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EFEITO SUSPENSIVO
CAUÇÃO
Sumário
I - A caução prevista no artigo 83º, nº2 do Código do Processo do Trabalho visa, por um lado, permitir que à apelação seja atribuído efeito suspensivo e, por outro, garantir o pagamento da quantia em que o apelante venha a ser condenado no processo. II - Resulta do artigo 7º do Código de Registo Predial que o facto jurídico definitivamente registado faz presumir que o direito resultante do facto jurídico registado existe e pertence a quem assim é considerado no facto jurídico registado. III - É inidónea a caução prestada com um imóvel onerado com hipotecas legais anteriormente registadas, e que subsistem à data de apresentação da caução.
Texto Integral
Processo n.º 2942/20.8T8VFR-A.P1
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjuntos: Desembargador António Luís Carvalhão
2ª Adjunta: Desembargadora Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Nos presentes autos emergentes de contrato de trabalho que AA instaurou no Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira contra S..., LDA, foi proferida sentença nos seguintes termos:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, condena-se a R. "S..., LDA":
a) -a repor o A. AA nas funções de diretor de serviços (produção), com os equipamentos de trabalho que lhe retirou, computador e telemóvel, sem prejuízo da decisão que vier a ser proferida a esse propósito no âmbito da ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento;
b) - a repor ao A. AA o transporte que tinha de e para casa;
c) - no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de €25,00/dia (vinte e cinco euros), por cada dia de atraso na reposição de funções e dos instrumentos de trabalho, telemóvel, computador e veículo, a contar do trânsito em julgado da presente sentença. O montante desta sanção destina-se, em partes iguais, ao Autor e ao Estado (n.° 3 do artigo 829-A do Código Civil).
d) - a pagar ao A. AA, a título de indemnização pelo prejuízo sofrido desde que lhe retirou a viatura, em 07.10.2020 até à sua reposição, o valor dia de €4,32 (quatro euros e trinta e dois cêntimos), com juros desde o vencimento das correspondentes quantias;
e)-a pagar ao A. AA a quantia de €341,54 (trezentos e quarenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), referente às 16h00 dos dois feriados de 10 e 11 de junho de 2020, que indevidamente lhe descontou, com juros desde 30.06.2020, à taxa legal de 4% e até integral pagamento;
f)-a pagar ao A. AA a quantia de €1.009,09 (mil e nove euros e nove cêntimos), a título do subsídio de férias vencido em 01.01.2020, com juros a partir de 31.08.2020, à taxa legal de 4% e até integral pagamento;
g)-a pagar ao A. AA as remunerações de fevereiro e de março de 2021, no valor cada uma de €3.700 (três mil e setecentos euros), acrescida de juros desde a data do vencimento mensal respetivo e até integral pagamento;
h)-a pagar ao A. AA, a título de danos morais pelos comportamentos descritos nos factos provados e que integram assédio moral, a quantia de €30.000 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor de 4%, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, até integral pagamento.
No mais, improcedem os pedidos.
*
Custas por A. e R., na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”
A Ré veio recorrer da sentença e requerer a prestação de caução, com vista a obter o efeito suspensivo.
O Autor veio impugnar a idoneidade da caução.
A Mmº. Juiz a quo proferiu, em 02.02.2022, os seguintes despachos:
“Por legal, tempestivo (tendo sido paga a multa a que alude o artigo 139°, n°5, do CPC), interposto por quem para tal tem legitimidade e contendo a alegação da recorrente, admito o recurso interposto pela Ré, a fls. 313 e ss, da sentença proferida (na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. a quantia der €30.000, a título de danos morais), o qual é de apelação, com subida nos próprios autos (artigos 79°-A, n°l, 80°, 81°, 82°, e 83°-A/l, todos do CPT).
*
Quanto ao efeito do recurso: A Ré requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, alegando que pretende prestar caução, no valor de €30.000, por meio de hipoteca sobre imóvel do seu ativo imobilizado, requerendo a fixação de um prazo de 10 dias para esse efeito.
O A. impugnou a idoneidade da garantia por hipoteca, nos termos do artigo 909°, n°2, do CPC, pois além das despesas de execução, se tiver de executar a garantia pode levar anos, o que é incompatível com a natureza da indemnização.
Cumpre, pois, proferir decisão, nos termos a que alude o artigo 909°, n°3, do CPC, podendo o juiz realizar as diligências que entenda necessárias.
A fim de habilitar o tribunal a proferir uma decisão conscienciosa sobre a idoneidade da caução por meio de hipoteca, oferecida pela R./recorrente, é necessário, desde logo, que a Ré identifique o bem sobre que pretende prestar hipoteca, pois a referência genérica a "um imóvel do seu imobilizado" não dá cumprimento à exigência legal. Acresce que, além de não identificar o concreto bem, a Ré também não apresentou logo, como a lei impõe que faça, certidão do registo provisório da hipoteca e dos encargos inscritos, nos termos expressamente previstos no artigo 907°, n°3, do CPC, quando se oferece caução por meio de hipoteca.
Afigura-se-nos, neste enquadramento, ao abrigo do dever de gestão processual, previsto no artigo 27°, n°l, do CPT e 6º do CPC, ser de conceder à Ré/recorrente um prazo de cinco dias, para vir sanar as apontadas omissões, identificando o bem imóvel sobre o qual pretende constituir hipoteca e juntando certidão de registo provisório da hipoteca e dos encargos inscritos sobre esse imóvel.
Notifique”, (realce e sublinhado nossos).
A Ré/Apelante afirmando pretender dar cumprimento ao mesmo despacho, juntou requerimento onde referiu:
“1. A ré pretende prestar caução através de hipoteca a incidir sobre o imóvel de sua pertença composto por pavilhão de rés-do-chão destinado a indústria, com a área coberta de 912m2 e descoberta de 848m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... deste concelho sob o n° ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n° .../... - ..., cuja certidão predial se junta.
2. A certidão predial pode ser acedida por via informática através da chave de acesso PP-... — conforme documento cuja cópia também se junta.
3. A hipoteca voluntária a favor do aqui autor/recorrido encontra-se requerida pela requisição n° ... 2022/02/10, através da apresentação n° ... de 2022/02/10 13:11:20UTC sobre o referido prédio — tudo conforme cópia da requisição de registo que se junta e menção constante da página 3 da certidão predial respetiva —, estando o seu registo no estado de PENDENTE, apenas por não ter sido ainda efetuado pela entidade competente.
4. Logo que o registo haja sido lavrado pela Conservatória onde se encontra pendente, a aqui requerente protesta juntar de imediato comprovativo desse registo aos autos - o que aliás poderá ser sempre comprovado através da acima identificada chave de acesso à certidão permanente.
5. E de admitir que na próxima segunda-feira - data em que termina o prazo concedido pelo Tribunal para o efeito — esse registo já esteja concluído, sendo certo que, se o não for, só aos serviços da competente Conservatória de Registo Predial pode ser imputado o eventual atraso, posto que o ato de registo foi requerido atempadamente,
6. Cumpre ainda esclarecer o seguinte, quanto aos encargos inscritos que podem de algum modo ser considerados como condicionantes da idoneidade da hipoteca: nenhum dos encargos inscritos subsiste no momento atual.
7. Com efeito, da certidão predial do imóvel colhe-se que sobre o mesmo estão registadas as seguintes inscrições prediais:
e
a. Ap. ... de 1997/11/03 - hipoteca legal a favor do CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DO CENTRO - inscrita para garantia de contribuições devidas pela titular inscrita do imóvel relativas a salários de meses compreendidos entre dezembro de 1995 e junho de 1997, bem como respetivos juros de mora. Nota: trata-se duma hipoteca com cerca de 25 anos.
b. Ap. ... de 2001/08/08 - hipoteca legal a favor do INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL - DELEGAÇÃO ... - inscrita para garantia de contribuições devidas pela titular inscrita do imóvel relativas a salários de meses compreendidos entre fevereiro de 1998 e agosto de 2001, bem como respetivos juros de mora. Nota: trata-se duma hipoteca com mais de 20 anos.
c. Ap. ... de 2005/04/29 - hipoteca legal a favor do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. - CENTRO DISTRITAL DE SEGURANÇA SOCIAL ... - inscrita para garantia de contribuições devidas pela titular inscrita do imóvel relativas a salários de meses compreendidos entre fevereiro de 2033 e fevereiro de 2005, bem como respetivos juros de mora. Nota: trata-se duma hipoteca com mais de 15 anos.
d. Ap. ... de 2006/07/13 - hipoteca legal a favor do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. - CENTRO DISTRITAL DE SEGURANÇA SOCIAL ... - inscrita para garantia de contribuições devidas pela titular inscrita do imóvel relativas a salários de meses compreendidos entre dezembro de 2005 e fevereiro de 2006, bem como respetivos juros de mora. Nota: trata-se duma hipoteca com mais de 15 anos.
e. Ap. ... de 2014/04/10 - hipoteca legal a favor do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. - CENTRO DISTRITAL ... — inscrita para garantia de contribuições devidas pela titular inscrita do imóvel relativas a salários de meses compreendidos entre novembro de 2007 e janeiro de 2014, bem como respetivos juros de mora. 8. Todas estas contribuições se encontram integralmente pagas. 9. A aqui requerente tem a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social e não tem atualmente quaisquer dívidas à Segurança Social. 10. Isso mesmo foi declarado pela Segurança Social, a requerimento da ré/recorrente, conforme se comprova com a certidão que se junta, emitida pelo próprio CENTRO DISTRITAL ... DA SEGURANÇA SOCIAL, que é precisamente a entidade que figura como credora em todas as inscrições prediais acima indicadas.
11. Sucede que, por se tratar de inscrições referentes a dívidas muito antigas, a maioria com mais de 15, 20 e 25 anos, a requerente está a experimentar alguma dificuldade em obter de forma expedita as necessárias autorizações de cancelamento das inscrições hipotecárias em apreço — cuidando porém lograr fazê-lo no prazo máximo de dez a quinze dias.
12. Logo que esteja de posse das necessárias autorizações de cancelamento, a requerente promoverá o cancelamento imediato das inscrições hipotecárias respetivas na Conservatória de Registo Predial.
13. Verifica-se assim que todos os ónus inscritos estão já integralmente pagos, sendo a responsabilidade adveniente da sentença sob recurso a única que será garantida atualmente por hipoteca sobre o indicado imóvel.
14. O valor patrimonial do imóvel é de 174.735,84€, determinado no ano de 2019, conforme se evidencia pela respetiva caderneta predial, pelo que dúvidas não restarão sobre a suficiência da garantia oferecida.
15. Acrescenta-se ainda ex abundanti que a requerente não tem também quaisquer dívidas à Autoridade Tributaria — consoante se atesta na certidão fiscal que se junta.
Nestes termos, mostrando-se cumprido o doutamente determinado por V. Exa., reitera-se o requerimento de prestação de caução por meio de hipoteca sobre o imóvel ora identificado e consoante a hipoteca cuja inscrição provisória se requereu.
Na hipótese — que por mera cautela de patrocínio se formula - de surgirem dúvidas sobre a subsistência de alguns encargos sobre o imóvel oferecido de garantia, ou de vir a ser posta em causa a idoneidade desse bem para o fim pretendido, desde já se requer a V. Exa. que se digne mandar oficiar o CENTRO DISTRITAL ... DA SEGURANÇA SOCIAL, com cópia da certidão predial ora junta, para que confirme que todas as contribuições devidas pela requerente S..., LDA., desde o ano de 1995 até ao dia de hoje, se encontram pagas, designadamente as que constam das mencionadas inscrições hipotecárias.
PED”.
O Autor pronunciou-se, impugnando a idoneidade da caução, face à existência de ónus no bem oferecido como garantia.
Em 23.02.2022, a Mm.ª Juiz a quo proferiu o despacho recorrido, com a seguinte terminação:
“Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, temos por inidónea a caução prestada pela Ré para garantir o efeito suspensivo do recurso, por meio de hipoteca sobre imóvel onerado com hipotecas legais anteriores, registadas e que subsistem na presente data, pelo que atribuo ao recurso efeito meramente devolutivo.
Custas do incidente de prestação de caução pela Ré, com taxa de justiça que se fixa em 1UC. Notifique e, oportunamente, subam os autos ao Tribunal da Relação do Porto. ”
A Ré veio recorrer do despacho pedindo a sua revogação e substituição por outro que fixe caução idónea, proporcional e adequada aos seus fins legais, concluindo do seguinte modo:
“1) Ao contrário do entendimento que subjaz à decisão da Mm- juiz a quo, à disciplina da atribuição de efeito suspensivo ao recurso, bem como ao modo de requerimento e de prestação de caução na sede laboral, não se aplicam as normas do incidente de prestação de caução plasmadas nos artºs. 906º e seguintes do CPC, nem tampouco as do artº 647º do CPC, porque existe um regime próprio, preceituado no Código de Processo de Trabalho, estatuído no seu artº 83º nº 2, 3, 4 e 5.
2) Uma vez proferido o despacho judicial de 02.02.2022, concedendo à apelante prazo para identificar o bem a hipotecar e para juntar a certidão predial e o registo provisório, quaisquer eventuais omissões anteriores [aliás inexistentes, segundo o nosso entendimento] ficaram sanadas, beneficiando a apelante a partir daí de um prazo de cinco dias para identificar o imóvel, apresentar registo de hipoteca e desse modo prestar a caução - prazo que cumpriu, oferecendo um bem idóneo de hipoteca.
3) Considerar provado que todos os ónus registados sobre o imóvel são para garantia de dívidas à Segurança Social, a seguir considerar provado que a Ré apresenta a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária, e depois considerar não provado que todas as contribuições garantidas pelas hipotecas legais registadas se encontram integralmente pagas configura uma contradição insanável intrínseca à factualidade apurada pelo decisor.
4) Mas, mesmo que existissem dúvidas, face a esta factualidade provada, o mínimo que se exigiria era confirmar junto da Segurança Social se as dívidas estavam pagas, tal como a apelante havia requerido, e não considerar pura e simplesmente a garantia inidónea. Até porque nada impediria que o recurso subisse e o efeito suspensivo ficasse condicionado à demonstração da inexistência dessas dívidas que permanecem inscritas na Conservatória de Registo Predial.
6) O que conta para a apreciação de idoneidade da garantia oferecida é a existência/inexistência dos ónus, não o seu registo.
7) O registo do ónus apenas faz presumir a existência da dívida - presunção que foi ilidida pela documento oficial emitido pela entidade credora, afirmando que a situação contributiva está regularizada, tal como aliás consta dos factos provados.
8) A decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o regime dos artes. 906º e segs. do CPC e o preceituado no artº 82 e nº 2 e 4 do CPT.
TERMOS EM QUE deve a decisão de considerar inidónea a garantia oferecida ser revogada e substituída por acórdão que julgue idónea a hipoteca prestada ou, se assim se não entender, que ordene a produção da prova requerida pela apelante, no sentido de se oficiar à Segurança Social para que esta entidade credora comprove o pagamento das dívidas cujos ónus constam da inscrição predial do imóvel.
R. Justiça!”.
Notificado, o Autor renunciou à contra-alegação.
O Mm.º Juiz a quo proferiu de seguida o seguinte despacho:
“Por legal, tempestivo, interposto por quem para tal tem legitimidade e contendo a alegação da recorrente, admito o recurso interposto pela Ré em 14.03.2022, do despacho proferido em 23.02.2022, na parte em que julgou inidónea a caução prestada (uma vez que na parte em que fixou o efeito ao recurso, o despacho é irrecorrível, como decorre do artigo 641°, n°5 do CPC, aqui subsidiariamente aplicável) o qual é de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo (artigos 79°-A, n°2, j) (decisão proferida depois da decisão final), 80°, n°2, 81°, 82° e 83°-A/2, todos do CPT).
Organize apenso de recurso instruído com o original das alegações de recurso de fls. 376 e ss, do requerimento do A. datado de 17.03.2022 e com certidão do despacho datado de 23.02.2022 (despacho recorrido), do despacho datado de 02.02.2022, das alegações de recurso de 15.12.2021, das contra-alegações de 27.01.2022 e do requerimento do A. dessa mesma data, de fls.361, do requerimento da R. de 11.02.2022 e do requerimento do A. datado de 17.02.2022, do segmento decisório da sentença de fls. 312 e verso e deste despacho.
Notifique e após devidamente instruído o apenso de recurso, em conformidade com o ordenado, subam os autos ao Tribunal da Relação do Porto.”
Pelo Exmo. Procurador Geral Adjunto foi emitido parecer, no sentido da improcedência do recurso.
Corridos os vistos cumpre decidir.
Para além do referido nenhuma outra factualidade importa aqui transcrever com vista à apreciação do recurso.
Questão a apreciar:
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635, nº4 e 639, nº1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões que se elencam pela ordem que se justifica:
- aferir da idoneidade da caução prestada.
2. Fundamentação:
Foi esta a fundamentação do Tribunal a quo:
“No requerimento de interposição de recurso, a Ré requereu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, alegando que pretende prestar caução, no valor de €30.000, por meio de hipoteca sobre imóvel do seu ativo imobilizado, requerendo a fixação de um prazo de 10 dias para esse efeito.
O A. opôs-se à prestação de caução por meio de hipoteca, por inidoneidade da garantia.
*
Por despacho datado de 02.02.2022, ordenou-se a notificação da Ré para vir sanar as omissões aí apontadas, no prazo de cinco dias, identificando o imóvel sobre que pretende constituir hipoteca e juntando certidão de registo provisório da hipoteca e dos encargos inscritos sobre esse imóvel.
*
Nessa sequência, por requerimento datado de 11.02.2022, vem a Ré identificar o imóvel sobre o qual pretende constituir hipoteca e juntar certidão do registo provisório da hipoteca e dos encargos inscritos. Além disso, junta declaração do Centro Distrital ... da Segurança Social e da Autoridade Tributária e cópia da caderneta predial do imóvel.
O A. pronunciou-se, impugnando a idoneidade da caução, face à existência de ónus no bem oferecido como garantia.
*
Cumpre decidir, deixando-se consignado que, salvo melhor opinião, no incidente de prestação de caução para obtenção de efeito suspensivo, não existe outro momento destinado à apresentação de qualquer requerimento instrutório, que não o do requerimento inicial em que requer a prestação de caução, onde tem de indicar toda a sua prova, não podendo prevalecer- se da oportunidade que lhe foi concedida pelo Tribunal para suprir concretas omissões, para requerer outras diligências de prova que, em tempo, optou por não requerer, sendo, pois, de indeferir por manifestamente extemporânea a realização das diligências de prova requeridas em 11.02.2022 (que o Tribunal oficie ao CDSS), quando o seu requerimento para prestação de caução foi efetuado com as alegações de recurso em 15.12.2021 e nele não foram requeridas quaisquer diligências de prova.
Isto posto, com interesse para a decisão a proferir, resultam documentalmente demonstrados os seguintes factos:
Iº- A Ré veio oferecer a prestação de caução, no valor de €30.000, através de hipoteca, sobre o prédio urbano, composto por pavilhão de rés-do-chão destinado a indústria, com a área coberta de 912m2 e descoberta de 848m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n° .../..., com registo de propriedade a seu favor, com vista a obter efeito suspensivo ao recurso por si interposto da sentença proferida, na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de €30.000.
2º- O registo provisório da hipoteca voluntária para prestação de caução, foi efetuado em 10.02.2022, como resulta da certidão predial do imóvel, acedida através da chave de acesso identificada no ponto 2. do requerimento datado de 11.02.2022.
3º- O aludido prédio está onerado com os seguintes ónus, em vigor na presente data:
- hipoteca legal a favor do Centro Regional de Segurança Social do Centro registada em 03.11.1997, para garantia de contribuições declaradas nas folhas de remuneração meses de dezembro 1995, fevereiro de 96 a junho de 96 e maio e junho 1997, num montante máximo de 14.553.304$ (correspondente a €72.591,57);
- hipoteca legal a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - Delegação ..., registada em 08.08.2001, para garantia de contribuições declaradas nas folhas de remuneração meses de fevereiro de 98, abril a agosto de 98 e fevereiro de 99 a fevereiro de 2000, num montante máximo de 26.788,291$ (correspondente a €133.619,43);
- hipoteca legal a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - Delegação ..., registada em 29.04.2005, para garantia de contribuições declaradas nas folhas de remuneração meses de fevereiro de 2003, julho de 2003, outubro e dezembro de 2003 a fevereiro de 2005, um montante máximo de €284.922,70;
- hipoteca legal a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - Delegação ..., registada em 13.07.2006, para garantia de contribuições declaradas nas folhas de remuneração meses de dezembro de 2005 a fevereiro de 2006, num montante máximo de €61.045,95;
- hipoteca legal a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - Delegação ..., registada em 10.04.2014, para garantia de contribuições declaradas nas folhas de remuneração meses de novembro 2007, agosto de 2008, junho 2009, agosto de 2009, novembro e dezembro de 2011, setembro de 2013 a janeiro de 2014, num montante máximo de €148.649,43.
4º- O imóvel foi avaliado pela Autoridade Tributária em 2019, no valor patrimonial de €174.735,84.
5º- Na presente data a Ré apresenta a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária.
*
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse, designadamente que:
- todas as contribuições garantidas pelas hipotecas legais registadas se encontram integralmente pagas.
*
Os factos dados como provados e não provados, resultam sobretudo da análise da certidão predial junta aos autos, assim como do valor da avaliação referido na certidão matricial. Quanto à regularização da situação contributiva da Ré foram valoradas as declarações juntas quer pelo ISS, quer pela AT.
Mas, ao contrário do que parece sustentar a Ré, tais declarações não atestam nem comprovam o pagamento de quaisquer contribuições, como de resto resulta expresso do teor da declaração emitida pelo ISS, designadamente das garantidas pelas hipotecas legais que continuam a onerar o imóvel, sendo certo que era à Ré que competia demonstrar que tais contribuições se encontram pagas. E competia demonstrar, juntando/requerendo as diligências instrutórias que tivesse por convenientes no momento em que apresenta o seu requerimento para prestação de caução, o que não fez.
*
Nos termos do artigo 83°, n°2, do Código de Processo do Trabalho, o recorrente pode obter o efeito suspensivo se no requerimento de interposição de recurso requerer a prestação de caução da importância em que foi condenado.
Nos termos do artigo 623°, n°l do Código Civil, "se alguém for obrigado ou autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, pode a garantia ser prestada por meio de depósito ou dinheiro, título de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária" E no n°2, estabelece-se que se a caução não puder ser prestada por nenhum dos meios referidos, é lícita a prestação de outra espécie de fiança. O art.° 623°, n.° 3, do Código Civil atribui ao tribunal a função de apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo entre os interessados, não prevendo, todavia, qualquer critério pelo qual haja de ser aferido esse juízo de idoneidade.
A caução constitui uma garantia especial das obrigações e visa satisfazer o interesse do credor. Apesar da lei não estabelecer qualquer critério para avaliação da idoneidade da caução atendendo à sua finalidade, há que fazer coincidir a idoneidade com a segurança da sua suficiência para satisfazer a obrigação que ela cauciona.
Ora, a ré pretende prestar caução no valor de €30.000, por meio de hipoteca sobre o imóvel supra identificado. A hipoteca constitui um direito real de garantia que se caracteriza por conferir ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis (ou equiparadas), pertencentes ao devedor ou terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo, podendo ter a sua origem num contrato ou declaração unilateral - art.°s 686°, n°l e 712° do C. Civil.
A idoneidade da caução desdobra-se em duas condições essenciais e cumulativas: a propriedade, caracterizada pela adequação do modo da sua prestação à realização dos fins da caução, e a suficiência, caracterizada por assegurar a satisfação integral da obrigação de que é garantia.
No caso concreto dos autos, atentos os ónus que incidem atualmente sobre o imóvel (hipotecas legais registadas) e os montantes máximos que garantem, que totalizam um valor superior ao valor patrimonial apurado do imóvel, e não tendo a Ré logrado demonstrar que todas as contribuições garantidas pelas hipotecas legais registadas se encontram integralmente pagas, não é possível concluir com o mínimo de segurança, a esta data, pela suficiência da caução através de hipoteca sobre esse imóvel já onerado com hipotecas anteriores. Acresce que, era igualmente à Ré que competia diligenciar, pronta e atempadamente pela expurgação e cancelamento dos ónus que incidem atualmente sobre o imóvel, o que manifestamente não fez, inexistindo qualquer fundamento legal para que lhe seja concedido no âmbito do presente incidente de prestação de caução um prazo para promover a expurgação de tais ónus (que, em tempo, por razões só a si imputáveis não promoveu); de resto, só registou provisoriamente a hipoteca através da qual pretende caucionar o montante em que foi condenada nestes autos, em 10.02.2022 (quando se propôs prestar caução por meio de hipoteca em 15.12.2021) e nem sequer demonstrou documentalmente ter solicitado o cancelamento dos ónus registados anteriormente.”.
Vejamos então.
A prestação de caução a que alude o artigo 83º do Código de Processo do Trabalho constitui uma garantia destinada a assegurar o cumprimento duma obrigação imposta ao recorrente, obrigação que no caso em análise é a de a Apelante pagar o quantitativo determinado na sentença.
Na verdade, o Autor/Recorrido, de acordo com o determinado na sentença recorrida, tem direito a receber créditos salariais, remunerações intercalares, indemnização por danos morais, pelo prejuízo sofrido desde que lhe foi retirada a viatura, por cada dia de atraso na reposição de funções e dos instrumentos de trabalho, telemóvel, computador e veículo, a contar do trânsito da sentença.
A Agravante não tem razão.
Nenhum reparo há a fazer ao enquadramento legal transcrito e efetuado na decisão recorrida.
Com efeito, sob a epígrafe «Efeito dos recursos», o artigo 83º do Código de Processo do Trabalho estipula:
«1 - A apelação tem efeito meramente devolutivo, sem necessidade de declaração. 2 - O recorrente pode obter o efeito suspensivo se no requerimento de interposição de recurso requerer a prestação de caução da importância em que foi condenado. 3 - A apelação tem ainda efeito suspensivo da decisão nos casos previstos nas alíneas b) a e) do n.º 3 do artigo 647.º do Código de Processo Civil e nos demais casos previstos na lei. 4 - O juiz fixa prazo, não excedente a 10 dias, para a prestação de caução e se esta não for prestada no prazo fixado, a sentença pode ser desde logo executada. 5 - O incidente de prestação de caução referido no n.º 2 é processado nos próprios autos.»
O regime assim estatuído não afasta as normas do incidente de prestação de caução plasmadas nos artigos 906º e seguintes do CPC, nem tão pouco as do artigo 647º do Código de Processo, como conclui a Apelante.
Com efeito, o artigo 83º do Código de Processo do Trabalho não regula como deve ser efetuado o requerimento para prestação de caução, nem a tramitação do incidente.
Antes e tão só prevê o efeito suspensivo do recurso, nomeadamente do recurso de apelação, condicionando-o ao deferimento da prestação de caução da importância em que foi condenado o Recorrente e a requerimento deste último.
Por outro lado, não aferimos, sem mais a existência da apontada contradição insanável, por não se considerar provado que todas as contribuições garantidas pelas hipotecas legais registadas se encontram integralmente pagas.
Foi salientado, e bem, na decisão recorrida que as declarações juntas pela Ré “não atestam nem comprovam o pagamento de quaisquer contribuições, como de resto resulta expresso do teor da declaração emitida pelo ISS, designadamente das garantidas pelas hipotecas legais que continuam a onerar o imóvel”.
Resulta do artigo 7º do Código do Registo Predial que o facto jurídico definitivamente registado faz presumir que o direito resultante do facto jurídico registado existe e pertence a quem assim é considerado no facto jurídico registado.
Aliás, a força do registo, a presunção que dele emana, só desaparece com a sua remoção.
Dito de outro modo, perante terceiros, a situação evidencia-se como estar por regularizar.
Na verdade, como se lê no parecer do Exmo. Procurador Geral Adjunto, “(…) um imóvel onerado com hipotecas legais anteriormente registadas, e que subsistem na presente data, não nos parece, salvo melhor opinião, meio idóneo de prestar caução.
Entendemos, antes, que só um bem com valor igual ou superior ao da condenação, neste caso de 30.000,00€, e livre de quaisquer ónus ou encargos poderia considerar-se idóneo a prestar caução.” (sublinhado nosso).
Tão pouco logrou a Apelante demonstrar que encetou ou encontrou dificuldades em obter de forma expedita as necessárias autorizações de cancelamento das inscrições hipotecárias em apreço.
Por isso, não merece o despacho recorrido qualquer reparo.
3. Dispositivo:
Termos em que se nega provimento ao agravo e se confirma o despacho recorrido.
Custas a cargo da agravante.
Porto, 22 de Junho de 2022,
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho