EMBARGOS DE EXECUTADO
PRESCRIÇÃO
PRAZO ORDINÁRIO
Sumário


Sumário da Relatora (art.663º/7 do C. P. Civil):

Aplica-se ao crédito por mútuo bancário, a pagar em frações de capital e juros remuneratórios, o prazo curto de prescrição de 5 anos, nos termos do art.310º/e) do C. Civil, ainda que o crédito sobre as prestações se tenha antecipadamente vencido face ao incumprimento, nos termos do art.781º do C. Civil.

Texto Integral


As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte:

ACÓRDÃO

I. Relatório:

Por apenso aos autos da ação executiva sumária nº 4816/18.3T8GMR, intentada por X SA contra J. R. e M. F. (na qual a primeira pedira a execução do valor de capital em dívida €3.812,27 e de juros de mora vencidos de € 5.800,34, com fundamento na falta de pagamento desde março de 2003 das prestações de amortização de um crédito bancário contraído em maio de 1994, remunerável com juros remuneratórios e amortizável em 10 anos, e sem a identificação do valor de cada uma das prestações de amortização e da sua composição de capital e juros), vieram esta última e os demais herdeiros habilitados em nome do executado falecido J. R. deduzir oposição àquela por embargos, nos quais:

1. Os embargantes pediram a extinção da ação executiva, alegando, em suma: que a embargada ficou desonerada do empréstimo que sustenta a execução, uma vez que após a morte do marido em 1997 contactou o Banco ... para acionar o seguro, e que, tendo o seguro pago a dívida, o crédito do mutuante está extinto desde a liquidação de 1998; que após o Banco … ter instaurado uma ação de falência contra os executados em 2001, da qual desistiu, após a morte do marido, vem agora a exequente instaurar uma ação executiva contra a executada e herdeiros quase 20 anos depois, quando o crédito se encontra prescrito, uma vez que, como refere o acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo nº6238/16.1T8VNF-A.G1,«I- O art.º 781.º do C.C. não tem natureza imperativa, sendo antes um direito concedido ao credor, que este poderá ou não exercer, com o que o credor tem de interpelar o devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas. II- A prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não são exercidos durante certo tempo, fixado na lei, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. III- As chamadas prescrições de curto prazo, elencadas no art.º 310.º do C.C., visam, além do mais, evitar que o credor deixe acumular os seus créditos tornando excessivamente oneroso ao devedor pagar mais tarde. IV- Prescrevem no prazo de 5 anos, fixado no referido art.º 310.º, por se integrarem na alínea e), as prestações que constituem quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.».
2. Foi proferido despacho liminar de admissão dos embargos à execução.
3. A embargada/exequente apresentou contestação, na qual: impugnou a desoneração da dívida, o acionamento do seguro e os pagamentos alegados; defendeu que a embargante limitou-se a invocar que os créditos se encontravam prescritos, sem mais, sendo que, segundo informação prestada, o incumprimento se reporta ao ano de 2003 e ainda que se possa admitir que se encontra ultrapassado o limite prescricional, a dívida existe e os valores são devidos, o que não impede que o credor possa peticionar o seu crédito.
4. Foi proferido despacho saneador- sentença a 10.12.2021, no qual:
4.1. Foi fixado aos embargos o valor processual da ação executiva.
4.2. Foi proferido despacho de saneamento e foi julgado que os autos permitiam o conhecimento imediato do mérito da causa, nos termos dos arts. 595º/1-b) e 597º/c) do C. Processo Civil.
4.3. Foi proferida sentença, na qual foi decidido:
«Pelo exposto, decide-se:
a) julgar verificada a prescrição do crédito exequendo e, em consequência,
b) julgar procedentes os embargos de executado e determinar a extinção da instância executiva.--

*
Custas pela exequente/embargada – art. 527º, nºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil.
Registe e notifique, incluindo ao Sr. SE.».

5. O embargado/exequente interpôs recurso, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«I. O douto Tribunal a quo proferiu sentença que julgou os embargos de executado totalmente procedentes, determinando, em consequência, a extinção da execução de que estes autos constituem apenso;
II. O Julgador a quo julgou procedente a invocada excepção peremptória da prescrição dos juros e capital não amortizado, considerando aplicável a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil à situação subjudice;
III. Ora e salvo o devido respeito e que é muito, douta sentença recorrida, fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos, nomeadamente dos artigos 9°, 309.°, 310.°, 781.° e 1142.°, todos do Código Civil;
IV. Está em causa um mútuo bancário que não foi liquidado pelos devedores.
V. A Recorrente entende que ao contrato de mútuo já resolvido é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309.º, do Código Civil);
VI. Da celebração do contrato de empréstimo outorgado por escritura pública que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, resulta uma única obrigação: a de pagamento;
VII. A perda de benefício do prazo aplicável, dado o não pagamento das prestações do capital mutuado, confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital, ocorrendo uma convolação numa noutra obrigação: o pagamento da totalidade do capital mutuado e ainda em dívida, o qual não poderá estar sujeito ao prazo prescricional de 5 anos;
VIII. De harmonia com o teor dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra e de Guimarães citados nas motivações (processos n.ºs 525/14.0TBMGR-A.C1 e 589/15.0T8VNF-A.G1), na eventualidade da existência de um incumprimento no plano de reembolso acordado, o exequente pode considerar, ao abrigo do disposto no artigo 781.º, do Código Civil, vencida toda a dívida, pelo que o montante dividendo assume a sua natureza original de capital e de juros, ficando aquele sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º, do Código Civil;
IX. A jurisprudência citada entende, salvo o devido respeito, que, uma vez vencidas todas as prestações, não estamos perante o reembolso de quotas de capital e de juros amortizáveis, mas, outrossim, do capital mutuado;
X. Por consequência e ao contrário do que propugna a decisão recorrida, a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil não se aplica à situação sub judice, pois estamos na presença de uma única obrigação (para cada um dos contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo;
XI. Ou seja, estando a dívida incorporada em título executivo – escritura pública – documento exarado por notário que importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação (vide n.º 1 alínea b) do artigo 703.º do Código de Processo Civil, fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do 311.º, n.º 1 do Código Civil, não se aplicando a alínea e) do artigo 310.º do mesmo código);
XII. É inequívoco que o capital peticionado no requerimento executivo não abrange os juros remuneratórios nem corresponde à soma das prestações que ficaram por liquidar mas apenas a totalidade do capital em dívida após afectação dos pagamentos recebidos, sendo de concluir pela aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos;
XIII. A douta sentença recorrida fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos, na parte que diz respeito à prescrição, pois a factualidade impunha ao Tribunal que a oposição fosse julgada improcedente;
XIV. Sem embargo, a douta sentença recorrida, recorre ao disposto no artigo 310.º, do Código Civil, nos termos do qual as razões justificativas das prescrições de curto prazo destinam-se a obstar a situações de ruína económica por parte do devedor;
XV. O artigo 310.º, alínea e), do Código Civil encontra-se em vigor há décadas continuadamente e sempre foi interpretado no sentido de que não se aplicava aos mútuos bancários, mormente quando ocorre, tal como in casu, um vencimento antecipado de toda a dívida por inadimplemento (artigo 781°, do Código Civil);
XVI. O legislador não quis, como parece, agora, com as interpretações que vão sendo dadas àquela disposição legal (310.º, alínea e), do Código Civil), nem favorecer o credor, nem prejudicar o devedor;
XVII. Conforme já expendido e consta do elenco de factos provados, entre a Recorrente e os mutuários foi celebrado um contrato de mútuo, entregando a primeira aos últimos uma quantia aos primeiros que estes se comprometeram a devolver-lhe, acrescida da respectiva renumeração, em prestações, mensais e sucessivas, de capital e juros, prestações essas que correspondem ao fraccionamento da obrigação da restituição do capital mutuado (artigos 1114.º e 781.º, do Código Civil) e compreendem parte do capital e respectivos juros remuneratórios (artigos 1145.° do Código Civil e 395.° do Código Comercial);
XVIII. Os mutuários não satisfizeram as prestações a partir de 3/3/2003, o que determinou o vencimento das restantes, nos termos do disposto no artigo 781.°, do Código Civil;
XIX. Desde que ocorre o vencimento imediato, fica sem efeito o plano acordado, deixando de existirem "quotas de amortização de capital", passando a falar-se apenas de capital e juros, sujeitos aos prazos prescricionais de 20 anos para o capital (artigo 309.°, do Código Civil) e de 5 anos (artigo 310º, alínea d), do Código Civil) para os juros de mora;
XX. Salvo melhor opinião, o artigo 310.°, do Código Civil só pode ser interpretado como aplicável aos frutos civis ou rendimentos ou a créditos inerentes ao gozo continuado de uma coisa, isto é, às prestações periódicas, dependentes do factor tempo. Neste sentido vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16.09.2008, processo n.º 4693/2008-l ou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15.10.2013, processo n.º 3992/12.3TBPRD.Pl, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt;
XXI. A douta sentença recorrida não podia, salvo o devido respeito, restringir o prazo de prescrição de 20 para 5 anos, sobretudo tendo já ocorrido o vencimento imediato de todas as prestações, porquanto, atenta a própria natureza do contrato de mútuo e que tem inerente a obrigação de restituição de capital (artigo 1142.°, do Código Civil), cessou o reembolso fraccionado e periódico do capital;
XXII. Cabe ao Julgador interpretar a lei, tendo em conta os interesses do devedor, não o onerando, excessivamente, mas, também os interesses do credor que tem direito à restituição do capital e à compensação pelo tempo, em que disponibilizou o mesmo, ao devedor (artigo 9.°, do Código Civil);
XXIII. Todos os mútuos bancários têm, como regra, o reembolso em prestações mensais e sucessivas de capital, juros e demais encargos, pelo que, a ser acolhida a tese defendida na douta sentença recorrida, a regra para os empréstimos bancários passaria a ser a da prescrição do capital, no prazo de 5 anos;
XXIV. Passar-se ia, então, do "8 ao 80", pois, com a preocupação de protecção "à parte dita mais fraca", o consumidor, aproveitar-se-ia este da inércia do credor, muitas vezes benevolente com a mora dos mutuários, em que aguarda pela regularização dos devedores dos valores em dívida durante 5 anos, para se ver dispensado de pagar uma dívida de capital que podia ser de 100, 200, 300 mil euros, e não foi isso seguramente que o legislador quis.
XXV. Tratando-se de um mútuo destinado à aquisição de um imóvel, o capital e os juros do exequente são assegurados pela existência de uma hipoteca voluntária constituída e registada.
XXVI. O artigo 4.°, do Código do Registo Predial, dando forma adjectivo-processual ao disposto no artigo 687.°, do Código Civil, preceitua o efeito constitutivo do registo da hipoteca, cuja eficácia entre as próprias partes, depende da realização do registo;
XXVII. O registo existe, pois, para assegurar a estabilidade de certo tráfico jurídico com a correspondente protecção do adquirente que confia na fé pública, resultante das presunções do registo;
XXVIII. E, nessa medida, a segurança do registo não pode, sem mais, ser coarctada com uma interpretação que reduz o prazo de prescrição;
XXIX. Acresce que o tempo de duração do contrato e a inerente remuneração do capital mutuado fazem parte da actividade societária da Recorrente, a qual empresta capital com o propósito de receber os respectivos juros;
XXX. E assim é que, reconhecendo essa realidade contratual, o artigo 1147.°, do Código Civil e o artigo 9.°, do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, determinam a obrigação do pagamento de juros remuneratórios para o caso de antecipação de reembolso;
XXXI. A douta sentença recorrida, ao aplicar o artigo 310.°, do Código Civil, indiscriminadamente, ao capital e juros, absolvendo a Embargante do pedido, penaliza a Recorrente, que peticionando aquilo a que tem direito, capital em dívida e juros, vê os devedores serem absolvidos, até do capital que prescreve no prazo de 20 anos;
XXXII. A interpretação acolhida, na douta sentença recorrida, aplicada de forma generalizada, levaria à ruína, não do consumidor, mas das Instituições Bancárias, que concedem crédito, e se vêem, depois, em caso de incumprimento, impedidos de reaver, até o capital que emprestaram;
XXXIII. Sucede, porém, desde que ocorreu o vencimento imediato de toda a dívida, esta já não se encontrava repartida em prestações pagáveis num dado decurso temporal periódico.
XXXIV. Ocorreu, pois, um novo quadro obrigacional entre as partes, não já amortizável em prestações periódicas de capital e de juros, mas devido de imediato na sua totalidade, o que afasta, indiscutivelmente, a aplicabilidade do prazo de prescrição previsto para as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
XXXV. Ou seja, “Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil prescrição de cinco anos porque o crédito reclamado não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação””, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12.06.2018, processo n.º 17012/17.8YIPRT.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
XXXVI. Seguindo o entendimento preconizado no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16.03.2017, igualmente, disponível em “www.dgsi.pt”, assim sumariado: «I- No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º, do CC. II- Mas se em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.»
XXXVII. Também o Supremo Tribunal de Justiça se decidiu por esta solução, no douto Acórdão de 29-09-2016, disponível no mesmo site.
XXXVIII. Contudo, a dívida passou a ser exigível, na sua totalidade, atenta a ausência de pagamento de uma prestação que determinou o vencimento das restantes, o que deu azo a uma outra reclamação judicial, onde os mutuários foram citados, sem que tenham deduzido qualquer oposição à reclamação.
XXXIX. Perante o não pagamento de uma prestação do capital mutuado, o artigo 781.º, do C.C. concede ao credor o direito de exigir de imediato ao mutuário o pagamento da totalidade do capital (cujo reembolso estava outrora convencionado ser fraccionado em prestações), o que se fez notar pelas intervenções judiciais, pelo que dúvidas inexistem de que tomaram conhecimento, pelo menos, nessa data, de que a exequente pretendia dissolver o vinculo contratual existente entre elas, ao exigir a totalidade das prestações vencidas e vincendas.
XL. Pode assim dizer-se que o teor das intervenções judiciais acima referidas traduz o acto de vontade da exequente em efectivar o termo do contrato de mútuo com base no incumprimento definitivo do plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, acto esse que foi comunicando aos mutuários em dívida, mormente através da citação, muito antes do prazo dos 20 anos.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS: artigos 9.°, 309.°, 310.°, 781.° e 1142.°, todos do Código Civil.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, OS QUAIS SERÃO DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EX.AS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, DETERMINANDO-SEA PROSSECUÇÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA, ASSIM SENDO FEITA A ACOSTUMADA JUSTIÇA.».
6. Não foi apresentada resposta às alegações.
7. Foi admitido o recurso de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
8. Recebido o recurso de apelação nesta Relação, colheram-se os vistos.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do C. P. Civil.

Definem-se como questões a decidir, face às conclusões do recurso:
a) Se ao crédito exequendo é aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos (art.309º do C. Civil), defendido pela apelante (por esta entender: que o contrato de mutuo foi resolvido e os executados perderam o benefício do prazo; que sempre se entendeu que o prazo curto de prescrição não se aplica aos mútuos bancários, mormente quando há um vencimento antecipado de toda a dívida por incumprimento; que é inequívoco que a exequente não pediu a soma das prestações de amortização que ficaram por liquidar mas apenas o capital em dívida; que a interpretação da sentença levaria à ruína das instituições de crédito que, depois do incumprimento, estariam impedidas de reaver mesmo o capital que emprestaram; que o banco beneficia de um registo de hipoteca voluntária, que lhe confere uma segurança que não pode vir a ser afetada pela redução do prazo prescricional), ou
b) Se ao crédito exequendo é aplicável o curto prazo de prescrição de 5 anos defendido na sentença recorrida (art.310º/e) do C. Civil).

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto:

1.1. Matéria de facto julgada provada e não provada na sentença recorrida:
«Estão assentes, face à tramitação dos autos, ao acordo nos articulados e documentos juntos, com relevância para a decisão a proferir, os seguintes factos:

Do requerimento executivo:
a) Foi dado à execução a escritura pública de Compra e mútuo com hipoteca outorgada em 03 de Maio de 1994 a União de Bancos Portugueses concedeu a J. R. e mulher M. F. um empréstimo no valor de cinco milhões de escudos, correspondente, atualmente a €24.939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), que naquele acto receberam e se confessaram devedores, nos termos constantes do documento junto à petição inicial como doc. 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
b) Para garantia da quantia mutuada, os mutuários constituíram uma hipoteca a favor do Banco mutuante, sobre a fracção autónoma designada pela letra “AO”, correspondente ao Rés-do-Chão, destinada a comércio, do prédio urbano denominado “Edifício …”, sito no Lugar da …, freguesia de …, concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº ...--
c) Pela utilização do capital mutuado, comprometeram-se a pagar juros sobre o capital em dívida à taxa anual efetiva de 12,4%, juros que poderiam ser alterados semestralmente e que, em caso de mora, seriam acrescidos de uma sobretaxa de 2%,
d) Ficou ainda estipulado que o empréstimo era concedido pelo prazo de dez anos, vencendo-se a primeira prestação em 03.06.1994, e as restantes em igual dia de cada um dos meses subsequentes.
e) Os Mutuários não pagaram ao mutuante a prestação que se venceu em 03.03.2003 nem as que se venceram posteriormente.
f) Nos termos da alínea b) da clausula 6ª do documento complementar ao contrato, o vencimento de uma prestação implica o vencimento imediato de todas as restantes.
g) O Banco ..., S.A. e o Banco ... Imobiliário, S.A. eram designados por “União de Bancos Portugueses S.A.”, tendo sido incorporados no no Banco …, S.A., Sociedade Aberta.
h) Por Contrato de Cessão de Créditos outorgado em 20 de Março de 2007, o Banco …, S.A., Sociedade Aberta, cedeu à Y, S.A., o crédito sub judice que detinha sobre os aqui Executados, bem como todos os direitos, garantias e acessórios a ele inerentes.
i) Por Contrato de Cessão de Créditos outorgado em 23 de Outubro de 2012, em Lisboa, a “Y, S.A.” cedeu à Hipoteca W, S.A.R.L. o crédito sub judice que detinha sobre os aqui Executados, bem como todos os direitos, garantia e acessórios a ele inerentes.
j) Por Contrato de Cessão de Créditos outorgado em 23 de Fevereiro de 2016, em Lisboa, a “Hipoteca W, S.A.R.L..” cedeu à “ A. G. Limited” o crédito sub judice que detinha sobre os aqui Executados, bem como todos os direitos, garantia e acessórios a ele inerentes.
k) Por Contrato de Cessão de Créditos outorgado em 03 de Fevereiro de 2017, em Oeiras, a “A. G. Limited.” cedeu à “ X, S.A.” o crédito sub judice que detinha sobre os aqui Executados ,bem como todos os direitos, garantia e acessórios a ele inerentes.---
Da petição de embargos:--
l) J. R. faleceu no dia -/09/1997 no estado de casado sob o regime da comunhão de adquiridos com M. F..—
m) A embargante e V. A., N. R., D. J., B. M. e S. R., foram julgados habilitados, no incidente intentado por apenso à execução, como herdeiros do executado J. R. atento o respectivo falecimento. ---
*
Não se apurou-se:--
(único) O valor em débito do contrato à data de falecimento do executado J. R. foi liquidado pelo seguro outorgado aquando da celebração do mútuo.».
1.2. Matéria de facto provada documentalmente e aditada nesta Relação (arts.663º/2 e 607º/4 do C. P. Civil):
No documento complementar ao crédito de habitação referido em 1.1. supra, na cláusula 6ª encontra-se previsto:
«Importa o vencimento do crédito e a imediata exigibilidade do saldo em dívida:
a) (…);
b) A falta de pagamento pontual de qualquer prestação mensal de amortização do empréstimo;
c) O incumprimento por parte do(s) mutuário(s) de qualquer das obrigações assumidas neste contrato;
d) (…)».

1. Apreciação jurídica:
Importa reapreciar, conforme se definiu em II supra, se o crédito exequendo se encontra ou não se encontra prescrito em 2018, na data em que a exequente, após ter instaurado a ação executiva, poderia ter beneficiado da interrupção da prescrição nos termos do art.323º/2 do Código Civil.

2.1. Enquadramento jurídico da prescrição:
2.1.1. Estão sujeitos à prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.298º/1 do C. Civil).
O prazo de prescrição pode ser um prazo ordinário de 20 anos (art.309º do C. Civil) ou pode ser um prazo curto de prescrição 5 anos nas situações previstas por lei (art.310º do C. Civil).
O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se porém o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo prazo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição (art.306º/1 do C. Civil).
Completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito (art.304º/1 do C. Civil), embora a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que com ignorância quanto à mesma, não possa ser repetida (art.304º/2 do C. Civil).
Esta prescrição, quanto à sua eficácia- para uns é uma causa extintiva da obrigação, sem prejuízo do nº2 do art.304º do C. Civil (v.g, Brandão Proença e Luís Carvalho Fernandes, referidos por Júlio Gomes, considerando-a este extintiva de direitos sem prejuízo de se dever o seu cumprimento como dever de justiça) (1), e para outros não é uma causa de extinção das obrigações (v.g. Menezes Cordeiro considera que «A eficácia da prescrição não é extintiva. Ela transforma, quando invocada, a obrigação prescrita numa obrigação natural» (2); Júlio Gomes, com referência também a Jacinto Rodrigues Basto, a Heinrich Horster e Pedro Pais de Vasconcelos (3)). Todavia, independentemente desta discussão, a prescrição é uma exceção perentória que, pelo menos, torna inexigível o cumprimento civil da obrigação, nos termos dos arts.576º/3 e 579º do C. P. Civil (4) .
2.1.2. O prazo curto de prescrição de 5 anos previsto no art.310º do C. Civil de 1966 («Prescrevem no prazo de cinco anos: a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias; b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez; c) Os foros; d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades; e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros; f) As pensões alimentícias vencidas; g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.») foi antecedido de igual previsão prescricional de curto prazo no art.543º do Código Civil de 1867- Código Seabra (para «1º (…) pensões enphyteuticas, sub-enphyteuticas (…), rendas, alugueres, juros e quaisquer prestações vencidas que se costumam pagar em certos e determinados tempos; 2ºAs pensões alimentícias vencidas; 3º A obrigação de reparar prejuízos resultantes de delictos correcionais.»).
A doutrina e jurisprudência têm acentuado como ratio desta norma a necessidade de combater a inércia do credor na cobrança destes créditos específicos e evitar uma situação de excessiva onerosidade para o devedor.
Manuel de Andrade, em referência ao curto prazo de prescrição de 5 anos do art.543º/1º do Código Seabra, referia-se que «Pelo que respeita ao prazo do art.543.º, n.º1, a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe de acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar.» (5).
Júlio Gomes, citando também Ana Filipa Morais, refere, em relação ao art.310º do C. Civil de 1966, «A ratio normalmente apontada para a existências destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor. Nas palavras sugestivas de ANA FILIPA MORAIS ANTUNES (2008:79), trata-se de “evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” (p. 79)» (6).
2.1.3. Na previsão concreta da al. e) do art.310º do C. Civil, prevê-se que prescrevem em 5 anos «As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;».
2.1.3.1. A Doutrina e a Jurisprudência têm considerado que se aplica o prazo prescricional de 5 anos, nos termos da al. e) do art.310º do C. Civil, ao direito de crédito do credor a cada uma das prestações mensais de reembolso e pagamento de um mútuo bancário- pelo qual o mutuante e o mutuário acordaram que aquele emprestava a este capital a remunerar por uma taxa de juro e que este restituiria o capital e pagaria os juros remuneratórios em prestações mensais (integradas por capital e juros), caso em que não se está perante uma dívida única de pagamento diferido no tempo mas perante uma dívida de pagamento fracionado em prestações periódicas (que integram, ao mesmo tempo, parcelas de capital a reembolsar e parcelas de juros remuneratórios do empréstimo).
Registam-se, neste sentido, entre a Jurisprudência, nomeadamente, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (para além daqueles referidos em 2.1.3.2. infra):
O Ac. STJ de 27.03.2014, proferido no processo nº189/12.6TBHRT-A.L1.S1, relatado por Silva Gonçalves (disponível in dgsi.pt), que concluiu: «1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º309.º do C. Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização de capital pagáveis com os juros- art.310.º, alínea e), do C. Civil».

O Ac. STJ de 29.09.2016, proferido no processo nº201/13.1TBMIR-A.C1.S1, relatado por Lopes do Rego (disponível in dgsi.pt), que refere na sua fundamentação, nomeadamente:
«Note-se que efectivamente, no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.
Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
Ou seja, o legislador entendeu que , neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.».
2.1.3.2. Todavia, a doutrina e a jurisprudência já discutem se se mantém a aplicação deste prazo curto de 5 anos ou se se aplica o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, nos casos em que o credor não pede as prestações que se foram mensalmente vencendo mas pede o cumprimento antecipado da totalidade do contrato face à falta de pagamento de alguma das prestações (art.781º do C. Civil) ou pede o reembolso do capital mutuado decorrente da extinção do contrato por resolução (arts.432º ss, 808º do C. Civil).

Por um lado, existe uma jurisprudência nas Relações que, em situações diversas de incumprimento em que foi chamada a pronunciar-se, entendeu que se deveria aplicar o prazo ordinário de 20 anos:
a) Ao direito de crédito decorrente de um mútuo bancário quando o credor declarou antecipadamente vencidas todas as prestações vincendas de amortização do crédito, decorrente do incumprimento (art.781º do C. Civil) e peticionou este crédito antecipado, por entender que neste caso já não se está perante um pagamento fracionado da dívida e esta adquire a sua natureza anterior ao fracionamento. Registam-se neste sentido, nomeadamente:
O Ac. RC de 26.04.2016, proferido no processo nº525/14.0TBMGR-A.C1, relatado por Maria João Areias (disponível in www.direitoemdia.pt), que sumariou «4. Se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.».
O Ac. RG de 16.03.2017, proferido no processo nº589/15.0T8VNF-A.G1, relatado por Jorge Teixeira (disponível in www.direitoemdia.pt), que sumariou «I- No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º, do CC.II- Mas se em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.»).
O Ac. RL de 12.11.2020, proferido no processo nº927/14.2TBALM-A.L1-8, relatado por Maria do Céu Silva (disponível in www.dgsi.pt), que sumariou:«1 - Verificando-se a falta de pagamento de uma prestação e, em consequência, o vencimento imediato das prestações por força do art. 781º do C.C., não tem o mutuário de pagar os juros remuneratórios originariamente incorporados no montante das prestações, pelo que as prestações em falta não se enquadram no art. 310º al. e) do C.C. e, portanto, aplica-se o prazo ordinário da prescrição. 2 - O art. 781º do C.C. não é uma norma imperativa. 3 - Assim, se, por força do regime convencionado pelas partes, não houver vencimento imediato das prestações, as prestações continuam a incorporar juros remuneratórios e, portanto, as prestações enquadram-se no art. 310º al. e) do C.C., sendo que a prescrição de 5 anos operará em relação a cada uma das prestações em falta, começando a correr a partir da data do respectivo vencimento.».
b) Ao direito de crédito decorrente de um mútuo bancário no caso em que este contrato se extinguiu por resolução e foi pedido o reembolso do capital não reembolsado (ainda que acrescido de cláusula penal). Registam-se neste sentido, nomeadamente:
O Ac. RC de 12.06.2018, proferido no processo nº17012/17.8YIPRT.C1, relatado por Jorge Arcanjo (disponível in www.direitoemdia.pt), que sumariou «Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”.».
O Ac. RE de 11.11.2021, proferido no processo nº49/20.7T8LL-A.E1, relatado por Cristina Dá Mesquita (disponível in www.direitoemdia.pt), que, apesar de aplicar o prazo de prescrição de 5 anos ao crédito antecipadamente vencido nos termos do art.781º do C. Civil por considerar que nesse caso se está perante um pedido de cumprimento do contrato, já considera aplicável o prazo ordinário de 20 anos aos casos de extinção do contrato por resolução, referindo- «Ocorrendo a resolução do contrato, julgamos que a solução já será diversa. O direito de resolução consiste no poder unilateral de extinguir um contrato válido em virtude da ocorrência de factos posteriores que afetem de forma séria o interesse do credor ou que tornem impossível ou prejudiquem de forma grave a realização do fim visado pelas partes com a celebração do contrato. Em regra, a resolução tem efeitos retroativos, exceto se contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução ou se se tratar de um contrato duradouro pois nestes casos os seus efeitos produzem-se apenas para o futuro (cfr. artigo 434.º do Código Civil). Por força do exercício do direito de resolução o vínculo contratual extingue-se, total ou parcialmente, e as partes deixam de estar obrigadas ao cumprimento das obrigações acordadas. Por efeito da declaração de resolução surge assim uma nova relação obrigacional, retroativa, de liquidação[6], a qual visa evitar que uma das partes sofra qualquer prejuízo subsequente à cessação da relação contratual. Desta feita, da nova relação obrigacional de liquidação nascem novos deveres de prestação, fruto da retroatividade, para além de um dever de reparação dos danos eventualmente causados ao credor (cfr. artigo 801.º, n.º 2, do CC), pelo que aos direitos de crédito emergentes dessa nova relação obrigacional e decorrentes do princípio da retroatividade haverá que aplicar o prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil.» (posição também assumida na sua declaração de voto do AC RE de 24.02.2022, proferido no processo nº577/21.78SLV-A.E1, relatado por Elisabete Valente, disponível in www.direitoemdia.pt).
Por outro lado, existe uma jurisprudência sedimentada no Supremo Tribunal de Justiça que aplica o prazo de prescrição de 5 anos aos direitos de crédito de mútuos bancários, reembolsáveis em prestações mensais de capital e juros remuneratórios, independentemente das consequências do incumprimento, por estas se reportarem ao acordo das partes em que a dívida era fracionada em parcelas de capital e juros:
a) Pronunciaram-se expressamente pela manutenção da aplicação deste prazo quinquenal de prescrição no caso de invocação pelo mutuante de um crédito pelo cumprimento do contrato, com vencimento antecipado das prestações vincendas, nomeadamente:
O Ac. STJ de 18.10.2018, proferido no processo nº 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, relatado por Olindo Geraldes (disponível in www.dgsi.pt), que sumariou: «I. O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil. II. A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição. III. Um pagamento coercivo não releva, como facto interruptivo da prescrição em relação aos fiadores, na medida em que não intervieram no respetivo processo, nem o credor lhes deu conhecimento desse facto.».
O Ac. STJ de 10.09.2020, proferido no processo nº805/18.6T8OVR-A.P1.S1, relatado por Rijo Ferreira (disponível in www.dgsi.pt), que concluiu «Às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.». Este acórdão defendeu que o preenchimento desta previsão do prazo prescricional não é impedida pelos efeitos definidos na AUJ nº9/2009 (que fixou jurisprudência uniforme no sentido que «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados»), por entender que «O vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma deles, nos termos do art.º 781º do CCiv, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cf. AUJ 7/2009, DR, I, 05MAI2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.».
O Ac. do STJ de 03.11.2020, proferido no processo nº8563/15.0T8STB-A.E1. S1, relatado por Fátima Gomes (disponível in www.dgsi.pt), sumariou: «I. — Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização. II. — Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil. III. — A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil.».
O Ac. do STJ de 12.11.2020, proferido no processo nº7214/18.5T8STB-A.E1.S1, relatado por Maria do Rosário Morgado (disponível in www.dgsi.pt), decidiu e concluiu em geral: «I – O crédito emergente de um contrato de mútuo bancário, em que, por acordo entre credor e devedor, se prevê a amortização da dívida em diversas prestações periódicas de capital e dos juros correspondentes está sujeito ao prazo de prescrição, previsto na al. e), do art. 310º, do CC:; II – A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.».
O Ac. STJ de 09.02.2021, proferido no processo nº15273/18.4T8SNT-A.L1.S1, relatado por Fernando Samões (disponível in www.dgsi.pt), sumariou: «I. Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respectivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no art.º 310.º, al, e), do Código Civil. II. O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.». Neste acórdão, também foi defendido que as consequências do vencimento antecipado definidas na AUJ nº7/2009 não interferem no prazo de prescrição da obrigação- «Com efeito, o art.º 781.º do Código Civil prevê o vencimento imediato de todas as fracções por via da falta de pagamento de uma delas. E apenas o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo. Nada mais, designadamente a alteração da natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros, de acordo com o AUJ n.º 7/2009 (in DR, Série I, de 5/52009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.».
O Ac. STJ de 28.04.2021, proferido no processo nº 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1, relatado por Graça Amaral (disponível in www.dgsi.pt), defendeu e sumariou: «I - O contrato de mútuo bancário em que a obrigação de restituição do capital mutuado se mostra fraccionada (prestações) consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. II - Não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as fracções.».
O Ac. STJ de 04.05.2021, proferido no processo nº3522/18.3T8LLE-A.E1.S1, relatado por Pedro Lima Gonçalves (disponível in www.dgsi.pt), concluiu: «I. — Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização. II. — Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. III. — A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.».
Entre os acórdãos das Relações, que têm seguido maioritariamente esta Jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, assinala-se exemplificativamente o Ac. RP de 21.10.2019, proferido no processo nº1324/18.6T8OAZ-A. P1, relatado por Fernanda Almeida, reiterado no Ac. RP de 22.11.2021, proferido no processo nº1692/20.0T8OAZ-A.P1 (disponíveis in www.dgsi.pt), que defenderam a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de 5 anos nos casos de vencimento antecipado de obrigação face à ratio do mesmo, especialmente presente nos mútuos bancários e concedidos por instituições de crédito que beneficiam da liberalização das taxas de juro e da possibilidade de prática do anatocismo:
«Não ignorou o legislador, ao estabelecer um prazo de curta duração para as situações de amortizações de quotas de capital pagáveis com o juro o facto de, estando uma em mora, se vencerem todas as restantes. É que a aplicação do disposto no art. 781.º CC, a aceitar-se a tese da embargante, esvaziaria de sentido a al. e) do art. 310.º CC e retirar-lhe-ia toda a utilidade que é a reconhecida nos diversos arestos citados em primeira instância: evitar que o devedor se veja confrontado com valores elevadíssimos de juros e capital por causa da inércia do credor quando, por força da aplicação da regra do art. 781.º CC, todas as prestações de amortização podem já ser pedidas[1]. De modo que o não exercício do direito dentro do período mais do que razoável de cinco anos, embora não extinga a obrigação (que se torna natural), torna legítima a invocação da exceção aqui em causa.
O mútuo bancário reembolsável a prestações está em regra sujeito a juros (moratórios e compensatórios) elevados e é o contrato prefigurável como sendo o tido em vista pela fixação desta regra prescricional, sendo que os credores, neste caso, sequer se assemelham a um particular, dispondo de todos os meios e recursos para um rápido e fácil acesso à tutela judiciária.
Na verdade, o mútuo bancário “é o mais frequente subtipo de mútuo oneroso de dinheiro. A natureza do mutuante (uma instituição de crédito), actuando no mercado monetário, em ambiente concorrencial e sob supervisão pública, justifica a liberdade das taxas de juro e a admissibilidade do anatocismo”[2].
Tem todo sentido, por isso, que a maioria da jurisprudência decida do modo como o fez a primeira instância, realçando-se aqui desta Relação e secção, ac. de 24.3.2014, Proc.4273/11.5tbmts-a.p1 e, além dos vários mencionados na sentença de primeira instância, ainda, o ac. RL, de 15.12.2016, Proc. 1244/15.6T8AGH-A.L1-6; RE, de 14.3.2019, Proc. 1806/13.6TBPTM-A.E1; RC, de 12.12.2017, Proc. 561/16.2T8VIS-A.C1.».
De facto, nos mútuos concedidos por bancos e outras instituições financeiras, com taxas de juros liberalizadas (de forma expressa desde o Aviso nº3/1993 do Banco de Portugal, nº2), sem sujeição aos limites da usura do art.1146º do C. Civil (7) e com possibilidade de prática do anatocismo com regime menos restritivo do que o do art.560º do C. Civil (sobretudo desde a nova redação do art.5º/4 e o aditamento do art.5º/5 ao DL nº344/78, de 17.11., realizadas pelo art.1º do DL nº83/86, de 6.5), justifica-se, acentuadamente, que haja um prazo curto de prescrição do direito de crédito achado em referência às prestações fracionadas e não pagas (integradas por capital e juros), que evite a inércia do credor e a excessiva onerosidade do devedor.
b) Pronunciou-se expressamente pela manutenção da aplicação deste prazo quinquenal de prescrição no caso do crédito também em caso de resolução do contrato por incumprimento:
O Ac. STJ de 23.01.2020, proferido no processo nº 4518.17.8T8LOU-A.P1.S1, relatado por Nuno Pinto de Oliveira (disponível in https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/583999/), concluiu, em relação ao prazo prescricional e à extinção da hipoteca consequente: «I. — Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização. II. — Em consequência, cada uma das prestações mensais devidadas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil. III. — O art. 730.º, alínea a), do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que a hipoteca se extingue pela prescrição da obrigação a que serve de garantia.».

2.2. Situação em análise:
Importa apreciar a matéria de facto relatada e julgada provada em I e III-1 supra, de acordo com o direito aplicável e referido em III-2.1. supra.
2.2.1. Por um lado, verifica-se que os mutuários e a mutuante celebraram em 1994 um contrato de mútuo, pelo qual: a mutuante emprestou aos mutuários o valor de € 24 939, 89; estes obrigaram-se a reembolsar este capital, remunerado com a taxa de juros de 12,4% (que poderiam ser alterados semestralmente) em 10 anos, em prestações mensais e sucessivas, vencidas desde 3 de junho de 1994 (prestações estas não definidas na escritura pública, nem no documento complementar anexo à mesma).
Ora, cada uma destas prestações mensais e sucessivas, pela forma como foram previstas e pela posição assumida sobre as mesmas pelo credor/recorrente, correspondem claramente a quotas de amortização do capital emprestado, pagáveis com juros remuneratórios, razão pela qual o direito de crédito a cada uma das prestações prescreve no prazo de 5 anos, nos termos do art.310º/e) do C. Civil.

2.2.2. Por outro lado, verifica-se que a exequente, na qualidade de cessionária do direito de crédito:
a) Instaurou em 2018 uma ação executiva para pagamento de quantia certa, na qual: pediu o pagamento do valor de capital em dívida de € 3 812,27 e de juros de mora vencidos de € 5 800,34; invocou a falta de pagamento de prestações desde 03.03.2003 e o vencimento imediato das mesmas nos termos da cláusula 6º/b) do documento complementar (sendo que a 03.03.2003 estaria vencida e estavam vincendas a totalidade de 14 prestações).
Esta alegação não foi acompanhada da liquidação devida da quantia pedida, nos termos do art.716º/1 e 4 do C. P. Civil, conforme seria exigível, uma vez que, não estando as prestações mensais de reembolso do crédito definidas na escritura e no documento complementar dados à execução (nem a parte que nas mesmas constitui reembolso de capital e a parte que nas mesmas constitui parcela de juros remuneratórios), esta liquidação deveria ter sido feita no requerimento executivo, para posterior contraditório, prova e decisão.
Nesta alegação também não foi alegado que o mutuante interpelou os mutuários para pagamento da totalidade das prestações (a vencida a 03.03.2003 e as vincendas consideradas antecipadamente vencidas).
b) Defendeu, nas conclusões do recurso da decisão que julgou prescritas as prestações: que o contrato de mútuo se encontrava antecipadamente vencido e resolvido; e que, no seu pedido de capital, apenas pediu o capital não reembolsado e não pediu a soma das prestações não pagas.
Ora, preambularmente, verifica-se que o quadro de facto de que este Tribunal dispõe não permite, à partida, confirmar duas destas considerações da exequente/recorrente neste recurso.
De facto, ao contrário do defendido pela recorrente, não se encontra demonstrado que a recorrente resolveu o contrato de mútuo bancário por falta de pagamento mas encontra-se apenas demonstrado que considerou que as prestações de reembolso do empréstimo estavam antecipadamente vencidas face à falta de pagamento da prestação de 03.03.2003, ao abrigo da cláusula contratual 6ª/b). Ora, assim, estamos perante um pedido de cumprimento do contrato e das suas consequências, nomeadamente por vencimento antecipado das prestações vincendas integradas por parcelas de capital e juros remuneratórios (arts.817º e 781º do C. Civil), o que se distingue da resolução do contrato de mútuo e das suas consequências (arts.432º ss, 801º/2 e 808º, 289º do C. Civil).
Por sua vez, o referido quadro de facto também não demonstra que a exequente, ao contrário do por si defendido, apenas pediu o valor de capital que estivesse integrado em cada uma das prestações vencidas de 03.03.2003 a 03.05.2004 (data esta em que se presume que terminaria o plano de amortização de 10 anos iniciado a 04.06.1994) e não pediu a totalidade do valor das prestações, uma vez: que a exequente não procedeu à liquidação da dívida conforme referido em a) supra; que o pedido de € 3 812,27 de “capital”, confrontado com o valor do capital emprestado de € 24 939, 89 e com os 10 anos de amortização em 120 prestações mensais e sucessivas, não permite deduzir que esse valor do pedido de € 3 812,27 corresponda apenas ao crédito de capital não reembolsado e integrado nas 14 prestações vencidas entre 03.03.2003 a 03.05.2004 (capital de € 24 939, 89: 120 prestações=€ 207, 83; € 207, 83 x 14 meses = € 2 909, 62).
De qualquer forma, adere-se inteiramente à jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal de Justiça citada em III- 2.1.2. supra, considerando-se que se mantém a aplicação do prazo de prescrição de 5 anos ao crédito do mutuante bancário (reembolsável com capital e juros), mesmo quando não sejam pedidos e/ou não sejam devidos os juros remuneratórios integrados na prestações vincendas nos termos da AUJ nº9/2009, tendo em conta: que o crédito reporta-se a uma relação contratual em que foi acordado o pagamento fracionado em parcelas de capital e juros remuneratórios (com as taxas de juro liberalizadas, sem limites do art.1146º do C. Civil); que o crédito reporta-se a estas prestações de pagamento fracionado da dívida (ainda que não sejam devidos juros remuneratórios das mesmas quando o credor considerou antecipadamente vencidas as obrigações e pediu o cumprimento coercivo de contrato sem haver decorrido o prazo de que dependia a constituição e vencimento desses juros); que não estão afastadas com o incumprimento as razões pelas quais foi definido um curto prazo de prescrição- para evitar a inércia na cobrança do crédito de pagamento contratual fracionado e o excesso de onerosidade do devedor (que sempre ocorreria num longo prazo de prescrição de 20 anos, em que à totalidade da dívida antecipadamente vencida acresceriam ainda juros de mora de todo este longo período).
Ao contrário do defendido pelo recorrente, não é a aplicação deste prazo curto de prescrição que causa a ruína do credor ou que torna instável a segurança jurídica do registo da hipoteca. De facto, o direito do devedor recusar o cumprimento por haver decorrido prazo de 5 anos de prescrição do art.310º/e) do C. Civil apenas decorre do facto do credor não ter instaurado a ação, nem ter feito interromper o prazo prescricional nos termos do art.323º/1 e 2 do C. Civil nesse prazo de 5 anos, prazo este que, ainda que existam diligências normais de recuperação do crédito antes da cobrança coerciva, é razoável e suficiente para que a estrutura profissional de um banco ou de uma instituição financeira aja diligentemente para cobrar o crédito e não o deixar prescrever. Por sua vez, uma hipoteca registada destina-se a garantir o pagamento de um crédito sobre um imóvel com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (arts.686º ss do C. Civil), garantia esta que não impede que o credor deixe prescrever o crédito e, nessa medida, faça extinguir a garantia, nos termos adaptados do art.730º/a) do C. Civil, como defendeu o Ac. STJ de 23.01.2020 (que entendeu que esta previsão deveria ser interpretada não apenas para os casos da extinção da obrigação mas também para os casos em que pode haver recusa do cumprimento da obrigação civil por prescrição).
Ora, o direito de crédito pedido relativamente às prestações vencidas no dia 3 de cada mês, entre 03.03.2003 e 03.05.2004, encontra-se totalmente prescrito em 2018, pelo decurso do prazo de 5 anos, quer se conte este prazo sobre a totalidade do crédito de capital pedido desde 04.03.2003 (após a falta de pagamento da prestação vencida a 03.03.2003, caso se entendesse que a cláusula contratual 6ª previu o vencimento e a exigibilidade antecipada da totalidade das prestações vincendas, de forma automática e sem necessidade da interpelação- interpelação que a maioria da doutrina e da jurisprudência tem entendido ser exigível em relação à norma supletiva art.781º, em referência ao art.805º do C. Civil, (8)), quer se conte o prazo de prescrição de 5 anos em relação a cada uma das prestações, no dia 3 de cada mês, entre 03.03.2003 e 03.05.2004 (caso se entendesse que a cláusula 6ª do contrato não dispensou a interpelação para o vencimento antecipado das prestações, exigida pelas regras gerais e não alegada e comprovada).
Não tendo a recorrente suscitado, nos termos do art.639º/1 e 2 do C. P. Civil, a reapreciação das consequências da prescrição das prestações (pedidas como capital no requerimento executivo) quanto ao pedido de juros de mora sobre o capital liquidado na execução (também objeto de uma prescrição quinquenal, nos termos do art.310º/d) do C. P. Civil), fica prejudicada a reapreciação dessa decisão da 1ª instância (art.635º/5 do C. P. Civil).
Assim, improcede o recurso de apelação.

IV- Decisão:

Pelo exposto, as Juízes Desembargadoras da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrido (art.527º/1 do C. P. Civil).
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Guimarães, 2 de junho de 2022
Assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora, 1ª Adjunta e 2ª Adjunta

Alexandra Viana Lopes
Rosália Cunha
Lígia Venade


1. Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil- Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, anotação 4 ao art.304º, pág.748.
2. António Menezes Cordeiro, in Código Civil Comentado, I- Parte Geral, CIDP e Almedina, 2020, pág.884.
3. Júlio Gomes, in obra citada, anotação 4 ao art.304º, pág.748.
4. António Menezes Cordeiro, in obra citada, nota 2, pág.884, refere que «A prescrição funciona como contra-direito: permite, ao beneficiário, bloquear a pretensão do credor, designadamente por exceção. Trata-se de uma exceção perentória, que conduz à absolvição do pedido (art.576.º/3, do CPC), mas que depende da invocação do beneficiário (579.º, do CPC)». Rita Canas da Silva, in Código Civil Anotado, coordenado por Ana Prata, Almedina, 2ª edição revista e atualizada, nota 1 ao art.304º, pág.411, refere, em relação ao art.304º- «Por conseguinte, o único efeito decorrente desta norma é que, decorrido o prazo prescricional, o cumprimento da obrigação deixa de ser exigível, podendo o devedor opor-se legitimamente ao cumprimento (n.º1), não se admitindo, porém, a repetição do que tenha sido prestado (n.º2).
5. Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, Coimbra Editora, 1992, Reimpressão.
6. Júlio Gomes, in obra citada, pág.755.
7. Vide, já neste sentido em 1977, Simões Patrício, in “Doutrina- Taxas de Juro aplicáveis em Operações Bancária», na Revista dos Tribunais, Ano 95º, nº1924, Outubro de 1977, pág.341 a 352 (5 a 16).
8. Vide, nomeadamente: Ana Prata, in anotação ao art.781º do Código Civil Anotado por si coordenado, Almedina, 2ª Edição revista e atualizada, pág.1015; Ana Afonso, em anotação ao art.781º, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações- Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, pág.1071; Ac. RG de 08.07.2020, proferido no processo nº6238/16.1T8VNF-A.G1.