RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO FINAL
OBJETO DO PROCESSO
Sumário


I - De harmonia com o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, não é admissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que não conheçam, a final, do objeto do processo.
II - No caso, o recurso interposto pelos assistentes para o tribunal da Relação de Guimarães da decisão da 1.ª instância tem por objeto o despacho do Juízo Central Cível e Criminal de Bragança de 26 de novembro de 2020, que decidiu não revogar a suspensão da execução da pena de três anos de prisão aplicada ao arguido e declarou extinta a pena imposta, não obstante aquele não ter cumprido, em igual prazo, a condição de pagar aos assistentes determinada quantia, em prestações mensais, iguais e sucessivas.
III – O acórdão do tribunal da Relação de Guimarães, ora recorrido, revogou o despacho da 1ª instância e determinou que fosse substituído por outro que - caso não se mostre paga a quantia em falta, no momento em que venha a ser proferido - revogue a suspensão da execução da pena imposta e determine o cumprimento pelo condenado, de 3 anos de prisão efetiva.
IV- O acórdão do tribunal da Relação de Guimarães não aplicou ao arguido qualquer pena, não conheceu, a final, do objeto do processo, não conheceu em concreto do mérito da decisão condenatória, pelo que é irrecorrível (art. 400.º, n º 1, al. c), do CPP, conjugado com o disposto al. b), do n.º 1, do art. 432.º, do mesmo Código).
V - Assim sendo, uma vez que o acórdão recorrido, não conheceu do objeto do processo, não é passível de recurso para o STJ.
VI - Não sendo admissível, o recurso interposto terá de ser rejeitado – arts. 432.º, n.º 1, al. b), 400.º, n.º 1, al. c), 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPP, pois, o facto de ter sido admitido, não vincula o Supremo Tribunal de Justiça (art. 414.º, n.º 3, do CPP).

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1.1. AA identificado nos autos inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação ... de 08 de novembro de 2021, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos assistentes e, consequentemente, revogou o despacho recorrido - e determinou que seja substituído por outro que - caso não se mostre paga a quantia em falta (29.880 euros) no momento em que venha a ser proferido - revogue a suspensão da execução da pena imposta e determine o cumprimento pelo condenado, AA, de 3 anos de prisão efetiva, veio interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, que motivou, concluindo nos seguintes termos:

«1º) Quer os assistentes ao longo do seu recurso, quer o Acórdão na sua apreciação/valoração fáctico/jurídica, manifestam um profundo desconhecimento acerca das condições económico/financeiras de Angola desde 2007 a esta parte, quer a realidade diária do recorrente desde que emigrou para África e das suas possibilidades monetárias para pagar a indemnização judicialmente fixada, daí qualificarem a sua postura como sendo grosseira, culposa ou culpa grosseira, quanto a nós, perspectiva totalmente errada.

2º) A apreciação das condições económicas de que o recorrente poderia ou não pagar a quantia em dívida, deve aferir-se de 17/06/2016 e 17/06/2018 e não a todo o período de suspensão da execução da pena de prisão. (Período da prorrogação da suspensão da pena).

3º) O que há a aferir, é apreciar apenas se durante o hiato temporal da prorrogação da suspensão da pena de prisão o recorrente teve ou não condições económicas para pagar o que se achava em falta, pois o que importa são as condições de que AA beneficiou durante o prazo da prorrogação.

4º) Ao contrário da valoração negativa quanto à actuação do recorrente, (ao não conseguir pagar mais do que os € 20000,00), notoriamente plasmada no Acórdão aqui posto em crise, pretendendo-se formular um juízo de culpa ou grosseria sobre alguém que foi a fonte quase única e exclusiva de todos os elementos probatórios que a respeito disso se acham disponíveis nos autos, elementos que de outro modo só muito dificilmente teriam sido obtidos, para não dizer que não teriam sido obtidos de todo, ao menos em tempo útil.

5º) O tribunal, que não sabe nem tem como saber mais da vida do arguido do que aquilo que o próprio lhe dá a conhecer, não pode olhar para o que ele lhe diz senão a uma só luz e crédito, e não, como fazem os recorrentes, separando o que lhes é conveniente do que lhes é inconveniente.

6º)  Se o condenado diz que em tempos ganhou muito dinheiro, isso deve ser atendido, pois é dito pelo próprio, contudo refere ainda, que se além disso menciona que o dinheiro que então ganhou e o menos que agora ganha é constantemente desvalorizado por força das relações cambiais entre o kwanza e o euro, que tem créditos laborais a haver (tudo devidamente documentado nos autos) e que é difícil a transferência de divisas por força da crise económica que entretanto se abateu sobre o país onde vive e trabalha, devem e são motivos mais do que atendíveis e ponderosos,

7º) tem de ser devidamente atendido pelo tribunal, não só porque se trata de algo que é público e notório mas também porque isso surge devidamente corroborado pelos elementos documentais (transferência que aguarda disponibilidade de divisa e declaração de salários em atraso) (independentemente da qualidade do papel do Finibanco ..., que só gerou dúvidas na sua autenticidade ao Tribunal da Relação, mas não aos restantes intervenientes processuais, nem sequer aos assistentes!), ora juntos aos autos. (Perfilhamos na íntegra tal posição).

8º) Certo é que nem os assistentes, nem a errada interpretação e valoração facto-jurídica plasmada ao longo do Acórdão recorrido (que apenas conjectura fria e abstratamente desconhecendo a vida e capacidade financeira do arguido), a realidade é que os autos não comprovam que o aqui recorrente tivesse tido a possibilidade e/ou flexibilidade económica e prática de ter feito melhor no cumprimento da fixada condição da indemnização do que aquilo que fez e é por isso que a decisão final não pode ser outra senão a de julgar extinta a pena em que foi condenado, tal como propalado pelo Despacho judicial do Tribunal Judicial ... em 26/10/2020. No caso em apreço, não está demonstrado que AA tinha condições e possibilidades económicas para satisfazer a condição imposta e que não a quis voluntariamente satisfazer.

9º) A questão central em discussão é saber se AA agiu com culpa, de forma grosseira, ou seja, se a sua actuação no pós transito em julgado (mais concretamente no período de prorrogação da suspensão da pena entre 17/06/2016 e 17/06/2018), lhe correspondeu uma atitude indesculpável, censurável a um nível em que o cidadão comum, médio, não incorre ou não incorreria, não podendo nem merecendo ser de forma alguma tolerada, como claramente afirmam quer os assistentes, quer o Tribunal da Relação ..., no Acórdão aqui posto em crise.

10º) - Em finais de 2007 emigrou para ... e posteriormente em 2009 para ... trabalhando como Engenheiro BB até à presente data;

11º) - Sempre que foi notificado para estar presente no Tribunal Judicial ..., não obstante as inúmeras dificuldades económicas e inconveniências profissionais (pois o preço dos bilhetes de avião é caro, mais de 2500 euros ida e volta, pagos pelas empresas por onde trabalhou), nunca faltou às mesmas.

12º) - Veio recorrentemente (por iniciativa própria ou após notificação para o efeito), aos autos juntar requerimentos a explicar a sua situação e não a vitimizar-se como o Acórdão revidendo e os assistentes referem, explicando o porquê da sua conduta, a sua dificuldade em proceder aos pagamentos a estes atenta a campanha de difamação de que foi alvo junto da sua entidade patronal por parte do assistente CC, pelo que possuindo em ... um emprego bem remunerado à altura, auferindo então o equivalente a mais de 7000 euros mensais, foi então chamado a ... pela sua entidade patronal e despedido com base na actuação pouco inteligente, mas sim vingativa do assistente, que preferiu ver o arguido desempregado do que receber o que tinha a receber, tal como agora o prefere ver preso a receber o que lhe foi atribuído por decisão judicial.

13º) - O arguido sempre se preocupou com o desenrolar dos presentes autos, (seria tão fácil a 7000 quilómetros de distância não cooperar com o Tribunal ou não efectuar qualquer pagamento aos assistentes!)

14º) - É por demasiado notória e evidente a situação socioeconómica de Angola desde 2007, um país que se desmorona em todas os sectores de mês para mês, nunca mais o arguido tendo conseguido ser admitido num emprego a auferir o mesmo que auferia inicialmente (mais de € 7000,00 por mês), como nunca mais estabilizou a sua situação profissional e económica fruto da conjuntura económico-social do pais, até à presente data.

15º) - Problema recorrente e documentado em transferir divisas para Portugal tal como ainda hoje o afecta. As transferências que o arguido conseguiu efectuar para Portugal ocorreram quando se encontrava a trabalhar no sul de ... e se deslocava a ... (capital da ...) e aí as efectuava, por aí não possuírem tantas restrições ao nível da transferência de capitais para o estrangeiro.

16º) - O recorrente procedeu ao pagamento não obstante as inúmeras dificuldades económicas, aos assistentes da quantia de 20000,00 euros dos 49880 euros devidos, ou seja, liquidou cerca de 40% do capital em dívida a que foi condenado em primeira instância, não foram € 500,00 ou € 1000,00!

17º) - O arguido manifesta ainda hoje a intenção de liquidar o montante em falta, como ponto de honra e sempre o manifestou desde o início do processo, que só não fez atenta a vingança perpetrada pelo assistente CC, que o prejudicou imenso profissionalmente e não é vitimização, é um facto verídico alheio à sua vontade.

18º) - É deveras lógico, que se fosse para ir preso a final, não tinha liquidado qualquer quantia, mormente os 20000 euros já entregues aos assistentes.

19º) - O arguido não cometeu qualquer outro crime na pendência do período da suspensão da pena de prisão e não possui um extenso registo criminal como os assistentes falsamente afirmam.

20º) O recorrente no seu dever de colaboração em 5 de Julho de 2016, justificou a falta de pagamento aos assistentes com o facto de ter 10 meses de salários em atraso, perfazendo mais de € 70,000.00, devido à má situação dos trabalhadores portugueses em Angola, situação que ainda perdura hoje em dia. Refutou e refuta ainda hoje a existência de uma violação culposa e grosseira da sua parte.

21º) Em 14 de Fevereiro de 2017, AA juntou aos autos um requerimento acompanhado como um documento com o qual atestou da sua disponibilidade em liquidar paulatinamente o montante correspondente ao pedido de indemnização civil em que foi condenado, aí se encontrando explícita uma das razões da dificuldade em honrar o seu compromisso, chamando a atenção para a data em que foi ordenada a transferência bancária - 4 de Maio de 2017 - e a data em que foi emitida a declaração que juntou 5 de Dezembro de 2017, ou seja, 7 meses, sem que tivesse sido realizada, desconhecendo o mesmo quando o seria, o que inviabiliza involuntariamente e sem qualquer responsabilidade da sua parte qualquer tipo de pagamento aos assistentes como é fácil de perceber.

22º) Foram também juntas aos autos informações sobre a inexistência, em Portugal, de veículos em nome do arguido, do último desconto para a Segurança Social em Portugal ter ocorrido em abril de 2007, da inexistência de património imobiliário em Portugal, da inexistência da declaração de rendimentos relativos aos anos de 2013 a 2017, bem como da existência nos anos de 2013 e 2014 de rendimentos da categoria B, respetivamente nos montantes de apenas 454,92€ e 151,64€.

23º) Mais, em 23 de Maio de 2018, AA juntou aos autos mais uma carta onde refere, ser para si um ponto de honra pagar aos autores o valor em causa, que tentou pagar com a entrega de um apartamento em ...,

24º) que aceitou um convite para ir para a direção geral de uma empresa, em condições financeiras muito boas que lhe permitiriam pagar em 2 anos todos os problemas financeiros que tinha, que com os valores dos vencimentos auferidos resolveu uns problemas financeiros que tinha e quando começava a pagar ao queixoso foi chamado a Portugal, à sede da empresa onde trabalhava em ..., à qual o queixoso dirigiu emails denegrindo a sua imagem, o que levou a que ficasse na situação de desempregado, que conseguiu outro emprego em ..., mas em condições menos vantajosas, sendo que também ai chegou a influência negativa do queixoso,

25º) sendo que ainda arranjou outro emprego em ..., mas parte dos salários ficaram por pagr até hoje, juntando para o efeito uma declaração da empresa P..., com data de 22 de Outubro de 2015, com a qual comprovou a existência de uma dívida para consigo no montante de 9.822.225,00 Kwanzas;

26º) Refere ainda que procurou outras alternativas, com referência à data de Maio de 2018, há um ano e 6 meses que se encontra sem salário. Mais refere o facto das transferências de salários de ... para Portugal terem, ficado praticamente bloqueadas, remetendo para a declaração do ... anteriormente apresentada.

27º) Insiste (e bem) que desde 2010 o assistente CC vem denegrindo a sua imagem, provando através de excertos de conversas em rede social, o que lhe tem acarretado prejuízos que contabiliza em mais de 500.000€ e o tem impedido de cumprir as obrigações, apesar de afirmar, como ainda hoje afirma, querer cumprir.

28º) Juntou ainda declarações de empresas – S..., com sede em ... e D..., com sede em ..., para as quais trabalhou, referindo que lhe devem salários, sendo que a S... desenvolveu com o recorrente, uma pareceria de trabalho sob o regime back to back desde fins de 2016 a início de 2018, no âmbito da qual terá a receber o valor de 3.190.000,00AOA, que a empresa pagará logo que receba do seu cliente, data impossível de prever;

29º) Quanto a empresa D... refere em 15 de Outubro de 2018, que colaborou com AA também na condição de back to back desde Janeiro de 2018 e que pela actividade desenvolvida iria receber 2.500.000,00 Kwanzas, juntando documento comprovativo do que alega.

30º) Junta ainda posteriormente (tudo como melhor consta nos autos), uma outra declaração respeitante à empresa M..., Lda, com data de 11 de Dezembro de 2018, declarando ter com o trabalhador AA desde há 3 meses, uma parceria de trabalho a concretizar na condição de lucros futuros.

31º) Tudo o alegado pelo recorrente encontra-se nos autos devidamente documentado, sendo verdadeiro, pois a sua versão mantém-se ao longo de todos estes anos, inclusivamente quando se encontra longe de Portugal.

Perdoe-se-nos a franqueza, mas o recorrente não tem a sorte de ser funcionário público para auferir vencimento certo e ser pago a determinado dia do mês, a realidade dele em ... é muito diferente, pois em cada mês desconhece se lhe vai ser pago o vencimento, ou qual a data para o efeito, não emigrou pelas “paisagens ou pelo charme de África”, mas por necessidade, para tentar melhorar as suas condições de vida….

32º) Em suma:

Por inexistir qualquer conduta grosseira, culposa ou grosseiramente culposa, deverá ser revogado o Acórdão aqui posto em crise, mantendo-se todo o conteúdo do douto Despacho proferido pelo Tribunal Judicial ... em 26.10.2020, porquanto o arguido recorrente não violou os artigos 55º, nº 1 e 56º, nº1, alínea a) do Código Penal, já que, se não conseguiu liquidar a totalidade do capital a que foi condenado, tal não dependeu da sua vontade, mas sim de factores externos incontroláveis e supra sobejamente descritos, conclusão a que também deveria ter chegado no seu Acórdão o Tribunal da Relação ..., tal como concluíram o Tribunal Judicial ..., o Ministério Público de ... e o Ministério Público de ..., porquanto o Tribunal da Relação no Acórdão recorrido, fez uma errada interpretação do mencionado artigo 56º, nº1, alínea a) do Código Penal em nosso modesto entendimento, devendo desta forma o presente Recurso ser julgado totalmente procedente, atentos os fundamentos supra elencados e ser consequentemente revogado o Acórdão condenatório aqui posto em crise, mantendo-se a decisão de extinguir a pena pelo cumprimento plasmada no Despacho proferido pelo Tribunal Judicial ... em 26 de Outubro de 2020.

33º) A pena de prisão efectiva decretada no Acórdão revidendo é excessivamente atroz e desproporcionada, atendendo à ausência de culpa do agente, demostrando ser injusta e em nada concorrendo para a sua reintegração social, pois o mesmo tem à data 67 anos de idade.

34º) Foram violados os artigos:

 40º, nº 1, 56º, nº 1, alínea a) e 2, 57º, nº 1, todos do Código Penal e 475º do Código de Processo Penal;

 32º da Constituição da República Portuguesa.

NESTES TERMOS e nos mais de Direito aplicáveis, que Vossas Excelências Meritíssimos Juízes Conselheiros doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente atentos todos os fundamentos supra elencados e ser consequentemente revogado o Acórdão condenatório proferido em 8 de Novembro de 2021 pelo Tribunal da Relação ... aqui posto em crise, devendo manter-se a decisão de extinguir a pena pelo cumprimento plasmada no Despacho proferido pelo Tribunal Judicial ... em 26 de Outubro de 2020.

Pois assim decidindo contribuirão Vossas Excelências para que ao arguido seja feita Inteira e Merecida JUSTIÇA».

1.2. No Tribunal da Relação ... o Ministério Público pronunciou-se pela procedência do recurso do arguido e os assistentes pela improcedência.

1.3. A Exmª Procurador-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu Parecer, no sentido que o recurso deve ser rejeitado, nos seguintes termos: (transcrição)

«Do recurso

1 - AA veio interpor recurso para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal da Relação ..., de 8/11/2021, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos assistentes e, consequentemente, revogou o despacho, proferido em 26/11/2020 pelo Juízo Central Cível e Criminal ..., que, nos termos do art. 57º nº1 do Código Penal, havia julgado extinta a pena aplicada ao ora recorrente, e determinou a sua substituição “por outro que - caso não se mostre paga a quantia em falta (29.880 euros) no momento em que venha a ser proferido - revogue a suspensão da execução da pena imposta e determine o cumprimento pelo condenado, AA, de 3 anos de prisão efetiva”.

O ora recorrente havia sido condenado na pena de 3 anos de prisão suspensa por igual prazo, sob condição de pagar em prestações mensais e sucessivas de iguais montantes, a quantia de 49.880 €, aos assistentes.

O Juízo Central Cível e Criminal ... decidiu não revogar a suspensão da execução da pena de três anos de prisão aplicada ao arguido AA e declarou extinta a pena imposta, não obstante aquele não ter cumprido, em igual prazo, a condição de pagar aos assistentes a quantia de 49.880€, em prestações mensais, iguais e sucessivas.

Ao invés, o Tribunal da Relação ..., pronunciando-se sobre o recurso interposto pelos assistentes daquele despacho, entendeu que o comportamento do recorrente era culposo, dado que bem “sabia que se não cumprisse a condição - que foi fixada mediante as condições que disse aceitar e poder cumprir - a pena, antes suspensa, muito provavelmente tornar-se-ia efetiva. Ao incumprir deliberadamente a obrigação de pagamento o arguido moldou o seu próprio futuro”.

E salientou:

“O comportamento do arguido, tem de ser apreciado pelo olhar de um cidadão que seja bem formado ou, pelo menos, medianamente diligente e cumpridor. Ora, o comportamento reiteradamente omissivo, adotado durante tantos anos e acentuado quando começou a explorar a vitimização, esquecendo que as vítimas foram os assistentes, mostra-se particularmente censurável e indesculpável, e coloca decisivamente em causa as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena. … “A “espada” que recaía sobre si e que lhe valeu a liberdade, impunha-lhe que colocasse como prioridade o cumprimento da condição a que ficou vinculado”, o que não aconteceu. Sucederam-se os anos e com eles a demonstração de que o comportamento do arguido não foi um ato isolado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória, comportamento que cai na alçada da alínea a) do nº 1 do Art. 56º do C.P.. É por isso que se pode afirmar que transigir com tal comportamento significa descredibilizar a suspensão da execução da pena, enquanto verdadeira pena autónoma, de substituição, susceptível de, por si, realizar as finalidades da punição”.

E concluiu que, “tendo em conta que a justiça que os autos reclamam passa essencialmente pelo cumprimento da condição da suspensão da pena imposta, impõe-se revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que revogue a suspensão da execução da pena e determine o cumprimento pelo condenado de 3 anos de prisão efetiva, salvo se o tribunal a quo vier a constatar, no momento em que vier a proferir o novo despacho, que se mostra paga a quantia ainda em falta ( 29.880 euros ) devida aos assistentes”.

2 - O ora recorrente, no recurso que interpôs para este Supremo Tribunal pretende a revogação do acórdão proferido em 8 de Novembro de 2021 pelo Tribunal da Relação ... que revogou a suspensão da execução da pena de 3 anos de prisão em que havia sido condenado e determinou o cumprimento daquela pena de prisão, e a manutenção do despacho proferido pelo Juízo Central Cível e Criminal ... que havia declarado extinta aquela pena.

3 - O Ministério Público no Tribunal da Relação ... respondeu à motivação do recurso, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.

Os assistentes apresentaram, também, resposta ao recurso do arguido, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

Questão Prévia - Da admissibilidade do recurso

4 - O recurso interposto pelo condenado AA foi admitido por despacho do Tribunal da Relação ..., no qual se consignou o seguinte:

“não obstante o teor do Ac. FJ 14/2013, publicado no DR, I, nº 219 de 12.11.2013, atento o teor e considerações expendidas no Ac. TC 595/2018 de 13.11.2018, in DR, I, 238 de 11.12.2018, admito o recurso interposto pelo arguido a subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo”.

Afigura-se-nos, todavia, que a decisão recorrida é irrecorrível, não lhe sendo aplicável nem o acórdão uniformizador de jurisprudência nem o acórdão do Tribunal Constitucional citados naquele despacho.

Com efeito, um e outro aresto pronunciam-se sobre a situação prevista na al. e), do nº 1, do art. 400, do CPP - a “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”.

Ou seja, a acórdãos que incidem sobre o objecto do processo.

Assim, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018, publicado no DR n.º 238/2018, Série I, de 2018-12-11, declarou, com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.”

E acórdão deste Supremo Tribunal de Fixação de Jurisprudência, com o nº 14/2013, publicado no DR, I Série de 12-11-2013, fixou jurisprudência nos seguintes termos:

“Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão.”

5 - O que está em causa no presente recurso é a decisão de revogação, ou não, de uma pena de prisão suspensa na respetiva execução nos termos do que dispõe o art. 56º, do Código Penal.

A decisão recorrida, diferentemente do despacho do Juízo Central Cível e Criminal ..., entendeu estarem verificados os pressupostos da al. a), daquele normativo e é a própria lei, nº 2, daquele artigo, que estabelece que a revogação da suspensão da execução da pena determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.

A decisão recorrida não aplicou uma pena ao recorrente, este havia já sido condenado e, como se diz na decisão recorrida, bem sabia que não cumprindo as condições impostas no acórdão condenatório, a suspensão da execução da pena de prisão seria revogada e teria de cumprir a pena de prisão em que havia sido condenado.

Assim, a decisão recorrida é irrecorrível, por força do disposto no art. 400º, nº 1, al. c), do CPP, em conjugação com o disposto al. b), do nº 1, do art. 432, do mesmo código.

Com efeito, o art. 400, nº 1, al. c), do CPP, estatui que não é admissível recurso de “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo”.  E a al. b), do nº 1, do art. 432, do mesmo código, dispõe que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de “decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400”.

O acórdão do Tribunal da Relação ..., de que ora recorre o condenado, não conheceu do objecto do processo, em concreto do mérito da decisão condenatória.

Como refere Pereira Madeira1, “«Conhecer do objecto do processo», que, em processo penal, é balizado pela acusação e ou pronúncia e a pertinente defesa, é afinal, conhecer do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido, conforme o caso”. “Assim, cairão no âmbito da irrecorribilidade, as decisões colegiais da relação, em recurso, que, pondo, ou não, fim ao processo, fiquem aquém do conhecimento final do objecto da acusação e ou pronúncia”. [1]

Em conformidade com o exposto, entendemos que o recurso interposto pelo condenado para este Supremo Tribunal, não é admissível, devendo ser rejeitado nos termos do disposto nos arts 400º, nº1, al. c) e 432º n.º 1, al. b), do CPP.

A tal não obsta a circunstância de ter sido admitido no Tribunal da Relação, uma vez que a “decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior”, como estatui o nº 3, do art. 414º, do CPP e o recurso deve ser rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão, nos termos do nº 2, do art. 414º, do CPP, como decorre do nº 1, al. b), do art. 420º, do mesmo código.

1.4. Foi cumprido o art. 417º, do CPP.

1.5. O recorrente ofereceu Resposta mantendo a posição assumida na motivação de recurso.

1.6. Com dispensa de vistos foram os autos à Conferência.


***



II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Resultam dos autos as seguintes ocorrências processuais

1.1. O arguido AA foi condenado por sentença transitada em julgado pela prática de um crime de burla qualificada na pena de 3 anos de prisão, suspensa por 3 anos, mediante a obrigação de pagar aos assistentes durante o período de suspensão a quantia de 49.880€ à razão de 2.000€/mês.

1.2. O arguido não pagou tal quantia, nem nos moldes predefinidos judicialmente, nem nas prorrogações que lhe foram concedidas, nem quando se comprometeu a pagar parte da quantia ainda em dívida, quando foi ouvido presencialmente.

1.3. O Juízo Central Cível e Criminal ... por despacho de 26 de novembro de 2020 decidiu não revogar a suspensão da execução da pena de três anos de prisão aplicada ao arguido AA e declarou extinta a pena imposta, não obstante aquele não ter cumprido, em igual prazo, a condição de pagar aos assistentes a quantia de 49.880€, em prestações mensais, iguais e sucessivas.

1.4. Inconformados os assistentes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação ... que, por acórdão de 08 de novembro de 2021 concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelos assistentes e, consequentemente, revogou o despacho, proferido em 26 de novembro de 2020 pelo Juízo Central Cível e Criminal ..., que, nos termos do art. 57º nº1 do Código Penal, havia julgado extinta a pena aplicada ao ora recorrente, e determinou a sua substituição “por outro que - caso não se mostre paga a quantia em falta (29.880 euros) no momento em que venha a ser proferido - revogue a suspensão da execução da pena imposta e determine o cumprimento pelo condenado, AA, de 3 anos de prisão efetiva”.

1.5. O Tribunal da Relação ... entendeu que o comportamento do recorrente era culposo, dado que bem “sabia que se não cumprisse a condição - que foi fixada mediante as condições que disse aceitar e poder cumprir - a pena, antes suspensa, muito provavelmente tornar-se-ia efetiva. Ao incumprir deliberadamente a obrigação de pagamento o arguido moldou o seu próprio futuro”.

E salientou:

“O comportamento do arguido, tem de ser apreciado pelo olhar de um cidadão que seja bem formado ou, pelo menos, medianamente diligente e cumpridor. Ora, o comportamento reiteradamente omissivo, adotado durante tantos anos e acentuado quando começou a explorar a vitimização, esquecendo que as vítimas foram os assistentes, mostra-se particularmente censurável e indesculpável, e coloca decisivamente em causa as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena. … “A “espada” que recaía sobre si e que lhe valeu a liberdade, impunha-lhe que colocasse como prioridade o cumprimento da condição a que ficou vinculado”, o que não aconteceu. Sucederam-se os anos e com eles a demonstração de que o comportamento do arguido não foi um ato isolado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória, comportamento que cai na alçada da alínea a) do nº 1 do Art. 56º do C.P.. É por isso que se pode afirmar que transigir com tal comportamento significa descredibilizar a suspensão da execução da pena, enquanto verdadeira pena autónoma, de substituição, susceptível de, por si, realizar as finalidades da punição”.

E concluiu que, “tendo em conta que a justiça que os autos reclamam passa essencialmente pelo cumprimento da condição da suspensão da pena imposta, impõe-se revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que revogue a suspensão da execução da pena e determine o cumprimento pelo condenado de 3 anos de prisão efetiva, salvo se o tribunal a quo vier a constatar, no momento em que vier a proferir o novo despacho, que se mostra paga a quantia ainda em falta ( 29.880 euros ) devida aos assistentes”.

1.5. O recurso interposto pelo condenado AA foi admitido por despacho de 25 de novembro de 2021 do Tribunal da Relação ..., no qual se consignou o seguinte:

«Não obstante não vir acompanhado de requerimento de interposição de recurso dirigido a este tribunal é manifesto que o recorrente pretende recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido por esta Relação no passado dia 8.11. Assim, não obstante o teor do Ac. FJ 14/2013, publicado no DR, I, nº 219 de 12.11.2013, atento o teor e considerações expendidas no Ac. TC 595/2018 de 13.11.2018, in DR,I, 238 de 11.12.2018, admito o recurso interposto pelo arguido a subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo.



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III. O DIREITO

Questão Prévia:

O que está em causa nos presentes autos é o acórdão do Tribunal da Relação ... 08 de novembro de 2021, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos assistentes do despacho do Juízo Central Cível e Criminal ... que decidiu não revogar a suspensão da execução da pena de três anos de prisão aplicada ao arguido AA e declarou extinta a pena imposta, não obstante aquele não ter cumprido, em igual prazo, a condição de pagar aos assistentes a quantia de 49.880€, em prestações mensais, iguais e sucessivas., e declarou extinta a pena.


A Exmª Procuradora Geral Adjunta suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, devendo ser rejeitado nos termos do disposto nos arts. 400º, nº1, al. c) e 432º n.º 1, al. b), do CPP.


Vejamos:

De harmonia com o disposto no art. 400º, nº1, alínea c), do Código do Processo Penal, não é admissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objeto do processo.

A decisão que conhece, a final, do objeto do processo é a que, apreciando uma acusação ou uma pronúncia, profere uma condenação ou uma absolvição.

Ou seja, «do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido, conforme o caso».

Como se afirma no AC do STJ de 10-09-2014, processo nº 223/10.4SMPRT.P1.S1, Relator Sousa Fonte:

«Nos termos do artº 432º, nº 1, alínea b), do CPP, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artº 400º que, por sua vez, na alínea c) do seu nº 1, na versão saída da Reforma de 2007, deixada incólume, neste particular, pelas Reformas e alterações posteriormente introduzidas no mesmo Código pelo DL 34/2008, de 26 de Fevereiro e pelas Leis 52/2008, de 28 de Agosto, 115/2009, de 12 de Outubro, 26/2010, de 30 de Agosto e 20/2013, de 21/2, decreta a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo.

A Lei 48/2007, de 29 de agosto ampliou, é verdade, as situações de irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações. Como, por exemplo, diz o Acórdão de 31.01.2012, Pº nº 171/05.0TADPL.L2. S1, desta Secção, «o traço distintivo entre a redação atual e a anterior à entrada em vigor da Lei 48/07, de 29-08, reside … na circunstância de anteriormente serem suscetíveis de recurso todas as decisões que pusessem termo à causa, sendo que atualmente só são suscetíveis de recurso as decisões que põem termo à causa quando se pronunciem e conheçam do seu mérito». Ou, como refere o Acórdão do Tribunal Constitucional de 06.03.2012, Pº nº 859/2011, DR. 2ª Série, de 11.04.2012, «… após a reforma de 2007 [o preceito em causa] deixou de enunciar como critério de insindicabilidade dos acórdãos das relações o que assentava no respetivo efeito (não pôr termo ao processo), substituindo-o por um critério objetivo que assenta no respetivo conteúdo decisório (não conhecer, a final, do objeto do processo)». (…)

«São assim irrecorríveis, desde então, todas as decisões da relação que, «pondo, ou não, fim ao processo, fiquem aquém do conhecimento final do objeto da acusação e ou da pronúncia» (cfr. A., ob. e loc. cit.), trate-se ou não de decisões interlocutórias e independentemente da forma como o respetivo recurso é aí processado e julgado, isto é, quer se trate de um recurso autónomo quer se trate de impugnação inserida no recurso da decisão final que conheça do objeto do processo.

A circunstância de a decisão sobre determinada questão interlocutória não ter sido objeto de recurso autónomo, mas, antes, englobada no recurso interposto da sentença/acórdão não lhe confere recorribilidade a reboque de as restantes, ou algumas das restantes, poderem ser objeto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Em suma, tal circunstância não tem a virtualidade de alterar o regime daquela alínea c), já que a lei não estabelece aí qualquer distinção, determinando a irrecorribilidade, tout court, de todas as decisões proferidas em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo.

Este entendimento, além de respeitar a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição – como no caso foi efetivamente respeitada, porque exercida –, está em perfeita consonância com o regime traçado pela Reforma de 1998 e prosseguido pela de 2007 para os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça as quais quiseram obstar, de forma clara, ao segundo grau de recurso, terceiro grau de jurisdição, relativo a questões interlocutórias ou que não tenham conhecido, a final, do objeto do processo, sendo certo, por outro lado, que a situação não tem qualquer paralelo com a prevista na alínea e) do artº 432º do CPP – solução diversa, esta sim, imposta indiscutivelmente pela referida imposição constitucional.

Neste sentido, decidiram, entre outros, os Acórdãos de 20.12.06, Pº 3043/06-3ª; de 14.11.2007, Pº 3750/07-3ª; de 10.07.2008, Pº 2142/08-3ª; de 10.09.2008, Pº 1959/08-3ª; de 25.09.2008, Pº 809/08-5ª; de 13.10.2010, Pº nº 200/06.0JAAVR.C1.S1-3º; de 09.06.2011, Pº nº 4095/07.8TPPRT.P1.S1; de 22.02.2012, Pº nº 1239/03.2GCALM.L1.S1-3ª; de 18.04.2012, Pº nº 660/10.4TDPRT.P1.S1-3ª; de 12.09.2012, Pº nº 269/08.2JABNV.L1.S1; de 05.12.2012, Pº nº 704/10.0PVLSB.L1.S1».

Relativamente ao Acórdão de fixação de jurisprudência 14/2013, publicado no DR, I, nº 219 de 12.11.2013, bem como ao Acórdão do Tribunal Constitucional de 595/2018 de 13.11.2018, in DR, I, 238 de 11.12.2018, invocado no despacho que admitiu o recurso, não têm aplicação ao caso subjudice, na medida em que se pronunciam-se sobre a situação prevista na al. e), do nº 1, do art. 400º, do CPP - a “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”.

Ou seja, a acórdãos que incidem sobre o objeto do processo.

O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018, publicado no DR n.º 238/2018, Série I, de 2018-12-11, declarou, com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro.

E acórdão deste Supremo Tribunal de Fixação de Jurisprudência nº 14/2013, publicado no DR, I Série de 12-11-2013, fixou jurisprudência nos seguintes termos:

“Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido, pena não superior a 5 anos de prisão.”


No caso subjudice, o recurso interposto pelos assistentes para o Tribunal da Relação ... da decisão da 1ª Instância tem por objeto o despacho do Juízo Central Cível e Criminal ... de 26 de novembro de 2020, que decidiu não revogar a suspensão da execução da pena de três anos de prisão aplicada ao arguido AA e declarou extinta a pena imposta, não obstante aquele não ter cumprido, em igual prazo, a condição de pagar aos assistentes a quantia de 49.880€, em prestações mensais, iguais e sucessivas.

O acórdão recorrido não aplicou ao arguido qualquer pena. O arguido já tinha sido condenado pelo Juízo Central Cível e Criminal ... na pena de 3 anos de prisão suspensa por igual prazo, sob condição de pagar em prestações mensais e sucessivas de iguais montantes, a quantia de 49.880 €, pela prática de um crime de burla, por acórdão transitado em julgado em 17 de junho de 2013.

O acórdão do Tribunal da Relação ... ora recorrido, considerou que não tendo o arguido cumprido as condições impostas no acórdão condenatório revogou o despacho recorrido e determinou a sua substituição “por outro que - caso não se mostre paga a quantia em falta (29.880 euros) no momento em que venha a ser proferido - revogue a suspensão da execução da pena imposta e determine o cumprimento pelo condenado, AA, de 3 anos de prisão efetiva”, porquanto entendeu que o comportamento do recorrente era culposo, dado que bem “sabia que se não cumprisse a condição - que foi fixada mediante as condições que disse aceitar e poder cumprir - a pena, antes suspensa, muito provavelmente tornar-se-ia efetiva. Ao incumprir deliberadamente a obrigação de pagamento o arguido moldou o seu próprio futuro”.

Do exposto se conclui, que o acórdão sob recurso é irrecorrível, porquanto não conheceu, a final, do objeto do processo, não conheceu em concreto do mérito da decisão condenatória, de harmonia com o disposto no art. 400º, nº1, al. c) do CPP, conjugado com o disposto al. b), do nº 1, do art. 432, do mesmo código.

O art. 400, nº 1, al. c), do CPP, estatui que não é admissível recurso de “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objeto do processo”.  E a al. b), do nº 1, do art. 432, do mesmo código, dispõe que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de “decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400”.

Assim sendo, o acórdão recorrido, não conheceu do objeto do processo, pelo que não é passível de recurso para este Supremo Tribunal.

Não sendo admissível, o recurso interposto terá de ser rejeitado – arts. 432º, nº 1-b), 400º, nº 1-c), 414º, nº 2 e 420º, nº 1-b), todos do CPP, pois, o facto de ter sido admitido, não vincula o Supremo Tribunal de Justiça (art. 414º, nº 3 do CPP).


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IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal.

Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 (seis UC’s) e ao abrigo do disposto no art. 420º, nº3, do CPP, vai condenado no pagamento da importância de 4 (quatro) UC’s.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


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Lisboa, 23 de fevereiro de 2022


Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Paulo Ferreira da Cunha

Pires da Graça (Presidente da Secção)

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[1]  Código de Processo Penal Comentado, 3ª edição revista, Almedina, 2021, pg. 1228.