível - a do art. 78 nº 1 do CSC - como se conclui na decisão recorrida “o A. não alega factos concretos necessários e suficientes à integração no art.º 78º do CSC, não invocando a insuficiência patrimonial do “BES”, de que os réus foram administradores, para pagamento do seu invocado crédito, caso existisse lugar a responsabilidade do mesmo enquanto intermediário financeiro (que, in casu, não existe porque a intermediação financeira foi através do Active Bank). Tão pouco resulta do alegado que os danos que o A. invoca resultem de uma concreta atuação duma situação de insuficiência decorrente de uma concreta atuação de cada um dos réus, individualmente, violadora de disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores sociais.

Por outro lado, quando ao segundo ramo da responsabilidade apontável aos administradores – a do art. 79 nº 2 do CSC e 483 do CC - também assiste razão à decisão recorrida quando enumera que “ainda que os mesmos (os factos alegados) viessem a resultar provados, tais factos não permitiriam concluir pelo preenchimento dos pressupostos do artigo 483º do C. Civil, nomeadamente pela existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

Por referência aos factos que o recorrente aponta como integradores completos e suficientes da causa de pedir para a sua pretensão (1 a 20; 23 a 45; 53 a 56; 61 a 69 e 73 a 78 da petição inicial) pode repetir-se que eles não permitem configurar uma atuação dos RRs., ofensiva de quaisquer direitos absolutos e, de igual, que não estão alegados factos integradores de uma qualquer concreta atuação dos réus, no exercício das suas funções de administração do “BES, S.A.”, violadoras de disposição legal destinada a proteger interesses alheios geradora, em termos de causalidade adequada, dos danos invocados pelo A.

Para lá do elenco das razões endógenas fundadoras da confiança do autor no BES e Grupo a que pertencia, que se extraem dos arts. 1 a 20 da p.i., apontadas como razões da sua decisão de contratar e ao lado da enunciação do percurso das notícias e conhecimento das fragilidades e colapso do BES e seu Grupo com indicação de quem eram os seus administradores na altura, para daí se extrair que, se tinham essa qualidade social, seriam por essa razão os responsáveis (arts. 23 a 45; 53 a 56 e 61 a 69 da p.i.), o que aí é alegado não tem concretização que permita apreciar e decidir no quadro normativo enunciado a responsabilidade de todos e/ou cada um desses réus na viciação de contas e resultados e da responsabilidade pelo estado a que chegaram as empresas do grupo .... Inexiste igualmente qualquer alegação referente à intervenção direta dos réus na subscrição das ações cuja intermediação financeira não foi feita pelo BES, mas pelo Active Bank. Aliás, esta distinção entre emitente e intermediário importa e esclarece (no âmbito da responsabilidade prevista para estes últimos no art. 304 do CVM) que se desconsidere qualquer indagação relativamente a eles como intermediários financeiros uma vez que o BES não tinha nem teve no caso essa qualidade ou função  nem decorre das alegações do autor qualquer atuação dos réus, enquanto administradores do “B... SA.”, que, uma vez provada, pudesse traduzir a violação da obrigação de informar o autor, recomendando e advertindo-o acerca dos riscos das invocadas operações, adequando o seu conselho e assistência à experiência, conhecimentos e perfil de risco do cliente, na medida em que os réus não tiveram qualquer intervenção direta na subscrição das ações do BES em causa nos autos, intermediada pelo Active Bank  e não pelo BES.

Atendendo aos factos articulados pelo demandante que com utilidade concreta e constitutiva da responsabilidade invocada pudessem inscrever a causa de pedir, conclui-se como na decisão recorrida não constarem os que permitiriam responsabilizar os réus ex administradores nos termos e para os efeitos dos referidos normativos.

Quanto à Ré K.…, S.A, auditora externa, e aos Réus LL, MM, NN enquanto membros da comissão de auditoria, de fiscalização interna o Autor alegou que a informação constante do prospeto do aumento de capital social, deliberado pelo conselho ... do BES, em 15 de Maio de 2014, com parecer favorável da comissão de auditoria, também era falsa, visto que as colossais imparidades no BES já existiam há diversos anos e não constavam do prospeto. E que tal falsidade de informação era da responsabilidade dos membros do órgão da administração do BES, dos membros da comissão de auditoria e do auditor externo K..., S.A. Acrescentando que aos réus (15º,16º e 17º) membros do conselho de auditoria do BES - competindo-lhes fiscalizar a administração e as contas do BES bem como todos os suportes documentais dessas contas e verificar a sua veracidade e exatidão, receber e fiscalizar as comunicações de irregularidades quer nas contas quer nos documentos que as suportaram, no conhecimento de toda a situação do Banco e do Grupo BES e da falsidade muitos dos documentos que suportavam as contas e os relatórios de contas do BES -  nada fizeram para impedir as irregularidades, falsificações e fraudes praticadas pelo BES e os restantes RR. até à medida de resolução e concordando com tais práticas e resultados.

Quanto à R. K..., S.A, como revisora oficial de contas do B... imputa-lhe o autor ser conhecedora do todo o universo das empresas financeiras e não financeiras do Grupo E..., incluindo o BES - Angola, bem como de todas as operações legais e ilegais praticadas por todas as sociedades do universo do Grupo Espirito Santo e que dolosamente avalisou todas as falsidades e falsificações das contas do BES sabendo que eram falsas, sabendo ainda que  anterior revisor oficial tinha deixado de o ser por se recusar  a colaborar com as falsificações de contas e documentos do BES e a continuar a dar parecer positivo às contas apresentadas por esse banco.

Sendo requisitos necessários da responsabilidade extracontratual imputada, a existência de facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre facto e dano, o autor identifica o ato ilícito com a deficiência nos relatórios, por alegadamente não terem dado nota da ocultação de dívida no BES que já se vinha verificando desde 2008. Todavia, não discrimina, devendo fazê-lo, as concretas deficiências cometidas pela ré convocando uma situação de dívida criada, mantida e ocultada a qual teria sido determinante para o colapso do ESI e BES, mas sem inscrever os factos concretos e suscetíveis de prova. O mesmo ocorre quanto à imputação de deficiência dolosa aos relatórios elaborados pela Ré K.…, S.A. que é inteiramente omissa no que se refere ao nexo de causalidade entre a atuação da Ré K.…, S.A. e o facto do A ter perdido o valor investido nas ações do BES.

No que respeita aos réus membros da comissão de auditoria importava que a conclusão de existirem no relatório informações falsas e contas falsificadas tivesse respaldo na articulação de factos nucleares que não se mostram alegados, sequer com uma enunciação tópica que fosse completada com a remissão para o conteúdo parcelar de documentos como o próprio prospeto referente ao último aumento de capital social ou o relatório e contas intercalar do 1.º semestre de 2014 do B... (informação financeira auditada), em ordem a demonstrar a invocada falsidade da informação constante do prospeto ou dos “relatórios de contas do BES”/“relatórios anuais, semestrais e trimestrais” a que alude de forma puramente conclusiva, que poderia ser remediada com remissão para esses documentos se juntos. Contudo, o autor não enuncia em factos nem em documentos qual o conteúdo do prospeto nem que tenha sido determinado na sua decisão de compra das ações do BES, pelo conteúdo do mesmo ou por qualquer informação financeira verificada/fiscalizada pelos Réus ou auditada pela Ré. Limita-se a articular que Ao invés, o Autor alegou expressamente que o fez “Confiante nas informações e sugestões de investimento que o seu banco lhe dava e nas declarações públicas do Governador do Banco de Portugal”.

Portanto, confrontado com a necessidade de alegar factos integrantes de uma causa de pedir complexa, em ordem a ver reconhecido o direito que se arroga, o Autor não o fez, pelo menos em toda a sua extensão, não tendo alegado factos concretos passíveis de serem qualificados como ilícitos efetivamente praticados pelos 15.º, 16.º e 17.º Réus e/ou pela Ré K..., S.A e que evidenciassem a existência de um nexo de causalidade entre uma tal atuação - que constituiria, grosso modo, uma indevida certificação ou apreciação dos documentos de prestação de contas em que o prospeto se baseia - e os danos que invoca.

Abordando agora a existência de caso julgado formal formado pelo saneador-sentença, que a decisão recorrida reconheceu e declarou e que o recorrente alega não existir, aquela decisão (o saneador-sentença) começa precisamente por abordar a ineptidão da petição inicial que havia sido arguida deixando escrito expressamente que:

“Da ineptidão da petição inicial

EE, JJ, II, KK, FF e DD invocaram a ineptidão da PI, por contradição entre o pedido e a causa de pedir, uma vez que não se compreende como pode o A. alegar a responsabilidade do Novo Banco e simultaneamente a responsabilidade do B... e do EE, uma vez que a responsabilidade de uns exclui a de outos, e bem assim o facto de invocar a violação de deveres de informação por parte do BES, quando não houve intermediação deste, mas do Activo banck intermediário financeiro especializado em transacções bolsistas que nada tem a ver com o BES, pelo que não houve da parte do B... violação de quaisquer deveres, nem mesmo os demais RRs que nada tem a ver com o Activo Bank.

O A veio responder, pugnando pela inexistência de causa prejudicial, desde logo porque os RR entenderam convenientemente a petição inicial.

Cumpre apreciar:

Nos termos do artigo 186º n.º 2 do CPC, diz-se inepta a petição inicial quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir.

No que refere à responsabilidade do BES e do Novo Banco, atendendo a que o pedido de condenação é em regime de solidariedade, respondendo um ou outro, não se entende estar em causa a ineptidão da petição inicial.

No que concerne aos argumentos dos RRs, entende o tribunal que não estamos perante uma contradição entre o pedido e a causa de pedir, mas a verificar-se antes se trata de falta de causa de pedir ou a sua ininteligibilidade face ao pedido que constitui também causa de ineptidão da petição inicial, nos termos da al. a), mas que se pode considerar-se sanada quando ouvido o A. e se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial. (n.º 3 do artigo 186º do CPC).

In casu, não obstante se verificar da alegação do A. que a aquisição das acções do BES foi junto do Intermediário financeiro ActivoBank e não do BES, o certo é que das contestações apresentadas facilmente se extrai que os RRs entenderam o fundamento da acção, pelo que não se verifica a ineptidão suscitada.”

A transcrição integral desta parte da decisão proferida em primeira instância permite verificar que ficou decidido quanto aos réus nesse inciso identificados não existir ineptidão da petição inicial, razão pela qual, não tendo sido (como não foi) interposto recurso nesta parte e quanto a esse segmento decisório pelo autor, a decisão sobre a inexistência de ineptidão da petição inicial transitou em julgado. Não se trata de saber se a argumentação do autor era comum a todos os réus identificados na ação, importa apenas apurar se sobre aquela parte concreta da decisão e referente àqueles demandados havia sido interposto recurso, e não foi. E não o tendo sido, formou-se caso julgado no sentido da inexistência de ineptidão da petição inicial quando a eles razão para que a decisão recorrida tenha deixado nessa parte a proferida em primeira instância intocada, isto é, tenha mantido a absolvição do pedido desses réus e não realizado a convolação para a absolvição da instância como procedeu relativamente aos outros.

Em resumo final, improcedem na totalidade as conclusões de recurso do recorrente devendo manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos uma vez que, quanto aos 6º, 9º, 10º, 15º, 16º, 17º e 18º Réus sobre os quais incidia a revista normal, se delibera manter a decisão de absolvição da instância determinada, com base na ineptidão da petição inicial. E quanto aos 4º, 7º, 8º, 11º, 12º e 13º réus deve também manter-se a decisão recorrida em razão do caso julgado que quanto a estes formou e que impõe que a decisão que os absolveu do pedido não possa ser alterada.

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 Síntese conclusiva

- A causa de pedir como conjunto de factos concretos (em maior ou menor número) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, deve conter todos os factos essenciais, que por indicação do art. 5 nº 1 do CPC são os que constituem a causa de pedir.

- Sendo essenciais, a falta de um deles implica a incompletude da causa de pedir e por isso mesmo a ineptidão da mesma, porque essa falta e essencialidade compromete o conhecimento do mérito da causa.

- Não pode convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido.

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Decisão

Pelo exposto, acordam o juiz que compõem, este tribunal em julgar improcedente a revista e, em consequência, conformar a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 7 de junho de 2022


Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Nunes da Silva

2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves