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INVENTÁRIO
MOMENTO DA RECLAMAÇÃO DE TORNAS
Sumário
I - No caso de o credor de tornas as reclamar na sequência da notificação a que alude o n.º1 do art.º 1377.º do C.P.Civil, e elas forem depositadas, fica imediatamente satisfeito o seu direito e, neste particular, operada a justa composição da lide. Caso as reclame e não sejam depositadas pelo devedor, emergem, a favor do credor, os meios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 1378.º do C.P.Civil. II - Caso o credor de tornas, oportunamente, não as reclame no processo de inventário, o caso subsume-se na previsão do n.º4 do art.º 1377.º do C.P.Civil. Isto é, o direito às tornas mantém-se, mesmo que o seu pagamento não tenha antes sido impetrado pelo credor, vencendo as mesmas juros desde a sentença e pode, quando o entender, com base nela, instaurar a competente execução, e até lá, faculta-lhe a lei que se previna com as garantias previstas no art.º 1378º, n.º 4 do C.P.Civil. III - A reclamação do depósito de tornas ou da composição do seu quinhão feita no processo de inventário nos termos preceituados no n.º1 do art.º 1377.º do C.P.Civil consiste num ónus processual do credor de tornas que pretenda que esse seu direito seja realizado no âmbito do processo de inventário. IV – No caso, a apelante não observou oportunamente o ónus processual atribuído por lei – ou seja, aquando da notificação que lhe foi efectuada nos termos e para os efeitos do previsto no n.º1 do art.º 1377.º do C.P.Civil, e não tendo declarado em sede de acta de conferência de interessados quanto a eventuais tornas, em tempo não reclamou o seu depósito – logo mostrando-se decorrido esse prazo, verificou-se a preclusão temporal e intraprocessual da reclamação do depósito de tornas.
Texto Integral
Apelação Processo n.º 980/11.0 TJPRT-C.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto – Juiz 6 Recorrente –AA Recorrido –BB
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Rodrigues Pires
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I –BB intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto os presentes autos de inventário para partilha dos bens deixados por óbito de CC e de DD e neles desempenhou as funções de cabeça de casal a outra herdeira AA.
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Apresentada a relação de bens e decididas as reclamações que sobre a mesma recaíram, realizou-se a 9 e 17.05.2019 a conferência de interessados, no âmbito da qual por acordo operou-se a alteração do valor de determinados bens, após o que se realizou a licitação dos tês bens imóveis e de alguns bens móveis, à excepção das Verbas n.ºs 4 a 48 e 50 a 127 que não foram licitadas, mas cujo sorteio se veio a realizar na derradeira sessão da referida diligência realizada em 3.07.2019. Sendo que nenhum dos interessados declarou que não prescindiria do depósito de tornas a que eventualmente viessem a ter direito.
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Ambos os interessados indicaram a forma à partilha.
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Por despacho de 17.12.2020 foi ordenada a forma à partilha.
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Elaborou-se mapa informativo, cfr. art.º 1376.º do C.P.Civil, e na sequência foram os interessados notificados do teor do mesmo e para, além do mais, “Os interessados a que hajam de caber tornas podem, no prazo de 10 dias: Requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas; requerer o preenchimento da sua quota, com verbas licitadas em excesso por outro interessado, pelo valor resultante da adjudicação e até ao limite do seu quinhão”, cfr. art.º 1377.º, n.º 1 do C.P.Civil.
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Elaborou-se de seguida o mapa da partilha, dele constando, além do mais, que: “PAGAMENTOS:
(De acordo com a conferência de interessados e sorteio) A interessada - AA:
(…)
O valor dos bens adjudicados é de €140.460,37 Recebe de tornas do interessado BB €34.824,55.
E fica paga com €175.284,92
O Interessado – BB
(…)
O valor dos bens adjudicados é de €210.109,47 Repõe de tornas à interessada AA €34.824,55
E fica pago com 175.284,92”, … e sobre o mesmo recaiu despacho no qual se disse que o mesmo foi visto e rubricado, e, de acordo com o n.º 1 do art.º1379.º do C.P.Civil, foi posto em reclamação.
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Por fim, foi proferida sentença homologatória da partilha constante do referido mapa, actualmente transitada em julgado.
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Posteriormente, veio a interessada AA, por requerimento de 10.09.2021, dizer que, segundo o mapa de partilha, homologado por sentença, o interessado BB deverá repor de tornas à Interessada a si no valor de €34.824,55, mas até à data não procedeu ao depósito dessas tornas, pelo que requereu que o mesmo fosse notificado para proceder ao depósito daquela verba a título de tornas devidas.
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Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho: “(…) Requerimento de 10/09 - Após a notificação para os efeitos previstos no artigo 1377.º, n.º 1 do Código de Processo Civil não foram reclamadas tornas, no prazo legal. Assim, indefiro o requerido. Notifique”.
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Inconformada com a tal decisão, dela veio a interessadaAA recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituída por outra que ordene a notificação do devedor de tornas para que proceda ao seu depósito,
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões:
2. Nos termos da lei processual civil as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso, assim, “são recorríveis as decisões do juiz que violem qualquer preceito legal, ainda que, na aparência, se destinem apenas a regular os termos normais do processo,”
3. A decisão proferida fundamenta-se no facto da recorrente não ter reclamado o depósito das tonas no prazo estabelecido no art.º 1377.º do CPC.
4. Em 22 Março 2021 a recorrente foi notificada para, querendo, no prazo de 10 dias, requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas.
5. A recorrente aceita o mapa de partilha e as tornas que lhe são devidas, mas não reclama o seu pagamento no prazo referido no art.º 1377.º do CPC.
6. Transitada em julgado a sentença, o devedor de tornas não as deposita.
7. Assim a recorrente, por requerimento ao processo, reclama o seu depósito em 10 Setembro 2021.
8. Em 22 Setembro 2021 a Sra. Juiz decide indeferir o requerido, alegando “Após a notificação para os efeitos previstos no art.º 1377.º, nº 1 do CPC, não foram reclamadas. Assim indefiro o requerido”.
9. Do disposto no n.º 4 do art.º 1378.º do CPC, extrai-se a seguinte: Não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem os juros legais desde a data da sentença de partilhas e os credores podem registar hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor…”.
10. Ora, nulidades do processo «são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais». Estes desvios de carácter formal podem revelar-se seja através da prática de um acto proibido, seja na omissão de uma acto prescrito na lei, seja ainda na realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
11. Assim, ainda que se admita que a recorrente não reclamou as tornas no prazo previsto no art.º 1377.º do CPC, delas não abdicou e não se extinguiu ou prescreveu o seu direito às mesmas, ao abrigo do que dispõe o art.º 1378.º do CPC.
12. Não podem restar dúvidas que a recorrente tem direito ao recebimento de tornas por parte do devedor das mesmas, tal como estão configuradas no mapa de partilha aceite pelos interessados.
13. Ora se por um lado a decisão recorrida sanciona a recorrente, não lhe reconhecendo o direito a tornas por não as ter reclamado no prazo estabelecido no art.º 1377.º do CPC,
14. A mesma não teve em consideração que não é obrigatório reclamar as tornas no prazo do art.º 1377.º do CPC, e que essa omissão não faz prescrever o direito ao recebimento das mesmas.
15. A proceder esta decisão, ela anularia por si só todo o processado até à mesma, o mapa de partilha feito e aceite entre os interessados, e o pagamento de tonas ao credor, aqui recorrente,
16. Tudo em manifesto e sério prejuízo da aqui recorrente, isto é, o seu património obtido por força daquela partilha, sofreria um sério revés (empobrecimento), enquanto o do devedor de tornas enriqueceria sem para isso ter qualquer fundamento.
17. Note-se ainda que a recorrente reclamou o depósito das tornas, apenas o tribunal entendeu, em nosso modesto entender mal, que o fez extemporaneamente.
18. A apreciação da questão recursiva passa pela interpretação dos art.ºs 1377.º e 1378.º do CPC, pelos princípios norteadores do processo de inventário e pelo que o legislador pretendeu com aquelas normas no âmbito do processo de inventário.
19. Assim e com o devido respeito, não se compreende o que justifica a prolação da presente decisão, em manifesta contradição com o legalmente estatuído.
20. A decisão proferida conforme supra se demonstrou contende com os princípios subjacentes a todo o processo de inventário, legislação e acórdãos que supra se referenciaram, e deve ser substituída por uma que aceite e proceda à notificação do devedor de tornas para que as deposite a favor da recorrente.
21. Pelo que ao decidir como decidiu o Tribunal a quo não teve em consideração o direito da recorrente ao recebimento de tornas, ainda que não reclamadas no prazo estabelecido no art.º 1377.º do CPC, já que as aceitou e está em tempo de as reclamar e receber, tudo conforme o preceituado no art.º 1378.º do CPC.
Não há contra-alegações.
II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.
III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Da alegada tempestividade da reclamação do pagamento de tornas nos autos.
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Como é sabido, por força do disposto no art.º 7.º da Lei n.º 23/2013 de 5.03, o regime jurídico aplicável nos presentes autos é o Código de Processo Civil vigente à data, ou seja, antes das alterações da Lei n.º 41/2013 de 26.06.
Recordemos aqui os artigos correspondentes do Código de Processo Civil antes da Lei n.º 41/2013, e que para aqui interessam: “Artigo 1373.º Despacho sobre a forma da partilha 1- Cumprido o que fica disposto nos artigos anteriores, são ouvidos sobre a forma da partilha os advogados dos interessados e o Ministério Público, nos termos aplicáveis do artigo 1348.°. 2- Nos 10 dias seguintes proferir-se-á despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha. Neste despacho são resolvidas todas as questões que ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha, podendo mandar-se proceder à produção da prova que se julgue necessária. Mas se houver questões de facto que exijam larga instrução, serão os interessados remetidos nessa parte para os meios comuns. 3 - O despacho determinativo da forma da partilha só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha. Artigo 1374.º Preenchimento dos quinhões No preenchimento dos quinhões observar-se-ão as seguintes regras: a) Os bens licitados são adjudicados ao respectivo licitante, tal como os bens doados ou legados são adjudicados ao respectivo donatário ou legatário; b) Aos não conferentes ou não licitantes são atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e natureza dos doados e licitados. Não sendo isto possível, os não conferentes ou não licitantes são inteirados em outros bens da herança, mas se estes forem de natureza diferente da dos bens doados ou licitados, podem exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para obter as devidas quantias. O mesmo se observará em benefício dos co-herdeiros não legatários, quando alguns dos herdeiros tenham sido contemplados com legados; c) Os bens restantes, se os houver, são repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais; d) Os créditos que sejam litigiosos ou que não estejam suficientemente comprovados e os bens que não tenham valor são distribuídos proporcionalmente pelos interessados. Artigo 1375.º Mapa da Partilha
1. Recebido o processo com o despacho sobre a forma da partilha, a secretaria, dentro de 10 dias, organiza o mapa de partilha, em harmonia com o mesmo despacho e com o disposto no artigo anterior.
2. Para a formação do mapa acha-se, em primeiro lugar, a importância total do activo, somando-se os valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efectuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos; em seguida, determina-se o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens; por fim faz-se o preenchimento de cada quota com referência aos números das verbas da descrição.
3. ….
4. ….
5. …. Artigo 1376.° Excesso de bens doados legados ou licitados 1 – Se a secretaria verificar, no acto da organização do mapa, que os bens doados, legados ou licitados excedem a quota do respectivo interessados ou a parte disponível do inventariado, lançará no processo uma informação, soba a forma de mapa, indicando o montante do excesso. 2 – Se houver legados ou doações inoficiosas, o juiz ordena a notificação dos interessados para requererem a sua redução nos termos da lei civil, podendo o legatário ou donatário escolher, entre os bens legados ou doados, os necessários a preencher o valor que tenha direito a receber. Artigo 1377.° Opções concedidas aos interessados 1 - Os interessados a quem hajam de caber tornas são notificados para requererem a composição dos seus quinhões ou reclamarem o pagamento das tornas. 2 - Se algum interessado tiver licitado em mais verbas o que as necessárias para preencher a sua quota, a qualquer dos notificados é permitido requerer que as verbas em excesso ou algumas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão. 3 - O licitante pode escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota, e será notificado para exercer esse direito, nos termos aplicáveis do n.º 2 do artigo anterior. 4 - Sendo o requerimento feito por mais de um interessado e não havendo acordo entre eles sobre a adjudicação, decide o juiz, por forma a conseguir o maior equilíbrio dos lotes, podendo mandar proceder a sorteio ou autorizar a adjudicação em comum na proporção que indicar. Artigo 1378.° Pagamento ou depósito das tornas 1 - Reclamado o pagamento das tomas, é notificado o interessado que haja de as pagar, para as depositar. 2- Não sendo efectuado o depósito podem os requerentes pedir que das verbas, destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância de tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar. É aplicável neste caso o disposto no n.º 4 do artigo anterior. 3 - Podem também os requerentes pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas. 4- Não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem os juros legais desde a data da sentença de partilhas e os credores podem registar hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor ou, quando essa garantia se mostre insuficiente, requerer que sejam tomadas, quanto aos móveis, as cautelas prescritas no artigo 1384. (…) Artigo 1382.° Sentença homologatória da partilha
1. O processo é concluso ao juiz para, no prazo de cinco dias, proferir sentença homologando a partilha constante do mapa e as operações de sorteio.
2. Da sentença homologatória da partilha cabe recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo.
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Vejamos então.
Defende a apelante que a 1.ª instância incorreu em nulidade processual ao impedir a prática de um acto, que no seu entender, a lei prevê.
Mas não lhe assiste qualquer razão.
Na verdade, vendo o carreado para os autos a decisão recorrida não merece a mínima censura. Todavia e como é evidente o direito legítimo da apelante ao recebimento de tornas a que tem direito não lhe foi ou por outra qualquer forma lhe pode ser cerceado.
Tal direito, por ora, não lhe foi retirado, nem prescreveu.
O que se verificou foi tão só a preclusão do processual do mesmo. Ou seja, o seu exercício – reclamação e pagamento – em sede deste processo de inventário, mostra-se precludido.
Como explicitamente refere Lopes Cardoso, in “Partilhas Judiciais”, vol. II, pág. 390, “Todas as vezes que algum interessado recebe bens em valor superior aos que legitimamente lhe pertence, isto é, superior à sua quota na herança, fica obrigado ao pagamento de tornas (…) assim se a secretaria verificar, no acto da organização do mapa, que os bens licitados excedem a quota do respectivo interessado lançará no processo uma informação, sob a forma de mapa, indicando o montante em excesso. Em seguida., os interessados a quem haja de caber tornas são notificados (…) para requerem a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas”.
Esta notificação é a que se reporta o art.º 1377.º n.º1 do C.P.Civil. Evidentemente, esta notificação pressupõe que no acto das licitações não foi feita a declaração e que aí a mesma ficou registada, de que os interessados eventualmente credores de tornas dispensem ou não dispensem o depósito das tornas e não pretendem ou pretendem obter a composição dos seus quinhões. Pois se o credor de tornas, oportunamente declarar, expressamente, na legal conferência, que delas não prescinde, o facto de não reclamar o seu pagamento no prazo e na fase processual definidos pelo art.º 1377.º n.º1, do C.P.Civil, não lhe retira o direito às mesmas. Mas apenas tal direito é satisfeito em momento processual diverso e, eventualmente, por meios/modos diferentes ou não coincidentes.
“In casu” e como acima se deixou consignado, em sede de conferência de interessados e licitações nada foi declarado pelos interessados.
O mapa informativo da partilha depois de elaborado e de onde constava que a apelante tinha direito a haver tornas do outro interessado no montante de €34.824,55 foi notificado, além do mais, à apelante, com a expressa menção “Os interessados a que hajam de caber tornas podem, no prazo de 10 dias: Requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas; requerer o preenchimento da sua quota, com verbas licitadas em excesso por outro interessado, pelo valor resultante da adjudicação e até ao limite do seu quinhão”, ou seja, nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 1377.º, n.º 1 do C.P.Civil.
A interessada, ora apelante, credoras de tornas nada disse ou fez no dito prazo.
Sendo certo que a reclamação oportuna de tornas não consiste numa qualquer obrigação processual ou substantiva, por parte do respectivo credor (quer as reclama ou não conforme entender), mas tão só num ónus processual. Pois como se disse acima, a não reclamação oportuna de tornas no processo de inventário não restringe, limita ou faz desaparecer tal direito, até porque de harmonia com o preceituado no n.º3 do art.º 1377.º do C.P.Civil “Não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem os juros legais desde a data da sentença de partilhas e os credores podem registar hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor ou, quando essa garantia se mostre insuficiente, requerer que sejam tomadas, quanto aos móveis, as cautelas prescritas no artigo 1384”.
Na verdade o credor de tornas que as não reclame, oportunamente, em sede de processo de inventário fica munido de título executivo bastante e suficiente (sentença homologatória da partilha e respectivo mapa) para as reclamar pelo meio processual próprio, quando entender e enquanto esse direito não prescrever nos termos gerais.
Em suma, no caso de o credor de tornas logo as reclamar na sequência da notificação a que alude o n.º1 do art.º 1377.º do C.P.Civil, e elas forem depositadas, fica imediatamente satisfeito o seu direito e, neste particular, operada a justa composição da lide. Caso as reclame e não sejam depositadas pelo devedor, emergem, a favor do credor, os meios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 1378.º do C.P.Civil, ou seja, segundo o que refere a este propósito Lopes Cardoso, in ob. cit. pág. 452: “Está aqui a criação de um novo, privativo e prático, processo executivo, embora especial. Regra geral, o direito definido executa-se com base em título idóneo a esse fim (…), mediante formalismo próprio. No caso considerado tudo é diferente, pois o credor das tornas limita-se a pedir, em simples requerimento, o que no nº 3 do art.º 1378.º se lhe consente. Então, formulado tal pedido e transitada que seja a sentença homologatórias das partilhas, procede-se à venda, no próprio processo de inventário dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para pagamento do seu débito ao requerente, isto sem haver necessidade de lhe instaurar qualquer processo executivo, de o citar para o efeito de nomear bens à penhora”.
Ou seja, por estes normativos, legislador veio consagrar uma forma de execução especial mais expedita e fácil, que apenas incide sobre os bens adjudicados em excesso ao devedor de tornas, a ter lugar no âmbito do processo de inventário, facilitando ao interessado com direito às tornas a satisfação do seu crédito e evitando o recurso ao processo executivo comum. E tem sido entendido que esta execução especial que incide sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas que não cumpriu com o seu pagamento é o modo que é conferido ao credor das tornas de fazer valer o seu direito às mesmas, em substituição da execução comum, estando-lhe por isso vedado o recurso à mesma, designadamente para que se faça pagar da dívida de tornas por outros bens que não aqueles que foram partilhados no âmbito do processo de inventário. E assim, não procedendo o devedor das tornas ao seu pagamento ou depósito, tem ainda assim o credor das tornas novamente duas opções ao seu dispor, podendo requerer: - a adjudicação dos bens adjudicados em excesso ao devedor para preenchimento da sua quota, procedendo logo ao depósito das tornas que excedem o seu valor; - a venda dos bens adjudicados ao devedor no processo de inventário, para que as tornas sejam pagas a partir do produto da venda de tais bens.
Finalmente, caso o credor de tornas, oportunamente, não as reclame no processo de inventário, o caso subsume-se na previsão do n.º4 do art.º 1377.º do C.P.Civil. Isto é, o direito às tornas mantém-se, mesmo que o seu pagamento não tenha antes sido impetrado pelo credor, vencendo as mesmas juros desde a sentença e pode, quando o entender, com base nela, instaurar a competente execução, e até lá, faculta-lhe a lei que se previna com as garantias previstas no art.º 1378º, n.º 4 do C.P.Civil.
Como se disse acima a reclamação do depósito de tornas ou da composição do seu quinhão feita no processo de inventário nos termos preceituados no n.º1 do art.º 1377.º do C.P.Civil consiste num ónus processual do credor de tornas que pretenda que esse seu direito seja realizado no âmbito do processo de inventário,
Como se referiu no Ac. do STJ de 23.01.2020, in ECLI in https://jurisprudencia.csm.org.pt “A dívida de tornas de um co-interessado a um outro, não é uma dívida da herança, como património autónomo que é, mas uma dívida pessoal do interessado que licitou em mais bens do que o valor do seu quinhão hereditário (…) afigura-se que a orientação assumida pela Relação parte do pressuposto erróneo de considerar que, porque a dívida de tornas se constitui “no âmbito e por causa da partilha do património hereditário”, lhe é extensível, sem mais, o princípio da limitação da garantia patrimonial vigente para as dívidas e os encargos da herança. (…) O crédito de tornas é um crédito que resulta de uma actividade (a licitação) exercida, com finalidades aquisitivas, pelo herdeiro que arrematou os bens pelo valor que considerou adequado. A esse crédito corresponde, do lado passivo, uma dívida própria do herdeiro licitante, contraída mediante a intervenção da sua vontade no acto de licitação, dívida à qual se aplicam as regras gerais da responsabilidade obrigacional, designadamente em matéria de prescrição (cfr. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 1980, pág. 431) e de responsabilidade patrimonial do devedor”. E mais adiante refere-se ainda relativamente ao processo executivo simplificado previsto no n.º3 do art.º 1377.º do C.P.Civil, que: “a função desse procedimento circunscreve-se ao processo de inventário, sem afectar nem o conteúdo nem o objecto do direito de crédito dos aqui AA., pelo que, na parte em que o mesmo não foi satisfeito respondem todos os bens do devedor (…) Poresta orientação é aquela que se entende ser compatível com o facto de o crédito de tornas resultar do reconhecimento pela sentença homologatória da partilha, sendo o procedimento executivo do referido nº 3 do art.º 1376º do antigo CPC um procedimento incidental e simplificado que não preclude a possibilidade de lançar mão da execução comum nem dos meios de conservação da garantia patrimonial (…) o reconhecimento de, com a homologação da partilha, se ter constituído a favor dos herdeiros um crédito que segue as regras gerais do direito substantivo”.
Retornando à situação verificada nos autos de, por mera inércia da apelante, ou seja, a preclusão processual da reclamação e consequente pagamento das tornas que lhe são devidas no presente processo de inventário, a mesma verifica-se no dizer de Miguel Teixeira de Sousa, pois que ocorreu a “perda, a extinção ou a consumação de uma faculdade processual”.
Ou seja, “A preclusão é um fenómeno processual que é correlativo da situação subjectiva processual típica: esta situação é o ónus processual. A preclusão só pode referir-se a um ónus que deve ser observado durante um prazo processual”. Ou seja, “A preclusão não decorre da omissão de um dever da parte, porque as partes não têm nenhum dever de praticar um acto em juízo e não cometem uma ilicitude se omitirem a realização de um acto processual”, dito de outra forma “A preclusão é sempre correlativa de um ónus da parte: é porque a parte tem o ónus de praticar um acto num certo tempo que a omissão do acto é cominada com a preclusão da sua realização”.
Por regra a “preclusão pode ser definida como a exclusão (e a consequente inadmissibilidade) da prática de um acto processual depois do prazo peremptório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização”, “Normalmente, a preclusão resulta da omissão da prática de um acto depois do momento legal ou judicialmente fixado, ou seja, normalmente a preclusão é temporal” mas “é possível reconduzir a preclusão a outras causas que não a omissão do acto, ou seja, é possível construir outras modalidades da preclusão além da preclusão temporal”.
Finalmente, “A preclusão realiza duas funções primordiais. Uma destas é a função ordenatória, dado que a preclusão garante que os actos só podem ser praticados no tempo fixado pela lei ou pelo juiz. Uma outra função da preclusão é a função de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o acto, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do acto, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico”, e conclui que “A preclusão (temporal) obsta a que, num processo pendente, um acto possa ser praticado depois do seu momento de realização definido pela lei ou pelo juiz: é a preclusão intraprocessual”.
Revertendo para o caso dos autos, podemos concluir que a apelante não observou oportunamente um ónus processual atribuído por lei – ou seja, aquando da notificação que lhe foi efectuada nos termos e para os efeitos do previsto no n.º1 do art.º 1377.º do C.P.Civil, e não tendo declarado em sede de acta de conferência de interessados quanto a eventuais tornas, em tempo, não reclamou o seu depósito das tornas que lhe são devidas – logo mostrando-se decorrido esse prazo, verificou-se a preclusão temporal e intraprocessual da reclamação do depósito de tornas.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, considerando tudo o que se deixa consignado, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida.
Improcedem as conclusões da apelante.
Sumário
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Porto, 2022.06.21
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Rodrigues Pires