REENVIO PARCIAL
PROVA TESTEMUNHAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Sumário

- Quando o tribunal não dispuser de outra prova, as declarações de uma única testemunha, seja ou não vítima, de maior ou menor idade, opostas, em maior ou menor medida, ao do arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória se depois de examinadas e valoradas a versão contraditória dos interessados se considerar aquela versão verdadeira em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso.
- O velho aforismo “testis unus testis nullus”, carece, pois, de eficácia jurídica num sistema como o nosso em a prova já não é tarifada ou legal mas antes livremente apreciada pelo tribunal;
- A violência doméstica não assume uma forma tarifada ou linear.
- É caso a caso que há que apreciar a existência de actos que preenchem o tipo.
- Comum a toda a violência doméstica - física ou não - está o diminuir da vítima, quer aos seus olhos, quer aos olhos de terceiros, está o diminuir uma pessoa tornando-a, por via da violência, menos que ela é;
- Não é de desconsiderar a vítima só porque a mesma se conformou com os desejos do agressor, tendo-se tornado naquilo que ele desejava que ela fosse;
- A bitola para aferir a existência de violência têm de ser as regras da experiência e as regras comummente aceites na sociedade sobre a relação entre as pessoas.
- Quando alguém, sem razão consistente, é diminuída face ao outro estamos perante uma violência.
-Saber qual o seu grau e qual a reacção social a tal conduta depende da vítima mas também das instâncias de controle social como sejam os familiares, os vizinhos, os amigos, a polícia e, em última instância, os tribunais.
 ( Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
 
I- Relatório
Inconformada com a decisão proferida pelo Juízo Local Criminal de Oeiras – Juiz 3 – do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste que absolveu o arguido RFDA_____ da prática de um crime de violência doméstica, apresenta-se a recorrer a assistente P _______, com os sinais nos autos, para este Tribunal da Relação formulando, após motivações, as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida padece de vício grosseiro de erro notório na apreciação da prova, devendo ser revogada e substituída por outra que considere provados os factos da acusação com as alterações não substanciais introduzidas na audiência de julgamento de 24/11/2021 (cf. acta de fls…), com as alterações requeridas quando à matéria de facto provados dos pontos A e E da sentença.
2. Mostra-se a sentença recorrida parcial, tendenciosa, discricionária e formula juízos de valor sobre a recorrente que, para além de não se descortinarem da prova produzida, são ofensivos da sua honra e consideração.
3. De forma arbitrária, imponderada e hostil, agiu o tribunal a quo como se a arguida fosse assistente, fazendo sobre esta juízos de valor e condenações morais infundadas, por forma a humilhá-la, com a intenção de premiar o arguido com a absolvição, desculpando e despenalizando, sem qualquer fundamento, os comportamentos e verbalizações ilícitas que este dirigiu àquela.
4. Andou muito mal o tribunal a quo ao dar na sentença recorrida como não provados os factos 1 a 11.
5. Entendeu o tribunal a quo, a nosso ver erradamente, valorar a versão do arguido, que não está sequer obrigado a falar com verdade, porque “Negou genericamente a autoria dos factos ilícitos típicos de que é acusado” em detrimento do depoimento da assistente, sem sequer referir o motivo pelo qual não considerou o depoimento desta, bem como não considerou a demais prova testemunhal ajuramentada e documental produzida que contraria directamente a tese do arguido.
6. Ao invés de atender à prova produzida, decidiu o tribunal a quo, sem qualquer explicação lógica e racional, const RFDA_____ r juízos de valor sobre a assistente no seguimento dos delírios e acusações feitas pelo arguido.
7. O ponto A dos factos provados deve ser alterado de acordo com o que resultou da prova produzida (cf. depoimento da assistente  P______  – gravação áudio concretamente nos minutos 00:00:37 a 00:01:05 e transcrição supra pág. 3 das motivações, e da testemunha AF______ - gravação áudio concretamente nos minutos 00:00:36 a 00:01:01 e transcrição supra págs. 3 e 4 das motivações).
8. O período de tempo durante o qual durou a relação amorosa entre assistente e arguido também se extrai do relatório do exame médico-legal (perícia – clínica forense) feito ao arguido e por este junto aos autos com a contestação, atendendo-se à citação do próprio (cf. pág. 6 última frase … “Vivemos juntos 15 anos (…)” (sic) a até às declarações deste em julgamento (cf. depoimento do Arguido – gravação áudio concretamente nos minutos 00:04:40 a 00:04:55).
9. Assim deve este ponto A) dos factos provados passar a ter a seguinte redacção: O arguido e P _______ mantiveram uma relação amorosa durante cerca de 15 anos, desde finais de 2004, com coabitação a partir de meados de 2006, até Julho de 2019, porquanto foi o que resultou da prova produzida.
10. Também o ponto E dos factos provados deve ser alterado (apesar da alteração se tratar apenas de uma questão de rigor, sem qualquer relevância para a decisão da causa) em consonância com prova carreada aos autos, tendo apenas resultado unicamente como provado que em Julho de 2019, o arguido e P_______ separaram-se, tendo o arguido abandonado a residência do casal.
11. Ora, se o tribunal ficou com dúvidas, como refere na sua motivação, sobre quem teria decidido terminar a união de facto em Julho de 2019, se unilateralmente o arguido ou por acordo entre o arguido e a assistente, jamais deveria ter feito um juízo de valor, sem qualquer suporte probatório e até porque refere que este facto “em si que é irrelevante, por não ser ilícito típico”.
12. De qualquer forma, entendemos que as dúvidas do tribunal se dissipariam caso o mesmo atentasse devidamente ao relatório do exame médico-legal (perícia – clínica forense) feito ao arguido e por este junto aos autos com a contestação, na parte em que o mesmo refere “nós separámo-nos e eu saí de casa …” (sic) - cf. 1º. Parágrafo, pág. 7 do relatório pericial, bem como ao depoimento da assistente P______ (cf. gravação áudio concretamente nos minutos 00:04:27 a 00:04:47 e transcrição supra pág. 5 das motivações), já que não atribui o tribunal qualquer descrédito ao depoimento da assistente, sendo escusado o recurso à experiência comum.
13. Por outro lado, também andou muito mal o tribunal a quo, ao dar como não provados os factos constantes dos pontos 1 a 8 e, consequentemente 9 a 11 da sentença, desvalorizando sem qualquer justificação a prova produzida, nomeadamente os depoimentos das testemunhas de acusação e a demais prova documental (relatório pericial psicológico - médico legal feito ao arguido e relatório social junto aos autos a fls. … para a determinação da sanção).
14. O tribunal a quo, apreciou erradamente a prova produzida ao dar como não provados os factos 1 a 11 da sentença recorrida, sendo que se impunha que os mesmos fossem dados como provados.
15. Relativamente ao ponto 1 dos factos não provados – só não resultou provado que o arguido começou a manifestar ciúmes excessivos de P_______, sendo que este facto deveria ter resultado de lapso do M.P. quando deduziu acusação, já que a assistente nunca referiu tal comportamento (cf. participação e aditamentos de fls. …).
16. Resultou provado que o arguido, após o nascimento do filho de ambos, passou a controlar a vida da recorrente, impedindo-a também de contactar a sua família, justificou a sua posição com recurso a juízos de valor que não resultaram da prova obtida.
17. Aliás, o próprio tribunal na motivação que faz acerca deste facto, enumerou episódios em que o arguido tentou impedir o contacto da recorrente e do filho, com a família materna: uma no Natal de 2018, que acabou por atrasar, mas não impedir o contacto, e outra no primeiro aniversário do menor ocorrido num espaço arranjado para o efeito, mesmo sabendo que os avós e tios do menor tinham percorrido 400 Km para o aniversário da criança.
18. O facto do arguido ter negado estas situações não serve para afastar os depoimentos contrários, prestados de forma espontânea e sincera pela assistente e pela testemunha AF______ e muito menos podia o tribunal ter entendido estes comportamentos do arguido como naturais e/ou comuns, mostrando-se solidário com o mesmo através das expressões “não é irrazoável” esse comportamento e/ou “não era o arguido obrigado a conviver com…” a família materna do filho.
19. Sabia perfeitamente o arguido que estas imposições e proibições abalavam psicologicamente a assistente, deixando-a fragilizada, o que claramente diminuía a sua capacidade de acção, bem como a sua honra e consideração, sendo precisamente esta a intenção concretizada do arguido ( cf. depoimento da assistente  P______  – gravação áudio concretamente nos minutos 00:04:47 a 00:05:38, 00:06:18 a 00:07:15, 00:12:19, 00:17:11 e transcrição supra págs. 7 e 8 das motivações, e da testemunha AF______ - gravação áudio concretamente nos minutos 00:01:37 a 00:02:35, 00:03:36 a 0004:49, 00:05:20 a 00:06:25, 00:06:27 a 00:07:27 e transcrição supra págs. 8 a 10 das motivações).
20. Assim, tem de ser dado como provado que após o nascimento do filho menor, em 2018, o arguido passou a controlar o dia-a-dia de P_______, condicionando a sua vida social e profissional e não permitindo que a mesma contactasse com a família.
21. Também resultou provado (e não, não provado!) que o arguido regressou a casa em Janeiro de 2020, dizendo a P_______ que tinha direito de permanecer no local (cf. depoimento da assistente  P______  – gravação áudio concretamente nos minutos 00:02:55 a 00:04:27 e transcrição supra pág. 11 das motivações, e da testemunha AF______ - gravação áudio concretamente nos minutos 00:07:27 a 00:08:32 e transcrição supra págs. 11 e
12 das motivações).
22. Impõe-se, como tal, dar como provado que o arguido regressou a casa em Janeiro de 2020, dizendo a P_______ que tinha direito de permanecer no local.
23. Igualmente os factos 4 a 8 da sentença deveriam ser dados como provados, atenta a prova testemunhal, documental e até mesmo pericial produzida, não podendo ter qualquer acolhimento a motivação constante da sentença recorrida para dar os mesmos como não provados.
24. Foi o arguido quem, logo após a declaração do Estado de Emergência, no início de Abril de 2020, decidiu unilateralmente impor à assistente horários de permanência e
circulação nas divisões da habitação, ditando de forma autoritária a P_______ que não circulasse e/ou permanecesse, diariamente, na cozinha das 12:00 horas às 14:15 horas e na sala a partir das 21:30 horas.
25. Declarou o arguido, que passou a tomar Valdispert para se conseguir manter calmo e que aqueles horários foram criados para garantir a sua sanidade mental e privacidade, que funcionavam muito bem (para ele obviamente!!), só havendo explosões da sua parte, que não conseguiu concretizar, quando os mesmos não eram cumpridos pela assistente.
26. Questionado directamente sobre estas explosões referiu o arguido, obviamente que de forma hostil e irónica, que as mesmas eram direccionadas para os tachos e panelas e não para a assistente, como se tal versão pudesse ter alguma credibilidade ou apoio na experiência comum (cf. depoimento do Arguido – gravação áudio concretamente nos minutos 00:21:26 a 00:23:46, 00:40:33 a 00:41:45 e transcrição supra págs. 13 a 15 das motivações). 
27. O depoimento directo da assistente e indirecto das restantes testemunhas de acusação, provaram que o arguido era muito controlador, impositivo, agressivo, hostil, irritável e que tudo tinha de ser feito à maneira dele, o que provocou na assistente medo e inquietação, o que a fez fugir de Lisboa para Braga, cidade onde residem os seus pais e irmã, para se sentir protegida e em segurança (cf. depoimento da assistente  P______  – gravação áudio concretamente nos minutos 00:13:10 a 00:14:55, 00:15:05 a 00:15:55, 00:16:02 a 00:19:29, 00:20:36, 00:21:17 a 00:21:43, 00:23:02 a 00:23:48, 00:25:06 a 00:25:29, 00:27:56 a 00:28:48, e transcrição supra págs. 15 a 19 das motivações; da testemunha C_____ – gravação áudio concretamente nos minutos 00:08:27 a 00:12:34, 00:19:59 a 00:21:02 e transcrição supra págs. 19 a 21 das motivações; da testemunha AF______ - gravação áudio concretamente nos minutos 00:01:37 a 00:02:35, 00:08:32 a 00:11:57, 00:12:18 a 00:13:13, 00:14:08 a 00:17:19 e transcrição supra págs. 21 a 24 das motivações).
28. Também do depoimento tendencioso da testemunha de defesa BV________ , prima do arguido, apesar de toda a animosidade e vontade de humilhar e denegrir a assistente, foi possível extrair que o arguido é uma pessoa impositiva, que gosta que as coisas sejam feitas à sua maneira (cf gravação áudio concretamente nos minutos 00:02:25 a 00:03:00 e
transcrição supra pág. 25 das motivações).
29. A perícia psicológica médico-legal feita ao arguido e cujo relatório foi junto aos autos por este, refere expressamente relativamente à personalidade do arguido “… observam-se indicadores de um perfil de funcionamento psicológico associável a perturbação na linha psicótica” (cf. ponto 6.2 – Pág. 16), “… identifica-se um perfil de funcionamento com características de inibição, desconfiança, insegurança, impulsividade, hostilidade, problemas de identidade, dificuldade em estabelecer vínculos afectivos, sentimentos desfasados da realidade, mecanismos de negação e evasão com fuga para a fantasia” - sublinhado nosso (cf. ponto 6.2.1 – Pág. 16) “o examinado evidencia … ser temperamental, irritável e hostil…” (cf. ponto 6.2.3 – Pág. 17).
30. Também o relatório social junto aos autos, para a aplicação da medida da pena, refere característica da personalidade do arguido: atitude pouco empática, com necessidade de treino de competências socio emocionais, com vista a uma mudança sócio comportamental, tanto mais que apresenta dificuldades ao nível da regulação emocional e diminuta capacidade para se colocar no papel do outro e para avaliar de forma objectiva as consequências do seu comportamento.
31. Estes documentos não foram referidos nem apreciados e valorados, não obstante serem prova bastante para dar como provado que o arguido tem uma personalidade controladora, autoritária, irritável, hostil e temperamental, ao contrário do referido na sentença que “Não se pode extrapolar que o arguido era controlador e autoritário dessas duas condutas narradas…” (sentença - pág. 5, paragrafo 4), e que é incoerente a assistente descrever o arguido como “pessoa impositiva, intrometida, controladora e autoritária” (sentença - pág. 7, parágrafo 4). 32. A sentença recorrida apresenta inúmeras contradições e não faz uma análise crítica e coerente dos factos à luz da prova testemunhal e documental produzida, havendo apenas preocupação em atender à versão do arguido e arranjar fundamentação para justificar os comportamentos e atitudes que, de acordo com a experiência comum, como todos sabemos, não fazem qualquer sentido, nem podem ter qualquer acolhimento.
33. A imposição do arguido relativamente aos referidos horários de permanência e circulação da assistente na habitação, foram unilateralmente determinados por aquele que pretendia ter privacidade e manter como refere “a sua sanidade mental”, bem sabendo que esse seu comportamento humilhava e diminuía a assistente na sua honra e consideração.
34. Apesar de ter negado esta imposição de horários, quando confrontado directamente com teor do email enviado à anterior mandatária da assistente (cuja autoria confessou em julgamento), fugiu o arguido à resposta de uma forma confusa e atrapalhada (cf. depoimento do Arguido – gravação áudio concretamente nos minutos 00:30:01 a 00:41:45 e
transcrição supra págs. 27 a 30 das motivações).
35. Confessou o arguido o envio deste email (…@hotmail.com) à anterior mandatária da assistente, Drª. M___ (…@smca.pt) e à assistente (…@hotmail.com), em 6 de Maio de 2020, às 10:36:07 AM, onde o próprio refere que desenvolveu um sentimento de aversão pela assistente, mãe do D______ , e que, por isso, criou o seu horário de Sanidade Mental na sua residência fiscal.
36. Este horário de sanidade mental, como lhe chama o arguido, impedia a assistente, por imposição daquele, de entrar na cozinha das 12:00 horas às 14:15 horas, e de circular ou ficar na zona da sala a partir das 21:30 horas, conforme confirmaram a assistente e a testemunha AF______ (cf. gravações indicadas na conclusão 27)
37. O arguido transformava-se, de forma ameaçadora e tresloucada, quando a assistente não conseguia cumprir aqueles horários de circulação, gritando em alta e viva voz “desaparece daqui, este é o meu tempo, o meu momento”, “eu tenho-te aversão” e “desfaço-te toda”, expressões que usava repetidamente (cf. depoimento da assistente  P______  - gravação áudio concretamente nos minutos 00:16:46 a 00:18:25).
38. No referido email de 6 de Maio de 2020 também confessa o arguido “criei o meu horário de sanidade mental” e “só tem havido explosões da minha parte quando a mãe do D_____ de forma provocatória invade a minha privacidade”
39. Renova-se que não conseguiu o arguido concretizar as alegadas atitudes provocatórias da assistente, declarando de forma fantasiosa e confusa que as explosões não eram com a assistente, mas antes com os tachos e panelas, apesar de não se recordar o que dizia a estes utensílios.
40. Esta versão do arguido apresenta muitas incongruências, mostra-se confusa e contraria todas as regras de experiência comum, contraria a forma clara e sincera com que a assistente depôs em julgamento, e ainda contraria os documentos juntos aos autos (email referido e relatório psicológico médico-legal, ambos juntos aos autos).
41. A assistente está sujeita ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela violação deste dever, as testemunhas estão sujeitas, igualmente, ao dever de verdade e a responsabilidade penal, sendo ajuramentadas, já o arguido pode criar a versão que entender para justificar os factos da acusação e até mesmo mentir.
42. Nestes termos, não podia o tribunal a quo, sem qualquer justificação plausível, ignorar o depoimento da assistente e das demais testemunhas de acusação, em detrimento da versão do arguido, criada de forma fantasiosa e sem qualquer nexo à luz da experiência comum.
43. Não podemos conformar-nos com a posição do tribunal a quo que, erradamente e sem qualquer suporte probatório entendeu que as declarações da assistente não são plausíveis e coerentes, já que foi tolerando o arguido e aceitando a coabitação com este por lhe ser oportuno e vantajoso, já que precisava do arguido para trabalhar e cuidar do filho (conf. pág.
7, último parágrafo).
44. Os casos de violência doméstica psicológica ocorrem, precisamente, quando o agressor sabe que a vítima tem algum tipo de dependência dele (in casu, o arguido sabia que a assistente precisava dele para cuidar do filho e poder trabalhar, já que não tinha qualquer apoio da sua família que vivia em Braga, a cerca de 400 Km)
45. Conforme resultou da prova produzida, a assistente estava exausta e psicologicamente debilitada, só chorava, atendendo ao comportamento cada vez mais agressivo do arguido, que cada vez com mais frequência lhe fazia ameaças e impunha as suas vontades, diminuindo-a psicologicamente, humilhando-a e subjugando-a a todos os seus caprichos e decisões.
46. Ficou provado que foi tendo a assistente um crescente medo do arguido, que cada vez ficava mais agitado e agressivo, temendo por ela e pelo filho, pelo que, quando teve coragem de falar com a amiga C______ , com a Apav e com a família, e sentiu o apoio destes, decidiu ir para Braga.
47. E, apesar do arguido referir que este abandono da habitação foi premeditado, que a assistente já tinha pedido a transferência do seu local de trabalho da RTP de Lisboa para o Porto, o certo é que esse pedido de transferência só ocorreu muito depois da assistente estar a viver com os seus pais, em Braga, e ter a noção que lhe era impossível regressar a Lisboa (onde sempre viveu e tanto gostava de viver e trabalhar) naquelas condições e voltar a ficar totalmente dependente do arguido e subjugada por este (cf. depoimento da testemunha AF______ – gravação áudio concretamente nos minutos 00:16:36 a 00:17:15 e transcrições supra pág. 24 das motivações).
48. Jamais resultou provado que a assistente planeou e executou livre e eficazmente a sua saída da antiga casa de morada de família para Braga, tanto mais que isto em nada a beneficiou em termos laborais e sociais, facto que, aliás, é contraditado pela assistente e demais testemunhas de acusação, bem como pelos relatórios sociais e outros juntos aos autos, e até dos documentos relativos ao processo de regulação das responsabilidades parentais e promoção e protecção. 
49. Resultou provado e com relevante interesse à boa decisão da causa que a assistente se sentia totalmente dependente do arguido, sem qualquer outra rectaguarda, para poder cuidar do filho e trabalhar, situação que o arguido bem sabia e fazia questão de referir-lhe, diminuindo a assistente na sua pessoa e tornando-a cada vez mais fragilizada psicologicamente (cf. depoimento da assistente  P______ - gravação áudio concretamente na declaração iniciada aos minutos 00:28:08, 00:28:25, 00:28:31, 00:28:39 e transcrições supra pág. 34 das motivações).
50. E estes são os factos que efectivamente resultam provados, não podendo o tribunal acompanhar a versão fantasiosa do arguido e principalmente entendê-la à luz da experiência comum que, como todos sabemos, não é o que acontece no dia-a-dia com generalidade das pessoas, pelo que nenhum acolhimento merece a sentença recorrida quando dá por não provados os factos 4 a 8 e, consequentemente, os factos 9 a 11 da sentença. 
51. Os juízos de valor feitos na sentença sobre a assistente são completamente descabidos, infundados, impróprios e reprováveis, não sendo esta postura que se espera de um tribunal imparcial.
52. Do julgamento resultou que:
- o arguido não conseguiu dar uma explicação lógica para os factos, mostrando um discurso confuso, descontextualizado, acabando por não responder directamente às questões que lhe foram colocadas, para além do seu depoimento contrariar directamente os documentos juntos aos autos (email enviado pelo próprio arguido à assistente e à Drª. M___ em 6 de Maio, relatórios proferidos no âmbito do processo de promoção e protecção e responsabilidades parentais e relatórios sociais e psicológico médico-legal feito à pessoa do arguido, constantes dos autos a fls. …);
- o arguido, tanto nos documentos da sua autoria, como nos relatórios juntos aos autos, bem como nas declarações que prestou, para justificar os factos descritos na acusação culpabiliza a assistente, atribuindo-se um descontrolo emocional, pelo facto da mesma padecer de esclerose Múltipla. Faz sempre o arguido questão de referir que a mesma padece de doença, sendo certo que esta doença, diagnosticada em 2005 está perfeitamente controlada e, não fosse o arguido repeti-lo constantemente, ninguém se aperceberia de tal facto. Entende o arguido que tudo se resume à doença da assistente, facto que sempre usou para a diminuir;
- O arguido foi internando compulsivamente em 2 de Junho de 2020, devido a um quadro clínico compatível com um episódio maníaco com sintomas psicóticos. Ora aqui sim, pode funcionar o recurso à experiência comum, devidamente conjugada com as declarações prestadas pela assistente quando a mesma refere que o arguido estava cada vez mais irritado, cada vez mais agressivo, temendo que a ameaça “eu desfaço-te toda” se viesse a concretizar. O normal é que uma pessoa que veio a ser internada compulsivamente não se encontre bem em termos psíquicos, podendo causar medo e inquietação aos outros, principalmente àqueles com quem reside, apresentando comportamentos atípicos, agressivos, precisamente como os descritos pela assistente, testemunhas de acusação e referidos nos relatórios, emails e demais documentos juntos aos autos, demonstrativos que o arguido se encontrava totalmente alheado da realidade – do teor do email remetido pelo arguido à assistente e à Drª. M___, é possível extrair que o arguido está no limite da sua sanidade mental e que, uma pessoa que escreve aqueles dizeres não pode estar bem… 
- O depoimento da assistente e das testemunhas da acusação, não obstante estas não terem presenciado factos directos, juntamente com a vasta prova documental junta aos autos, permitem concluir pela postura autoritária, impositiva e agressiva do arguido, bem como pela prática dos factos descritos na acusação, sobressaindo o cansaço extremo da vítima resultante daquelas condutas do arguido, agravadas pelo facto da assistente se encontrar em regime de teletrabalho, fechada num T2 e com um filho menor de 2 anos a seu cargo, completamente dependente da disposição e vontades do arguido que tinha perfeita consciência desta sua dependência a ele. 
- A assistente viu os comportamentos do arguido agravarem-se de dia para dia, temendo pela sua segurança física e pela do seu filho, não lhe restando outra solução que não a de arranjar apoio para conseguir sair de casa.
53. Caso o tribunal tivesse ficado com dúvidas se os comportamentos do arguido foram motivados pela crise psicótica que motivou o seu internamento compulsivo e o tivesse absolvido, a assistente até poderia entender, agora absolve-lo à custa de juízos de valor a ela feitos, falsos, sem qualquer fundamento e sem suporte na prova produzida é que a assistente não pode aceitar.
54. A assistente não formulou pedido de indemnização civil contra o arguido, não por  entender que a ele não tenha direito, mas antes porque tal pedido em nada alteraria os factos e a exaustão por que passou e só prejudicaria o pai do seu filho e, consequentemente, este, o que nunca teve intenção de fazer, ao contrário daquilo que a sentença deixou transparecer.
55. Atrelado à versão do arguido, violou o tribunal o princípio da imparcialidade, violação esta presente em diversos momentos da sentença: 
1. Quando faz juízos de valor acerca da assistente, sem qualquer fundamento legal ou prova, ofendendo-a na sua honra e consideração (ex: quando refere que a assistente foi tolerando e aceitando a coabitação com o arguido por lhe ser oportuno e vantajoso; quando refere que era especialmente difícil à assistente trabalhar e cuidar de um bebé por padecer de doença crónica; quando refere que assim que conseguiu reorganizar a sua vida, de forma a transferir o seu local de trabalho para Braga e livre do confinamento domiciliário geral, a assistente planeou e executou livre e eficazmente a sua saída da habitação para ir viver para Braga); 
2. Quando refere a acusação improcedente, por infundada, ao invés, quando muito, por não provada;
3. Quando, mesmo antes do trânsito em julgado desta sentença, comunica a mesma ao tribunal de família e menores.
56. Sofre a sentença recorrida de excesso de pronuncia, assistindo-se gratuitamente a uma discriminação e condenação moral da assistente por ter saído de casa e procurado apoio junto dos familiares “à revelia do arguido” (cf. pág. 7 da sentença).
57. O arguido veio a ser internado compulsivamente, facto que entendemos relevante para a motivação da sentença, não obstante o tribunal entender que este facto não tinha qualquer enquadramento na acusação (cf. intervenção do tribunal nas declarações do Arguido – gravação áudio concretamente aos minutos 00:23:52 a 00:25:07 e transcrições supra págs. 39 e 40 das motivações).
58. Nota-se uma certa discriminação na pessoa da assistente ao ter-se entendido que, por ter saído de casa “à revelia do arguido”, frase usada na sentença, merece que sobre si sejam tecidas as mais duras considerações, como se de um castigo se tratasse.
59. O Ac. TRL de 21-03-2019, disponível em www.dgsi.pt (proc. 974/16.0PEOER.L 19) cita vários autores para explicar comportamentos, atitudes e procedimentos habitualmente usados por quem usa de violência doméstica com o objectivo de desestabilizar a vítima e fazêla duvidar de si mesma e dos outros, cabendo o comportamento do arguido nestas explicações.
60. Acreditamos que também este Ac. foi proferido no âmbito de uma sentença com motivação idêntica a esta de que ora se recorre, em que foi igualmente culpabilizada a vítima, e absolvido o arguido, embora por motivos distintos.
61. Também aquele Ac. modificou a decisão de 1ª. instância, como se requer, porquanto entendeu não poder prevalecer a versão do arguido sobre a versão da assistente, sem qualquer justificação coerente, nem poder afastar-se o depoimento das demais testemunhas que corroboraram a versão da vítima, uma delas por referir não ter um bom entendimento com o arguido e também porque não presenciaram as mesmas os factos ocorridos na casa de morada e família onde ocorreram os factos descritos na acusação.
62. Ora, nestes autos, referiram as testemunhas de acusação a sua razão de ciência dos factos imputados ao arguido e acompanharam a vítima, de quem foram confidentes e a quem prestaram apoio, a par de terem demonstrado conhecer a personalidade do arguido, devidamente comprovada pela prova documental junta aos autos.
63. Enferma a sentença recorrida de erro notório na apreciação da prova e, em face da impugnação da prova ora feita, nos termos do artº. 412º, nº. 3 do C.P.P., deve a decisão recorrida ser modificada (dos autos constam todos os elementos de prova para sustentar esta requerida modificação) e substituída por outra que considere provados os factos constantes da acusação com a alteração não substancial operada, com fundamento no depoimento da assistente, das testemunhas C_____ e AF______ e demais prova documental existente nos autos (referida supra), e se condene o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo artº. 152 do C. Penal.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, nos termos das conclusões referidas supra, com o que se fará Justiça.” Ao assim recorrido respondeu o Ministério Público e o arguido.
Refere o primeiro:
1. Não se verifica o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410.º,
n.º 2, al. c), do CPP, já que o mesmo tem de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, seguindo o processo decisório explanado na mesma, evidenciado pela motivação da convicção do tribunal.   
2. Ora, da leitura atenta da sentença proferida e ora colocada em crise, não resulta a existência do apontado vício, o qual, aliás, a recorrente não identifica cabalmente por referência ao/s elemento/s probatório/s que impunham, assinalar a contradição ou a imposição da tomada de decisão diversa.   
3. Não assiste razão à recorrente quanto à impugnação dos factos provados e não provados, os quais não resultam da prova produzida (no que concerne aos factos provados), ou ausência dela (no que respeita aos factos não provados). 
4. A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva e emocional, mas sim como uma valoração racional e crítica da prova produzida em audiência de julgamento, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, exige-se ao julgador a fundamentação da sua decisão, de forma a explanar as razões que conduziram à decisão tomada, o que foi feito - e bem feito - na sentença recorrida.
5. Da leitura da sentença recorrida, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática dos factos/crime pelo arguido, bem pelo contrário, resulta sim, que o Tribunal considerou não existir prova quanto à perpetração de tais factos/crime por parte do mesmo. 
6. A prova foi apreciada segundo as regras do art.º 127.º do CPP, com respeito pelos limites ali impostos à livre convicção, não só de motivação objectiva segundo as regras da vida e da experiência, e sem que se vislumbre que na apreciação da prova o tribunal tenha incorrido em qualquer erro lógico, grosseiro ou ostensivo.
7. O Tribunal a quo não violou o princípio da imparcialidade, sendo que a recorrente não concretiza, qualquer facto ou circunstância que não seja do puro domínio das meras conjecturas pessoais, sem apoio externo em factos objectivos ou actuações externas susceptíveis de revelar projecções com aptidão suficiente para quebrar a presunção da imparcialidade subjectiva. 
 Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, ser mantida a sentença recorrida, nos precisos termos em que foi proferida.”
Refere o segundo:
“ A. A assistente interpôs recurso da decisão que absolveu o arguido da prática de um crime de violência doméstica com base no que 
1) considera ser erro notório na apreciação da prova e a consequente impugnação da decisão de facto quanto aos factos julgados não provados e que, no entender da recorrente, deveriam ter sido dados como provados (pontos 1 a 11 dos factos não provados); e 
2) o que considera ser violação do princípio da imparcialidade, concretizada tão só na apreciação que o douto Tribunal a quo faz da prova produzida em julgamento.
Todavia,
B. Não existe qualquer erro de julgamento, pois que o douto Tribunal a quo entendeu e bem valorou toda a prova produzida, quer testemunhal, quer documental, não existindo qualquer contradição ou discrepância entre a prova produzida e a decisão quanto à mesma.
O que existe é tão só a formação de uma convicção no espírito do julgador que é em sentido contrário àquela que a recorrente queria, motivo pela qual esta, naturalmente, não concorda com a mesma. Todavia, toda a prova produzida foi escrutinada exaustivamente, analisada e apreciada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova mas balizada pelos depoimentos de todas as testemunhas (e não só as testemunhas que interessam à recorrente), pelas declarações da própria assistente e do arguido e pelas regras da experiência comum, inexistindo quaisquer contradições na douta decisão a quo, não tendo a recorrente qualquer razão quanto ao invocado erro na apreciação da prova, devendo a douta decisão de facto manter-se inalterada em todos os seus pontos.
C. No que respeita à alegada violação do princípio da imparcialidade, em momento algum da sentença recorrida transparece ou se vislumbra, em qualquer expressão ou frase, um qualquer desejo do Tribunal a quo em beneficiar o arguido, aqui recorrido, em detrimento da assistente, ou sequer a existência de qualquer juízo de valor quanto à mesma, limitando-se se a douta sentença a apreciar os factos trazidos a julgamento e as provas produzidas quanto aos mesmos, pelo que as alegações da recorrente são, também quanto a este ponto, manifestamente infundadas e insusceptíveis de produzir qualquer consequência quanto à douta decisão proferida a qual, de resto, a própria recorrente não indica.
Pelo exposto,
D. O recurso interposto pela assistente é manifestamente improcedente em todos os seus pontos, devendo este Venerando Tribunal ad quem confirmar integralmente a douta sentença que absolveu (e bem) o arguido da prática do crime de violência doméstica de que vinha acusado, só assim se fazendo a costumada Justiça.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis não deve ser dado qualquer provimento ao recurso da assistente, assim se mantendo a douta decisão que absolveu o arguido e fazendo-se JUSTIÇA!”
Os autos subiram a este Tribunal e nos mesmos teve visto o Ministério Público que lavrou parecer no sentido do recurso não merecer provimento.
 Os autos foram a vistos e à conferência.
*
II – Do âmbito do recurso e da decisão recorrida
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do Código do Processo Penal).
No caso concreto, analisadas as conclusões recursais as questões a decidir são:
a) A alteração da matéria de facto;
b) A existência de erro notório na apreciação da prova.
c) A questão da violação do princípio da imparcialidade.
É a seguinte a factualidade dada como assente e não assente na decisão recorrida, bem como a respectiva motivação:
A. O arguido e P _______ mantiveram uma relação amorosa, com coabitação, durante cerca de 13 anos, entre meados de 2006 e Julho de 2019. 
B. Desse relacionamento nasceu um filho, D_____ , em 19/04/2018.
C. Durante o relacionamento, o casal e o filho menor residiram na Rua … Oeiras, concelho de Oeiras.  
D. P_______ padece de esclerose múltipla.  
E. Em de Julho de 2019, o arguido decidiu separar-se de P_______ e abandonou a residência do casal.  
F. Em Janeiro de 2020, o arguido decidiu regressar à residência de P_______.  
G. No dia 08/05/2020, pelas 17h00, P_______ abandonou a residência do casal e levou consigo o filho menor de ambos.  
H. No dia 2/06/2020, o arguido foi internado compulsivamente em Psiquiatria, tendo tido alta após 30 dias. 
I. O arguido não tem antecedentes criminais. 
* 2.2. Factos não provados. 
Apreciada criticamente a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, julgam-se não provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa: 
1. Após o nascimento do filho menor, em 2018, o arguido começou a manifestar ciúmes excessivos de P_______ e pretendia controlar o dia-a-dia desta, condicionando a sua vida social e não permitindo que a mesma contactasse com a família.  
2. No entanto, sob o pretexto de visitar o filho menor, o arguido deslocava-se diariamente à residência de P_______, a qualquer hora, procurando saber com quem a mesma se encontrava e a que horas chegava a casa.  
3. O arguido regressou a casa dizendo a P_______ que tinha direito a permanecer no local. 
4. No início de Abril de 2020, devido ao estado de emergência que se vivia no país, como a ofendida passou a trabalhar em regime de teletrabalho, o arguido decidiu estabelecer horários de permanência e de circulação nas divisões da residência.  
5. Assim, o arguido proibiu P_______ de entrar na cozinha, diariamente, no período compreendido entre as 12h00 e as 14h15.  
6. Da mesma forma, o arguido proibiu P_______ de permanecer na sala de estar da residência, diariamente, após as 21h00.  
7. Quando P_______ entrava nas referidas divisões fora dos horários estabelecidos pelo arguido, este logo lhe dizia: “Desaparece, rebento-te toda”, “põe-te no caralho, tenho-te aversão”, o que sucedeu por várias vezes, em datas não concretamente apuradas.  
8. No dia 8/05/2020, pelas 14h00, na residência do casal, o arguido iniciou uma discussão com P_______ e disse-lhe: “rebento-te toda, põe-te no caralho, desaparece”.  
9. Nestas ocasiões e em todas as outras que P_______ teve de suportar, agiu o arguido com intuito de molestar psicologicamente a ofendida, condicionar o seu dia-adia, atemorizá-la, diminuir a sua honra e consideração, o que conseguiu, bem sabendo que as expressões por si proferidas são adequadas a causar medo e inquietação de que pudesse atentar contra a sua vida ou integridade física, como efectivamente causaram, e de lhe limitar a sua liberdade de movimentação. 
10. Sabia o arguido que actuava no interior da casa de morada de família, contra a sua companheira e mãe do seu filho menor e na presença deste, o que não o impediu de actuar como descrito.  
11. O arguido agiu em todas as circunstâncias descritas de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei. 
Motivação da decisão sobre a matéria de facto. 
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base na análise crítica, segundo as regras de experiência comum e juízos de normalidade, do conjunto da prova: 
- documental:
Auto de Denúncia de fls. 16-18; Documentos de fls. 1921, 37-42;
Aditamentos de fls. 48 e 58; Cota de fls. 65; 
Cópia de fls. 113-117, 127; 
Documentação clínica de fls. 118, 136; 
Assento de Nascimento de fls. 111; 
Documentos juntos com a contestação de fls. 176-226; 
Certificado de Registo Criminal do arguido; 
- testemunhal: - de acusação: C_______  (amiga da assistente) e AF_____ (irmã da assistente); 
- de defesa: ES_____ (amigo do arguido), EB_____ (mãe do arguido) e BCV_____ (prima do arguido); 
 Houve consenso entre arguido e ofendida quanto à veracidade e ocorrência dos factos supra enumerados em A, B, C e D, segundo declarações que se mostram corroboradas pelo teor do processado nos autos de menor que versaram sobre o filho de ambos a respeito da filiação e da residência. 
De igual modo, houve consenso entre arguido e ofendida quanto às datas de saída e de regresso do primeiro à casa de morada de família, bem como à saída definitiva da segunda dessa habitação. 
Registou-se uma divergência sobre quem teria tomado a decisão de terminar a união de facto, se por decisão unilateral do arguido ou por acordo de ambos, facto que em si que é irrelevante, por não ser ilícito típico. 
Todavia, considerando que a casa era arrendada, conforme ambos disseram, e que foi o arguido a mudar a sua residência, dá-se por assente que a decisão partiu desse sujeito, pois, segundo as regras de experiência comum, é mais comum sair da casa de morada de família quem pôs termo à vida em casal. 
Daí se julgarem provados os factos supra elencados sob as alíneas E), F) e G). Outrossim, houve consenso entre arguido e ofendida quanto à veracidade do teor do facto supra elencado sob a alínea H), cujo teor se mostra documentalmente demonstrado. 
A ausência de antecedentes criminais do arguido resulta do teor do seu certificado de registo criminal. 
O facto supra enumerado em 1 é vago e conclusivo, pois não concretiza o tempo, lugar e modo (o que teria dito e/ou feito) para controlar e condicionar a vida social e familiar da ofendida. 
Em todo o caso, tal facto foi negado pelo arguido e não foi relatado ou confirmado pela ofendida.
 A testemunha AF____ relatou duas situações em que, a seu ver, o arguido teria condicionado o convívio familiar da sua irmã (uma em que o arguido ter-se-ia oposto ao empreendimento de uma viagem automóvel com o filho bebé para que este passasse o primeiro Natal em Braga com a família materna, a pretexto de chover; outra em que o arguido proibira a presença da sua família no primeiro aniversário do filho). 
Não se pode extrapolar que o arguido era controlador e autoritário dessas duas condutas narradas, considerando o seu número ínfimo e o seu teor ambíguo, já que não é irrazoável que um pai suscite reservas ou se oponha ao empreendimento de uma viagem automóvel de Lisboa/Braga com o filho de 8 meses de idade num dia chuvoso de Inverno, bem como que não era obrigado a querer sempre conviver com os cunhados em termos que não concordasse, por falta de conveniência ou de interesse, para mais quando, segundo resultou de parte (ofendida e sua irmã) a parte (arguido e seus familiares), arguido e cunhada não se davam bem. 
O facto supra enumerado em 2 julga-se não provado, porquanto o arguido o negou e a ofendida não o relatou ou confirmou, tendo apenas referido que o primeiro a visitava diariamente para visitar o filho, o que, segundo as regras de experiência comum e a normalidade da vida, não pode ser visto como um pretexto, mas antes como um direito do bebé que, pela sua tenra idade, conviveria preferencialmente no seu domicílio, o qual também era casa de morada de família do pai visitante. 
O facto supra enumerado em 3 não é ilícito típico, não se revestindo de relevância jurídico-criminal. Sendo certo que o arguido tinha direito a habitar na casa de morada de família, a invocação ou o exercício desse direito, no momento do retorno a essa habitação, não configura uma pretensão abusiva ou uma imposição. 
Em todo o caso, o arguido negou a sua veracidade, tendo referido que retornou à casa de morada também a pedido e por conveniência da ofendida, pelas dificuldades que esta sentia em compatibilizar a sua vida familiar, o seu horário laboral e os efeitos nefastos da sua doença para a própria e para a segurança e bem-estar do seu agregado familiar, onde se incluía o filho bebe. 
E a verdade é que a ofendida disse que não concordou com tal regresso, mas que omitiu o relato de qualquer coerção ou imposição da parte do arguido com vista a impor uma visita e uma presença indesejada nessa casa.  Donde, julga-se não provado o facto supra enumerado em 3. 
Houve consenso entre arguido e ofendida que durante a coabitação na antiga casa de morada de família vigorava um horário estabelecido para certas divisões da habitação, como a cozinha. 
A ofendida referiu que assim o foi por decisão unilateralmente tomada e imposta pelo arguido, enquanto que este último mencionou que assim o foi por sua iniciativa, mas por decisão consensualmente tomada e executada por ambos. 
O arguido justificou a sua preferência pela utilização exclusiva pelo facto de ser ele a confeccionar as refeições de todos, incluindo da ofendida, de querer proteger o filho de acidentes domésticos próprios dessa divisão (queimaduras por acesso indevido à área do fogão, …) e por necessidade de ter privacidade e descanso na utilização permanente de uma casa a que ambos estavam confinados pela declaração do estado de emergência pela pandemia COVID-19. 
A ofendida referiu que esse horário fora imposto exclusivamente por necessidade do arguido, que o reivindicara para salvaguarda da sua privacidade e tranquilidade. A ofendida referiu que o arguido a proibia de aceder à cozinha, gritando-lhe as palavras descritas na acusação, dizendo-lhe que tinha aversão por ela e ameaçando-a nos termos descritos na acusação (pontos 12 e 13 desse libelo). 
O arguido negou ter gritado ou ameaçado nesses termos, muito menos em direcção à ofendida, tendo tão-somente referido que por vezes falava ou gritava com os tachos. 
Nenhuma das testemunhas ouvidas, seja da acusação ou da defesa, esteve presente durante essa coabitação do arguido e da ofendida, pelo que não presenciaram nada a esse respeito e apenas souberam dizer o que ouviram dizer de outrem, mais concretamente as testemunhas de acusação de ouvir dizer da assistente. 
Subsistindo duas versões contraditórias sobre os factos supra enumerados em 4, 5, 6, 7 e 8, não há outro meio de prova que tinha carreado informação adicional a esse respeito para além do email trocado a 06.05.2020 entre o arguido e a então advogada da ofendida, o qual se mostra junto a 19 a 21 dos autos. Aí o arguido aludiu a acontecimento que teria gerado nele um sentimento de aversão pela ofendida, a um horário de sua sanidade mental que funcionaria muito bem e só não evitaria “explosões” (sic) da sua parte quando seria vítima de provocações e intromissões da parte da assistente.
O teor dessa missiva electrónica não permite extrapolar que o mencionado horário tivesse sido imposto unilateral e coercivamente à ofendida e tivesse cumprido através das afirmações e ameaça constantes da acusação. 
A despeito da sua doença crónica, a assistente tinha autonomia de decisão e de acção na sua vida quotidiana, tanto assim que trabalhava e não teve qualquer dificuldade em sair de casa e em mudar o centro de vida para Braga, junto da sua família de origem, quando entendeu ser necessário ou conveniente fazê-lo à revelia do arguido.
Segundo disse, seja quando o arguido visitava o filho na antiga casa de morada de família, seja quando aí regressou e passou a coabitar, o arguido colocava distância entre ambos, alegação essa que é aliás coerente com o teor do referido email.
 Tal afastamento do casal separado, não sendo descabido num contexto de partilha de casa por duas pessoas separadas e reciprocamente alienadas durante prolongado confinamento por causa da pandemia COVID-19, é incoerente com a descrição de pessoa impositiva, intrometida, controladora e autoritária que a assistente fez do arguido. 
A afirmação de que a tudo acedia por medo, inclusive a comer as refeições que o arguido confeccionava por alegadamente ser autoritário, não se nos afigura ser muito plausível e coerente diante a constatação de que a assistente também foi tolerando e aceitando a coabitação com o arguido por lhe ser oportuno e vantajoso. Não tinha suporte familiar, pois a sua família de origem residia em Braga, necessitava de trabalhar enquanto cuidava de um bebé no primeiro ano da sua vida, o que era especialmente difícil por padecer de doença crónica e de vigorar um confinamento domiciliar de toda a sociedade pelo estado de emergência declarado pela pandemia COVID-19. Assim que conseguiu reorganizar a sua vida por forma a transferir o seu trabalho para Braga, e livre do confinamento domiciliário geral, o assistente planeou e executou livre e eficazmente a sua saída da sua antiga casa de morada de família, conforme resultou da apreciação conjugadas das declarações da própria, do arguido e seus familiares. 
Para tanto não se vislumbram outras razões que não tenham sido exclusivamente práticas, não se nos afigurando que tenha sido por medo que sucessivamente aceitou as visitas do arguido ausente na antiga casa de morada de família, o seu regresso a essa habitação e colher os frutos do contributo do arguido para a vida doméstica, comendo a comida que ele confeccionava e sendo desonerada de ter que cuidar permanentemente do filho com possibilidade de trabalhar. 
Note-se que uma porção destes actos é anteriores à presuntiva ameaça e às alegadas afirmações. Dando-se de barato que a vida doméstica e social tenha sido crescentemente difícil e onerosa, como foi para a generalidade das famílias e pessoas confinadas aos seus domicílios durante o estado de emergência declarado pela pandemia COVID-19, a prova produzida e examinada não fornece suficientes elementos para concluir que a ofendida tenha sido controlada, condicionada, atemorizada e, portanto, subjugada ao arbítrio e às acções do arguido. Tanto assim que a assistente não logrou concretizar factos suficientemente graves e reiterados do arguido que justificassem tais sentimentos ou a existência de coerção. O que sobressai das suas declarações é que teria medo porque, segundo disse, o arguido estava progressivamente doente, justificação essa que não explica objectivamente tal medo ou temor, muito menos por um acto desse sujeito processual. 
Subsistindo duas versões antagónicas a seu respeito, sem que qualquer uma delas mereça credibilidade em detrimento da outra, por falta de prova suficientemente corroborante, julgam-se não provados os factos supra enumerados em 4 (não assente porque não se provou que tenha sido por decisão do arguido), 5, 6, 7 e 8. Diante a falta de prova desses factos, julgam-se não provados os factos descritivos da consciência da ilicitude e do dolo, a par da produção do resultado ilícito típico, designadamente dos supra enumerados em 9, 10 e
11.”
*
III – Da análise dos fundamentos do recurso
Como é sabido, e resulta do disposto nos artº 368º e 369º ex-vi artº 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto, e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e depois dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do Código do Processo Penal.
Por fim, das questões relativas à matéria de Direito.
Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas pelo recorrente.
A recorrente impugnou de forma alargada a matéria de facto provada e não provada tendo-o feito em obediência ao disposto no art. 412.º, n.º 3, 4 e 6, do CPP.
Mostra-se perfeita a impugnação feita.
Resta saber se existem razões que levem a desconsiderar os depoimentos como o Srº Juiz o fez, sendo certo que a aceitação dos mesmos levará a que os pontos impugnados no que tange aos actos objectivos do crime de violência doméstica sejam dados como provados.
Como se decidiu no Ac. STJ, de 09-02-2012, Proc. 1/09.3FAHRT.L1.S1, in www.dgsi.pt   “A sentença, segundo o modelo paradigmático do art. 374.º, n.º 2, do CPP, leva a cabo a narrativa, condensada na fundamentação, de facto e de direito, especificando os factos provados e não provados, com o propósito de assegurar que todos os factos resultantes da acusação e da defesa e emergentes da decisão da causa foram objecto de apreciação, bem como de uma exposição, tanto possível completa, ainda que concisa, das razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, seguindo um exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção.
Essa motivação é o resultado da livre apreciação da prova, que sem limitar o juiz o corresponsabiliza, levando a um “salutar autocontrole“ (cfr. Sérgio Poças, Da Sentença Penal, Fundamentação de Facto, Rev. Julgar, Setembro –Dezembro de 2007, T3, pág. 35), da legalidade e justiça das provas, explicitando às partes e ao Tribunal de recurso as suas razões decisórias, concorrendo para a celeridade processual, bem como à comunidade as razões da decisão.
O exame crítico das provas é, em resultado de um juízo apriorístico sobre o seu valor, o pressuposto de formulação de uma relação de igualdade entre elas ou hierárquica, a fundamentar o porquê de umas merecerem o mesmo valor ou valor superior a outras, conducente ao seu detrimento, na formação da convicção probatória, levando, ainda ao conhecimento das provas que foram apreciadas, para, a final, se conhecer o processo lógicoracional, em globo, seguido pelo juiz”.
Na decisão sobre a matéria de facto existe sempre uma álea, um espaço de decisão unicamente subjectivo que é irrecorrível, em que a liberdade de decisão do juiz é inultrapassável.
Assim acontece naquelas situações em que, existindo várias explicações possíveis para um facto, o juiz opta por uma delas. No entanto, esta inquestionável liberdade está sujeita a um pressuposto: o de que seja justificável. 
Dito de outra forma: se de entre as várias explicações possíveis o juiz escolhe uma esta será inatacável (por se tratar da liberdade de convicção do juiz) se a opção for justificável.
Ora, no caso concreto, iremos analisar, ponto por ponto se o Srº Juiz utilizou de forma correcta o disposto no artº 127º do C.P.P., a saber as regras da experiência e a prova estabelecida nos autos.
Quanto ao ponto A o Tribunal deu-o como assente porquanto haveria acordo entre arguido e assistente.
O ponto “A” reza o seguinte: “O arguido e P _______ mantiveram uma relação amorosa, com coabitação, durante cerca de 13 anos, entre meados de 2006 e Julho de 2019.”
Acontece que das declarações da assistente, da testemunha AF______ e do arguido, respectivamente a 00:00:37 a 00:01:05, 00:00:36 a 00:01:01 e 00:04:40 a 00:04:55 dos respectivos depoimentos resulta que a relação durou 15 anos, desde finais de 2004 até Julho de 2019.
Assim, alterar-se-á o ponto “A” passando do mesmo a constar “O arguido e P _______ mantiveram uma relação amorosa durante cerca de 15 anos, desde finais de 2004, com coabitação a partir de meados de 2006, até Julho de 2019”
Quanto ao ponto “E”, cuja redacção actual é “Em Julho de 2019, o arguido decidiu separar-se de P_______ e abandonou a residência do casal”, também o mesmo terá de ser alterado.
Na verdade, o Tribunal nesta parte refere que “(…) considerando que a casa era arrendada, conforme ambos disseram, e que foi o arguido a mudar a sua residência, dá-se por assente que a decisão partiu desse sujeito, pois, segundo as regras de experiência comum, é mais comum sair da casa de morada de família quem pôs termo à vida em casal (…)”
Ora, tal facto não constitui uma regra da experiência comum.
As regras da experiência “são noções da experiência comum, aquele conjunto de noções, informações, regras, máximas, apreciações, que representam o património da cultura média que habitualmente se designa como “senso-comum” (Taruffo, La motivazione della sentenza civile, Padua, 1975, p. 242). O juiz deve formular as regras sem se basear em critérios pessoais arbitrários, escolhendo de modo correcto qual, de entre as diversas regras da experiência, é aplicável ao caso concreto, tendo em conta as particularidades deste. Deve aplicar a regra que melhor se adapte ao caso em questão, e decidir segundo a sua consciência, o bom senso e a sua experiência da vida. Como lhe prescreve o artigo 127º (livre apreciação da prova) do CPP: salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Ora, o simples facto de alguém abandonar uma casa morada de família não significa que deseje o fim de uma relação. Pode indiciar o facto mas não é uma regra. A saída pode ter milhentas razões, até uma agressão. Imagine-se que a assistente, num fito de desespero expulsa, à pancada, o arguido de casa. Poder-se-ia dizer que foi ele, arguido, quem quis terminar a relação ?
Assim, o ponto “E” será alterado passando a nele constar “Em de Julho de 2019, o arguido e P_______ separaram-se tendo o arguido abandonado a residência do casal.  
Quanto aos pontos 1 a 8 e, por arrastamento, 9 a 11 dos factos não provados.
Do ponto não provado 1 consta “Após o nascimento do filho menor, em 2018, o arguido começou a manifestar ciúmes excessivos de P_______ e pretendia controlar o dia-adia desta, condicionando a sua vida social e não permitindo que a mesma contactasse com a família.”
A recorrente não põe em causa que deva ser dado como não provado que “o arguido começou a manifestar ciúmes excessivos de P_______”.
Quanto ao mais entende que deve ser dado como provado.
O Tribunal refere que “o facto supra enumerado em 1 é vago e conclusivo, pois não concretiza o tempo, lugar e modo (o que teria dito e/ou feito) para controlar e condicionar a vida social e familiar da ofendida.”
Na verdade, sem mais o facto é vago. Acontece que o mesmo não pode ser dissociado da demais factualidade e conquanto o mesmo traduza uma conclusão esta conclusão é a retirar da demais factualidade, esta sim concretizada.
O Tribunal refere ainda com reporte a este facto que “A testemunha AF____ relatou duas situações em que, a seu ver, o arguido teria condicionado o convívio familiar da sua irmã (uma em que o arguido ter-se-ia oposto ao empreendimento de uma viagem automóvel com o filho bebé para que este passasse o primeiro Natal em Braga com a família materna, a pretexto de chover; outra em que o arguido proibira a presença da sua família no primeiro aniversário do filho). Não se pode extrapolar que o arguido era controlador e autoritário dessas duas condutas narradas, considerando o seu número ínfimo e o seu teor ambíguo, já que não é irrazoável que um pai suscite reservas ou se oponha ao empreendimento de uma viagem automóvel de Lisboa/Braga com o filho de 8 meses de idade num dia chuvoso de Inverno, bem como que não era obrigado a querer sempre conviver com os cunhados em termos que não concordasse, por falta de conveniência ou de interesse, para mais quando, segundo resultou de parte (ofendida e sua irmã) a parte (arguido e seus familiares), arguido e cunhada não se davam bem”
Ora, repete-se, o facto em si é vago mas a verdade é que a afirmação do facto não advém das suas situações referidas pelo Tribunal mas sim da conduta do arguido, especialmente aquela que ocorreu desde o regresso do arguido após a primeira saída e o terminus da relação.
Assim, e por ora, deixemos de lado este facto.
Passando ao facto não provado 2 este julgou-se não provado, porquanto o arguido o negou e a ofendida não o relatou ou confirmou, tendo apenas referido que o primeiro a visitava diariamente para visitar o filho, o que, segundo as regras de experiência comum e a normalidade da vida, não pode ser visto como um pretexto, mas antes como um direito do bebé que, pela sua tenra idade, conviveria preferencialmente no seu domicílio, o qual também era casa de morada de família do pai visitante.
Ora, não corresponde à verdade que assim haja sido. Sobre esta questão foi ouvida a testemunha AF______ cujo depoimento não foi posto em causa pelo Tribunal.
Ouvida a mesma esta referiu:
“ [00:05:20] AF______ : Pronto, quando eles se separaram, ele continuava a frequentar a casa diariamente às horas que ele entendia. Pronto, isso era algo que nós (imperceptível) discutíamos, que achávamos que não era normal. Uma vez que eles estavam separados, que deveria haver um respeito mínimo no acesso à habitação. O que a minha irmã me relatava era que de facto o que ele dizia era: como aquela era a habitação do filho e tinha sido a morada de família, que tinha todo o direito.
Ele tinha a chave de casa, ele entrava...

[00:06:27] Srª. Procuradora: Portanto, mas a razão de o senhor RFDA_____  se dirigir a casa àquelas horas era para ver o filho?
[00:06:33] AF______ : Supostamente, alegadamente, a desculpa, sim, era para estar com… com o filho.
[00:06:37] Srª. Procuradora: Mas havia alguma atitude que o senhor RFDA_____  tivesse que levasse a crer que era outra intenção que não fosse ver o filho?
[00:06:44] AF______ : A intenção era para estar com filho, mas o… o que era relatado era que eram de facto… ahhh… “Chegaste tarde do trabalho. Onde é que andaste? Estou aqui com o teu filho, nunca mais chegas.” Aproveitava estes momentos para, mais uma vez, (imperceptível), humilhar. Eram sempre momentos de grande tensão, não eram de… Numa situação normal, até poderia ser facilitador, não é?, nos cuidados a prestar à criança e pelos horários que tinham, mas eram sempre momentos que eram de grande tensão, ou porque ela chegava do trabalho às nove e é muito tarde e é preciso dar o jantar, é preciso dar-lhe banho, pronto…
[00:07:20] Srª. Procuradora: Ele era controlador nos horários, é isso?
[00:07:21] AF______ : Controlador, muito controlador. Continuou a ser muito controlador nos horários.”
Obviamente que este depoimento é indirecto. A testemunha não presenciou estes factos mas sim e apenas tem conhecimento de causa por via da assistente.
O depoimento relevante é o da assistente que relata estes factos.
O Tribunal contende que neste particular é a palavra da assistente contra a palavra da arguida.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-05-2010, proc. 1379/07.9PBGMR.G1 in www.dgsi.pt  “(…) quando o tribunal não dispuser de outra prova, as declarações de uma única testemunha, seja ou não vítima, de maior ou menor idade, opostas, em maior ou menor medida, ao do arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória se depois de examinadas e valoradas as versões contraditórias dos interessados se considerar aquela versão verdadeira em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso. O velho aforismo “testis unus testis nullus”, carece, pois, de eficácia jurídica num sistema como o nosso em a prova já não é tarifada ou legal mas antes livremente apreciada pelo tribunal [sobre aquela regra unus testis, testis nullius, cujas origens remontam a Moisés, as criticas que lhe foram sendo dirigidas ao longo da história (De Arnaud, Blackstone, Bentham, Meyer, Bonnier), a sua abolição e a possibilidade de um único depoimento, nomeadamente as declarações da vítima, poderem ilidir a presunção de inocência e fundamentarem uma condenação, cfr., desenvolvidamente, Aurélia Maria Romero Coloma, Problemática de la prueba testifical en el proceso penal, Madrid, 2000, Cuadernos Civitas, págs. 69 a 91; muito antes, no domínio do processo civil português, Alberto dos Reis afirmara que “No seu critério de livre apreciação o tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ela tenham deposto várias testemunhas” (Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, reimp., Coimbra, 1981, pág. 357)]. 
Neste contexto, entendemos que o recurso da matéria de facto, assim, formulado permite que os poderes de cognição do tribunal de recurso se estendam à matéria de facto indicada e que, sendo o recurso, nessa parte, procedente, venha a ser modificada a decisão quanto a ela tomada na 1ª instância (artigo 431º, alínea b), do Código de Processo Penal). 
Ora, se tivermos presente que o próprio arguido, em e-mail enviado à anterior mandatária da assistente reconhece que tinha aversão à assistente e que estabelece horários rígidos de uso de divisões da casa, estamos em condições de validar as afirmações da assistente nesta matéria, secundadas que são pelo depoimento da testemunha AF______ .
Assim, o facto 2 não provado passará a provado.
No que respeita ao facto 3.
Ali se fez constar que “o arguido regressou a casa dizendo a P_______ que tinha direito a permanecer no local”.
O Tribunal fundamentou a sua posição sustentando que “O facto (…) enumerado em 3 não é ilícito típico, não se revestindo de relevância jurídico-criminal. Sendo certo que o arguido tinha direito a habitar na casa de morada de família, a invocação ou o exercício desse direito, no momento do retorno a essa habitação, não configura uma pretensão abusiva ou uma imposição. Em todo o caso, o arguido negou a sua veracidade, tendo referido que retornou à casa de morada também a pedido e por conveniência da ofendida, pelas dificuldades que esta sentia em compatibilizar a sua vida familiar, o seu horário laboral e os efeitos nefastos da sua doença para a própria e para a segurança e bem-estar do seu agregado familiar, onde se incluía o filho bebe. E a verdade é que a ofendida disse que não concordou com tal regresso, mas que omitiu o relato de qualquer coerção ou imposição da parte do arguido com vista a impor uma visita e uma presença indesejada nessa casa”.
Vejamos.  
Não é correcto afirmar que a pretensão do arguido regressar à casa não fosse uma imposição. Tendo saído de casa e pretendendo regressar e tendo esbarrado no não querer da assistente a sua entrada em casa é uma imposição.
Aliás, e pelos vistos, das declarações da assistente resulta que a mesma não queria o arguido em casa e foi este que se impôs e esta imposição traduz-se numa violência pois que a assistente foi, na prática, obrigada, a sofrer o arguido e mais. Foi obrigada a prescindir a sua privacidade em prol do arguido. Já o direito à casa afirmado pelo Tribunal a quio não é implementado com a entrada do arguido pela porta dentro mas sim com a ida a Tribunal para que se determine quem pode usar a casa dada a separação e o vínculo de arrendamento existente.
Aliás a fundamentação neste particular roça a contradição quando aceita que o arguido retornou a casa a pedido e por conveniência da assistente e, ao mesmo tempo, refere que a assistente não concordou com o regresso.
Ora, o que resulta óbvio é que a assistente não queria o arguido em casa Neste sentido pode ver-se o depoimento da assistente P – gravação áudio concretamente nos minutos 00:02:55 a 00:04:27 e da testemunha AF______ - gravação áudio concretamente nos minutos 00:07:27 a 00:08:32.
Pela assistente foi afirmado: 
[00:02:55] P_______: Foi uma relação sempre pautada por alguma instabilidade. Tivemos muitos inícios, … ele tinha a chave para entrar e sair –, até 2020, Janeiro de 2020, que ele regressou à habitação porque, segundo o que me disse, onde estava tinha acabado o contrato e não tinha onde ficar e não queria ir para casa da mãe, dizia ele, porque não tinha condições, e que tinha que vir para… para aquela casa, porque era onde estava o filho e porque nós na altura partilhávamos as despesas e por isso tinha o direito de estar lá em casa. E as coisas depois agravaram-se a partir de Março com o confinamento.

[00:07:27] Srª. Procuradora: E depois de o senhor RFDA_____  ter regressado a casa, sabe se ele… Perdão. Sabe se ele regressou, se não regressou?
[00:07:34] AF______ : Regressou a… Regressou a casa em Janeiro, mais ou menos, de 2020.
[00:07:39] Srª. Procuradora: Sim.
[00:07:40] AF______ : Nós, enquanto família, sempre expressamos o nosso total desacordo com… com essa situação. Ahhh…
[00:07:51] Srª. Procuradora: E a sua irmã?
[00:07:52] AF______ : Diga?
[00:07:53] Srª. Procuradora: E a sua irmã?
[00:07:54] AF______ : Ela também expressou que era contra a vontade dela. E ele alegava que não tinha onde ficar e mais uma vez alegava que como contribuía para as despesas, na altura ainda não estava reguladas, não é?, mas de… não é?, de subsistência do D_____ e como a morada fiscal dele ainda estava naquela residência, que era dele o direito de permanecer. …”
Assim porque nenhuma prova infirma as afirmações feitas pela assistente e pela testemunha, o facto não provado 3 passará ao elenco dos factos provados.
No que respeita aos factos 4 a 8 a prova é exuberante da sua verificação.
A fixação dos horários resulta óbvia das declarações da assistente e do próprio mail que o mesmo enviou em 06.05.2020 e que consta da refª citius 10078053.
Ali o arguido refere expressamente que: 
Este Acontecimento, gerou em Mim um Sentimento de Aversão à Mãe do Diogo! Por isso, Criei o Meu Horário de Sanidade Mental na Minha Residência Fiscal. Entro na Cozinha às 12h e saio de Casa às 14h15m. Volto a Casa às 17h para o Diogo andar de bicicleta e volto a sair às 19h. Regresso a Casa para jantar às 21h30m.
Este Método está a resultar multo bem e só tem havido explosões da minha parte, quando a Mãe do Diogo de forma Provocatória, Invade a Minha Privacidade !!!
Mal se consegue perceber que o Tribunal a quo tenha dado como não provado a matéria dos pontos 4 a 6 quando o arguido é o próprio a admitir a mesma.
Aliás, o Tribunal a quo sustenta a sua posição no facto de ser a palavra do arguido contra a da assistente mas é óbvio que assim não é.
Repete-se: a dúvida só é legitima se insuperável. Se existe prova que permita concluir por uma das versões não há dúvida. Há prova.
E ao contrário do defendido pelo Ministério Público na sua resposta estas questões não têm a ver com a liberdade de julgamento e apreciação probatória. A questão que se coloca é a de um erro na apreciação da prova.
Tanto a forma como os factos não provados 4 a 6 foram apreciados está errada como a forma como os pontos 7 a 11 foram apreciados está errada.
Estes pontos basicamente respeitam à forma como o arguido agiu quando a sua privacidade (nas suas palavras) era invadida pela assistente.
O mesmo refere que tinha “explosões” mas nunca explicou o que quer que estas sejam quando instado pelo Tribunal 
Aliás, o arguido porque não pode ser perseguido criminalmente pelos desaforos que diz refere que refilava com os tachos.
Quando instado disse mesmo que:  
[00:22:30] RFDA_____  : Portanto, nessas flutuações de humor e provocações a que eu era sujeito (imperceptível), eu, sabendo da patologia da  P______ , tentava-me controlar (imperceptível), porque também estava ali a criança, não é?, o meu filho, o nosso filho, e não era saudável eu estar a discutir com a mãe do meu filho. De qualquer das formas, confesso que houve nessa altura (imperceptível). Dei por mim, pronto, a desabafar com os tachos. E é nessa altura que eu começo a tomar Valdispert, porque, pronto, também devido ao confinamento, estava muito cansado, muito fatigado devido, pronto, à própria situação que todos nós estamos a viver. Por acaso, o meu escape por vezes eram os tachos, não é? Tinha que falar com alguém e eram os tachos. E… 
[00:23:26] Sr. Juiz: Era os?
[00:23:27] RFDA_____  : Os tachos. As panelas da cozinha, pronto, estava a desabafar.
Eventualmente, quando eu dou por isso, começo a tomar Valdispert, porque eu… eu aí…
[00:23:35] Sr. Juiz: Valdispert?
[00:23:37] RFDA_____  : Valdispert.
[00:23:37] Sr. Juiz: Mas isso é um (imperceptível)? Isso é um medicamento natural, é?
[00:23:41] RFDA_____  : Exacto. Para…
[00:23:42] Sr. Juiz: Pronto.
[00:23:43] RFDA_____  : Para conseguir-me manter…
[00:23:45] Sr. Juiz: Pronto.
[00:23:45] RFDA_____  : …calmo…

[00:40:33] Advogada Assistente: Pronto, se o arguido também não conseguir explicar isso, também… Pronto, acho que acaba por ter razão, realmente não vale a pena esmiuçar, porque já perguntei duas vezes e (imperceptível). De qualquer forma e voltando ao e-mail, diz assim: “Este método está a resultar”, o método da separação dos horários. “Este método está a resultar muito bem e só tem havido explosões da minha parte quando a mãe do D______ , de forma provocatória, invade a minha privacidade.” Eu só quero perceber que explosões são estas.
[00:40:59] Sr. Juiz: Explosões…
[00:41:00] RFDA_____  : Eram explosões que eu… tenho… tive com… com ela. Não foi para ela, obviamente, como eu já referi. Eu, na cozinha, quando me sentia ali no meio dos tachos, pronto, dizia coisas para os tachos. Por isso é que eu tomei… tomava Valdispert, que eu não tive consciência que estava a falar com… com tachos. Quer dizer, ninguém consegue viver numa casa…
[00:41:21] Advogada da Assistente: Que expressões é que usava com os tachos?
[00:41:25] RFDA_____  : Ouça, isso em… em rigor não me lembro. Até porque eu, depois, devido ao rapto do meu filho, entro em psiquiatria e, portanto, e há muita coisa que também não consigo afirmar. Portanto, uma coisa é certa, eu convivi com a  P______  quinze anos…”
Ora, remetendo-nos às regras da experiência a que o Tribunal a quo se refere alguém aceita como razoável o que o arguido diz ?
Falava com os tachos ? 
Das duas uma: ou o arguido tinha um problema de saúde e achava que estava no País das Maravilhas onde os bules de chá e os tachos alegremente saltitavam na cozinha ou está a mentir.
Inclinamo-nos para a segunda opção.
A explicação que se adapta à normalidade da vida é a de que as “explosões” eram dirigidas à pessoa que invadia o seu espaço.
Na verdade, sobre esta questão vejam-se os seguintes depoimentos não contrariados por nenhuma prova:
[00:13:10] P_______: A partir de Março, com o confinamento, é que se agravou. Agravou-se (imperceptível), nós estávamos em casa, ele dizia que tinha que trabalhar, eu tinha que sair com o meu filho de casa. E então, olhe, andava de carro com ele, durante a pandemia (imperceptível) imensas limitações, andava com ele de um lado para o outro, para tentar darmos o tempo, porque eu tinha uma hora, só podia chegar a casa àquela hora. Depois, ainda se agravou mais, em que ele começou a desaparecer (imperceptível) de noite. Eu dizia: “Vê lá o que é que andas a fazer. Olha que nós estamos em pandemia.” Não… Ele não dizia para onde é que ia. Depois, começou… começou a levar o filho, eu não sabia para onde. E depois chegou ao ponto em que ele me proibiu de andar pela casa. Os horários era das dez ao meio dia, eram do meio dia às duas, que ele estava na cozinha, eu não podia entrar. Depois das nove da noite eu não podia circular mais na casa, tinha ficar no quarto. Tinha que ficar lá fechada com o filho, não podia sair da divisão.
[00:14:02] Srª. Procuradora: Se a senhora quisesse ir beber um copo de água, não podia sair…
[00:14:04] P_______: Tentei uma vez.
[00:14:05] Srª. Procuradora: …do quarto?
[00:14:05] P_______: Tentei uma vez sair para a sala. Ele gritou comigo… ahhh… (imperceptível). Ele dizia-me: “Eu tenho-te aversão, tu destróis a minha vida”, e gritava de forma que eu tive medo, eu tive medo (imperceptível).
[00:14:20] Srª. Procuradora: Se a senhora pretendesse sair do seu quarto a partir das nove da noite, a senhora não poderia sair do seu quarto.
[00:14:26] P_______: Sim.
[00:14:28] Srª. Procuradora: A senhora queria ir à casa de banho…
[00:14:29] P_______: Bem, eu não saía.
[00:14:32] Srª. Procuradora: A senhora queria ir à cozinha…
[00:14:32] P_______: (imperceptível), não saía de lá. Não era… Não me era permitido passar pela sala onde ele estava.
[00:14:39] Srª. Procuradora: A senhora disse que fez só uma vez, correcto? A partir de…
[00:14:42] P_______: Não ousei mais.
 [00:14:44] Srª. Procuradora: Diga?
[00:14:44] P_______: Tive medo. Não ousei mais (imperceptível).
[00:14:45] Srª. Procuradora: Ah, fez uma vez. E quando a senhora passou ou foi à sala, estava lá o arguido…
[00:14:49] P_______: Ia para a sala. Ia sentar-me na sala. Foi de repente. De um dia para o outro, ele disse-me que eu não posso estar ali, não posso estar na sala, não posso sair do quarto.

[00:15:05] Srª. Procuradora: Esse horário… Qual era o horário?
[00:15:08] P_______: Foi fixado por ele. Era do meio-dia às duas. Não podia entrar na cozinha. Eu se quisesse dar o almoço ao meu filho tinha que bater à porta da cozinha para ele me dar (imperceptível).
[00:15:15] Srª. Procuradora: Mas quem é que fazia as refeições lá em casa?
[00:15:17] P_______: Era ele. Ele é que era o controlador. Ele é que sabia, eu não sabia.
[00:15:22] Srª. Procuradora: Sim, mas fazia as refeições para ele, para ele e para o filho ou para ele, para o filho e para si?
[00:15:25] P_______: Ele fazia. Ele cozinhava, depois saía e dizia assim: “Se quiseres, tens lá dentro, podes comer.”
[00:15:35] Srª. Procuradora: Pronto. Mas a senhora então não entrava na cozinha…
[00:15:37] P_______: (imperceptível).
[00:15:38] Srª. Procuradora: …nessa altura porque ele estava lá a cozinhar, é isto?
Pronto. Então, e no resto da divisão, e no resto da casa?
[00:15:46] P_______: (imperceptível) na parte dos quartos. Eu não podia sair do quarto a partir das nove…
[00:16:02] Srª. Procuradora: Não faz mal. Olhe, e então, e o que é que aconteceu dessa vez que a senhora saiu do quarto e decidiu ir para a sala e estava lá o arguido?
[00:16:11] P_______: É o que eu disse, ele gritou-me imenso. Eu sei que se eu tivesse a possibilidade de, de… conhecesse a vizinha de baixo, ela teria muito que contar.
[00:16:19] Srª. Procuradora: Pronto. Mas olhe…
[00:16:19] P_______: Era muita gritaria.
[00:16:23] Srª. Procuradora: Diga-me lá só uma coisa. Quantas vezes é que a senhora saiu do seu quarto a partir das nove ou que tentou entrar na cozinha e que o arguido lhe dirigiu palavras?
[00:16:38] P_______: Eu, do quarto, a partir das nove da noite, foi uma vez.
[00:16:42] Srª. Procuradora: Uma vez.
[00:16:43] P_______: Pronto.
[00:16:44] Srª. Procuradora: E o que é que ele lhe disse…
[00:16:44] P_______: Não fui mais, tive medo.
[00:16:45] Srª. Procuradora: …concretamente?
[00:16:46] P_______: Disse-me: “Eu tenho-te aversão. Sai da minha vida, desaparece daqui. Estragas a minha vida.” E disse: “Isto é o meu tempo, isto é o meu momento, sai daqui.”
[00:16:59] Srª. Procuradora: Para além desta… deste… alguma vez ele a ameaçou?
[00:17:05] P_______: Ele dizia-me: “Tenho-te aversão, (imperceptível) eu desfaço-te toda.”
[00:17:41] Srª. Procuradora: Além deste facto que aqui referiu uma vez, houve mais alguma vez que ele tenha gritado consigo que a senhora circulava na casa?
[00:17:50] P_______: (imperceptível) na cozinha, no período entre o meio-dia e as duas.
[00:17:56] Srª. Procuradora: O que é que lhe disse concretamente?
[00:17:58] P_______: Eu disse que precisava de ir preparar a comida do menino. “Tu sai-me daqui que este é o meu horário.” Ele… Ele fixava… Sempre disse: “É o meu horário, por isso, sai.”
[00:18:08] Srª. Procuradora: Mais alguma coisa?
[0018:10] P_______: “Tu... Tu és sempre a mesma coisa.” Era: “Sai da minha vida, sai daqui. Tu estragas a minha vida”, sempre, era o que ele dizia sempre, repetidamente, “Eu tenho-te aversão.”
[00:18:25] Procuradora: E a senhora… Quem é que ficou lá em casa depois destes factos? A senhora acabou por abandonar a casa?
[00:18:29] P_______: Sim. Eu… Eu cheguei a telefonar para a APAV e tudo, porque eu não conseguia. Eu (imperceptível) muito tempo e tudo isto, eu nem conseguia perceber se isto era violência. Eu telefonei para a APAV desolada, a chorar, para perceber se isto era violência doméstica, aquilo que eu estava a viver. Disseram-me: “Sim, isso é violência doméstica.” Pediram… Perguntaram-me se eu precisava de apoio, o que é que eu precisava e…
[00:20:36] Srª. Procuradora: …a relação começou a deteriorar-se, até Maio, portanto, em dois meses, quantas vezes é que a senhora porventura entrou na cozinha e que terá ouvido palavras menos agradáveis por parte do senhor RFDA_____ ?
[00:21:17] P_______: Diariamente. Não por eu entrar na cozinha ou por eu sair às nove da noite. Toda a coexistência quando estávamos naquela casa eu não podia falar para ele, eu não podia dizer nada, eu tinha que ser transparente. Se ele me visse, qualquer coisa para ele era o suficiente para… Eu tinha medo de falar. Eu… Eu tinha medo de… de mostrar que estava lá. Qualquer coisa que eu dissesse tinha esse tipo de respostas.
[00:23:02] Srª. Procuradora: E a senhora lembra-se de algum dia em concreto em que isso tenha acontecido? Já disse que aquilo foi diariamente, entre Março a Maio, portanto, até à…
[00:23:10] P_______: Agravando-se em Abril. Agravou-se sobretudo em Abril.
Em Março começou a implicar, em Abril foi um horror.
[00:23:21] Srª. Procuradora: E essa foi a razão que a senhora saiu de casa…
[00:23:23]P_______: Eu tive medo.
[00:23:23] Srª. Procuradora: …ou houve outra razão qualquer?
[00:23:24] P_______: Eu morava num quinto andar. A partir de um momento eu já não o reconhecia. Agitava-se, era agressivo, muito agressivo. E depois (imperceptível) eu tinha medo. Eu tive muito medo por mim e pelo meu filho. Eu tentei (imperceptível) que o meu filho tivesse o pai e… Mas eu percebi que não dava, era só eu a esforçar-me e estava a ficar um caco.
[00:25:06] Advogada da Assistente: E os horários, esses horários que foram estabelecidos também foram de comum acordo…
[00:25:10] P_______: Não.
[00:25:11] Advogada da Assistente: …para não haver discussões?
[00:25:14] P_______: Não.
[00:25:15] Advogada da Assistente: Foi de comum acordo que estabeleceram?
[00:25:16] P_______: Não. (imperceptível) (imperceptível) às vezes (imperceptível) ao meu filho. Não podia estar na cozinha. (imperceptível), nem que às nove da noite eu ia para a cama e ficava ali (imperceptível) fechada no quarto.
[00:27:56] Advogada da Assistente: Olhe,  P______ , depois, quando saiu de casa, houve assim alguma gota de água? O que é que a fez sair? A  P______  estava bem, (imperceptível)? O que é que aconteceu para entretanto sair de casa?
[00:28:08] P_______: Eu sentia-me muito fragilizada, chorava por tudo e por e por nada. (imperceptível) “Eu desfaço-te toda” (imperceptível).
[00:28:21] Advogada da Assistente: Mas (imperceptível)?
[00:28:25] P_______: A dada altura, sim, tive medo. Tive medo, pela minha segurança e pelo D______ . 
[00:28:29] Advogada da Assistente: Alguma vez ele usou de violência física?
[00:28:31] P_______: Nunca, nunca. Mas ficou gravado (imperceptível). “O desfaço-te toda” marcou-me. Foi a última coisa que eu ouvi da voz dele.
[00:28:38] Advogada da Assistente: E achava que…?
[00:28:39] P_______: Que ele poderia ser capaz. Estava a ver as coisas (imperceptível) que eu achei que poderia (imperceptível).

[00:08:27] C______ : Não, ela não estava de todo confortável, porque sabia que ia continuar a ser manipulada pelo RFDA_____  na questão dos horários. Porque ele… O RFDA_____  tem que programar todo o seu dia e, e… e tem que fazer as coisas à sua maneira, criando muita pressão na  P______ e desgaste emocional, psicológico. Até que as coisas começaram a ficar muito complicadas e ele começou, segundo a  P______ a… a ser realmente mais agressivo na forma como se dirigia a ela, insultando-a…
[00:09:10] Srª. Procuradora: A senhora lembra-se de algum episódio em concreto que ela lhe tenha relatado?
[00:09:15] C______ : Ahhh… É difícil, já passou algum tempo. Mas sim, há vários. Deixe-me só lembrar… Bom, o… o que eu tenho mais presente foi… O que tenho mais presente foi dos últimos. Portanto, foi na semana em que a  P______  decidiu ir para Braga, em que ela me ligou a chorar compulsivamente e a dizer: “C_____, o RFDA_____  não está bem. Ele acabou de me ameaçar, dizer que me desfazia, que a…” e que “eu vou ligar ao Apoio à Vítima”. E isto foi uma coisa que a  P______ , pronto, nunca tinha considerado. Nunca tinha ouvido a  P______  a dizer tal coisa. Porque, apesar de tudo, apesar de toda… de toda esta chantagem emocional que o RFDA_____  foi sempre fazendo ao longo dos anos, tentando sempre levar a melhor, (imperceptível) a  P______  como gostava bastante dele, via-se… foi tentando sempre amenizar a situação, e depois do nascimento do D_____ a mesma coisa, tentando sempre encontrar soluções para, para… para o bem da família. E… E portanto, eu percebi nessa altura que a situação era realmente grave, porque realmente tinha sido uma ameaça muito concreta: ele disse que a desfazia. E, portanto, eu disse: “ P______ , para já…” Ela, entretanto, veio para a minha casa, porque estávamos ali dois prédios ao lado. E… E tentamos ver o que podíamos fazer, porque ela não podia continuar naquela situação, já era… já era uma… já se sentia fisicamente ameaçada. Portanto, veio para minha casa. Falamos… Entretanto, pensamos em ir à polícia. Entretanto, repensamos. E como tenho um advogado da família, disse: “Olha, vamos ver…” [00:11:35] Srª. Procuradora: …ela abandona a residência, correcto? Olhe, e porque é que ela saiu? Ela saiu de casa. E a senhora sabe por que razão é que ela saiu de casa e, pronto, para onde é que a  P______  foi, a dona  P______ ?
[00:11:49] C______ : Sim, ela saiu de casa porque sentiu-se fisicamente a, a… psicologicamente ameaçada pelo RFDA_____ . Porque ele, nas suas palavras, não estava em si. Portanto, ela temeu que realmente…
[00:12:10] Srª. Procuradora: Então foi por medo, foi por receio?
[00:12:12] C______ : Foi por medo. Sim, claramente. Um medo crescente nos últimos meses. E eu aconselhei-a, para além do advogado, falar com a… com a irmã para ver que… o que é que podiam fazer para ela não voltar a casa, para não estar…
[00:19:59] Srª. Procuradora: …da rigidez destes horários, de comer a certas horas, fazer as coisas a certas horas e de ela ter que sair de casa para que ele pudesse estar com o filho ou trabalhasse, segundo disse, penso que sim, a senhora sabe mais alguma coisa? E para além da  P______  lhe ter telefonado nesta situação em concreto que relatou a chorar, a senhora sabe, tem conhecimento de mais algum facto que interesse aqui às causas? Não interessando agora, muito honestamente, nem a regulação das responsabilidades parentais do D______ , nem quem ajudava quem, nem quem foi depois para onde, nem para onde o filho esteve, nem com que esteve. Só relativamente ao casal e na convivência entre ambos.
[00:20:40] C______ : Hum-hum. O que presenciei ao longo do tempo foi… foi sempre esta… esta manipulação do, do… do RFDA_____ . Isto é o que eu tenho a… a testemunhar e que eu testemunhei na… o ano passado. E, e, e… 

[00:01:37] AF______ : Pronto, eles… eles viveram durante quinze anos juntos. Sempre foi uma relação um bocadinho conturbada, pronto, com algumas separações à mistura. O RFDA_____  sempre foi uma pessoa, pronto, com uma personalidade também difícil, pronto, uma relação em que ele muitas das vezes queria impor a opinião dele, em que utilizava, muitas vezes até perante nós, familiares, a humilhação, o… a… o dizer mal dela, das coisas que ela não conseguia atingir, como… como uma forma também de a atingir e de alguma forma ser… fazer prevalecer a opinião dele. Também sempre esteve muito presente na relação dela… A minha irmã tem uma doença crónica, pronto, e sempre foi utilizado muito esta questão da doença como algo para a diminuir, como se fosse um problema, não é?, na relação.
Mas de facto sempre foi uma relação muito de altos e baixos, muito de… de avanços e de recuos.
[00:08:32] Srª. Procuradora: E depois de Janeiro de 2020 em diante, a senhora assistiu a algum episódio? Foi-lhe relatado algum episódio e, se sim, por quem?
[00:08:42] AF______ : Sim. Ela esteve connosco antes da pandemia começar, por altura do Carnaval. Recordo-me que ela esteve em Braga, já vinha muito desgastada com esta situação. Era um assunto que era muito frequente, pronto, nas nossas conversas. (imperceptível), eu dizia-lhe: “Ele tem que sair, ele tem que arranjar um sítio onde ficar. Vocês estão separados, isto não é uma situação normal, não é bom para o D______ .” Ela dizia: “Ele… Ele diz que vai sair, que vai sair, mas se não sai, como é que eu faço? Como é que eu o tiro de lá?” Pronto, e nós demos-lhe sempre total apoio. Entretanto, com a situação da pandemia, começamos a notar que houve rotinas que se alteraram e começamos a estar mais preocupados com ela.
Desde ela estar… A gente fazia muitas videochamadas durante a pandemia, ela desligar, a dizer: “Ele está a entrar em casa”, a desligar, haver períodos do dia em que ele saía regularmente com o D_____ para… para dar uma volta (imperceptível). Ela chegou ali um momento que também tentou se calhar proteger-nos e pronto, e não relatar efectivamente o que pudesse estar a acontecer lá em casa, mas sentíamos a tensão.
[00:09:43] Srª. Procuradora: A senhora teve conhecimento como é que era a dinâmica lá em casa, designadamente como é que eles viviam lá em casa?
[00:09:50] AF______ : Inicialmente, o que ela dizia era que ele estava a dormir no sofá da sala e que ela, pronto, estava no quarto com… com o Digo. Entretanto, há uma… há uma situação – efectivamente foi quando esta situação também se toda deslindou –, que foi que ela manda-me um link para um apartamento que tinha estado a ver. Eu ligo-lhe a dizer: “Mas vais comprar uma casa, uma casa muito cara. Tu com os teus rendimentos e com as despesas não vais conseguir.” E é quando ela desaba. Ela diz: “Nem imaginas como é…” Pronto, aí é que ela conta, efectivamente: “Eu estou numa situação… Eu já liguei para a APAV. Eu estou numa situação de violência. Ele… Ele recusa-se a sair, ele ameaça-me, ele diz que me desfaz toda, que me tem aversão. Ele impôs-me horários de circulação.” E depois aí fez sentido os períodos em que ela saía de casa, o desligar o telefone e “estás aonde?”, “estou com o D_____ no Quarto”. Havia ali… foi que as peças se encaixaram. Pronto, ela estava nessa situação que disse, pronto, relatou, em pânico, a chorar, “eu tenho medo dele”. Pronto, e eu e os meus pais o que dissemos:
“Tens todo o nosso apoio…”
[00:10:50] Srª. Procuradora: Mas esses factos ocorreram no período de pandemia, vá, (imperceptível).
[00:10:53] AF______ : Foi mais ou menos no final de Abril, início de Maio, foi quando ela de facto nos contou e relatou. Coisas que a gente já se ia apercebendo, mas fomos-lhe dando tempo, até que percebemos que de facto ia muito para além daquilo que a gente pudesse imaginar.
[00:11:08] Srª. Procuradora: E como é que estava a sua irmã nessas alturas? Como é que viu a sua irmã?
[00:11:12] AF______ : Estava com… destruída, completamente destruída. Ahhh… Ahhh… É, é… Eu não… Eu não sei descrever, nunca a tinha visto… Eu não tinha a visto… Nunca a tinha visto assim, de facto. Como eu lhe estava a dizer, nós demos-lhe total apoio. Dissemos: “Esquece a casa, esquece tudo, vem-te embora que a gente dá-te todo o apoio.” E ela veio. E ela quando chegou, ela tinha medo de sair à rua. Tinha medo que ele aparecesse, tinha medo de… Mesmo com os meus pais. “Cuidado (imperceptível) a rua, que ele pode aparecer.”…
[00:12:18] Srª. Procuradora: Portanto, o que a senhora sabe sobre estas expressões que a senhora disse, “ele disse-me que desfaz”…
[00:12:25] AF______ : Sim, “que me desfaz”…
[00:12:26] Srª. Procuradora: …e a imposição de horários dentro de casa, foi aquilo que lhe foi relatado pela sua irmã?
[00:12:32] AF______ : Foi o que foi relatado e há… há factos que estão documentados até em, em… em relatórios que depois foram juntos ao processo de regulação, que ele mesmo acaba por assumir que os acessos… Penso que… Eu não queria citar, porque tenho al… Mas era: “Os acessos de fúria são sempre que ela não respeita os meus horários.” Portanto… Aliás, depois do processo de regulação ele ainda faz uma proposta de ela regressar a casa, ou teria esta intenção, pronto, e manterem o mesmo… desde que ela mantivesse o mesmo modelo e respeitasse os horários que lhe estavam a ser impostos e condições, basicamente.

[00:14:08] Advogada da Assistente: (imperceptível) esclarecimentos. (imperceptível) estava com medo e foi isso que motivou a saída dela de casa?
[00:14:17] AF______ : Sim. O que ela… O que ela me relatou era que de facto nunca tinha… a relação de facto era conturbada, mas chegou a um ponto em que ela não reconhecia a pessoa com quem, pronto, com quem ela partilhava a casa, que estava na casa dela. E que de facto tinha medo. Nos dias anteriores a ela ter vindo embora houve situações em que ela ia para o quarto (imperceptível) e tinha que trancar a porta do quarto com medo que ele pudesse invadir e tentar que… Tinha… Tinha medo, tinha medo do que pudesse acontecer.
[00:14:44] Advogada da Assistente: Mas tinha medo porquê, porque achava que o comportamento dele era de tal forma diferente do habitual que temia até pela segurança física?
[00:14:52] AF______ : Sim, exactamente. Achava que de facto o comportamento estava completamente descontrolado, descontrolado, descontextualizado e que nada podia… Tinha receio de que qualquer coisa que ela fizesse ou dissesse pudesse despoletar ali uma reacção mais agressiva, não é?, contra ela ou até contra o próprio D______ .
[00:15:31] Advogada da Assistente: E essa parte do “desfaço-te toda” foi, digamos assim, a gota de água desta situação ou ela já tinha pensado em ir para Braga?
[00:15:42] AF______ : Ela já tinha pensado que poderia ser uma alternativa. O pai sempre disse que nunca autorizaria que ela levasse o D______ . Entretanto, quando há esse episódio em que ele diz: “Eu desfaço-te toda”, ela pensou: “Eu qualquer dia… Quer dizer, eu, eu… eu corro risco, não é?, aqui em casa. Não vou... Não, não… Não vou esperar para ver acontecer, vou-me embora com...”
[00:16:02] Advogada da Assistente: Sentiu que não podia. E combinado com a família…
[00:16:03] AF______ : Exactamente.
[00:16:04] Advogada da Assistente: …decidiu que…
[00:16:05] AF______ : E que a família estava em Braga e sentiu que era a única solução para… para ela era de facto fugir.
[00:16:10] Advogada da Assistente: Acabar com o medo.
[00:16:11] AF______ : É, acabar com o medo e fugir.
[00:16:19] Advogada do Arguido: …senhora dona AF___. A senhora dona ___ sabe onde é que a sua irmã trabalha?
[00:16:24] AF______ : Exactamente. Na RTP.
[00:16:25] Advogada do Arguido: Na RTP. Mas trabalhava na RTP em Lisboa?
[00:16:28] AF______ : Em Lisboa, exactamente.
[00:16:29] Advogada do Arguido: E durante a pandemia esteve em teletrabalho?
[00:16:30] AF______ : Esteve em teletrabalho, exactamente.
[00:16:33] Advogada do Arguido: Quando ela se mudou para Braga, ela deixou de trabalhar na RTP?
[00:16:36] AF______ : Não, ela continuou a trabalhar na RTP. Cerca… Não sei precisar datas, mas cerca de um mês depois de estar em Braga e tendo acontecido mais uma série de episódios já ela estava lá com o pai, ela falou com, com… com o director mais directo, não é?, o director dela a dizer que não teria condições para regressar em segurança a Lisboa com o filho e pediu a transferência para… para a RTP do Porto, que lhe foi concedida.
[00:17:07] Advogada do Arguido: Portanto, o que a senhora dona AF____ diz é que o pedido de transferência para a RTP do Porto foi já depois da senhora dona…
[00:17:13] AF______ : Sim.
[00:17:13] Advogada do Arguido: … P______  estar…
[00:17:14] AF______ : …em Braga.
[00:17:15] Advogada do Arguido: …a residir em Braga. OK. Muito obrigada. Não tenho mais questões, senhor doutor. Muito obrigada.”
Ante tais depoimentos (se bem que os dois últimos sejam indirectos excepto na parte que respeita ao medo demonstrado pela assistente), dúvidas não nos restam de que há que alterar toda a matéria de facto dos pontos 7 a 11 passando-a para os factos provados com excepção da expressão “põe-te no caralho desaparece” a qual não está provada.
Devemos ainda ter em atenção que mal andou o Tribunal a quo quando referiu que “a assistente também foi tolerando e aceitando a coabitação com o arguido por lhe ser oportuno e vantajoso. Não tinha suporte familiar, pois a sua família de origem residia em Braga, necessitava de trabalhar enquanto cuidava de um bebé no primeiro ano da sua vida, o que era especialmente difícil por padecer de doença”
Na verdade, se se atender ao IRS apresentado pelo arguido referente a 2020 temos que o mesmo ganhou 750 € num ano e reteve na fonte cerca de 187.50 €. Ou seja, e para todos os efeitos práticos, o arguido vivia à conta e a expensas da assistente que tudo pagava, que o sustentava a ele que até terá comprado os tacos aos quais o arguido gritava, comprava a comida que ele cozinhava e que o alimentava a ele e ao filho que ele trouxe ao mundo.
É curioso que muito provavelmente ninguém criticaria um homem se este saísse de casa para trabalhar e voltasse para casa presumindo que tinha o comer na mesa. Mas mas quando é uma mulher que o faz, quando é alguém doente que se esforça mas é mãe,  critica-se tal pessoa dizendo que age sob a capa da “vantagem” quase que se aproveitando do trabalho do outro, do pobre coitado que não trabalhava fora de casa mas reclamava o seu espaço na dita a pontos de não deixar a assistente frequentar partes da casa porque queria as refeições a horas ou a sua hora na sala de estar.
Não nos revemos nestas considerações feitas pelo Tribunal a quo, antes as repudiamos.
Uma vida em comum é uma partilha de esforços. Não tem de haver igualdade no sentido de cada um fazer meia refeição, meia limpeza. Por vezes, algum membro do casal faz mais que o outro. Amiúde as tarefas são diferentes.
Afirmar, como o Tribunal a quo faz, que da divisão de tarefas natural resulta um aproveitamento daquele que trabalha fora (que no caso é assistente que tudo angaria em termos monetários) corresponde a um erro porque não é de acordo com as regras da vida em sociedade em 2022 em que se reclama de cada um dos membros de um casal uma divisão equitativa do esforço necessário a que a vida familiar progrida em todos os seus aspectos.
E aqui chegados regressamos ao ponto 1 não provado. Este, afinal está provado (com a alteração referida supra) pois que espelha e condensa toda a conduta do arguido.
A recorrente sustenta ainda a existência de erro notório na apreciação da prova mas não tem claramente razão.
Temos mesmo alguma dúvida que a recorrente haja pretendido invocar tal vício. Na verdade, lida a conclusão 63, onde a questão se coloca, temos que a recorrente menciona o vício mas reporta-o ao artº 412º do C.P.P. que versa sobre a impugnação alargada da matéria de facto, matéria sobre a qual a recorrente discorreu nas conclusões anteriores.
Seja como for basta dizer que para que exista um erro notório na apreciação da prova nos termos do artº 410º nº 2 al. a) do C.P.P. este tem de resultar directamente do texto da decisão e tal não se alcança. Na verdade, do texto da decisão resulta que não se provaram os elementos do crime e daí há uma absolvição. Nenhum erro advém desta formulação.
Aqui chegados temos como correcto que está provado que:
1 - “O arguido e P _______ mantiveram uma relação amorosa durante cerca de 15 anos, desde finais de 2004, com coabitação a partir de meados de 2006 até Julho de 2019”;
2 - Desse relacionamento nasceu um filho, D_____ , em 19/04/2018.  
3 - Durante o relacionamento, o casal e o filho menor residiram na Rua … Oeiras, concelho de Oeiras.  
4 - Após o nascimento do filho menor, em 2018, o arguido começou a pretender controlar o dia-a-dia desta, condicionando a sua vida social e não permitindo que a mesma contactasse com a família.  
5 - Em de Julho de 2019, o arguido e P_______ separaram-se tendo o arguido abandonado a residência do casal.  
6 - No entanto, sob o pretexto de visitar o filho menor, o arguido deslocava-se diariamente à residência de P_______, a qualquer hora, procurando saber com quem a mesma se encontrava e a que horas chegava a casa. 
7 - Em Janeiro de 2020, o arguido decidiu regressar à residência de P_______.  
8 - O arguido regressou a casa dizendo a P_______ que tinha direito a permanecer no local. 
9 - No início de Abril de 2020, devido ao estado de emergência que se vivia no país, como a ofendida passou a trabalhar em regime de teletrabalho, o arguido decidiu estabelecer horários de permanência e de circulação nas divisões da residência.  
10 - Assim, o arguido proibiu P_______ de entrar na cozinha, diariamente, no período compreendido entre as 12h00 e as 14h15.  
11 - Da mesma forma, o arguido proibiu P_______ de permanecer na sala de estar da residência, diariamente, após as 21h00.  
12 -  Quando P_______ entrava nas referidas divisões fora dos horários estabelecidos pelo arguido, este logo lhe dizia: “rebento-te toda”, “tenho-te aversão”, o que sucedeu por várias vezes, em datas não concretamente apuradas.  
13 - No dia 8/05/2020, pelas 14h00, na residência do casal, o arguido iniciou uma discussão com P_______ e disse-lhe: “rebento-te toda”.  
14 - No dia 08/05/2020, pelas 17h00, P_______ abandonou a residência do casal e levou consigo o filho menor de ambos.  
15 - Nestas ocasiões e em todas as outras que P_______ teve de suportar, agiu o arguido com intuito de molestar psicologicamente a ofendida, condicionar o seu dia-a-dia, atemorizá-la, diminuir a sua honra e consideração, o que conseguiu, bem sabendo que as expressões por si proferidas são adequadas a causar medo e inquietação de que pudesse atentar contra a sua vida ou integridade física, como efectivamente causaram, e de lhe limitar a sua liberdade de movimentação. 
16 - Sabia o arguido que actuava no interior da casa de morada de família, contra a sua companheira e mãe do seu filho menor e na presença deste, o que não o impediu de actuar como descrito.  
17 - O arguido agiu em todas as circunstâncias descritas de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
18 - No dia 2/06/2020, o arguido foi internado compulsivamente em Psiquiatria, tendo tido alta após 30 dias. 
19 - O arguido não tem antecedentes criminais.
20 - P_______ padece de esclerose múltipla.  
Esta factualidade consubstancia a prática, por parte do arguido de um crime de violência doméstica.
Pode ler-se no Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 55/99, de 15 de Junho, publicado no Diário da República, I Série – B, de 15-6-1999 que a violência doméstica se manifesta através de “qualquer acto, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, directa ou indirectamente, por meio de enganos, ameaças, coacção ou outro meio, a qualquer mulher e tendo por objectivo e como efeito intimidá-la, puni-la ou humilhá-la ou mantê-la nos papéis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental e moral ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais”.
Nos últimos tempos Portugal tem sido palco de uma crescente sensibilização para o problema, verificando-se uma postura pública generalizada de que a atitude a adoptar relativamente à problemática da violência doméstica deverá ser a da sua recusa total.
A política nacional de luta contra a violência doméstica inspira-se no quadro global traçado a nível internacional ao longo de várias décadas.
Neste domínio destacamos a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948; a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, de 1979; a Convenção para a Eliminação da Violência contra a Mulher, concluída em Viena em 1993; a Resolução do Parlamento Europeu sobre a necessidade de desenvolver na União Europeia uma campanha de recusa total da violência contra as mulheres, de 1997, e a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica de 2011, conhecida como a Convenção de Istambul.
Entre nós, foi aprovado, em 1999, o Plano Nacional de Luta Contra a Violência Doméstica, no qual foram traçados vários objectivos com vista ao combate deste problema social, pois, tal como ali se salienta, “a eliminação da violência doméstica é um elemento indispensável na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, fundada no respeito dos direitos da pessoa e na dignidade humana”.
Portugal foi o primeiro país signatário da Convenção de Istambul em 2013.
Partindo da noção de que a violência de género é uma situação estrutural, é defendido na Convenção de Istambul que a real igualdade entre homens e mulheres não poderá ser conseguida se instâncias de violência de género continuarem a acontecer em larga escala sem que Estados e instituições regionais tomem acção. O que torna este instrumento especialmente relevante na luta contra a desigualdade e a violência de género é, entre outras coisas, o facto de o Estado que ratifique a convenção ter forçosamente de criar medidas a nível da prevenção da violência contra as mulheres e violência doméstica e a subsequente protecção e punição das vítimas e dos perpetradores, respectivamente. 
No caso destes autos é para nós indubitável que a conduta assumida pelo arguido para com a ofendida/assistente se traduz na comissão de um crime de violência doméstica.
Na verdade, com a sua conduta o arguido pretendeu denegrir a pessoa da ofendida/assistente como mulher recorrendo para tal ao insulto e ao rebaixamento.
A conduta do arguido é contínua, no sentido de permanente (e não no sentido de continuada). O crime é executado permanentemente e prova disso é o agravamento do comportamento. À medida que o tempo avançava o arguido ia “calcando” mais, ia “pisando” mais um bocadinho.
Ora, o crime de violência doméstica não é um crime de execução continuada. Nem sequer é um crime habitual (em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada, até ao ponto de ela poder dizer-se habitual, como é o caso do lenocínio), podendo falar-se, simplesmente, em "factos reiterados", isto é, "acções sucessivas adequadas no seu conjunto a produzir o resultado".
Entendendo-se que reiteração de factos deve ser globalmente apreciada e valorada como integrando um comportamento repetido, dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social e que, portanto, consubstancia um só crime de maus tratos/violência doméstica, a sua consumação ocorreu com a prática do último acto de execução (Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, datados de 22/09/2010 e de 15/12/2010, publicados no site www.dgsi.pt  )
Os maus-tratos foram psicológicos, exercidos sobre a companheira, na casa morada de família e perante o filho.
Cometeu assim, o crime de violência doméstica sobre a ofendida e na forma agravada.
Dispõe o artº 152º nº 1 al. b) e 2 do Código Penal que “- Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: (…) a) a pessoa (…) com quem o agente mantenha ou tenha mantido (…) uma relação análoga à dos cônjuges (…);  2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
O crime de violência doméstica visa, essencialmente, a sociedade conjugal, presente ou passada (mas ainda conectada em termos relacionais), e as para sociedades conjugais (uniões de facto ou de pessoas do mesmo sexo em relações mais ou menos estáveis) ou ainda as relações familiares onde seja patente a fragilidade de uma das partes (caso da al. d) do nº 1 onde se salienta que a vítima tem de ser particularmente indefesa).
No caso destes autos os episódios ocorreram na casa morada de família.
Mostra-se preenchido o tipo na sua forma agravada.
Aqui chegados caberia a este Tribunal encontrar e determinar a medida da pena pois que se entende ser de condenar o arguido.
No entanto, para que tal acontecesse teria este Tribunal de estar habilitado com os factos que lhe permitissem fazer uma escolha e determinação da pena.
Ora, não obstante existir material probatório nos autos, os únicos factos levados aos factos afirmados foi a ausência de antecedentes criminais e o internamento do arguido, elementos claramente insuficientes para determinar a pena nos termos do artº 71º do Código Penal, o que é reconduzível ao vício previsto no artº 410º nº 2 al. a) do C.P.P..
Assim sendo, a única via é a de ordenar o reenvio parcial dos autos de molde a que na 1ª instancia se apurem os factos conducentes à escolha e determinação da pena bem como à determinação da indemnização, tudo conforme o disposto no artº 426º nº 1 do C.P.P. sendo o reenvio limitado às questões referidas.
*
Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pela assistente e, consequentemente:
a) Alterar a matéria de facto provada e não provada nos termos sobreditos;
b) Declarar o arguido RFDA_____ autor material de um crime de violência doméstica agravada p. e p. pelo artº 152º al. b) e 2 do Código Penal;
c) Ordenar, nos termos do disposto no artº 426º nº 1 e 426º-A, ambos do C.P.P., o reenvio parcial dos autos para a 1ª instância a fim de aí, após a produção de prova tida por necessária, se proceder à fixação da medida da pena e da indemnização devida à vítima.
Custas pelo arguido que se fixam em 4 (quatro) U.C.
Notifique.
 
Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio.

Lisboa e Tribunal da Relação, 4 de Maio de 2022 
Rui  Miguel de Castro Ferreira Teixeira
Cristina Almeida e Sousa