EMBARGOS DE EXECUTADO
INDIVISIBILIDADE DA HIPOTECA
RENÚNCIA
RESPONSABILIDADE PROPORCIONAL
Sumário


Sumário (1):

- A indivisibilidade da hipoteca, prevista no art. 696º, do Código Civil, enquanto característica da hipoteca radica na própria estrutura do direito real, mas não deixa, igualmente, de consubstanciar um reforço da posição do credor deixada pelo legislador à vontade das partes, pois que nos seus traços essenciais uma hipoteca divisível não deixa de ser hipoteca.
- Consequentemente estamos, aqui, perante uma característica não essencial da mesma, que pode ser objecto de negócio unilateral, maxime de renúncia abdicativa, que pode ser consubstanciada através de uma declaração tácita.
- Posto isto, quando os factos concludentes permitirem retirar a ilação de que a relação entre a estabilidade material da garantia originária e a tutela da integralidade da dívida se mostra quebrada ou interrompida, o credor terá renunciado tacitamente à indivisibilidade da hipoteca, não podendo, depois disso, executá-la indivisivelmente, mas tão só divisivelmente, tendo por referência o seu valor actual.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório

Recorrente(s): Caixa ..., S.A.;

- Recorrido/a(s): V. L..

*
Nos presentes autos de oposição à execução mediante embargos de executado que V. L., melhor identificada nos autos, move contra Caixa ..., SA., com os sinais dos autos, a embargante peticiona que se julgue procedente a oposição, devendo ser extinta a execução, ou, caso assim se não entenda, deve a penhora e a hipoteca serem reduzidas proporcionalmente.
Tendo sido proferido despacho liminar, a exequente veio apresentar contestação que culminou pedindo que a oposição à execução mediante embargos de executado deduzida seja julgada improcedente.
A embargante respondeu às excepções invocadas, alegando, em síntese, que a sentença proferida no apenso de reclamação e graduação de créditos da devedora originária não constitui quanto a si caso julgado, impugnando a restante factualidade alegada.
Foi proferido despacho saneador, julgando-se a instância válida e regular, improcedentes as alegadas excepções dilatórias de caso julgado e ilegitimidade alegadas pela embargante, relegaram-se para final o conhecimento das restantes excepções invocadas, fixando-se o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova (fls. 320/333).

A final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente oposição à execução parcialmente procedente e, em consequência, declaro o prosseguimento da execução relativamente ao valor de € 10.553,22 (dez mil quinhentos e cinquenta e três euros e vinte e dois cêntimos) – artigo 732º, nº 4, do CPC.
Custas pela embargante e embargada, na proporção do decaimento.”
*
Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os Embargantes o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulam as seguintes
conclusões:

I. A douta decisão recorrida não deve manter-se pois não consagra a justa e correta aplicação das normas legais e dos princípios jurídicos aplicáveis.
II. Os Embargos apresentados resultam da ação executiva intentada pela aqui Recorrente contra a adquirente de uma das frações hipotecadas, por força do direito de sequela de que goza a hipoteca constituída a seu favor (cf. n.ºs 2 e 3 do art. 54.º do Código de Processo Civil).
III. Os argumentos expendidos pela sentença determinam que a fração da Recorrida hipotecada a favor da Recorrente responda, não pela totalidade do crédito exequendo, mas pelo montante exequendo, calculado em proporção à sua permilagem, considerada aquando da propriedade horizontal estabelecida.
IV. Ou seja, da quantia exequenda, manter-se-á apenas a garantia correspondente à quota parte respeitante à fração da Recorrida, atenta a sua permilagem.
V. O que significa uma renúncia do Banco Exequente à indivisibilidade da hipoteca, que não ocorreu e que configura uma imposição de redução da sua garantia real que a Recorrente não pode aceitar, que configura uma violação expressa do disposto nos artigos 686º, 691º, 696º, todos do Código Civil.
VI. A indivisibilidade da hipoteca consubstancia-se no facto de a hipoteca se estender a toda a coisa onerada, a cada uma das suas partes e, no caso de pluralidade de coisas, a todas elas indiscriminadamente.
VII. A garantia conserva, assim, o seu objeto originário, ainda que se verifique divisão da coisa ou de crédito, ou este se encontre em parte extinto, e ainda que, sendo oneradas várias coisas, cada uma delas responde pela dívida inteira.
VIII. A indivisibilidade da hipoteca não obsta, assim, à divisão da coisa onerada, mas cada fracção, resultante da divisão, ficará a garantir a dívida na totalidade.
IX. Houve distrate de algumas das fracções, mas tal aconteceu em data anterior ao incumprimento do contrato pela devedora originária.
X. E foram todas autorizadas pela Recorrente em data anterior ao incumprimento.
XI. As vendas de imóveis hipotecados à Recorrente realizadas após o incumprimento deram-se todas no âmbito da liquidação de bens apreendidos no processo de insolvência da sociedade mutuária.
XII. No âmbito do processo de insolvência não subsiste outra opção ao credor hipotecário senão anuir à venda das verbas apreendidas a favor da massa insolvente pelo valor de avaliação de cada um dos imóveis (que define o valor base e mínimo de venda dos bens) e, bem assim, ao produto de venda que seja possível obter através da alienação judicial dos imóveis.
XIII. Não existiu qualquer acordo com a devedora, muito menos relativamente ao distrate de qualquer fração por valor algum após o incumprimento da sociedade mutuária.
XIV. Nem da concordância do credor hipotecário na venda judicial dos bens por um determinado valor num processo de insolvência dos imóveis hipotecados se pode retirar um qualquer acordo quanto à divisibilidade da hipoteca, bem pelo contrário.
XV. o credor hipotecário apenas anuiu (nem lhe era juridicamente possível qualquer oposição) às alienações de todas as frações que cumpriam o requisito de, comprovadamente, serem os valores máximos que era possível obter, escrutinado o mercado, pelo produto da venda daqueles bens.
XVI. Uma vez que estas são alienadas pelo valor de avaliação ou, pelo menos, pelo valor máximo que for possível obter no âmbito das várias tentativas de alienação que vão sendo realizadas no processo.
XVII. A Recorrente não tinha conhecimento do contrato que foi celebrado entre a devedora originária e a Recorrida, nada consta no título executivo quanto a qualquer possibilidade de divisão de hipoteca e nada se convencionou quanto a esta matéria, não tendo sido feito qualquer compromisso sobre a incidência do valor de cada imóvel de acordo com uma permilagem.
XVIII. As vendas foram todas negociadas caso a caso, por acordo entre as partes, num contexto muito diferente a uma cobrança coerciva de créditos.
XIX. Até à presente data, não foi pago qualquer valor à Recorrente pela aquisição da fração aqui em causa.
XX. Alterando-se as circunstâncias decisivas da autorização para quaisquer vendas e consequente emissão de distrate, obviamente que qualquer acordo do credor com terceiros celebrado há vários anos em circunstâncias claramente diferentes jamais poderá ser extensível ao caso em apreço.
XXI. O distrate emitido pela Recorrente em casos distintos significa tão só uma normal redução do valor da dívida.
XXII. A convenção em contrário à indivisibilidade, a que alude o disposto no artigo 696º, do CC, não diz respeito nem se confunde com os distrates para libertar frações hipotecas, à medida do recebimento pelo credor.
XXIII. Ficou expressamente convencionado entre as partes no título executivo que a hipoteca sobre o imóvel originário incide sobre todas as construções e benfeitorias que se venham a realizar no imóvel, o que, aliás, consta dos factos provados na sentença.
XXIV. A nível registral, a hipoteca constituída a favor da Exequente foi registada em momento anterior à aquisição da propriedade, quer por parte da Recorrida, quer por parte dos anteriores adquirentes.
XXV. O registo predial tem um efeito essencialmente concernente à publicidade e boa-fé dos negócios, uma vez que permite averiguar o cadastro de transmissões e proprietários de determinado bem.
XXVI. Assim, as hipotecas (necessariamente registadas) são válidas e eficazes “inter partes” e “erga omnes”.
XXVII. É sobre os compradores que, a cada momento, cumpre averiguar qual a real e efetiva situação hipotecária.
XXVIII. A indivisibilidade mantém-se ainda que haja cumprimento parcial do crédito garantido.
XXIX. O afastamento do princípio geral da indivisibilidade da hipoteca tem de ser sempre convencionado, e essa convenção tem de ser expressa ou, pelo menos, inequívoca, ou seja, constar escritura hipotecária ou, sendo dada em momento ulterior, constar de um qualquer documento, por exemplo, alterando-se no registo predial o valor máximo garantido pela hipoteca, o que não aconteceu.
XXX. Não há nada que permita concluir que houve acordo, sequer tacitamente, do credor quanto à divisibilidade da hipoteca.
XXXI. Na escritura não consta essa convenção em contrário à indivisibilidade mas precisamente o contrário.
XXXII. O princípio da indivisibilidade da hipoteca impede que se admita a expurgação desta unilateralmente e sem o consentimento do credor quando não seja paga a totalidade da dívida.
XXXIII. A hipoteca constituída a favor da Recorrente e que incide sobre a fração autónoma que é propriedade da Recorrida garante o pagamento da totalidade da quantia exequenda atualmente em dívida, já que, enquanto subsistir o crédito, ela habilita o seu titular a atingir a coisa onde esta se encontrar.
XXXIV. Por força do direito de sequela, assistia à Recorrente, o direito de reclamar judicialmente o seu crédito e obter o seu ressarcimento através do produto da venda do imóvel, o que legitimamente fez.
XXXV. A Recorrente nunca assumiu qualquer obrigação, face à devedora originária ou a qualquer terceiro, a obrigação de libertar as frações oneradas com a referida hipoteca sem que para tal recebesse o crédito total por estas garantido.
XXXVI. O Banco Exequente não aceitou a divisibilidade da hipoteca em apreço, antes foi reduzindo voluntariamente a hipoteca em relação a determinadas frações, à medida que foi recebendo parcialmente o seu crédito, em data anterior ao incumprimento, sendo certo que nada recebeu em data ulterior.
XXXVII. Enquanto subsistir dívida garantida e enquanto se mantiver válida e subsistente a hipoteca - o que se verifica nestes autos - assiste ao Banco o direito de exigir o pagamento do crédito ainda em dívida, coberto pela garantia devidamente registada a seu favor, pelo produto da venda da fração penhorada nos autos.
XXXVIII. O crédito exequendo encontra-se garantido por hipoteca constituída e devidamente registada sobre a fração autónoma propriamente dita, contendo um valor concreto de capital e de montante máximo garantido.
XXXIX. Assim, o Tribunal a quo, ao ter julgado parcialmente procedentes os embargos de executado, por ter entendido que o Banco Exequente aceitou tacitamente a divisibilidade da hipoteca constituída a seu favor ao emitir declarações de distrate para outras frações violou, entre outros, os artigos 204º, 217º, 686º, 691º, 696º, 719º, todos do Código Civil.
XL. A fração sobre a qual incide a hipoteca constituída a favor do Banco referenciada, garante o pagamento da totalidade da quantia exequenda.
XLI. Em consequência, a decisão recorrida dever ser revogada e substituída por outra que, por entender que o montante total em dívida de se encontra garantido por hipoteca constituída sobre a fração autónoma julgue totalmente improcedentes os presentes embargos de executado.
XLII. Ainda que se considerasse que os distrates emitidos pelo Banco significaram uma renúncia à indivisibilidade de garantia hipotecária, o que não se concede e somente se admite por mera lógica de raciocínio, a verdade é que sempre a responsabilidade do Executado, enquanto adquirente das frações hipotecadas, ficaria limitada à quantia correspondente à quota-parte das frações atenta a sua permilagem do montante inicialmente contratado e nunca do crédito exequendo.
XLIII. Um qualquer critério de divisão em função da permilagem das frações tem de ter por base de incidência a distribuição do crédito concedido ab initio no pressuposto do cumprimento contratual e não no capital exequendo, como agora pretende o Tribunal a quo para a repartição das responsabilidades dos Embargantes.
XLIV. Apesar de o douto tribunal a quo referir na sentença recorrida que da Recorrida têm de ter um tratamento semelhante àqueles aos quais foi emitido distrate em data anterior, a verdade é que o critério definido na douta sentença recorrida não o permite, bem pelo contrário, permitindo uma vantagem ilegítima e desproporcional à Recorrente e altamente prejudicial à Recorrente, em violação clara do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
XLV. A existir uma qualquer convenção a aplicar in casu em função da permilagem de cada fração, esta teria de ser feita em função do crédito originário e nunca em função do montante atual em dívida.
XLVI. O valor que a Recorrente teria de pagar para ver o distrate da sua fração emitido caso a venda tivesse sido realizada com conhecimento e consentimento da Recorrente seria muito superior ao valor pelo qual responderá agora a fração, premiando-se, desta forma, a Recorrente e a sociedade mutuária, por não ter pago qualquer valor ao Credor Hipotecário à data da venda e prejudicando em larga medida a Recorrente, que não poderá obter integral pagamento dos créditos exequendos pelo produto da venda dos bens objeto da sua garantia.
XLVII. Ainda que tivesse havido uma qualquer renúncia do Banco Exequente à indivisibilidade da hipoteca, sempre a responsabilidade da Recorrida ficaria limitada à quantia correspondente à quota-parte das frações atenta a sua permilagem do montante máximo assegurado pela hipoteca e não do crédito exequendo.
XLVIII. Sempre a douta sentença recorrida teria, assim, violado o disposto nos artigos 686º, 691º, 696º, todos do Código Civil, na medida em que, se existisse renúncia à indivisibilidade pelo credor, o montante garantido pela hipoteca seria reduzido ao montante correspondente à quota-parte das frações - atenta a sua permilagem – em relação ao montante máximo assegurado pela hipoteca inscrito no registo.
XLIX. Assim e também pelos motivos supra expostos, a douta sentença ora em crise deve ser revogada, uma vez que, ainda que se entendesse que o Recorrente teria aceite uma qualquer divisibilidade da hipoteca, o montante garantido nunca corresponderia à quota-parte da fração em relação ao crédito do Exequente, mas, ao invés, em relação ao montante do crédito originalmente concedido, o que, só por si, implica necessariamente decisão diversa da que foi proferida.
A douta sentença recorrida deve ser revogada por violação dos artigos 204º, 217º, 686º, 691º, 696º, 719º, todos do Código Civil.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se a douta sentença, de forma a que os embargos sejam totalmente improcedentes, com todas as consequências legais.

A Recorrida apresentou contra-alegações nas quais, em suma discorre o seguinte.

1ª. O tribunal a quo determinou que a fração adquirida pela Recorrida e onerada com hipoteca a favor da Recorrente apenas responde pelo montante do capital exequendo calculado em proporção à permilagem da referida fração (13/1000), assim decidindo pela redução do valor do crédito exequendo que deu origem aos autos executórios principais.
2ª. Ora, apesar de estar assente que, em regra, a hipoteca goza do principio da indivisibilidade de forma a beneficiar o credor e a garantir a satisfação do seu crédito também é consentâneo na nossa legislação e jurisprudência que a indivisibilidade da hipoteca pode ser afastada conforme resulta do artigo 696º do Código Civil.
3ª. A nossa jurisprudência já se debruçou longamente sobre os requisitos da renúncia à indivisibilidade da hipoteca, aceitando, diga-se de forma uniforme e unitária, que pode ser feita por declaração tácita, resultante do comportamento do credor que aceita o distrante mediante o pagamento de uma parte do crédito.
4ª. Pelo que não assiste razão à Recorrente quando invoca a obrigatoriedade de tal convenção ter que ser expressa, sendo que, a indivisibilidade pode ser afastado posteriormente ao ato da constituição da garantia e firmada de forma tácita.
5ª. Tal acontece precisamente para impedir que o credor aceite receber uma quota parte de alguns (mediante o distrate da hipoteca) e depois mantenha a prorrogativa de exigir a totalidade do remanescente aos outros titulares ou a apenas um deles, com base na indivisibilidade da sua garantia.
6ª. Uma vez que “se o credor aceitou o distrate da hipoteca relativamente a determinada proporção haverá de ter-se por verificada a sua anuência à divisibilidade da hipoteca e com isso “renunciou ao seu direito de accionamento pela totalidade do remanescente do crédito apenas contra um dos restantes devedores”, e isso porque “o credor não pode ter uma actuação dualista, aceitando receber apenas a respectiva quota parte de alguns e exigindo a totalidade do remanescente a outros, pois que tal actuação, para além de incongruente, é, para estes, objectivamente prejudicial e, acima de tudo, discriminatória e frustrante das suas expectativas, legitimamente criadas pelo seu (do credor) próprio agir”, conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (proc. nº 2210/09.6TBLRAC. C1).
7ª. De igual forma transcreve-se, sobre esta temática o descrito na sentença recorrida referente ao facto de ao credor ser imposta uma atitude coerente e eticamente aceitável: “Não podendo, a seu bel talante, cobrar o crédito pelo modo e nas condições que lhe aprouver, com base na invocação da característica da indivisibilidade da hipoteca, a qual, aliás, porque estamos no domínio de meros interesses de ordem privada e pecuniária e não de interesses de índole pública, não faz parte essencial da idiossincrasia da figura”.
Acresce que,
8ª. No mesmo sentido e em paralelo com a situação apreciada nos presentes autos, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 23.10.2018 (proc. nº 3746/16.8T8LOU-A.P1), do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.06.2019 (proc. nº 10801/13.4YYLSB-A.L1-6) e deste douto Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.07.2018 (proc. nº 5635/17.0T8GMR-A.G1).
9ª. Todos eles unânimes no sentido de que “A convenção contrária à indivisibilidade da hipoteca pode ser posterior à sua constituição e tácita; ocorre a convenção de divisibilidade da hipoteca quando o credor aceita o distrate da hipoteca sobre determinada fracção predial autónoma contra o pagamento da parte proporcional do respectivo crédito”.
Acresce que,
10ª. A indivisibilidade da hipoteca pode ser uma característica natural mas que não é essencial da garantia visto que o poder do beneficiário da hipoteca indivisível não é, nem poderia ser, totalmente arbitrário pois que tem como base fundamental o equilíbrio entre a estabilidade da garantia originária e a tutela da integralidade da dívida, pelo que, só com a manutenção desse equilíbrio se poderá legitimar a indivisibilidade.
11ª. Quebrado ou interrompido esse equilíbrio, a indivisibilidade da garantia perde o seu fundamento.
12ª. Resulta do artigo 217º do CC que uma declaração negocial tácita “se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”.
13ª. Ora, o credor que aceita ou dá o seu consentimento ao distrate de hipoteca ainda que mediante o pagamento de parte do crédito de algumas frações, como defende Rui Estrela de Oliveira (em “A Renúncia Tácita do Credor á Indivisibilidade da Hipoteca, 2020): “Como não há hipotecas parcialmente indivisíveis ou parcialmente divisíveis, o comportamento do credor que, invocando a garantia, não pretende cobrar a integralidade da dívida pelas forças de uma só parte, supervenientemente autonomizada do prédio originariamente hipotecado, está, necessariamente a renunciar à faculdade [da indivisibilidade]”.
14ª. Por outro lado, a exigência de forma não tem aplicação no caso, uma vez que essa exigência se considera restrita à constituição ou modificação dos elementos essenciais da hipoteca e não já aos seus elementos naturais, como resulta do disposto no artigo 96º do Código de Registo Predial.
15ª. A publicidade decorrente da inscrição no registo abrange apenas, e para além da identificação dos titulares e da coisa sujeita inerente a todos os registos, a identificação do crédito e seus acessórios, a referência ao montante máximo assegurado e a causa da garantia, sem qualquer referência à sua divisibilidade ou indivisibilidade.
16ª. A Recorrente, ao autorizar o distrate da hipoteca sobre 46 (quarenta e seis) frações optou por extinguir a parte da garantia correspondente à permilagem dessas mesmas frações, pelo que a única solução legalmente admissível é a de que a hipoteca apenas permanece para garantir o montante correspondente à permilagem das frações não distratadas e apenas destas!
17ª. Sendo certo que pouco importa saber o modo ou montante pelo qual o banco aceitou distratar as frações. Aquilo que releva para o caso e queira-se intitular de “concordar”, “consentir”, “renunciar” ou “anuir”, a verdade é que resultou no afastamento da indivisibilidade da hipoteca.
18ª. As vendas e distrates feitos após a situação de insolvência são absolutamente irrelevantes para o propósito que a Recorrente tem de se escudar das suas próprias condutas, sendo que a verdade é que pelo menos 38 (trinta e oito) frações foram alvo de distrate em datas anteriores à declaração enquanto insolvente da sociedade mutuária, que só veio a ocorrer em 2012.
19ª. Deste modo, não é permitido à Recorrente vir exigir de cada um dos restantes titulares mais do que esse quantitativa proporcional que resta, calculada com base na permilagem da sua respectiva fração.
20ª. A admitir-se a tese defendida pela Recorrente, o que por mera hipótese académica se coloca, não se realizaria cabalmente a justiça material que o caso reclama.
21ª. É evidente que a jurisprudência abandonou conceções meramente formais por um entendimento mais ajustado à realidade presente, necessário até pela proliferação dos edifícios em propriedade horizontal.
Por fim,
22ª. A responsabilidade do Executado, em situações idênticas à dos presentes autos, apenas está circunscrita ao montante atual da dívida e não a qualquer patamar máximo que a Recorrente pretende, ilusoriamente, invocar.
23ª. Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.03.2021 (proc nº 2889/15.0T8OVRA. P1.S1) de onde resulta: “Embora podendo a responsabilidade das fracções em causa estender-se até ao referido limite máximo elas só respondem, no entanto, pelo montante actual da dívida(…)”.
Posto isto,
24ª. Também a pretensão subsidiária da Recorrente, deduzida no final do seu recurso, não colhe qualquer fundamento legal, pelo que terá que improceder, assim se mantendo a decisão proferida pelo douto tribunal de 1ª instância.
Termos em que, e por tudo o mais que V/ Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida.

II – Delimitação do objecto do recurso e questões prévias a apreciar:
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (2) Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (3) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (4)
As questões enunciadas pela recorrente podem ser sintetizadas da seguinte forma:
· Saber se ocorreu renúncia sua à indivisibilidade da hipoteca;
· Se, ainda que se considere ter existido essa renúncia, a responsabilidade proporcional da aqui executada se afere pela quantia inicialmente contratada ou pelo crédito exequendo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos

1. Factos (cf. art. 662º, do Código de Processo Civil)
São os que tidos em conta pela primeira instância, para os quais se remete (cf. art. 663º, nº 6, do Código de Processo Civil).

2. Direito
2.1. (In)divisibilidade

A primeira questão colocada a este Tribunal prende-se com a discussão da divisibilidade da hipoteca em apreço, nos termos admitidos pela sentença em apreço.
De acordo com esta, pode concluir-se, perante a factualidade apurada, que a credora hipotecária anuiu à divisibilidade da hipoteca dado que, sic: “Os distrates operados quanto a cada uma daquelas fracções do edifício construído sobre o terreno hipotecado a favor da exequente constituem factos concludentes que revelam, com toda a probabilidade, a manifestação de uma declaração negocial no sentido de concordar com a divisibilidade da hipoteca, pelo que tendo ocorrido o distrate das hipotecas de 38 fracções e, posteriormente mais 8 fracções, deve entender-se que cada uma das 6 restantes fracções não garante a totalidade da dívida que a hipoteca garantia; mas apenas a dívida na proporção da permilagem da fracção.”

Será assim?
De acordo com o citado art. 686º, nº 1, do Código Civil, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Esta garantia real resulta assim na faculdade, atribuída ao credor hipotecário de realizar um determinado valor pecuniário à custa do bem imóvel, que lhe serve de garantia, desencadeando a venda judicial da coisa, com intervenção do Estado (através dos tribunais). (5)
No nosso caso, está em causa uma das indiscutíveis características dessa garantia: a indivisibilidade.
Esta resulta do disposto no art. 696º, do Código Civil, onde está previsto que salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.
Esta indivisibilidade, enquanto característica da hipoteca radica, assim, na própria estrutura do direito real, mas não deixa, igualmente, de consubstanciar um reforço da posição do credor deixada pelo legislador à vontade das partes, pois que nos seus traços essenciais uma hipoteca divisível não deixa de ser hipoteca. Consequentemente, não estamos, aqui, perante uma característica essencial da hipoteca. (6)
Como se aponta em recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (7), a indivisibilidade da hipoteca, ainda que apelando à estrutura do direito real (princípio da totalidade da coisa), não encontra nela a sua razão de ser, mas antes num assumido propósito do legislador de protecção do credor relativamente às consequências das vicissitudes da coisa onerada, especialmente contra a desvalorização da coisa em virtude da sua divisão, a necessidade de interpor um número indeterminado de acções, a necessidade de impugnar actos do devedor (e.g. a atribuição da permilagem às diversas fracções autónomas do imóvel constituído em propriedade horizontal) ou a necessidade de proceder a uma avaliação prévia dos bens (cf. PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed. Revista e actualizada, 1987, pg 719; OLIVEIRA ASCENSÃO /MENEZES CORDEIRO, Expurgação de Hipoteca, CJ, 5/1986, pg 42).
Quando o legislador, ainda que supletivamente, determi­na a indivisibilidade da hipoteca tem em vista reforçar o âm­bito da garantia. Como expusemos supra, estamos perante uma garantia acessória, pelo que é esta acessoriedade um elemento fundamental para a compreensão do exacto al­cance teleológico desta norma. Os propósitos do legislador, com a norma em causa, centram-se, pois, na garantia do crédito, tendo pretendido evitar-se que as eventuais vicissi­tudes a ocorrer na coisa dada em garantia pudessem pre­judicar a satisfação do crédito, nomeadamente, que parte daquele crédito deixasse de ser garantido ou que a garantia, ao invés do seu momento inicial, se viesse a revelar curta ou insuficiente para os propósitos iniciais. Há, pois, uma relação umbilical e de dois sentidos entre o crédito e a indivisibilida­de da garantia: a indivisibilidade, com a apontada instituição da estabilidade material da garantia originária, tem em vista, não a tutela garantística de parte do crédito, ou a protec­ção possível do valor garantido consoante as vicissitudes que ocorram na condição jurídica da coisa dada em garantia, mas a tutela do crédito garantido na sua integralidade. (8)
Essa faceta do direito de garantia em apreço é, no entanto, disponível, como claramente resulta do citado art. 696º e pode, por isso, ser objecto de negócio unilateral, maxime de renúncia abdicativa.
No que diz respeito à sua forma, como afirma Rui Oliveira (9), a renúncia deixou, em regra, de ser um negócio formal, mas não deixa, porém, de estar subtraída ao condicionalismo do seu objecto, quer no âmbito da validade, quer no âmbito da prova, pelo que as exigên­cias formais do legislador quanto ao negócio constitutivo do direito a renunciar, na ausência de disposição própria, terão sempre de estar presentes na definição do regime a aplicar.
De acordo como regime estabelecido neste particular âmbito da hipoteca, desde a alteração introduzida no art. 731º, do Código Civil, em 2007, que (1.) a renúncia à hipoteca deve ser expressa e escrita em documento que contenha a assinatura do renunciante reconhecida presencialmente, salvo se esta for feita na presença de funcionário da conservatória competente para o registo, não carecendo de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca para produzir os seus efeitos.
Em função deste aligeirar do formalismo deste acto de vontade, a questão que se coloca é se a renúncia à faculdade prevista no citado art. 696º tem de observar a forma da constituição ou modificação da hipoteca ou bastar-se-á com a prevista para a sua renúncia.
Neste ponto, seguimos de perto a posição que lê nessa aposta simplificadora do legislador (art. 9º, do Código Civil) a suficiência do for­malismo exigido para a renúncia ao direito, pelo que a renún­cia à indivisibilidade, enquanto faculdade do direito de ga­rantia em causa, terá de constar de documento escrito que contenha a assinatura do renunciante reconhecida presen­cialmente, podendo, no entanto, ser formalizada de modo mais solene, nomeadamente, através de escritura pública ou documento particular autenticado. (10)
Todavia, essa exigência de forma não se confunde com a exigência de declaração expressa para a renúncia ao direito, à hipoteca, nem esta exigência se estende à possível renúncia à indivisibilidade.
Como se defende no acima citado Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, essa declaração pode ser tácita, de acordo com a previsão do art. 217º, do Código Civil.
Em primeiro lugar, e desde logo, se se verificar o condicionalismo estabelecido no nº 2 do mesmo artigo: que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.
Por outro lado, porque se deverá entender que a exigência de forma não tem aplicação no caso, uma vez que essa exigência se deve considerar restrita à constituição ou modificação dos elementos essenciais da hipoteca e não já aos seus elementos naturais, como resulta do disposto nos artigos 96º do CRPredial (que a publicidade decorrente da inscrição no registo abrange apenas, e para a além da identificação dos titulares e da coisa sujeita inerente a todos os registos, a identificação do crédito e seus acessórios, a referência ao montante máximo assegurado e a causa da garantia; sem qualquer referência à divisibilidade ou indivisibilidade) e 731º, nº 1, do CCiv e 56º do CRPredial (que afastam a aplicação das estritas exigências de forma previstas para a constituição ou modificação da hipoteca, aligeirando significativamente as exigências de forma para a renúncia à hipoteca).
É esta a posição de Rui E. Estrela: A hipoteca ou é indivisível ou é divisível. Não existem hi­potecas parcialmente indivisíveis ou parcialmente divisíveis. E como supra se tentou explicitar, a indivisibilidade, definida pela estabilidade material da garantia originária visa, teleolo­gicamente, tutelar a integralidade da dívida. Consequente­mente - e aqui estará, porventura, o cerne da problemática - quando os facta concludentia permitirem retirar a ilação, nos termos interpretativos defendidos, que a relação entre a estabilidade material da garantia originária e a tutela da in­tegralidade da dívida se mostra quebrada ou interrompida, o credor terá renunciado tacitamente à indivisibilidade da hipoteca, não podendo, depois disso, executá-la indivisivel­mente, mas tão só divisivelmente. (11)

No presente processo, ficou apurado a esse respeito, além de mais, o seguinte:

1º - Caixa ..., SA, intentou a execução com o nº 3655/20.6T8GMR, a que o presente está apenso, contra a embargante V. L., para cobrança da quantia de € 1 090 547,09 (um milhão novecentos e noventa mil quinhentos e quarenta e sete euros e nove cêntimos).
7º - Para garantia do pagamento do capital mutuado, dos juros compensatórios e moratórios devidos no seu reembolso e das despesas judiciais e extrajudiciais, constituiu a sociedade mutuária a favor da Exequente, uma hipoteca sobre o prédio urbano de que era dona e legítima proprietária, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …/20080618. Cfr. docs. n.ºs 1 e 2.
9º - A sociedade mutuária não pagou à Exequente, nem na data do respetivo vencimento, nem posteriormente, a prestação vencida em 16/11/2011, o que determinou, nos termos contratualmente acordados, o vencimento imediato de todas as restantes prestações acordadas.
41º - Em 14 de Dezembro de 2010, foi celebrado o adicional ao contrato de abertura de crédito em conta corrente com hipoteca e fiança, constando como outorgantes, entre outros, a CAIXA ... e R. P., Lda., constando do mesmo, entre o mais: (…)
44º - Que a pedido da parte devedora, a CAIXA ... acordou em emitir os respectivos termos de cancelamento de hipoteca/distrates relativos às fracções hipotecadas, contra a entrega pela parte devedora de montantes a negociar pelas partes.
76º - No prédio em causa nos autos foram constituídas cinquenta a duas fracções, identificadas entre as letras A a BF, conforme resulta da certidão do Registo Predial do prédio …/19991220, junta a fls. 238 e seguintes, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
77º - A partir de 2008/11/20 até 2010/12/21 a exequente procedeu ao cancelamento das hipotecas de trinta e oito fracções, conforme resulta da certidão do Registo Predial do prédio …/19991220, junta a fls. 238 e seguintes, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
78º - A partir de 2010/12/22, inclusive, até à presente data, foram canceladas as seguintes hipotecas:
79º - Fracção …/20080618 – AL – constando que pela Ap. 2244 de 2011/01/26, a aquisição da mesma através de compra por Imo..., Imobiliária, Lda., à R. P., Lda., conforme documento junto a fls. 476 v a 477, cujo teor se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
80º - Fracção .../20080618 – AN – constando que pela Ap. 2684 de 2011/01/26 a aquisição da mesma através de compra por C. F., casado com V. S. à R. P., Lda., conforme documento junto a fls. 478, cujo teor se dá como reproduzido para todos os efeitos legais. 81º - Fracção .../20080618 – AT – constando que pela Ap. 3097 de 2015/11/10, a aquisição da mesma através de compra por M. T., casada com P. T. à Imo..., Imobiliária, Lda., conforme documento junto a fls. 476 v a 477, cujo teor se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
82º - Fracção .../20080618 – AV – constando que pela Ap. 2244 de 2011/01/26, a aquisição da mesma através de compra por Imo..., Imobiliária, Lda., à R. P., Lda., conforme documento junto a fls. 479 v a 480, cujo teor se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
83º - Fracção .../20080618 – BA – constando que pela Ap. 2562 de 2020/03/02, a aquisição da mesma através de compra em processo de insolvência por D. C. e E. C. à R. P., Lda., conforme documento junto a fls. 481, cujo teor se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
84º - Fracção .../20080618 – BD – constando que pela Ap. 3274 de 2020/02/27, a aquisição da mesma através de compra em processo de insolvência por R. A. à R. P., Lda., conforme documento junto a fls. 482, cujo teor se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
85º - Fracção .../20080618 – J – constando que pela Ap. 277 de 2011/01/26, a aquisição da mesma através de compra por J. S. e M. P., a V. J. e M. F., conforme documento junto a fls. 482 v a 483, cujo teor se dá como reproduzido para todos os efeitos legais. 86º- Fracção .../20080618 – I – constando que pela Ap. 3274 de 2020/02/27, a aquisição da mesma através de compra em processo de insolvência por A. P. à R. P., Lda., conforme documento junto a fls. 485, cujo teor se dá como reproduzido para todos os efeitos legais.
91º - A embargada não emitiu quaisquer distrates de fracções que fazem parte integrante do prédio urbano hipotecado a partir do momento em que se deu o incumprimento pela sociedade mutuária.
Perante o exposto, julgamos que não só a Apelante assumiu ou acordou supervenientemente, com a devedora inicial, mutuária, nomeadamente no escrito adicional mencionado, v.g., em 41º e 44º, dos factos assentes, que a hipoteca em causa era divisível, o que permitiu os mencionados distrates, como, indubitavelmente, agiu unilateralmente em conformidade com esse entendimento perante os terceiros a quem foi distratando de modo individual e parcelar a garantia em causa, conforme reconhece ter acontecido pelo menos até ao momento referido no item 9º dos factos apurados.
Perante estes factos concludentes, podemos também aqui, à semelhança do que considerou o Supremo Tribunal de Justiça no referido Acórdão (cf. art. 8º, nº 3, do Código Civil (12)) concluir, em sintonia com o decidido e divergindo das conclusões neste sentido formuladas pela Apelante, que neste caso ocorreu repetidamente essa declaração tácita de renúncia à indivisibilidade da hipoteca outorgada, que, por tudo o que ficou acima dito, consideramos relevante.

2.2. O valor a atender na responsabilidade proporcional da executada

Subsidiariamente, a Apelante discute a decisão recorrida na parte em que considerou como valor de referência para aferir a responsabilidade proporcional da Apelada aquele que foi trazido à execução pela Credora/Exequente.
Atente-se que não se discute aqui qual o critério de fixação dessa responsabilidade parcelar equitativa mas apenas qual o valor de referência.
Essa questão ficou igualmente esclarecida em posição que aqui seguimos, no referido Ac. do Supremo Tribunal de Justiça e aliás propugnada por jurisprudência de 2ª instância que acima citámos: as fracções do imóvel entretanto repartido em propriedade horizontal apenas respondem, proporcionalmente, pelo montante actual da dívida, aquele que efectivamente aqui se reclamou na execução de que dependem estes embargos, mas na proporção resultante da mencionada permilagem, tal como bem entendeu a decisão apelada.
Não se trata de redução, prevista no art. 719º, do Código Civil, mas do efeito equitativo que sobre a hipoteca, dividida, importa para a responsabilidade parcelar da executada titular da fracção garante, em apreço.
Neste conspecto, improcedem as conclusões da Apelante e, assim, apelação.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação.
Condena-se nas custas da apelação, a Recorrente (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
N.
*
Guimarães, 02-06-2022

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio


1. Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
3. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
4. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
5. Cf. Tiago Melo, in https://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/5761/1/DM_TiagoMello_MSOL_2013.pdf
6. Cf. Rui Estrela de Oliveira, in A RENÚNCIA TÁCITA DO CREDOR. À INDIVISIBILIDADE DA HIPOTECA, revista "Estudos de Direito do Consumidor" (https://www.fd.uc.pt/cdc/pdfs/rev_17_completo.pdf ), nº 17, pp. 581/582.
7. Ac. de 11.2.2021, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e71e52edc35ed062802586cb003ea7d7?OpenDocument
8. Cf. Rui E. Oliveira, ob. cit., p. 606
9. Ob. citada, p. 615
10. Neste sentido, Rui E. Oliveira, ob. cit., p. 631/632
11. Ob. cit., p. 633
12. Nesse sentido vide, v.g.: Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.7.2018, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/f1570006476cfcbb8025830700312ffe?OpenDocument / ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 23.10.2018, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/56aee5637bf6959f802583610035d4e3?OpenDocument / Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22.1.2013, https://dre.pt/dre/detalhe/acordao/c.c1-2013-93386375