INQUÉRITO
NULIDADE
Sumário

Na fase de inquérito, fora das situações previstas nos artigos 268º e 269º do CPP98, o Juiz não pode conhecer da arguição de nulidades.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

A assistente, não se conformando com o despacho do Ex.mo juiz que entendeu «inexistir a nulidade de insuficiência do inquérito e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade» e indeferiu o requerido, veio recorrer finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões que se transcrevem:
1º - Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo, no despacho recorrido, que inexiste a nulidade de insuficiência do inquérito ou da Instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
2º - Entende a recorrente que facultou ao Ministério Público novos meios de prova, indicando e concretizando quais os factores sobre que os mesmos recaem e sobre que irão depor, respectivamente.
3º - Em 01/10/2004, a recorrente requereu a Reabertura do Inquérito indicando novos elementos de prova sobre a matéria dos autos, ou seja, indicou nova testemunha conhecedora de factos bastantes, úteis e necessários à descoberta da verdade, com conhecimento geral da matéria dos autos (tempo, lugar, modo, intervenientes, objecto de actuação, etc.),
4º - Requereu, ainda, a prova por acareação, nos termos ali invocados e concretizados, ou seja, entre quem devia ser feita a acareação e sobre que factores iria recair a mesma (intervenientes e respectiva participação nos factos, num primeiro ponto e titularidade do direito de propriedade num segundo ponto), conforme tudo consta naquele requerimento cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5º - Tal requerimento não logrou ser atendido pela Ex.ma Procuradora do Ministério Público, que não procedeu a qualquer análise dos elementos e meios de prova facultados e requeridos, alegando, em suma, já havia sido proferido o despacho de acusação em relação aos demais arguidos, e, como tal, não podiam os autos ser, agora, reabertos quanto a estes.
6º - Tal despacho motivou a recorrente a Reclamar para o Ex.mo Senhor Procurador da República do Círculo de Vila Real que, apesar de ter omitido a realização de qualquer diligência investigatória e/ou requerida ou facultada pela recorrente, decidiu não reabrir o inquérito.
7º - A recorrente arguiu a nulidade de tal despacho do Ex.mo Procurador do Círculo, por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade.
8º - Entende o Meritíssimo juiz a quo, além do mais, que “(…) a requerente no seu requerimento de reabertura do Inquérito não indica qual a circunstância em que surgiu ou apurou existir um novo meio de prova, qual a razão de ciência que justifique a sua inquirição e quais os factos que pretende demonstrar com a inquirição da indicada testemunha, razão pela qual, desconhece o Tribunal se a realização dessa diligência se reputa essencial para a descoberta da verdade.”
9º - Entende a recorrente, modestamente, que indicou / facultou ao Tribunal todos os elementos que o Juiz a quo refere no seu despacho, e transcritos na conclusão supra.
10º - Ou seja, a razão de ciência que justifique a sua inquirição prende-se com o facto de a indicada testemunha ter conhecimento de toda a matéria dos autos, de todos os factos dos autos (tempo, lugar, intervenientes, modo de participação de cada um deles, etc.), susceptíveis de provarem que os arguidos B......., C....... e D....... praticaram os crimes ali referidos, daí a razão da essencialidade da sua inquirição.
11º - No que concerne à prova por Acareação, afigura-se, à queixosa, também a essencialidade da sua realização, na forma plasmada naquele requerimento de reabertura do Inquérito, cujo teor, por uma questão de economia processual, se dá aqui por integralmente reproduzido, pois constitui a mesma um veículo decisivo para a descoberta da verdade uma vez que as posições antagónicas serão confrontadas, e a veracidade das mesmas manifestará, no entendimento da queixosa, uma inegável posição de superioridade, pois que a prova por acareação surtirá o efeito útil pretendido por lei
12º - Não poderemos considerar a prova por Acareação, admissível pelo art.º 125º CPP e prevista pelo art.º 146º do mesmo diploma legal, letra morta, pois não foi essa a ratio que o legislador lhe atribuiu aquando da sua formulação, mas sim a função de veículo condutor e de ajuda à verificação da prática de crimes, e, como tal, não pode ser ignorado.
13º - Não devia, nem podia o Ministério Público, como o fez, subtrair-se de tomar as diligências requeridas com o oferecimento e requerimento de tais provas, pois tal facto coloca em causa toda a estrutura sob a qual assenta todo o processo de inquérito e investigação, desta forma violando o princípio da aquisição da prova e o princípio da investigação e prejudicando o princípio da demanda da verdade material, pois o Tribunal não pode deixar de investigar e esclarecer os factos na procura da verdade material.
14º - As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, e, como tal, toda a investigação processual destina-se, como finalidade última, à demonstração dessa mesma realidade, de factos já alegados, e que só falta confirmar a sua veracidade.
15º - A ofendida facultou ao MP todos os meios de prova, todas as condições de procedibilidade para que o mesmo promovesse a processo penal em relação aos demais arguidos supra identificados.
16º - Não o fez, desta forma violando os princípios fundamentais que norteiam o processo penal, como seja, o da aquisição da prova e o da investigação, ambos em prol do princípio da demanda da verdade material, a que o mesmo se encontra adstrito, e, consequentemente, omitindo diligências que se reputam essenciais para a descoberta da verdade.
17º - Em prol do direito à segurança, com consagração constitucional no seu art.º 27º da CRP, das exigências de ordem pública e confiança no sistema jurídico, e da salvaguarda dos interesses, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, o MP, enquanto dominus do inquérito, deve promover o processo penal sempre que lhe sejam facultados elementos ou meios de prova. como no caso sub judice.
18º - O MP não pode ignorar tais elementos e meios de prova, sem que previamente os analise e investigue, pois, apesar de a recorrente considerar que os mesmos se reputam essenciais à descoberta da verdade, cabe ao MP, em última análise, verificar a sua essencialidade, pois é o mesmo que dispõe de meios investigatórios e adequados ao fim em apreço.
19º - O MP absteve-se de praticar tais actos, a que se encontrava adstrito por força do consignado nos artºs 53º e 262º nº1 do CPP, omitindo a realização de diligências essenciais à descoberta da verdade, uma vez que, até ao momento, ainda não foi produzida prova suficiente de todos os factos em discussão.
20º - A testemunha em questão, segundo apurou a recorrente, pode esclarecer esses mesmos factos. Em consequência, o respectivo depoimento é essencial à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
21º - Assim não o tendo entendido, o douto despacho que indeferiu a arguição de nulidade, permite a manutenção da omissão da realização de diligências que pudessem reputar-se essenciais à descoberta da verdade.
22º - O douto despacho, ora em recurso, padece de falta de fundamentação e erro notório na apreciação da essencialidade dos meios e elementos de prova facultados e requeridos nos autos, pelo que, ao indeferir a arguição de nulidade, omitiu a realização de diligências que se reputam essenciais à descoberta da verdade, motivo pelo qual está ferido de nulidade, que aqui expressamente se argui.
23º - Não deveria o Tribunal a quo, salvo devido respeito e melhor opinião, ter condenado a recorrente em custas, fixadas em 3 UC’s de taxa de justiça, pois, além de falta de fundamento legal para o efeito, tal condenação - afigurando-se como um factor dissuasor de todos aqueles que querem recorrer aos Tribunais para defesa dos seus direitos - viola direitos, garantias e princípios constitucionais fundamentais num Estado de Direito, tal como o direito de acesso à Justiça e aos Tribunais, plasmado no art.º 20º da CRP.
24º - Além do mais que a arguição de nulidade, invocada pela recorrente, é um meio admissível e previsto expressamente pela lei processual penal no seu art.º 120º nº2 d), pelo que o recurso a este meio, não deveria, com devido respeito, ser “condenado” em taxa de justiça.
25º – Violou, assim, o Tribunal a quo os preceitos constantes nos artigos 53º, 120º nº2 d), 128º, 146º, 262º nº1 e 340º nº1 do CPP e seus basilares princípios, como os princípios da investigação, da aquisição processual e da demanda da verdade material, art.º 20º e 27º da CRP e seus basilares princípios, como o direito de acesso à Justiça e aos Tribunais.

Admitido o recurso o Ministério Público respondeu concluindo pela sua improcedência. Já neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto foi de parecer que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417º n.º 2 do Código Processo Penal e após os vistos realizou-se conferência.

A marcha processual relevante:
A assistente denunciou criminalmente, B....., C......., D......, E......., F....... e G........., por factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de dano.
Em 18.7.2004 foi proferido pelo Ministério Público despacho de acusação contra E........, F....... e G......; relativamente aos arguidos, B......., C........ e D...... foi proferido despacho de arquivamento por falta de indícios.
Em 1.10. 2004 a assistente requereu ao Ministério Público a reabertura do inquérito quanto aos arguidos B........, C......... e D.......... .
Em 7.10.2004 foi indeferida pelo Ministério Público a reabertura do inquérito. Dessa decisão reclamou a assistente para o Ex.mo Procurador da República, que manteve a decisão de não reabertura do inquérito.
A assistente arguiu então a nulidade do despacho proferido pelo Ex.mo Procurador em requerimento dirigido ao Ex.mo juiz de instrução criminal.

O despacho do Ex.mo juiz é do seguinte teor:
Veio H.........., na qualidade de denunciante arguir a nulidade do despacho do Sr. Procurador da República do Círculo de Vila Real, invocando a omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade prevista no art. 120º, al. d), do C.P.Penal.
(...)
No caso em apreço, a ora requerente afirma ter ocorrido a nulidade prevista na al. d), do citado art. 120º do Código de Processo Penal.
Esta alínea fulmina de nulidade “A insuficiência do inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Com efeito, deve atentar-se na redacção do art.º 120 al. d).
Tal preceito contém a previsão não de uma nulidade mas sim de duas nulidades.
A primeira é a insuficiência do inquérito ou da instrução e a segunda é a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
A primeira prende-se com a não realização de actos de inquérito que tenham sido determinados e não realizados que influem na decisão final a proferir pelo Magistrado do Ministério Público. A segunda prende-se com a omissão posterior de diligências essenciais, assim, se visando “uma maior abrangência fazendo abarcar no elenco das nulidades outras omissões” cfr. Código de Processo Penal Anotado Simas Santos e Leal Henrique Pág. 625.
A nulidade invocada é a de omissão de diligências essenciais para a descoberta de verdade.
(...)
Assim, o que se pretende não é apreciar o teor do despacho de indeferimento de reabertura de inquérito do Sr. procurador da República de Vila real, que não é sindicável, mas sim saber se foram omitidas diligências posteriores essenciais para a descoberta da verdade.
Cremos que falece a razão à requerente ao invocar a nulidade referida.
(...)
Com efeito, entendemos que deduzida a acusação ou arquivado o inquérito, quer para a abertura de instrução (art.º 287 n.º 2 do Código de Processo Penal) quer para a reabertura do inquérito, devem indicar-se as razões de ciência porque se indicam novos meios de prova e quais os factos sobre que irão depor.
Só assim se poderá apurar se surgiram novos elementos de prova, os quais não se confundem com meios de prova.
(...)
Ora, a requerente no seu requerimento de reabertura de inquérito não indica qual a circunstância em que surgiu ou apurou existir um novo meio de prova, qual a razão de ciência que justifique a sua inquirição e quais os factos que pretende demonstrar com a inquirição da indicadas testemunha, razão pela qual, desconhece o Tribunal se a realização dessa diligência se reputa essencial para a descoberta da verdade.
Nestes termos, não descortinamos qualquer nulidade consubstanciada na omissão de diligências que se reputem essenciais para a descoberta da verdade.
O que detectamos foi o indeferimento de reabertura do inquérito, que como vimos não é sindicável, onde foi indeferida a realização de meios de prova.
Desconhece o Tribunal, em absoluto, o motivo porque foram indicados tais meios de prova e quais a razão de ciência do seu conhecimento e factos que conheciam e pretendia a denunciante provar, razão pela qual se desconhece se tais diligências se reputam essenciais para a descoberta da verdade.
Nestes termos, por inexistir a nulidade de insuficiência do inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, indefiro totalmente o requerido.
*
Custas pela requerente fixando a taxa de justiça em 3 (três) UC.
Notifique.

É este o despacho recorrido:

O Direito:
Questão prévia a decidir: a da admissibilidade do recurso.

A assistente recorre do despacho judicial que indeferiu, ainda na fase de inquérito, a arguição de nulidade alegadamente cometida no seu decurso, concretamente, a recorrente sindica a decisão do JIC que considerou não padecer de nulidade a decisão do Procurador da República que desatendeu a reclamação hierárquica interposta pela assistente e que pretendia a reabertura do inquérito.
Cabe liminarmente alertar a recorrente para o óbvio: o despacho do Procurador da Republica que, em reclamação hierárquica, mantém o despacho de arquivamento não é sindicável pelo modo a que a recorrente deitou mão; a decisão do Ministério Público que recusa a reabertura do inquérito solicitada pela assistente não é autonomamente sindicável pela assistente perante o juiz de instrução. Caso o juiz se pronuncie, em fase de inquérito, acerca dessa pretensão da assistente, o certo é que dessa decisão judicial não cabe recurso para o tribunal, pelo menos recurso interposto pelo assistente. Diferente seria o caso de o despacho acolher a arguição de uma qualquer nulidade: nesse caso seria admissível recurso do arguido e do Ministério Público.

A predita solução resulta com meridiana clareza do seguinte:
Dos artºs 262º e 263º do Código Processo Penal: o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação; a direcção do inquérito cabe ao Ministério Público.
Da consideração da estrutura do nosso processo penal como basicamente acusatória, art.º 32º n.º 5 da Constituição, se bem que integrada por um princípio de investigação [F Dias, para uma Reforma Global do Processo Penal Português, in Para uma nova justiça penal, Almedina, 1983, pág. 198, Direito Processual Penal, 1988-9, pág. 50-1 e Os princípios Estruturantes do Processo e a Revisão de 1998 do Código Processo Penal, RPCC, ano 8º, Fasc. 2, pág.199], com o figurino desenhado na lei processual, resulta que, se a assistente pretende contrariar a decisão do Ministério Público de não acusar, tem duas vias independentes e paralelas:
Reclama hierarquicamente do despacho de arquivamento, art.º 278º do Código Processo Penal, ou
Requer abertura de instrução sindicando a decisão de arquivamento em ordem a submeter a causa a julgamento, art.º 286º do Código Processo Penal.

Em tempo oportuno e perante o arquivamento do inquérito a assistente nada fez, tendo posteriormente requerido a reabertura do inquérito o que foi indeferido pelo Procurador Adjunto. Dessa decisão reclamou para o superior hierárquico que manteve o despacho reclamado.
A questão que se põe é, num primeiro momento, saber se este despacho é sindicável perante o juiz de instrução, e, num segundo momento, averiguar se a decisão tomada pelo juiz de instrução é, ela própria, susceptível de recurso.
Durante o inquérito a intervenção do juiz e o seu âmbito de actuação, os actos que devem ser praticados pelo juiz e os actos a ordenar ou autorizar pelo juiz de instrução, estão taxativamente elencados, como vimos, nos art.ºs 268º e 269º do Código Processo Penal, daí resultando que em sede de inquérito, não é sindicável perante o juiz de instrução a decisão do Ministério Público de arquivar o inquérito, nem o despacho do superior hierárquico que mantém esse despacho.
Como resulta do art.º 286º do Código Processo Penal a decisão de arquivar um inquérito só pode ser sindicada pelo assistente em instrução, momento processual cuja direcção cabe ao juiz de instrução, art.º 288º do Código Processo Penal, e que visa, para o que aqui nos interessa, comprovar judicialmente a decisão do Ministério Público de arquivar em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Ora, no caso dos autos, o Ex.mo juiz negou à assistente a possibilidade de apreciar o teor do despacho de indeferimento de reabertura de inquérito do Sr. Procurador da República de Vila Real, pois entendeu que o mesmo não é sindicável, mas admitiu a possibilidade de averiguar se foram omitidas diligências posteriores essenciais para a descoberta da verdade.
Cabe liminarmente referir que o Ex.mo fechou a porta à possibilidade de sindicar em sede de inquérito a decisão do Ministério Público, mas de pronto logo lhe abriu a janela a pretexto de verificar se ocorreu a nulidade suscitada pela assistente: omissão de diligências posteriores essenciais para a descoberta da verdade. Efectivamente não pode o juiz de instrução em sede de inquérito, fora da instrução, apreciar a alegada omissão de diligências posteriores essenciais para a descoberta da verdade. Essa apreciação reconduz-se a sindicar em inquérito - cuja direcção cabe em exclusivo ao Ministério Público - a decisão do Ministério Público de arquivar. A consideração da estrutura basicamente acusatória proíbe o entendimento do Ex.mo juiz. A actividade que levou a cabo só pode ser empreendida em momento diverso do inquérito, no momento processual adequado que é a instrução.
Como se deixou exposto do despacho do Ministério Público que recusar a reabertura do inquérito apenas é possível reclamar para um superior hierárquico do magistrado que proferiu o despacho, art.º 279º do Código Processo Penal. Desta decisão não há recurso [Mouraz Lopes in Garantia Judiciária no Processo Penal, Coimbra Editora, pág. 67] para um tribunal: quer na modalidade de arguição de nulidade, quer de recurso propriamente dito, art.º 399 do Código Processo Penal, quer ainda, indirectamente, sindicando em recurso a decisão que [indevidamente] apreciou e desatendeu a pretensão da assistente.
No caso, o Ex.mo juiz não devia sequer ter conhecido da arguição de nulidade, porque estamos na fase de inquérito, e a situação não cabe na previsão dos artºs 268º e 269º do Código Processo Penal. Mas como conheceu, se bem que indevidamente, da estrutura basicamente acusatória do nosso processo penal, tal como está desenhada no figurino legal, deriva que essa decisão não é recorrível pelo assistente. Nem a circunstância de o juiz de instrução ter conhecido do que não devia, dá à assistente o direito que antes não tinha: sindicar o decisão do Ministério Público. Diversa seria a solução no caso de o juiz ter deferido a pretensão da assistente e o recurso ter sido interposto pelo Ministério Público ou pelo arguido.
No contexto em que ocorreu a condenação em custas é correcta e por isso se mantém.
Finalmente não procede a alegação da assistente de que foi violado o seu direito de acesso à justiça consagrado no art.º 20º da Constituição. É que não viola qualquer preceito ou princípio constitucional, nomeadamente o direito de acesso aos tribunais pela assistente, a impossibilidade legal de esta fazer sindicar pelo JIC, enquadrando-o na figura da nulidade por “insuficiência de inquérito”, o juízo concreto, casuístico e prudencial realizado pelo Ministério Público em fase de inquérito, fase processual que dirige, acerca da utilidade, conveniência e necessidade de realizar actos ou diligências probatórias requeridas pelo ofendido. Na verdade, o direito de acesso aos tribunais é garantido, em termos adequados, pela faculdade de requerer a abertura da instrução. É que durante o inquérito o Ministério Público é livre, salvaguardados os actos de prática obrigatória e as exigências decorrentes do princípio da legalidade, de levar a cabo ou promover as diligências que entender necessárias com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito, não determinando a nulidade do inquérito por insuficiência a omissão de diligências de investigação não impostas por lei [Acórdão n.º 395/2004 do Tribunal Constitucional, 2 de Junho de 2004 DR II Série, de 9.10.2004, pág. 14975].

Ocorre assim causa de rejeição do recurso, o recurso nem sequer devia ter sido admitido pois a decisão não é recorrível, artºs 414º n.º 2 e 420º n.º 2 do Código Processo Penal. A circunstância de ter sido indevidamente recebido não vincula, obviamente, este tribunal, art.º 414º n.º 3 do Código Processo Penal.

Decisão:
Rejeita-se o recurso porque se verifica causa que devia ter determinado a sua não admissão: a decisão não é recorrível, artºs 414º n.º 2 e 420º n.º 2 do Código Processo Penal.
Custas pela assistente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.
Visto o disposto no art.º 420º n.º 4 do Código Processo Penal vai a recorrente condenada no pagamento de 4 UC.

Porto, 2 de Novembro de 2005
António Gama Ferreira Ramos
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Alice Fernanda Nascimento dos Santos