EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
CLASSIFICAÇÃO DO SOLO
NATUREZA DA DECISÃO ARBITRAL E LIMITES DO CASO JULGADO
Sumário

I - Em sede de apelação, apenas há que conhecer da matéria de facto que seja relevante para a apreciação do mérito da causa:
II - A perda das qualidades de sócio ou de gerente por parte do fiador não determina a caducidade da fiança prestada desde que a sua subsistência se não mostre condicionada à manutenção de qualquer daquelas qualidades.
III - São pressupostos da modalidade de abuso do direito venire contra factum proprium: a existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e atual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma atividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objetiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.
IV - A supressio tem por objetivo proteger a legítima confiança do terceiro que, ao fim de largo tempo, é surpreendido com uma demanda que já não esperava.
V - A verificação dos pressupostos do abuso de direito relativamente a um retardamento na cobrança do crédito aos fiadores/avalistas, entretanto cedentes das quotas na sociedade afiançada/avalizada, depende das variadas circunstâncias de cada caso.

Texto Integral

Apelação n.º 4969/17.8T8OAZ.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
Nos autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante IP – Infraestruturas de Portugal, S.A., expropriados AA e BB e titular provisório do direito à indemnização CC, pelo despacho n.º 4025-M/2006 do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, publicado no Diário da República n.º 37, II Série, de 21.02.2006, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela n.º ..., com a área de 734 m², a destacar do prédio rústico, denominado ..., sito no lugar de ..., EN ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º ..../...... e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ... (anterior ....º), por ser necessária à execução da obra denominada “EN ... – Construção de Rotunda ..., ...”.
Em Maio de 2006 foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam.

A expropriante desistiu parcialmente da expropriação, reduzindo a área do prédio abrangida por esta a 300m², desistência que foi julgada válida e tempestiva.
Realizou-se a arbitragem a que alude o artigo 38.º, CE, tendo os Srs. Árbitros fixado uma indemnização no montante global de € 38.072,58, considerando a área de 734m².
Remetido o processo a Tribunal e efectuado o depósito da indemnização arbitrada, foi adjudicada à expropriante a parcela de terreno acima identificada.
AA e BB foram considerados sujeitos passivos da relação expropriativa, considerando-se parte ilegítima CC.
Interposto recurso desta última decisão, foi o mesmo julgado improcedente (apenso B).
CC deduziu incidente respeitante à titularidade da indemnização, nos termos do artigo 53.º, CE, o qual, em sede de recurso, foi julgado procedente (apenso A) e, consequentemente, o requerente tido provisoriamente como titular do direito a ser indemnizado pela expropriação aqui em causa.
Notificada a decisão arbitral, a expropriante interpôs recurso, alegando, em síntese, o seguinte:
— A parcela expropriada possui uma área diminuta (300m²), a desanexar de um prédio de maiores dimensões (30.457m²), pelo que se traduz na expropriação parcial de uma área inferior a 1% da área total;
— Na decisão arbitral não se teve em consideração a desistência parcial da expropriação que a expropriante apresentou, considerando assim no valor fixado a área inicial de 734m²;
— Não obstante a classificação do solo atribuída no PDM, a parcela não dispunha de aptidão construtiva, na medida em que se encontrava dentro da faixa de protecção non aedificandi às EN e onde incide um espaço canal, devendo assim ser avaliada como solo para outros fins;
- Caso fosse possível construir na parcela, porque a mesma não dispunha de qualquer infra-estrutura urbanística, seria necessário fazer um prolongamento das infra-estruturas para o interior do prédio, a acarretar a aplicação de uma percentagem de 30%;
- Por outro lado, o índice de ocupação do solo de 0,60m²/m² é manifestamente exagerado, em face do que na parcela seria possível construir, tendo em conta que não constitui um lote de construção, mas antes um terreno que, para permitir a construção, teria de ser sujeito a cedência de áreas;
- Além disso, o valor unitário da construção tido em consideração excede o valor fixado na Portaria n.º 430/2006, de 03 de Maio, respeitante ao preço da habitação de custos controlados, o qual deverá ser considerado em detrimento do preço da renda condicionada, em virtude de o valor desta incluir o valor do solo;
- Mais se deverá aplicar um factor de risco de 5%, nos termos do artigo 26.º, n.º 10, CE.
Conclui no sentido de que o valor da indemnização não deverá ser superior a € 10.004,64.
Admitido o recurso, os expropriados responderam, alegando que a área expropriada é superior a 300m², que o valor pugnado pela expropriante é arbitrário, não merecendo qualquer censura o valor indemnizatório fixado na decisão arbitral.
Procedeu-se à realização das competentes diligências instrutórias, nomeadamente à avaliação a que refere o artigo 61.º, n.º 2, CE, tendo os Srs. Peritos prestado diversos esclarecimentos por escrito e presencialmente.
Em sede pericial, concluíram os Srs. Peritos nomeados pelos expropriados e pelo tribunal que o valor da justa indemnização se cifra, após correcções efectuadas, no montante de € 19.266,02, enquanto o Sr. Perito nomeada pela expropriante concluiu pela fixação da indemnização no montante de € 10.695,00; todos eles, porém, consideraram que a parcela deveria ser avaliada como “solo apto para construção”.
Apenas a expropriante apresentou alegações, nas quais requer a redução da quantia indemnizatória para € 4.938,00, tendo em conta os critérios utilizados pelos Srs. Peritos para a determinação do seu valor e inseridas as correcções que considera que os mesmos carecem. Argumenta ser possível esta alteração do valor peticionado no recurso da decisão arbitral, em virtude de no processo de expropriação ela ser consentida até às alegações a apresentar nos termos do artigo 64.º, CE.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferida decisão em que se considerou inadmissível a alteração do pedido, e que, julgando parcialmente procedente o recurso interposto pela entidade expropriante
e, em consequência, fixar o valor da indemnização a atribuir aos expropriados, por referência à data da declaração de utilidade pública (21.02.2006), na quantia de € 19.266,02 (dezanove mil duzentos e sessenta e seis euros e dois cêntimos), a ser actualizada, desde a data da declaração de utilidade pública até à data do trânsito em julgado da decisão, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, nos termos do artigo 24.º, CE.
Inconformada, apelou a expropriante, apresentando as seguintes conclusões:
I. Os peritos maioritários cometeram lapsos graves na avaliação do bem, pelo que não deveria o douto tribunal a quo ter subscrito acriticamente o seu laudo pericial.
II. Desde logo, erros nas operações aritméticas elaboradas pelos peritos, bem como se constata que os mesmos descartam normas legais e regulamentares sem qualquer menção ou justificação, o que acaba por desvirtuar o carácter probatório que se pretende retirar da perícia, retirando-lhe a presunção de imparcialidade e competência que sobre eles recairia.
III. Os peritos maioritários inclusivamente suplantaram o valor/m2 que havia sido fixado na arbitragem, já de si altamente empolado, sendo esta situação da lei, uma vez que foi a expropriante a única que recorreu da decisão arbitral.
IV. O que viola o artigo 609.º/1 do CPC, uma vez que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
V. Não obstante o solo da parcela integrar-se em “Áreas de Transição 2” de acordo com o PDM em vigor, de acordo com o relatório de vistoria APRM, a parcela encontrava-se dentro da faixa de proteção non aedificandi, às Estradas Nacionais, no caso a EN..., e onde incide um espaço canal, nos termos do Decreto-lei nº 13/94.
VI. Além de que o terreno no seu interior se encontrava despido de qualquer infraestrutura urbanística, o que demonstra que não dispunha, à data, também de condições materiais para a edificação
VII. Sendo de invocar o artigo 23.º/1 do C.E, o qual prescreve que a justa indemnização corresponda ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
VIII. Do exposto resulta que a parcela não dispunha de aptidão construtiva, devendo ser classificada e avaliada como solo para outros fins.
IX. O laudo pericial maioritário aplicou índices (0.6m2/m2; 0.75m2/m2), fundamentando unicamente com a inserção do terreno em malha urbana, e por nesta já existirem nas imediações prédios com cinco pisos, o qua viola o instrumento legal para o efeito, (Regulamento do PDM de Oliveira de Azeméis), em vigor à data da publicação da DUP.
X. Os senhores peritos aplicaram indevidamente a fórmula prevista no artigo 10º do PDM, entrando com a área da parcela como se tratasse de área de lote.
XI. Tratando-se de terreno por lotear e urbanizar, conforme reconhece o Perito da Expropriante, teriam que ter atendido, não à área da parcela, mas à área do terreno, do que resultaria o índice de 0,06 m2/m2.
XII. É certo que o artigo 10.º do Regulamento do PDM de Oliveira de Azeméis - Alteração (D.R. Nº 173 de 29/07/1998) parece excecionar alguns casos da fórmula geral, no entanto não oferece qualquer razoabilidade nem se encontra sustentado o índice de construção indicado de 0,577m2/m2 (com aplicação errada da fórmula) e muito menos de 0,75m2/m2.
XIII. Mesmo que considerássemos um terreno lote de 1.500 m2 (área mínima tida como exceção no artigo 10.º/1 do Regulamento do PDM - declaração nº 239/98 II Serie, publicada no DR nº 173, de 29/07/1998), inexistente à data, a aplicação da fórmula conduziria a um índice de 0,26m2/m2:
XIV. Os peritos, não deviam ter invocado o valor médio de construção por m2 para 2006, estipulado no CIMI, de 615,00€/m2, mas o custo médio de construção, o qual, de acordo com a Portaria nº 90/2006, de 27/01, é de 492,00€/m2.
XV. Este valor de acordo com o artigo 39.º/1 do CIMI, corresponde ao valor médio de construção por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor, ou seja 615,00€/m2 (492,00€ x 1,25), onde está incluído o terreno e só já deveriam considerar o valor/m2 de construção (492,00€/m2).
XVI. Não se entende a aplicação de um fator de 1,15, quando se admite e bem que o fator de conversão de área útil em área bruta é de 0,85.
XVII. Uma vez que área útil e área bruta constituem grandezas distintas, existe a necessidade de proceder à conversão de tais valores numa mesma base de cálculo, pelo que os valores definidos nas portarias devem ser convertidos em valores de área bruta, mediante a multiplicação de um coeficiente de conversão.
XVIII. Como é evidente, o preço de construção de área bruta é sempre inferior ao preço de construção de área útil, já que sendo a área bruta superior à área bruta, o valor da construção é dividido por um valor (área) maior, do que resulta um quantitativo menor.
XIX. Atendendo-se à Portaria 1127/2005, o preço/m2 de área útil ali indicado para o ano da DUP, é de 540,53€/m2, pelo que o preço/m2 de área bruta é de: 540,53€/m2 x 0.85=459,45€/m2.
XX. Deve assim ser sempre corrigido o valor indicado no laudo pericial maioritário (635,91€/m2) o qual não tem qualquer sustentação técnica ou legal.
XXI. O Código das Expropriações afirma claramente no seu artigo 26.º/9 que, sendo necessário um reforço das infraestruturas existentes, devem as respetivas despesas ser contabilizadas no cálculo do montante indemnizatório.
XXII. Relativamente à jurisprudência, encontra-se esta em unanimidade, podendo se ler em vários acórdãos que se o laudo dos peritos se basear na possibilidade de loteamento da parcela expropriada, haverá também que atender, no cálculo da indemnização, aos encargos a que os expropriados estariam sujeitos com o loteamento, o que leva a se ter deduzir os mesmos ao valor do solo considerado apto para construção.
XXIII. Trata-se de um terreno com mais de 3 hectares (30.457 m2), e que não se pode construir sem criar as necessárias infraestruturas (arruamentos, estacionamentos, espaços verdes e todas as redes de infraestruturas urbanas necessárias como seja, água, saneamento, energia, telecomunicações, gás).
XXIV. Salienta-se que os senhores peritos subscritores do laudo maioritário não responderam aos quesitos nºs 9 e 10, nem mesmo após tal ter sido ordenado pelo Tribunal mediante o despacho com a ref. Citius n.º 106925583, o que configura nulidade da sentença por insuficiência da produção da prova.
XXV. São várias e graves as incorreções que penalizam o laudo pericial maioritário, as quais não deveriam ter sido seguidas pela sentença em crise.
XXVI. Admitindo-se os restantes critérios dos senhores peritos maioritários e introduzindo as correções necessárias, nomeadamente o valor do índice e do custo de construção, resulta o valor de 4.938,00 foi defendido pela IP em sede de alegações produzidas ao abrigo do artigo 64.º do C.E, nas quais, ao abrigo do artigo 265.º/2 do C.P.C, requereu a alteração do valor peticionado no recurso da decisão arbitral, uma vez que a perícia demonstrou que os danos causados pela expropriação são menores.
XXVII. Pelo que mesmo que se admita a avaliação do solo como apto para construção, o que apenas se concebe por dever de patrocínio, o justo valor da indemnização não seria superior a 4.938€.
XXVIII. Todavia, entendemos que a sentença deve ser declarada nula, devido a insuficiência e deficiência da matéria provada para a decisão e produzidas as diligências instrutórias em falta (elaboração de laudo complementar) que, entre outros, proceda à fixação do valor do solo sendo classificado como para outros fins.»
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve a apresente apelação ser julgada procedente, e em consequência, ser revogada a sentença em crise, com as respectivas consequências legais. Assim decidindo, farão V. Ex.as a habitual JUSTIÇA.
Contra-alegou o titular do direito à indemnização CC., assim concluindo:
1. Os expropriados devem ser indemnizados de molde a ver ressarcido o prejuízo que lhes advém da expropriação, medido pelo valor do bem expropriado, tendo em consideração todas as circunstâncias e as condições de facto existentes na data da declaração de utilidade pública e, designadamente, o denominado valor de mercado, ou de compra e venda do bem expropriado.
2. Nesse sentido, no processo de expropriação, a avaliação constitui uma diligência factual fundamental á decisão da causa, já que o Juiz não possui conhecimentos técnicos e científicos que lhe permitam aferir do valor da parcela a expropriar.
3. Com efeito, conforme é referido no acórdão do TRG de 01.06.2017, in Proc. n.º 1446/09.4TBBCL.G1:
«Sem prejuízo da força probatória da perícia ser fixada livremente pelo tribunal – art. 389 do Código Civil – no processo de expropriação a perícia assume uma particular importância – evidenciada até pela circunstância de se tratar de diligência obrigatória, nos termos do art. 61, n.º 2 do C. das Expropriações.
De modo que, as conclusões apresentadas pelos peritos – unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente ás partes – só devem ser afastadas se o julgador, nos seus poderes de livre apreciação da prova, decorrentes dos art. 607, n.º 5 e 489 do Código do Processo Civil, constatar que foram elaborados com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se lhe deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correção.
E se é certo que que tribunal não deve aceitar acriticamente os elementos fornecidos pelos Srs. Peritos, e também certo que os Sr.s Juízes não devem substituir-se aos peritos, cedendo á tentação de emitir juízes valorativos de caracter eminentemente técnico, para o qual não estão – nem têm de estar – vocacionados.»
4. Conforme ensina o TRP no acórdão de 03.12.2013, in Proc. n.º 124/11.9TBALJ.P1:
«É um facto que a prova pericial assume especial relevância na prova produzida no processo de expropriações. Tem-se defendido, em abono dessa tese, que os peritos são dotados de especiais conhecimentos técnicos, que devem exercitar nas perícias, tendo presente o critério do interesse público, pelo que, a prova pericial assume relevo essencial na fixação da matéria de facto necessária à determinação da justa indemnização devida aos expropriados e aos demais interessados.
Por isso a esmagadora maioria da jurisprudência tem vindo a considerar que, sendo divergentes os laudos periciais, cabe, em princípio, ao tribunal dar preferência ao dos peritos oficiosamente escolhidos, pelas suas garantias de competência e de imparcialidade (Ac RL, de 30.6.2005, CJ, ano XXX, tomo 2, pag, 116).
Isto na pressuposição de que a fixação da “justa indemnização”, mais que uma decisão jurídica é uma decisão técnica, destinando-se a intervenção do tribunal, essencialmente, ao controlo jurisdicional na aplicação das normas legais, o que torna compreensível a especial relevância que se atribui aos laudos periciais e, entre estes, aos laudos subscritos maioritariamente pelos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior distância e independência que, em princípio, é suposto terem relativamente aos interesses particulares das partes envolvidas na expropriação - embora isso não possa levar a uma adesão cega e acrítica do julgador às conclusões dos peritos, nem importe qualquer obrigação daquele seguir sempre as conclusões do laudo maioritário (neste sentido e citando apenas alguns dos mais recentes arestos desta Relação do Porto, podem ver-se os Acs. de 27/01/2009, de 16/09/2008, e de 01/07/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt; idem, Raul Leite de Campos, in “Jurisprudência sobre Expropriações por Utilidade Pública”, pgs. 172 e segs.).
É por causa da especial relevância que a prova técnica tem nestes processos e particularmente na questão da determinação do montante da «justa indemnização» que, embora a mesma tenha que ser livremente apreciada, nos termos do art. 389º do CC, a atribuição de maior ênfase aos laudos dos peritos do tribunal, se compreende.»
5. No presente processo, o relatório pericial elaborado e junto aos autos a fls. 124º expressa uma posição maioritária, na qual se inclui a posição do Perito nomeado pelo Tribunal.
6. Ainda assim, a entidade expropriante continua (conforme decorre manifestamente das suas alegações de recurso) a querer impor os seus juízos valorativos de carater técnico sobre a perícia realizada nos autos e até mesmo sobre factos que já foram aceites pelo seu próprio perito.
7. Repare-se que, a recorrente continua a teimar que a parcela expropriada se situa em Espaço Canal, quando os senhores Peritos concluíram, por unanimidade, que a parcela expropriada se insere em área de Transição-2 (cfr. ponto 14 da fundamentação de facto da sentença recorrida).
8. Conforme pode ler-se na decisão de que agora se recorre: «Note-se que o auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam para além de pecar por defeito no que toca ás infraestruturas existentes, contém ainda um relevante lapso ao incluir a parcela expropriada em Espaço Canal, o que não sucede na realidade, em face da posição unânime dos Srs. Peritos, pelo que o mesmo foi ponderando com as correções devidas».
9. In casu, o relatório pericial além de exprimir uma posição maioritária, na qual se inclui a posição do perito nomeado pelo Tribunal, foi objeto de certas correções, no âmbito das quais, todos os peritos, (inclusive, pois, o perito da entidade expropriante), foram unânimes quanto à apreciação de determinados pontos, que a sentença recorrida avaliou criticamente e os quais considerou preponderantes no que respeita á fixação do valor indemnizatório devido ao expropriado.
10. Desde logo, todos os peritos foram unânimes quanto à classificação do solo como apto para construção e quanto às infraestruturas existentes.
11. Os senhores peritos prestaram, ainda, esclarecimentos em sede de audiência, explicitando os critérios que consideraram na apreciação e determinação do cálculo da indemnização.
12. Entre os aludidos critérios encontram-se: o índice de construção, o valor da construção por metro quadrado (corrigido com o fator de conversão de 1,15 de área útil em área bruta), o índice fundiário e o fator corretivo pela inexistência de risco de 5%.
13. O Tribunal recorrido, colheu, pois, os elementos constantes do relatório pericial e teve oportunidade de auscultar e perscrutar na própria pessoa dos senhores peritos os esclarecimentos e explicações que considerou oportunos e necessários face aos critérios de avaliação adotados e às conclusões defendidas no respetivo laudo.
14. Conforme é referido na douta sentença recorrida:
«O resultado da avaliação pericial, pese embora não constitua um juízo valorativo para o tribunal, é-lhe de grande auxilio, uma vez que a perícia incide sobre factos suja perceção ou valoração requer conhecimentos especais que escapam à experiência comum das pessoas e à cultura feral dos juízes (artigo 388.º do Código Civil).
Com efeito, sendo o juiz o perito dos peritos, a força persuasiva da prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal (art. 389.º, do Código Civil), podendo o juiz, no julgamento da matéria de facto ou na aplicação do direito aos factos, afastar-se do laudo, ainda que unânime, dos peritos.
Todavia, a discordância assim manifestada terá sempre de se alicerçar em fundamentos explícitos e sólidos, ponderados todos os elementos probatório carreados para os autos.
No caso em apreço, o Tribunal dispõe de uma avaliação maioritária, por parte do Srs. Peritos indicados pelo Tribunal e pelos expropriados, e de uma avaliação subscrita pelo Sr. Perito indicado pela expropriante.
Ora, face á factualidade apurada, não se vislumbram quaisquer razões válidas que nos levem a abandonar o parecer realizado quanto á ponderação da justa indemnização a atribuir aos expropriados. (…)
Ainda que assim não se entendesse, sempre se diria que, na nossa perspetiva, após todos os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos, a posição maioritariamente assumida releva-se consentânea com os critérios supra enunciados para a fixação da justa indemnização. (Negrito e sublinhado nossos)
15. Acrescentando, ainda, o Tribunal recorrido:
«É que, não só ficou devidamente esclarecido o índice de construção adotado, e o motivo pelo qual foi afastada a fórmula de cálculo prevista no artigo 10.º, n.º 1, do RPDM de Oliveira de Azeméis (…) No que toca ao valor de construção, ficou por demais esclarecida a preferência maioritária pelo montante referencial fixado para efeitos de aplicação do regime de renda condicionada (€540,53/m2 de área útil), em detrimento daquele que o regime de habitação a custos controlados prevê (438,90/m2 de área útil) (…)
(…) Por outro lado, como este preço de referência se reporta a área útil (não englobando o valor do solo) e a determinação do custo de construção a área bruta, defenderam maioritariamente os Srs. Peritos a sua conversão em área bruta; sem, porem que isso devesses importar uma desvalorização do bem, pelo que lhe aplicaram uma percentagem de 15%, representativa do quantum a mais que a área bruta constitui relativamente à área útil no que toca a habitação. E, nessa medida, rejeitaram a aplicação do coeficiente de 0.85 para efeitos de conversão da área bruta, já que tal traduziria uma significativa desvalorização do bem, com prejuízo para os expropriados (…)»
16. Ora, conforme é referido no acórdão do TRC, de 31.05.2011, in Proc. n.º 1197/05.9TBGRD.C2:
«Depois de analisar o relatório pericial maioritário, de forma objetiva e crítica, e de concluir pela solidez das suas premissas e conclusões, explicitadas nos documentos anexos e nos esclarecimentos prestados às partes, constatando a sua maior credibilidade face aos relatórios individuais subscritos pelos restantes peritos, o tribunal deverá alicerçar a fixação da justa indemnização no referido relatório maioritário

17. Desta feita, atenta a exposição da matéria de facto e a fundamentação da mesma, não se vislumbra qualquer erro ou má interpretação na sentença recorrida.
O PRESENTE RECURSO NÃO DEVE COLHER PROVIMENTO, O QUE, DATA VENIA, SE REQUER.
2. Fundamentos de facto

A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

1) Por despacho n.º 4205-M/2006, publicado no Diário da República n.º 37, II Série, de 21.02.2006, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de uma parcela com a área de 734 m², a destacar do prédio urbano, com a área de 30426m², denominado ..., sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ... (actual artigo ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis com o n.º ..., por ser necessária à execução da obra da “EN... – construção de rotunda ao quilómetro
1+700”.
2) Em 17.01.2007, a expropriante desistiu parcialmente da expropriação, reduzindo a área a expropriar para 300m².
3) A parcela expropriada confronta do Norte com Rua ..., do Sul e Poente com parte sobrante e do Nascente com Estrada Municipal (...).
4) Em Maio de 2006 foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam.
5) A arbitragem foi realizada em Dezembro de 2008 e nesta atribuída uma indemnização de € 38.072,58, considerando, além do mais, a área de 734m².
6) Em 14.10.2013, a expropriante procedeu ao depósito, à ordem dos presentes autos, da quantia de €
7) À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a EN..., Rua ... e Rua ... estavam pavimentadas a betuminoso, dispunham de rede de distribuição de energia de baixa tensão, rede de drenagem de águas pluviais e rede telefónica.
8) A parcela expropriada dispunha ainda de passeios.
9) À face da EN... existiam construções diversificadas, predominando moradias de R/C e andar.
10) À face da Rua ... existiam construções de tipo industrial.
11) A parcela apresentava a forma irregular de uma faixa alongada na orientação Nascente/Poente, acompanhando a frente da Rua ... e concordância com a Rua ..., numa extensão de cerca de 61 metros e altura entre 7 a 8 metros, alargando em sector circular na orientação Norte/Sul à face da Rua ..., com um comprimento na ordem dos 50 metros e largura máxima de 15 metros.
12) A parcela possuía no seu interior uma ligeira pendente na orientação Nascente/Poente, não dispondo de qualquer vedação, encontrando-se inculta, coberta a mato e vegetação arbustiva densa.
13) A parcela expropriada encontrava-se dentro da faixa de protecção non
aedificandi à EN....
14) Segundo a planta de condicionantes e planta de ordenamento e RPDM de Oliveira de Azeméis, a parcela expropriada e restante prédio sobrante inserem-se em área de Transição – 2.
15) A parte sobrante manteve a mesma frente, não tendo sofrido qualquer depreciação.
16) O processo de expropriação foi remetido a tribunal em 14.12.2017.
17) O despacho de adjudicação da parcela expropriada à expropriante foi proferido em 18.12.2017.
18) À data da DUP CC figurava no registo predial como proprietário do prédio.
19) Em 12.01.2007, foi registado um arresto sobre o dito prédio a favor da Fazenda Nacional.
20) Mediante a Ap. ... de 2014/04/15, o prédio em causa encontra-se descrito a favor de AA, por adjudicação em processo de execução fiscal n.º ..., que correu termos no Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis.
21) Mediante a Ap. ... de 2014/06/05, encontra-se descrita a aquisição de ½ do prédio a favor de BB, por compra a AA.

*
II.B – Factos não provados.
22) A área real expropriada é de 641m².
23) Segundo a planta de condicionantes e planta de ordenamento e RPDM de Oliveira de Azeméis, a parcela expropriada e restante prédio sobrante inserem-se em Espaço Canal.

3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se na seguintes questões:

─ qualificação do solo (faixa de protecção non edificandi; insuficiência da matéria de facto; anulação da sentença);

─ custo da construção por m²;

─ índice de construção;

─ encargos com infraestruturas – artigo 26.º, n.º 9, CE.

─ nulidades da sentença.

3.1. Da qualificação do solo

Na vertente da qualificação do solo, a única divergência consiste na servidão non aedificandi que afecta a parcela expropriada.

Alega a apelante que, embora o solo da parcela expropriada se integre em “Áreas de Transição 2”, nos termos do PDM em vigor, de acordo com o relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam, a parcela expropriada encontrava-se dentro da faixa de protecção non aedificandi às Estradas Nacionais, in casu, a EN..., e onde incide um espaço canal, nos termos do Decreto-lei n.º 13/94.

E que, conforme tem sido entendido pela doutrina, um solo apto para construção é aquele para o qual é reconhecida vocação/aptidão para fins edificatórios, ou seja, para se poder classificar um solo como apto para construção, este tem de apresentar condições materiais e jurídicas que permitam a edificação, o que não se verifica quando o solo se encontra onerado com servidão non aedificandi.

Daqui resultaria que, devido a essa falta de aptidão construtiva, o solo da parcela expropriada deveria ser qualificado como apto para outros fins, impondo-se a anulação do julgamento para que os srs. Peritos procedessem à avaliação do solo como apto para outros fins.
Apreciando:
A primeira observação que se impõe é que a parcela não se insere em espaço canal, como resulta da matéria de facto provada, que não foi objecto de impugnação (cfr. ponto não provado n.º 23).
Com efeito, e não obstante constar essa circunstância constar do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, escreveu-se na sentença recorrida:
Note-se que o auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, para além de pecar por defeito no que toca às infraestruturas existentes, contém ainda um relevante lapso ao incluir a parcela expropriada em Espaço Canal, o que não sucede na realidade, em face da posição unânime dos Srs. Peritos, pelo que o mesmo foi ponderando com as correções devidas.
E remeteu para o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28.06.2007, proc. n.º 1228/07-2, cujo sumário é do seguinte teor:
1. A vistoria ad perpetuam rei memoriam não é a única prova a ter em conta no processo expropriativo e não é este meio de prova que exclusivamente encerra a verdade absoluta sobre as características do imóvel expropriado - a vistoria é uma forma de prova pericial que tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos (artigos 388.º, do C. Civil e 568.º, n.º 1 do C.P.Civil), podendo a a falta da vistoria ad perpetuam rei memoriam ser suprida por prova testemunhal e documental, nomeadamente fotográfica e topográfica e assinalando-se que o relatório da vitoria ad perpetuam rei memoriam não é um documento autêntico.
2. A identificação do bem expropriado integra o acto administrativo da sua declaração de utilidade pública. A sua circunstanciada caracterização com vista a apreender as suas qualidades e potencialidades económicas, objectivadas no sentido de encontrar o seu justo valor indemnizatório é, porém, tarefa de peritos, sendo-lhes consentido que abordem e contemplem circunstâncias que, porque não detectadas antes, não foram consideradas na vistoria ad perpetuam rei memoriam.
Em segundo lugar, a incidência de uma servidão non aedificandi sobre a parcela expropriada não implica necessariamente que o solo deva ser classificado como apto
para outros fins, excluindo qualquer possibilidade de avaliação como solo apto para construção, como pretende a apelante.
De referir que os srs. Peritos, por unanimidade, classificaram o solo como apto para construção, do que não se dissente.
Recorde-se que a área de 300 m², objecto da expropriação, foi destacada de um prédio urbano com a área de 30426m², correspondendo, pois, a menos de 1% da área total do prédio.
Ora, não podendo a avaliação da parcela expropriada abstrair das características do prédio de que é destacada, se na zona remanescente do prédio é idónea para construção, o solo dessa pequena zona afectada por servidão non aedificandi tem que ter a mesma classificação do solo da parte remanescente.
Com efeito, essa área pode se inserir numa zona não coberta de apoio à construção principal, v.g., logradouro, jardim, parqueamento, não se justificando uma avaliação distinta ─ o prédio tem de ser avaliado globalmente, pois é nesses termos que ele é transaccionado.

Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto, de 25.05.2010, Rodrigues Pires, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 14061/05.2TBMAI.P1,
Sucede que a expropriação ora em análise, que incidiu sobre uma faixa de terreno com 1967 m2 de área, abrangeu apenas parte de um prédio. Porém, tratando-se de uma expropriação parcial o prédio terá sempre que ser visto na sua globalidade, conforme resulta do art. 29 do Cód. das Expropriações.
A proibição de edificar que afecta a parcela expropriada, resultante da servidão acima referida, não prejudica assim a avaliação do seu terreno como “solo apto para construção” e a fixação do respectivo índice de construção em 0,60m2/m2, de acordo com o PDM da Maia.
É que o facto de não ser possível edificar naquela parcela tem que ser conjugado com o prédio no seu todo, onde, na área remanescente e fora da zona abrangida pela servidão, é possível implantar construções. Deste modo, apesar de não ser possível construir na parcela expropriada, esta área “non aedificandi” sempre seria susceptível de condicionar o tipo de construção a realizar na parte remanescente, tal como poderia ser utilizada como área não coberta, de apoio, eventualmente como logradouro de edifício ou edifícios a implantar.
Por conseguinte, pese embora a existência da dita servidão “non aedificandi”, todo o prédio, incluindo a área abrangida por esta, deve ter um valor unitário, atendendo ao efeito pretendido, que é a realização de uma construção.
Tal como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 9.2.2010 (p. 8477/06.4TBMAI.P1, disponível in www.dgsi.pt.) “...quem alguma vez adquiriu um prédio para aí construir, sabe que não paga a um preço a área de implantação e a outro a área de jardim ou logradouro: o prédio tem um valor global. Se o que se pretende é o valor real da parcela, o preço que um comprador minimamente avisado daria pelo prédio em causa, sempre este seria unitário...”
No mesmo sentido, o acórdão da Relação do Porto, de 12.11.2008, Maria Catarina, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 0834062, cujo sumário é o seguinte:
I – A classificação de um solo como “solo apto para construção”, para efeitos de fixação da justa indemnização, não decorre, necessária e automaticamente, da verificação das situações previstas no art. 25º, nº2 do Cod. Exp./99, não podendo ser assim classificado um terreno que, embora se encontre naquela situação, não tem, na realidade, qualquer potencialidade edificativa devido à impossibilidade – decorrente das leis e regulamentos em vigor – de nele proceder a qualquer construção.
II – Se a parcela expropriada se encontrava, à data da DUP, inserida em zona de protecção “non aedificandi” e se a parcela em causa correspondia à totalidade do prédio ou se a parte remanescente do prédio não tinha área suficiente para permitir qualquer construção, é manifesto que o solo tem de ser avaliado como “solo para outros fins”, na medida em que, não tendo qualquer aptidão construtiva, nenhum comprador prudente e avisado, em situação normal de mercado, pagaria por esse solo (onde nada poderia edificar) o valor que, no mercado, correspondia a um “solo apto para construção”.
III – Todavia, se a parcela situada em zona de protecção “non aedificandi” fazia parte de um prédio onde era possível implantar (na área remanescente e situada fora daquela zona de protecção) um determinado edifício, o solo correspondente à referida zona de protecção seria pago, em condições normais de mercado, como “solo apto para construção”, já que, apesar de não ser possível proceder, aí, a qualquer construção, essa área não só condicionaria o tipo de construção possível na área remanescente, como poderia ser utilizada como área não coberta – eventualmente, logradouro – do edifício a implantar na parte restante do prédio.
IV – Neste último caso, não seria justa – porque seria desproporcionada face ao real valor de mercado – a atribuição de uma indemnização baseada na utilização desse solo para outros fins que não a construção.
Pelo exposto, a classificação do solo como apto para construção não merece censura, ficando prejudicada a questão da anulação da sentença para ampliação da matéria de facto (avaliação da parcela como solo para outros fins).
Do cálculo da indemnização
Estabelece o artigo 23.º, n.º 1, CE, que a justa indemnização que visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
Assente que está o solo em causa deve ser classificado como solo apto para construção, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, CE, o cálculo do valor do solo apto para construção encontra-se regulado no artigo 26.º CE.
Nos termos do n.º 1 deste artigo, o valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse ido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º.
Os n.ºs 2 e 3 referem-se a um critério assente em preços de aquisição e avaliações fiscais que, por regra, não é exequível.
Daí que o n.º 4 deste artigo estabeleça que, caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado.
3.2. Custo da construção por m²
Escreveu-se na sentença recorrida:
No que toca ao valor da construção, ficou por demais esclarecida a preferência maioritária pelo montante referencial fixado para efeitos de aplicação do regime de renda condicionada (€540,53/m2 de área útil), em detrimento daquele que o regime de habitação a custos controlados prevê (€438,90/m2 de área útil) - artigo 26.º, n.º 5, do Código das Expropriações -, sendo certo que, conforme salienta Salvador da Costa, in Ob. Cit., p. 181, “A lei não estabelece a prioridade de utilização dos valores relativos à construção a custos controlados ou à atinente às casas de renda condicionada”, pelo que caberá aos Srs. Peritos utilizar o valor que “se revelar mais adequado à consecução do princípio da justa indemnização”
Aliás, segundo Alípio Guedes, in “Valorização de Bens Expropriados”, 3.ª ed., Almedina, p. 103, a preferência deverá até ser dada ao preço da renda condicionada “cuja publicação é anual e cujo cálculo é muito mais simples”.
Ora, sendo esse valor sempre um valor referencial e não absoluto, nada obsta à determinação de um valor superior ao que dele resulta, conforme fizeram maioritariamente os Srs. Peritos, justificando essa opção com a maior aproximação do montante assim obtido ao valor corrente e de mercado do prédio.
Insurgiu-se a apelante contra este segmento da sentença afirmando que os srs. Peritos maioritários invocam o valor médio de construção por m² para 2006, estipulado no Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (CIMI), de € 615,00/m², quando deveriam ter considerado o custo médio de construção, o qual, de acordo com a Portaria nº 90/2006, de 27 de Janeiro, é de 492,00€/m².
Este valor, afirma, de acordo com o artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, corresponde ao valor médio de construção por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor, ou seja € 615,00/m² (492,00 x 1,25), onde está incluído o terreno, e só já deveriam considerar o valor/m² de construção (492,00€/m²).
Sublinha que todos os valores, seja da Portaria nº 430/2006 de 3 de Maio (Portaria da habitação de custos controlados), da Portaria 1127/2005, (Portaria das rendas condicionadas), ou da Portaria 90/2006, de 27 de Janeiro (Portaria CIMI), são bastante inferiores ao valor utilizado pelos senhores Peritos (€ 635,91), o que demonstra que este se encontra desenquadrado da realidade.
Arguiu ainda a nulidade da sentença por excesso de pronúncia por ter sido considerado um valor superior ao do laudo arbitral.
Apreciando:
O cálculo do valor do solo apto para construção encontra-se regulado no artigo 26.º CE.
Nos termos do n.º 1 deste artigo, o valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse ido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º.
Os n.ºs 2 e 3 referem-se a um critério assente em preços de aquisição e avaliações fiscais que, por regra, não é exequível.
Daí que o n.º 4 deste artigo estabeleça que, caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado.
Compulsados os autos, verifica-se que o sr. Perito indicado pela entidade expropriante indicou como valor de construção a considerar € 438,90/m², tendo por referência a Portaria n.º 430/2006, de 03 de Maio, que fixa o preço da habitação a custos controlados, enquanto os demais srs. Peritos optaram pelo valor de construção de € 635,91/m², que corresponde ao valor da renda condicionada previsto na Portaria n.º 1127/2005, de 31 de Outubro.
De acordo com o n.º 5 do artigo 26.º CE, na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
O preceito correspondente no anterior Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro, o artigo 25.º, estabelecia que o valor do solo apto para construção calcula-se em função do valor da construção nele existente (…).
A substituição da expressão «em função do valor de construção» pela expressão «por referência à construção» não é casual nem inócua - destina-se a assinalar o carácter meramente referencial do valor da construção, introduzindo a necessária flexibilização para que se possa atingir o valor real da parcela.
Como refere Alves Correia, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, RLJ, 133.º, pg. 51, a propósito do artigo 26.º, n.º 5, CE de 1999,
É importante acentuar que esta norma não impõe uma correspondência do preço por metro quadrado de construção, para efeitos de expropriação, ao preço por metro quadrado de construção fixado administrativamente para efeitos da aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, mas apenas uma obrigação de consideração destes preços como padrão de referência ou como factor indiciário do custo do metro quadrado de construção para o cálculo da indemnização por expropriação.
Os critérios enunciados no artigo 26.º, n.º 5, CE são, pois, meramente referenciais.
A nível da jurisprudência referira-se, a título meramente exemplificativo, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 2007.11.22, Ezaguy Martins, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 4072/2007; e da Relação do Porto, de 2007.10.15, José Ferraz, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0732452
O Tribunal recorrido, após vários esclarecimentos dos srs. Peritos (prestados por escrito e em audiência), entendeu aderir ao laudo maioritário.
Lê-se na sentença recorrida:
Constituindo objectivo da presente acção a determinação da "justa indemnização" a pagar pela expropriante, entende-se que a avaliação constitui uma diligência fundamental, imposta por lei - cfr. artigo 61.º, n.º 2, do Código das Expropriações - e que sendo realizada por técnicos qualificados, assume particular relevância como meio probatório, sem embargo de o Tribunal não estar vinculado ao seu resultado, em virtude do princípio da livre apreciação da prova, podendo o juiz fixar a indemnização em montante diverso do aí apurado, contanto que do processo constem elementos que com segurança o permitam fazer; essa avaliação constitui elemento fundamental e até decisivo para formar a convicção do julgador, sobretudo se inexistirem outros elementos objectivos que permitam, eventualmente, fixar um montante diverso de qualquer um dos indicados.
O resultado da avaliação pericial, pese embora não constitua um juízo vinculativo para o tribunal, é-lhe de grande auxílio, uma vez que a perícia incide sobre factos cuja percepção ou valoração requer conhecimentos especiais que escapam à experiência comum das pessoas e à cultura geral dos juízes (artigo 388.º, do Código Civil).
Com efeito, sendo o juiz o perito dos peritos, a força persuasiva da prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal (artigo 389.º, do Código Civil), podendo o juiz, no julgamento da matéria de facto ou na aplicação do direito aos factos, afastar-se do laudo, ainda que unânime, dos peritos.
Todavia, a discordância assim manifestada terá sempre de se alicerçar em fundamentos explícitos e sólidos, ponderados todos os elementos probatórios carreados para os autos.
No caso em apreço, o Tribunal dispõe de uma avaliação maioritária, por parte dos Srs. Peritos indicados pelo tribunal e pelos expropriados, e de uma avaliação subscrita pelo Sr. Perito indicado pela expropriante.
Ora, face à factualidade apurada, não se vislumbram quaisquer razões válidas que nos levem a abandonar o parecer maioritariamente emitido, pelo que atenderemos ao juízo por eles realizado quanto à ponderação da justa indemnização a atribuir aos expropriados.
De facto, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/04/1999,“Embora o juiz não esteja vinculado ao valor indicado no laudo maioritário, o certo é que este, a menos que se verifiquem aplicações de critérios em violação da lei aplicável, constitui um indicador seguro da fixação judicial da prestação indemnizatória.”
Mais recentemente, alude-se ainda ao decidido a este propósito no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/03/201312, nos termos do qual: “… existindo laudos divergentes e não possuindo o juiz elementos e conhecimento que lhe permitam infirmar as conclusões técnicas que neles foram vertidas, se imponha ao juiz a necessidade de aderir ao laudo maioritário ou ao laudo dos peritos nomeados pelo Tribunal. É que, apesar de todos os peritos terem, em princípio, iguais conhecimentos e competências, o juiz (que, por regra, não possui conhecimentos específicos na matéria), quando colocado perante laudos divergentes, não consegue infirmar as conclusões técnicas que neles foram vertidas e não consegue, por isso, avaliar qual é o laudo que melhor se adequa ao objectivo que se pretende alcançar: a determinação do valor da justa indemnização. E, nessas circunstâncias, (…), não terá outra solução que não seja a de aderir ao laudo maioritário (por presumir que as conclusões subscritas por um número maior de peritos terão maior aptidão para atingir aquele objectivo) ou a de aderir ao laudo dos peritos nomeados pelo Tribunal (por presumir que estes, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objectividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização”.
Ainda que assim não se entendesse, sempre se diria que, na nossa perspectiva, após todos os esclarecimentos prestados Srs. Peritos, a posição maioritariamente assumida releva-se consentânea com os critérios supra enunciados para a fixação da justa indemnização.
Não podemos deixar de concordar.
No processo civil vigora o princípio da livre apreciação da prova, mesmo para a prova pericial (cfr. artigos 389.ºCC. e 489.º CPC).
O artigo 388.º CC estabelece o objecto desta prova: «a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial».
A elevada complexidade técnica dos critérios legais para determinação do valor dos bens expropriados, justifica a imposição da avaliação como diligência de realização obrigatória (artigo 61.º, n.º 2, CE), subtraindo-a ao juízo de oportunidade por parte do tribunal, a exemplo do que sucede na prova pericial em geral (cfr. artigo 476.º, n.º 1, CPC).
A jurisprudência tem-se debruçado sobre o valor da avaliação, designadamente quando se verifica divergência entre os peritos.
Enquanto na arbitragem intervêm três árbitros designados pelo Presidente do Tribunal da Relação a partir de uma lista oficial (artigo 45.º, n.ºs 1 e 2, CE), na avaliação o seu número eleva-se para cinco: cada uma das partes nomeia um e o tribunal nomeia os restantes três, dentre a lista oficial (artigo 62.º, n.º 1, alínea a), CE.
Esta pluralidade de nomeações é susceptível de provocar divergências - é o id quoad plerumque accidit.
Por essa razão, a jurisprudência dos tribunais superiores vem reiteradamente afirmando que, em caso de divergência, e sempre sem prejuízo da livre apreciação por parte do juiz, há que dar prevalência à opinião dos peritos nomeados pelo tribunal, pela especial garantia de imparcialidade e competência que lhes advêm da inclusão numa lista oficial, na sequência de concurso público e formação específica.
Só assim não será se o laudo maioritário padecer de vício que o invalide, designadamente por erro grosseiro sobre os pressupostos de facto ou violação de lei.
Não se trata de aderir acriticamente ao laudo pericial, mas tão-só reconhecer-lhe o especial valor que o legislador lhe pretendeu conferir.
Neste sentido veja-se, designadamente, cfr. acórdãos da Relação de Lisboa, de 2008.11.06, Granja da Fonseca, de 2005.03.17, Fátima Galante, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 6772/2008 e 789/2005, respectivamente, e de 1998.02.12, Salvador da Costa, CJ, 98, I, 116; e da Relação do Porto, de 2006.07.13, Fernando Batista, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0632987.
Veja-se ainda Fernando Alves Correia, A jurisprudência constitucional sobre expropriações e o Código das Expropriações, RLJ, 133.º, pg. 16.
Já no que toca ao factor de conversão, entendemos assistir razão à apelante, pois o preço de construção da área bruta é sempre inferior ao da área útil, pois o valor de construção é dividido por uma área maior, resultando um valor inferior.
Area bruta (Ab), segundo a definição dada pelo artigo 67.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 38.382, de 07.08.1951, é a superfície total do fogo medida pelo perímetro exterior das paredes exteriores e eixos das paredes separadoras dos fogos, e inclui varandas privativas, locais acessórios e a quota-parte que lhe corresponda nas circulações comuns do edifício.
Por seu turno, nos termos da alínea b), área útil (Au) é a soma das áreas de todos os compartimentos da habitação, incluindo vestíbulos, circulações interiores, instalações sanitárias, arrumos, outros compartimentos de função similar e armários nas paredes, e mede-se pelo perímetro interior das paredes que limitam o fogo, descontando encalços até 30cm, paredes interiores, divisórias e condutas;
Não se compreende, pois, a aplicação do factor de conversão 1,15, que conduz a que o valor da área bruta seja superior ao da área útil.
Não se acompanha, por isso, neste aspecto, a posição da 1.ª instância, sendo por isso de aplicar o factor de conversão de 0,85, comum em processos de expropriação.
Nessa medida, o valor do m² de área bruta é de € 540,52 (635,91 x 0.85).

3.3. Índice de construção e encargos com inbfraestruturas
O sr. Perito indicado pela entidade expropriante considerou um índice de construção de 0.6 m²/m² e o laudo maioritário o índice de 0.75 m² /m², contrapondo a entidade expropriante um índice de 0,06 m² /m².
Sustenta a apelante que os índices aplicados pelos srs. Peritos violam o Regulamento do PDM de Oliveira de Azeméis, em vigor à data da publicação da DUP, designadamente o artigo 10.º, do teor seguinte:
ÁREA DE TRANSIÇÃO
Artigo 10º
Caracterização
1 - Na Área de Transição o Índice de Construção é o definido pela fórmula AC=10√L, sendo AC a área de construção e √L a raiz quadrada da área total do lote ou terreno.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior as construções já existentes à data de entrada em vigor do P.D.M., para efeitos de destaque ou de loteamento e em terrenos com a área mínima de 1500 m², aplicando-se, contudo, à parcela ou lotes restantes o disposto no mesmo número.
No que ao reforço das infraestruturas concerne, dispõe o artigo 26.º, n.º 9, CE, que se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos n.ºs 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas.
Os srs. Peritos maioritários (Tribunal e expropriado) consideraram não existir evidência que uma eventual nova construção no local represente uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes e que estas não a possam acomodar, do que divergiu o sr. Perito minoritário.
A este propósito ponderou a 1.ª instância:
É que, não só ficou devidamente esclarecido o índice de construção adoptado, e o motivo pelo qual afastada foi a fórmula de cálculo prevista no artigo 10.º, n.º 1, do RPDM de Oliveira de Azeméis, vigente à data, apelando antes ao que preceitua o n.º 2 do mesmo artigo, até por razões de igualdade relativa, tendo em conta a tipologia das construções contíguas ao prédio expropriado, a permitir a consideração de um índice de construção superior (e aqui todos os Peritos sufragaram a adopção de um índice de construção superior, ainda que o indicado pela expropriante tenha defendido um índice de 0,60m2/m2, tal como os Srs. Árbitros haviam feito, e os restantes um índice de 0,75m2/m2), como o valor da construção apurado, atenta a conversão da área útil em área bruta foi devidamente fundamentado, mais resultando, por fim, devidamente esclarecido o motivo pelo qual não existem quaisquer despesas com infra-estruturação a considerar.
Não se pode deixar passar em claro a manifesta discrepância entre os índices de construção considerados pelos srs. Peritos (0,60 e 0,75) e o índice defendido pela apelante (0,06).
Tratando-se de uma questão de natureza técnica, é de relevar a posição dos srs. Peritos.
Os srs. Peritos maioritários apresentaram dois índices possíveis (0,60 e 0,75), tendo o Tribunal, após prestação de esclarecimentos em audiência, acolhido o índice de 0,75.
A impugnação apresentada não permite pôr em causa a solução encontrada pela 1.ª instância.
Estamos, agora em condições de proceder ao cálculo da indemnização, tendo em conta que o índice fundiário e o factor de correcção não foram questionados.
Valor unitário do solo = Índice de construção x custo de construção x índice fundiário x (100 – factor correctivo): 0,75 x € 540,52 x 0,145 x 0,95 = € 55,84

Valor que multiplicado pela área expropriada (300 m²) fornece o valor de € 16.752,00.
Somos, assim, remetidos para a questão da nulidade da sentença.
3.5. Da nulidade da sentença
Assacou a apelante a nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 609.º, n.º 1, CPC, por condenação em quantidade superior ao pedido.
A apreciação da invocada nulidade passa pelam análise do alcance do caso julgado da decisão arbitral.
O acórdão arbitral, porque proveniente de um tribunal arbitral necessário (cfr. artigos 38.º, n.ºs 1, 1.ª parte, e 3, e 49 n.ºs 1 a 3, CE) assume a natureza de uma verdadeira sentença, e não de um mero arbitramento.
Como decisão judicial que é, na falta de previsão especial, aplicam-se-lhe as regras do processo civil em matéria de recursos, como tem sido pacificamente entendido (cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 2012.10.02, Henrique Antunes, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 3811/09.8TBVIS.C1, e acórdão da Relação de Guimarães, de 2012.02.09, Manso Rainho, www.dgsi.pt.jtrg, proc. 504/10.7TBBRG.G1).
Assim, o alcance do caso julgado a decisão arbitral tem de ser equacionado em termos idênticos ao da sentença judicial: a decisão arbitral é susceptível de formar caso julgado se não for objecto de impugnação.
À delimitação objectiva do recurso aplicam-se as regras constantes do artigo 635.º, n.ºs 2 a 5, CPC.
O recurso, na falta de especificação em contrário, abrange tudo o que na sentença for desfavorável ao recorrente (n.º 3) que, no entanto, quando a parte dispositiva da sentença contenha decisões distintas, pode restringir o recurso a qualquer delas (n.º 2).
O n.º 5 deste artigo consagra a proibição da reformatio in pejus, nos termos do qual a decisão do recurso não pode ser mais desfavorável para o recorrente que a decisão recorrida («os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo»).
Por outras palavras, a sua posição não pode ser agravada, tornando-a pior do que seria se não tivesse impugnado a decisão.
Quando o tribunal conhece de matéria não recorrida está a extravasar os seus poderes de pronúncia, incorrendo a sentença em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC. (cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 2012.10.02, supra citado).
Estabelecido que aos limites objectivos do caso julgado da decisão arbitral se aplicam os mesmos princípios que à decisão judicial, analisemos então os alcance do caso julgado da decisão arbitral.
A tese restrita, defendida por Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, pg. 718, ancorada no artigo 653.º CPC revogado [actual artigo 607.º], propugna que o caso julgado abrange apenas a parte dispositiva da sentença e já não os seus fundamentos, embora aceite que estes possam ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão.
No que à decisão arbitral concerne, o caso julgado, na tese restrita, abrange apenas o valor da indemnização.
Nesse sentido, o acórdão do STJ, de 2012.12.30, Salazar Casanova, www.dgsi.pt.jstj, proc. 1333/06.8TBFLG.G2.S1:
… a decisão arbitral faz caso julgado apenas no que respeita ao montante da indemnização e não quanto às qualificações que os árbitros tenham efetuado (ASTJ de 13-7-2010- Helder Roque - revista 4210/06) e, no que respeita ao limite indemnizatório fixado na decisão arbitral, ele vale quando nos deparamos com recurso interposto pela parte que pretende diminuição da indemnização fixada. Esse limite de montante da decisão arbitral não se verifica quando o recurso interposto visa uma alteração para mais do montante indemnizatório fixado, como sucede no caso em que estamos face a um recurso interposto pelo expropriado e não pela expropriante. Num outro acórdão do STJ referiu-se que " a decisão arbitral é uma verdadeira decisão. Interposto recurso da decisão arbitral, por discordância com os valores encontrados para a determinação da justa indemnização, é também posta em crise a sua própria fundamentação.
No sentido de que as questões prejudiciais e qualificações jurídicas que precederam a determinação do peso de cada componente do quantum indemnizatório impugnado são sempre sindicáveis pelo tribunal ad quem, mesmo que não incluídas expressamente na delimitação do objecto do litígio, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 2006.03.28, Freitas Neto.
Doutrina e jurisprudência vem, porém, sustentando que, embora o caso julgado não abranja a motivação, ele se estende às questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença (cfr. acórdão do STJ, de 2004.03.16, Faria Antunes, www.dgsi.pt.jstj, proc. 03A2594 e jurisprudência aí citada, e de 2012.09.27, Granja da Fonseca, www.dgsi.pt.jstj, proc. 10641/07.0TBMAI.P1.S1).
Como afirma Miguel Teixeira de Sousa, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, pg. 339,
Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
Veja-se ainda o acórdão da Relação do Porto, de 2010.03.03, Amaral Ferreira, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 340/04.0TBARC.P1, e de Coimbra, de 2008.06.17, Jorge Arcanjo, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 156/05.6TBPNL.C1
O acórdão do STJ, de 2005.05.05, Araújo Barros, www.dgsi.pt.jstj, proc. 05B602, procede a uma análise desta problemática recorrendo ao elemento histórico, e que se transcreve pelo interesse que apresenta.
E já se entendeu, em interpretação meramente literal da norma do art. 673º do C.Proc.Civil, que "o caso julgado forma-se directamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo autor (ou pelo réu, através da reconvenção). É a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força do caso julgado. A força do caso julgado cobre apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu, para chegar a essa resposta"
Todavia, pouco depois do início de vigência do Código de Processo Civil de 1961, já Rodrigues Bastos, considerando que "a posição predominante actual, principalmente devida à influência de um parte da doutrina italiana, com apoio da jurisprudência, é favorável a uma mitigação deste último conceito, no sentido de, considerando embora o caso julgado restrito à parte dispositiva da sentença, alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de decidir como premissas da conclusão firmada"; atendendo a que, como se vê do Anteprojecto publicado no BMJ nº 123, pag. 120, "o Código actual, eliminando o § único do art. 660º e a alínea b) do art. 96º da lei anterior, à luz dos quais era de sustentar estar admitida a extensão do caso julgado à decisão cuja resolução fosse necessária, fê-lo confessadamente no propósito de não tocar no problema e deixar à doutrina a sua solução, caso por caso, mediante os conhecidos processos de integração"; defendia, "ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado".
Aceitável, a nosso ver, tal posição, parece-nos ainda de acentuar que "como toda a decisão
é a conclusão de certos pressupostos (de facto ou de direito) o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão".
Acresce que "o caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada". Excluída está, desde logo, a situação contraditória (...) como, além disso, "está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada".
Donde, em derradeira análise se nos afigura poder concluir que "todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, estão compreendidas na expressão precisos termos em que julga, contida no art. 673º ao definir o alcance do caso julgado material, pelo que também se incluem neste".
É este, aliás, o entendimento que, nos tempos mais recentes, vem prevalecendo na jurisprudência.
Aderimos ao critério ecléctico por ser o que melhor responde às necessidades de segurança e certeza subjacentes ao instituto do caso julgado.
Em síntese: «se o resultado da avaliação assenta em toda uma série de premissas que são decididas pelos árbitros, a força de caso julgado há-de estender-se àquelas premissas, àqueles parâmetros que determinam o resultado final da avaliação» (apud acórdão da Relação de Guimarães, de 2012.02.09, supra citado).
Estamos agora em condições de apreciar a arguida nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
No caso dos autos, o que foi questionado foi apenas o valor por m², que a decisão arbitral fixou em € 51,87, o que multiplicado pela área da parcela perfaz o montante de € 15.561,00.
A decisão arbitral fixou a indemnização em € 38.072,58 por que a área inicialmente expropriada foi de 734 m², tendo posteriormente sido reduzida para 300 m².
A indemnização fixada não pode exceder € 15.561,00.
A apelante arguiu ainda a nulidade da sentença por insuficiência de produção de prova por não terem sido considerados os custos a que o expropriado estaria sujeito com o loteamento, insurgindo-se contra a alegada ausência de resposta dos srs. Peritos maioritários aos quesitos 9.º e 10.º por si formulados.

Contrariamente ao afirmado pela apelante, os srs. Peritos maioritários responderam aos quesitos, embora em sentido não coincidente com o pretendida pela apelante.
Assim, à pergunta sobre quais as áreas a ceder ao domínio público para arruamentos, espaços verdes, equipamentos, estacionamentos, etc, responderam os srs. Peritos maioritários que compete à Câmara Municipal fixar as áreas de cedência ao domínio público, nos termos do artigo 673.º, n.º 2, da secção II do Regulamento do PDM.
E quanto ao custo das infraestruturas para a viabilização do prédio para fins construtivos remeteram para o relatório, onde afirmam, como já se referiu, não existir evidência que uma eventual nova construção no local represente uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes e que estas não a possam acomodar.
Entendemos não se configurar nenhuma nulidade.
No que à questão dos encargos com loteamento concerne, entendemos que não devem considerados para limitar a indemnização devida, acompanhando o acórdão da Relação de Coimbra, de 05.08.2012, Moreira do Carmo, www.dgsi.pt.jtrc, proc. n.º 240/09.7TBVIS.C1:
E mais adiante, a propósito de uma objecção da ora apelante, acerca da necessidade de promoção prévia de lotes para construções de moradias em banda e consideração dos implícitos encargos com a execução do loteamento, explicitaram os peritos que “os peritos não concordam com o pressuposto de que a implantação da capacidade construtiva considerada implicasse, obrigatoriamente, a necessidade de promoção de um loteamento, sendo certo que, ainda assim, tal facto não condiciona em nada a avaliação feita. Efectivamente lembra-se que com a peritagem o que se pretende avaliar é o terreno tal qual se encontrava na altura da declaração de utilidade pública. Não podem nem devem, por isso, ser-lhe imputados nem encargos nem proveitos inerentes ao acto de promoção imobiliária que pode não ser, e normalmente não é, sequer desenvolvido pelo expropriado. De qualquer forma é claro que, uma vez realizados esses encargos, e em sua consequência, resulta sempre, para o terreno, uma mais valia que se reflecte no valor do seu metro quadrado. Se pretendêssemos retirar ao valor do terreno, antes de loteado, os encargos com o loteamento, teríamos de concluir que um terreno, depois de loteado, vale menos do que antes de o ser, o que transformaria os investidores imobiliários em beneméritos ou potencialmente falidos. (…) Ora o Código das Expropriações determina, e bem, que o cálculo do valor de um solo apto para construção deve ter por base a sua capacidade “aedificandi” valorizada com base nos custos da construção. Ao tomar este valor como referência deixa, naturalmente, de fora todos os encargos e mais valias que estão associadas ao acto de lotear e que, por isso, se reflectem não no custo da construção mas no valor de alienação final que é, como se sabe, muito superior. De outra forma, no entendimento dos peritos, não ficaria garantido o conceito de justa indemnização na medida em que não se pode retirar ao custo de construção encargos que ele não comporta e que estão antes incluídos no valor de venda da construção, que como se constata, não foram utilizados”. Neste aspecto, igualmente, o perito da expropriante, no esclarecimento que prestou (fls. 229) revelou a mesma posição de concordância, esclarecendo que “O valor da comercialização de uma construção é o somatório do valor do solo, do valor da construção, do valor dos encargos (taxas, licenças, projectos, etc.) e do valor do lucro. Considerando para o cálculo do valor do solo apenas o valor da construção, não se percebe porque motivo se deve deduzir os encargos referidos.
Improcede, pois, este segmento do recurso.

4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação parcialmente procedente, altera-se a decisão recorrida, fixando-se a indemnização devida pela expropriação da parcela em causa em € 15.561,00, no mais se mantendo a decisão recorrida.
Custas por apelante e apelado na proporção do decaimento (artigo 527.º, n.º 1, CPC).

Porto, 22 de Março de 2022
Márcia Portela
João Ramos Lopes
Rui Moreira