CÚMULO DE PENAS
SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA PENA
Sumário

–Num concurso de crimes, as penas parcelares não devem ser suspensas na sua execução, só no final, isto é, na determinação da pena única, valorada a situação em globo, se devendo ponderar se essa pena, que é a que o condenado tem de cumprir, pode ou não ficar suspensa na sua execução, desde que ocorra o necessário pressuposto formal (a medida da pena de prisão aplicada não ultrapassar o limite exigido por lei, actualmente de cinco anos) e o pressuposto material - prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente e satisfação das finalidades da punição, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

–Se, porém, uma pena parcelar tiver sido suspensa na sua execução, o que frequentemente sucede nos cúmulos jurídicos em que o concurso de crimes é de conhecimento superveniente, «para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada», e, uma vez determinada aquela, «o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva».

–A jurisprudência majoritária assenta na ideia de que não se forma caso julgado sobre a suspensão da execução da pena, mas tão somente sobre a medida dessa pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e ainda nas ideias de provisoriedade da suspensão da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão, orientação que o Tribunal Constitucional já julgou não ser inconstitucional.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:


I–Relatório:


I-1.)–Inconformado com o despacho proferido nestes autos a fls. 144 e verso, em que o Mm.º Magistrado Judicial do Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 12), não operou o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao Arguido JP nos autos com o n.º 10/16.6PGLSB com a dos presentes, recorreu o Ministério Público para esta Relação, o qual sintetizou as razões da sua discordância com a apresentação das seguintes conclusões:

1.ªO Tribunal recorrido entendeu, não proceder à realização de cúmulo jurídico entre aquelas penas, por considerar que não é possível a realização de tal em penas cuja natureza é diferente.

2.ª–A Doutrina - JESCHECK, FIGUEIREDO DIAS, PINTO DE ALBUQUERQUE e SIMAS-SANTOS e LEAL-HENRIQUES - é quase unânime na consideração que o Tribunal deve cumular penas efectivas e penas com execução suspensa, pois, sendo a operação de cúmulo jurídico superveniente uma ficção, tudo deve passar-se como se a apreciação tivesse tido lugar no mesmo momento.

3.ª–No Ac. do STJ de 12.3.2015 do Senhor Conselheiro Souto de Moura em que o mesmo explica porque mudou de posição e aderiu à posição agora defendida na presente Motivação de Recurso, refere-se que: "Ao peso do argumento centrado na diferente natureza das penas, tem que ser contraposta a concreta realidade da pena de substituição (...)

4.ª–Ora, é aceitável que, assim como existem razões que podem levar à revogação da pena suspensa com o renascimento da pena substituída, também pode haver outro motivo, de diferente cariz, para que se abandone a pena de substituição e se passe a considerar a pena substituída."

5.ª– A necessidade de realizar um cúmulo pode ser esse motivo, porque vai haver um momento de apreciação da ilicitude global dos factos e da personalidade do arguido, em que se justifica ver se a aplicação da pena de substituição, a uma parcelar que em princípio deveria fazer parte do cúmulo, já não tem razão de ser.
Designadamente, se tal viabilizar a execução de uma única pena conjunta com todas as vantagens daí resultantes, e, por maioria de razão, se não redundar em prejuízo do arguido. São por demais conhecidas os inconvenientes da aplicação, por exemplo, de penas mistas de prisão e multa, mas também não deixam de criar situações absurdas, as execuções simultâneas de penas de prisão e de "penas suspensas"

6.ª–No mesmo sentido se pronunciou o Exm.º Juiz Conselheiro Rodrigues Costa in “O cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, acessível no site do STJ (www.stj.pt): “Se, porém, uma pena parcelar tiver sido suspensa na sua execução, o que frequentemente sucede nos cúmulos jurídicos em que o conhecimento do concurso de crimes é de conhecimento superveniente, «para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada», e, uma vez determinada aquela, «o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva.”

7.ª–Toda a Doutrina e Jurisprudência estão de acordo e citando por facilidade o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 2.11.2011 que: “No concurso superveniente de infracções, citando, com a devida vénia, o acórdão do STJ de 2.06.2004, In C.J. STJ, Tomo II, pág. 221, "tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um censório único, projectando-o retroactivamente. Isto porque o nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes, instituindo a pena conjunta, ou única, como a sanção ajustada à unidade relacional de ilícito e de culpa, numa ponderação do conjunto dos crimes e da relação da personalidade com o conjunto dos factos."

8.ª–Ora, se assim é, não se entende, quanto mais não seja em nome do princípio da igualdade de tratamento, que, no caso do concurso de crimes apreciado em conjunto e no mesmo momento, o Tribunal não aprecie a possibilidade da suspensão de execução das penas parcelares e só a final e relativamente à pena única tenha se ponderar tal possibilidade se a medida da pena concreta o consentir e que no caso do conhecimento superveniente, em que "tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente", o Tribunal não possa apreciar os crimes que objectivamente estão numa relação de concurso apenas porque, por contingências do sistema, não conheceu deles na mesma altura.

9.ª–A moldura penal aplicável de acordo com os critérios legais é a de prisão de 3 anos (pena parcelar mais alta) e 5 anos e 6 meses de prisão (soma das penas parcelares) o que determina a competência do Tribunal Colectivo que deve, pois, proceder à realização do cúmulo jurídico.

10.ª–A decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 77.º e 78.º do Código Penal.

Revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que considere as penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes que se encontram numa relação de concurso, sejam efectivas ou suspensas na sua execução, V. Ex.ªs farão a esperada Justiça.

I-2.)–Respondendo ao recurso interposto, concluiu o Arguido JP.

1.º-O Digno Magistrado do MP interpôs recurso, no sentido de se dever cumular penas efectivas e penas com execução suspensa, pois, sendo a operação de cúmulo jurídico superveniente uma ficção, tudo se deve passar como se a apreciação tivesse tido lugar no mesmo momento.

2.º-A defesa entende que na esteira da jurisprudência do STJ que, a pena suspensa na sua execução é uma pena de substituição, autónoma, que se não confunde com a pena de prisão, Esta e aquela são penas de espécies diferentes que não podem, nem devem ser cumuladas, ao menos sem previamente o Tribunal competente ter determinado a sua revogação nos termos do art.º 56.º do CP.
 
3.º-Na verdade, em termos práticos, a operação de cúmulo equivaleria a uma revogação da suspensão inicialmente decretada,
4.º-O que conduziria a resultados absurdos, mormente à aplicação de uma pena de espécie diferente da aplicada inicialmente, sem revogação, de forma "cega", independentemente de o arguido estar a cumprir as injunções ou regras de conduta fixadas enquanto condição de suspensão de execução da pena, tais como regime de prova, cumulado com outras obrigações,

5.º-De resto, não podemos olvidar que a suspensão de execução da pena de 2 anos aplicada ao recorrente transitou em julgado a 16/09/20, tal como consta da referência citius n.º 412648825,

6.º-Ou seja na data em que foi proferido o despacho recorrido, já haviam decorrido 3/4 do tempo total de suspensão,

7.º-A revogação de tal pena traduzir-se-ia numa enorme desvantagem ou prejuízo para o condenado, que seria sujeito a uma espécie de revogação material da suspensão, transmutando-se penas suspensas (que nem estariam em condições de ser revogadas - art.º 56.º do Código Penal) em penas de prisão efectivas, e veria frustrada a expectativa de tal pena ser declarada extinta mediante o cumprimento, apenas lhe restando para tal uns escassos 6 meses.
 
8.º-E bem assim numa violação da intangibilidade do caso julgado da decisão que aplicou a pena de prisão e decretou a sua substituição,

9.º-Assim sendo, e pelos motivos expostos, também o arguido entende que o Tribunal "a quo" andou bem, ao não realizar o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao mesmo.

Terminou pela não procedência do recurso interposto.

II–Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer propugnando o entendimento sustentando pelo Ministério Publico em 1.ª Instância.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o Arguido apresentou ainda o articulado melhor constante de fls. 169, em que reiterou a posição por si defendida na respectiva resposta.
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Seguiram-se os vistos legais.
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Tendo lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir:

III-1.)–De harmonia com as conclusões apresentadas, definidoras do respectivo objecto, a questão essencial colocada pelo recurso interposto pelo Ministério Público convoca a problemática jurídica atinente à realização de cúmulo jurídico superveniente entre penas suspensas com as de cumprimento efectivo.
 
III-2.)–Como temos por habitual, confiramos primeiro a factualidade que se teve por relevante para a decisão proferida:

Fls. 9486 a 9490:

I.–Tomei conhecimento.

II.–Prescreve o artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, que, “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”, acrescentando o n.º 2 de tal preceito, que “O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”.
Ora, atento o referido, e no caso do arguido JP, verifica-se uma situação de concurso entre a pena em que o mesmo foi condenado nos presentes autos e aquela pela qual havia sido anteriormente condenado no âmbito no processo comum colectivo n.º 10/16.6PGPDL, a correr termos no Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada (J2). Mas também se verifica uma situação de concurso entre a pena aplicada nos presentes autos e aquela sofrida pelo arguido no âmbito no processo comum colectivo n.º 325/19.1GGSNT, a correr termos no Juízo Central Criminal de Sintra (cfr. CRC de fls. 9315 e segts.)
Acresce que, o tribunal competente para o conhecimento superveniente do concurso seria este, porquanto, é o tribunal da última condenação (cfr. artigo 471.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), entendendo-se por tal como aquele onde proferida em primeira instância a decisão condenatória, venha, ou não, a ser dela interposto recurso, e a ocorrer, até alteração da pena anteriormente fixada (neste sentido, acórdão da Relação de Lisboa, de 30.09.04, disponível in www.dgsi.pt).

Todavia, constata-se, quanto às referidas penas, que:
- nos presentes autos o arguido foi condenado numa pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, encontrando-se a decorrer essa suspensão;
- no referido processo n.º 10/16.6PGPDL, foi condenado numa pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, entretanto revogada; e
- no mencionado processo n.º 325/19.1GGSNT, foi condenado numa pena de 3 anos de prisão, de cumprimento efectivo.
Ora, é entendimento deste Tribunal que as penas de prisão suspensas na sua execução não podem, sem mais, integrar cúmulos jurídicos, mormente com penas efectivas de prisão. Com efeito, as penas de prisão suspensas na sua execução são penas substitutivas, e, como tal, com uma natureza distinta das penas de prisão ditas “efectivas”.
Ademais, o procedimento relativo à revogação da suspensão de uma pena de prisão é eminentemente contraditório, de julgamento, que tem de seguir a tramitação prevista nos artigos 56.º, do Código Penal, e 492.º e segts., do Código de Processo Penal, a fim de, findo tal processo contraditório, se decidir pela extinção da pena aplicada ou, pelo contrário, pela necessidade da sua execução como pena de prisão, pela verificação do não cumprimento das finalidades que estiveram subjacentes a tal suspensão. E, neste aspecto, sendo completamente distintos os pressupostos que presidiram à aplicação das referidas penas num e noutro processo (desde logo, por estarem em causa ilícitos de diferente natureza), uma eventual revogação da pena suspensa (numa sentença de cúmulo jurídico), redundaria num tratamento mais desfavorável ao arguido.
Assim sendo, e pelos motivos expostos, não irá ser realizado o cúmulo jurídico das penas sofridas pelo arguido JP.
Notifique e informe o TEP.

III-3.1.)–Tal como decorre do acabado de transcrever, o Mm.º Juiz a quonão deixa de reconhecer que a pena aplicada nos presentes autos, ou seja, 2 anos e 6 meses de prisão suspensos na sua execução por igual prazo, por factos verificados em 01/04/2017, por decisão proferida em 23/06/2020, transitada em julgado em 16/09/2020, se mostra numa relação de concurso com a aplicada no sobredito processo n.º 10/16.6PGPDL do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada.
Da mesma forma que o está, com a do processo 325/19.1GGSNT do Juízo Central Criminal de Sintra.

Vejamos o que para as finalidades acima indicadas se patenteia de relevante nos autos em causa:

- Processo n.º 10/16.6PGPDL do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada:
Factos: 16/01/2016
Data da decisão: 09/05/2019
Data do trânsito: 23/05/2019
Pena: 3 anos de prisão, pena inicialmente suspensa na sua execução por 2 anos (assim boletim 13, a fls. 141 verso), mas que o despacho recorrido afirma ter ocorrido revogação.

- Processo n.º 325/19.1GGSNT do Juízo Central Criminal de Sintra:
Factos: 24/07/2019
Data da decisão: 09/03/2020
Data do trânsito: 16/07/2020
Pena: 3 anos de prisão efectiva

Como é sabido, o verdadeiro pressuposto legal da realização de cúmulo jurídico, superveniente ou não, é a prática de “vários crimes antes de transitar julgado a condenação por qualquer deles” (cfr. art. 77.º, n.º1, e 78.º, n.º1, do Cód. Penal).

No caso presente, ainda que tal como o sustenta o Mm.º Juiz a quo, a pena aplicada nestes autos (11/17.7SULSB) seja cumulável com qualquer das demais acima indicadas, a verdade é que as condenações envolvidas nos referidos processos 10/16.6PGPDL e 325/19.1GGSNT não estão entre si numa relação de concurso, haja-se em vista que os factos atinentes a este último (24/07/2019), são posteriores ao trânsito em julgado do primeiro (23/05/2019).

III-3.2.)–Como vimos, as razões por aquele adiantadas para a não realização do cúmulo, assentam na consideração que as penas de prisão suspensas, como penas substitutivas tem uma natureza diferente das “efectivas”, que a revogação tem um procedimento contraditório específico regido por normativos próprios, e que sendo completamente distintos os pressupostos que presidiram à aplicação das referidas penas num e noutro processo (desde logo, por estarem em causa ilícitos de diferente natureza), uma eventual revogação da pena suspensa numa sentença de cúmulo jurídico redundaria num tratamento mais desfavorável ao arguido.

Posto que a questão em causa não assuma uma solução unânime, a verdade é que o entendimento maioritário formado quer na Doutrina quer na Jurisprudência, onde há muito tempo nos incluímos, propugna uma diferente orientação.

Para além da já citada no recurso interposto e na resposta apresentada pela Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, malgrado a sua extensão, seja-nos permitido fazer larga citação do douto acórdão desta Relação e Secção de 29/03/2016, no processo n.º 25980/15.8T8LSB.L1-5, relatado pelo Exm.º Sr. Desembargador Jorge Gonçalves (disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt/jtrl), que pela sua proficiência, opera uma síntese impressiva e completa desta problemática.

“Não se ignora que um sector com expressão minoritária na jurisprudência do S.T.J. entende que a suspensão de execução da pena e a pena de prisão são penas de espécies diferentes, pelo que não podem ser cumuladas, ao menos sem previamente o tribunal competente ter determinado a revogação da suspensão nos termos do artigo 56.º do Código Penal (cf. Acórdãos de 02-06-2004, Proc. n.º 1391-04, da 3.ª Secção, CJACSSTJ, Ano XII, T. 2.º 2004, p. 217 e de 20-04-2005, P. 04P4742, este disponível em www.dgsi.pt).
Posição específica, na doutrina, é a de Nuno Brandão, que defende que as penas de execução suspensa, aplicadas por decisões transitadas em julgado, não devem poder ser revogadas para efeitos de formação de uma pena conjunta, privativa de liberdade, a menos que o condenado nisso consinta. O critério seria o do designado cúmulo jurídico facultativo, em que o condenado, com base numa dada interpretação do artigo 77.º, n.º 3, do Código Penal, poderia optar entre o cúmulo jurídico ou a acumulação material das penas, conforme ele próprio achasse mais favorável para si, hipótese em que se justificaria uma eventual quebra do caso julgado com a perda da autonomia e da especificidade da pena de substituição, pela sua integração no cúmulo jurídico (Conhecimento superveniente do concurso e revogação de penas de substituição, RPCC, Ano 15, n.º 1, pp. 117 e ss.).

Diversamente, a jurisprudência do S.T.J. é amplamente majoritária na defesa da orientação tradicional de que as penas de execução suspensa entram no cúmulo jurídico como penas de prisão, só no final se decidindo se a pena conjunta deve ou não ficar suspensa na sua execução (cf. acórdãos de 02-03-2006, Proc. n.º 186/06, da 5.ª Secção; de 05-04-2006, Proc. n.º 101/06, da 3.ª Secção; de 08-06-2006, Proc. n.º 1558/06, da 5.ª Secção, todos disponíveis nos Sumários dos Acórdãos; de 04-12-2008, Proc. n.º 08P3628, da 5.ª Secção; de 14-01-2009, Proc. n.º 08P3975, da 5.ª Secção e de 16/11/2011, Proc. n.º 150/08.5JBLSB.L1.S1, da 3.ª Secção; de 21-03-2013, processo 153/10.0PBVCT.S1; de 25-09.2013, processo 1751/05.9JAPRT.S1; de 12-06-2014, processo 300/08.1GBSLV.S2).

Como se salienta no Acórdão do S.T.J., de 23/11/2010, Proc. n.º 93/10.2TCPRT.S1, “de acordo com posição dominante, a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles”, posição mantida no Acórdão do mesmo Tribunal de 11/05/2011, Proc. n.º 1040/06.1PSLSB.S1, ambos relatados pelo Conselheiro Raul Borges.
Ressalvam-se, porém, as situações em que as penas suspensas já tenham sido anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, pois nesses casos o englobamento dessas penas no cúmulo jurídico afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que as declarou extintas (cfr. Acórdão do S.T.J., de 12-06-2014, processo 300/08.1GBSLV.S2).

Esta é também a doutrina de Figueiredo Dias, segundo o qual, num concurso de crimes, as penas parcelares não devem ser suspensas na sua execução, só no final, isto é, na determinação da pena única, valorada a situação em globo, se devendo ponderar se essa pena, que é a que o condenado tem de cumprir, pode ou não ficar suspensa na sua execução, desde que ocorra o necessário pressuposto formal (a medida da pena de prisão aplicada não ultrapassar o limite exigido por lei, actualmente de cinco anos) e o pressuposto material - prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente e satisfação das finalidades da punição, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
Se, porém, uma pena parcelar tiver sido suspensa na sua execução, o que frequentemente sucede nos cúmulos jurídicos em que o concurso de crimes é de conhecimento superveniente, «para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada», e, uma vez determinada aquela, «o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva» [cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, 1993, pp. 285 (§ 409), 290 (§ 419) e 295 (§ 430)].

A referida jurisprudência majoritária assenta na ideia de que não se forma caso julgado sobre a suspensão da execução da pena, mas tão somente sobre a medida dessa pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e ainda nas ideias de provisoriedade da suspensão da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão, orientação que o Tribunal Constitucional já julgou não ser inconstitucional (cfr. o Acórdão n.º 3/2006, de 06.01.03, publicado no DR, II, de 06-02-07).

Como se diz no Acórdão do S.T.J., de 21-03-2013, proferido no processo 153/10.0PBVCT.S1, a propósito das objecções colocadas pelos defensores da orientação minoritária:
«Por detrás da lógica formal a argumentação ora expendida falece de razoabilidade prática o que desde logo é evidente pela circunstância de o juiz que decreta a suspensão da pena parcelar, ignorando a existência de concurso, elaborar um juízo de prognose sobre a evolução da personalidade do arguido com base numa delinquência ocasional que não se verifica. O pressuposto da suspensão não existe pois que existem outros crimes praticados, mas não conhecidos em concreto, e o julgador é induzido em erro pela convicção contrária.
Ignora-se, assim, o núcleo fundamental da determinação da pena em sede de cúmulo que é a avaliação conjunta dos factos e da personalidade pois que, na tese que se repudia, ao abrigo do princípio do caso julgado pretende-se furtar ao domínio do concurso superveniente as infracções em que tenha existido pena suspensa. Aliás, esgrimindo-se com o mesmo argumento da força do caso julgado nos termos expostos, e ignorando a perda de autonomia das penas parcelares que é pressuposto do concurso, não se vislumbra porque é não se leva o raciocínio ao limite, defendendo que todas as penas parcelares que tenham transitado, e pelo simples facto de terem, são afastadas do cúmulo. Então o paradigma será outro e do domínio do concurso de penas passamos para a acumulação material de penas.
O que decididamente não é defensável é criar um regime não cabimentado na letra da lei e que consubstancia o que de mais favorável se encontra se encontra para o arguido em sede de regime de pena de concurso e de acumulação material, ou seja, cúmulo jurídico sim, perdendo as penas parcelares a sua autonomia, mas somente se o arguido não tiver beneficiado de uma pena de substituição mais favorável. E manifesta a desigualdade de tratamento que, na perspectiva defendida por aquela tese minoritária, existirá entre a situação de concurso normal em que a pena de substituição apenas se equaciona em relação á pena conjunta e a situação de concurso superveniente em que a mesma pena tenha sido suspensa pois, que nesta hipótese e de acordo com tal tese, o caso julgado conduziria ao afastamento da pena parcelar.
Na verdade, sob pena de uma gritante ofensa do princípio da igualdade, o tratamento do concurso deve ser exactamente o mesmo, independentemente da forma dos seu conhecimento, superveniente ou não, e assim, como refere Figueiredo Dias, sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, toma-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição.
Partindo de tal pressuposto afirma, ainda, o mesmo Autor, reportando-se ao concurso superveniente que, nas hipóteses que ora consideramos, bem pode acontecer que uma das penas seja uma pena de substituição de uma pena de prisão. Não há na lei qualquer critério de conversão desta para efeito de determinação da pena conjunta. Também aqui, pois, como atrás, valerá para o efeito a pena de prisão que foi substituída, e também aqui, uma vez determinada a pena do concurso, o tribunal decidirá se é legalmente possível e político-criminalmente conveniente a substituição da pena conjunta de prisão por uma pena não detentiva. Como se refere em Acórdão deste Supremo Tribunal de 21/12/2006 a suspensão não forma um caso julgado perfeito, estável, dotado de fixidez, em que a revogação é mutável por força do circunstancialismo previsto no art.º 56.º, do CP, do condicionalismo do art.º 55.º, do CP, ou por força da necessidade de cúmulo jurídico, isto porque quando se procedeu ao julgamento parcelar, incompleto, portanto, não se conheciam todos os elementos posteriormente alcançados, de tal modo que o julgamento parcelar, “hoc sensu”, é um julgamento, “condicional”, sujeito à “condição rebus sic stantibus”, suplantando o “regime normal de intangibilidade” , “conduzindo a inclusão a resultados mais justos e equitativos, evitando o cumprimento de penas sucessivas, contrariando a teleologia do concurso, solução mais favorável.

Mas se é assim, ou seja, se a lógica da apreciação global do percurso criminoso do arguido implica a valoração de toda, e cada uma, das suas actuações atomisticamente consideradas; se a atribuição de um efeito excludente à pena suspensa gera uma situação de injustificada desigualdade; se a suspensão prévia da pena no concurso superveniente traz consigo um errado conhecimento por parte do julgador em relação á existência do concurso, não se vislumbra porque é que deve interpretar o artigo 78.º do Código Penal numa fórmula que suporta tais patologias».

A referida posição jurisprudencial majoritária tem ainda a sancioná-la as posições doutrinais assumidas por Paulo Dá Mesquita (O concurso de penas, 1997, p. 95), André Lamas Leite («A Suspensão da Execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, AAVV, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, T. 2.º, Coimbra Editora, 2009, pp 608-610, também publicado em separata) e Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, p. 246, n.º 5).”

E como é óbvio, diversas outras contribuições Doutrinais e Jurisprudenciais poderão ser acrescentadas.
Sendo que a este propósito, não será despicienda a consulta do acórdão desta mesma Secção de 02/11/2021, no processo n.º 18/19.0GBSSB-A.L1-5, acedível em “Direito em dia”.

III-3.3.)–Naturalmente existem outras cambiantes decorrentes da especificidade da inclusão das penas suspensas, uma das quais, pelo menos ficou acima já apontada.

Como se afirma no acórdão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2021, o processo n.º 626/07.1PBCBR.S1, “Para o efeito de determinação da pena única do concurso só devem ser consideradas as penas de prisão suspensas que ainda não tenham sido declaradas extintas e não estejam prescritas. Se as penas foram declaradas extintas ou estão prescritas não entram no cúmulo jurídico. O mesmo deve ocorrer em relação às penas suspensas cujo prazo de suspensão já decorreu e estão em condições para serem declaradas extintas (art. 57.º, CP).

Isto porque, esclarece-o o acórdão do mesmo Tribunal de 21/06/2012, no processo n.º 778/06.8GAMAI.S1, “não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final”.

Se o período de suspensão de execução da pena de prisão – inicialmente fixado, ou em resultado de prorrogação (art. 55.º/d, CP) ditada por decisão transitada em julgado – ainda não decorreu, não se verifica óbice a que a pena suspensa se englobe no cúmulo jurídico”.

Sendo que, “quando esgotado já esteja o prazo de suspensão da execução da pena e o tribunal não diligencie por apurar sobre a extinção da dita pena de substituição, omitindo, assim, dever de pronúncia, a decisão fica incursa na nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP”.

Mas estas são incidências de que o recurso directamente não cuida.

Quiçá, em face da inexistência de situação de concurso directo entre as penas envolvidas nos referidos processos 10/16.6PGPDL e 325/19.1GGSNT, com eventual “arrastamento” desta última, caso também fosse considerada, solução que a Jurisprudência não favorece, a pretensão formulada pelo Digno Recorrente tem em vista, especificamente, a consideração conjunta da aplicada naquele primeiro processo com a dos presentes.

Nesta conformidade, importa revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que desconsiderando a afirmada impossibilidade de realização de cúmulo jurídico entre penas efectivas e de execução suspensa, e levando em conta as condicionantes expendidas em III– 3.3.), efective o que decorre do concurso entre a pena aplicada no processo n.º 10/16.6PGPDL do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada com a destes autos.

Assim

IV–Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, na procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, acorda-se em revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que desconsiderando a afirmada impossibilidade de realização de cúmulo jurídico entre penas efectivas e de execução suspensa, levando em conta as condicionantes expendidas em III – 3.3.), efective o que decorre do concurso entre a pena aplicada no processo n.º 10/16.6PGPDL do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada com a destes autos.



Lisboa,07-06-2022


Luís Gominho
Vieira Lamim


Elaborado em computador. Revisto pelo relator, o 1.º signatário.