TESTAMENTO
REMOÇÃO DE TESTAMENTEIRO
VONTADE DO TESTADOR
Sumário

I - O afastamento do testamenteiro nomeado, por contrariar a última vontade do testador, deve ser encarado como uma solução excepcional, pelo que se exige rigor e objectividade na apreciação dos respectivos fundamentos;
II - Quando se aprecia se determinada conduta consubstancia não cumprimento dos deveres de testamenteiro com prudência e zelo, inexistindo critério especial previsto na lei, a sua actuação deve ser aferida pela diligência de um “bom pai de família”, colocado nas concretas circunstâncias do executor testamentário;
III - A conduta da testamenteira ré que, repetidamente, permite que sejam apreendidos, no âmbito de execuções contra si instauradas, valores pecuniários pertencentes à Fundação para pagamento de dívidas pessoais, dá azo a que se ponha em causa a sua idoneidade para o exercício do cargo e, por si só, constitui fundamento de remoção;
IV - Se a testamenteira ré, com a sua conduta, protela por anos a aprovação dos estatutos, erige-se como elemento de bloqueio do procedimento com vista ao reconhecimento da Fundação e justifica um juízo de censura, pois evidencia falta de zelo no cumprimento dos seus deveres.

Texto Integral

Processo n.º 3580/20.0T8PRT.P1
Comarca de Porto
Juízo Local Cível do Porto (Juiz 5)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
Em 17 de Fevereiro de 2020, AA intentou esta acção especial de remoção de testamenteiro contra BB, alegando, em síntese, o seguinte:
No dia 23 de Agosto de 2011, CC fez testamento em que, além do mais, instituiu uma fundação, que deverá denominar-se “FUNDAÇÃO ...”, com sede no Porto, na casa que constituía a sua habitação própria e permanente, fundação que terá como finalidade a solidariedade social, apoio a cidadãos carenciados e fins artísticos e educativos, sendo o seu património constituído por todos os bens da herança dela, testadora, nele se incluindo todo o recheio que constitui a sua habitação e todo o dinheiro e valores existentes em qualquer Banco ou Instituição de Crédito quer em Portugal, quer no estrangeiro, e a que, pelo testamento, não desse destino diverso.
Ainda de acordo com a vontade da testadora manifestada naquele testamento, as aqui autora e ré foram nomeadas testamenteiras, e, nessa qualidade incumbidas de dar cumprimento às disposições testamentárias, concretamente, «(…)redigir e fazer aprovar os estatutos da mencionada Fundação praticando todos os atos necessários ao reconhecimento da mesma».
A testadora veio a falecer em 13 de maio de 2012 e a autora e a ré, na qualidade de testamenteiras, foram praticando todos os atos úteis e necessários com vista à execução plena do testamento, designadamente o cumprimento das formalidades legais e fiscais e a prática de todos os atos de conservação e gestão do património e, paralelamente, deram também início a todas as diligências com vista à certificação da Fundação, a começar pela elaboração, aprovação e publicação dos estatutos.
Porém, a partir de finais do ano de 2017, a ré começou a furtar-se a reuniões com a autora e a evitar os seus contactos para tratar dos assuntos relacionados com as suas funções de testamenteiras e a descurá-las, a ponto de pôr em causa o património que estava à sua guarda e gestão, postura que se foi agravando e que passou a ser de deliberado desleixo e de intencional obstrução ao processo de certificação da fundação.
Imputa à ré «total falta de prudência e de zelo» no desempenho do cargo para que foi nomeada, que põe seriamente em risco o reconhecimento da Fundação.
Concluiu pedindo que, na procedência da acção, seja «a Ré BB removida judicialmente das funções de co-testamenteira da D. CC, mantendo-se a A. no exercício dessa testamentaria de forma a poder concluir o processo de certificação da “Fundação ...».

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Citada, a ré veio apresentar contestação em que aceita, expressamente, o alegado nos artigos 1.º a 21.º da petição inicial e impugna os demais.
Apesar de reconhecer as penhoras de que foi alvo, alega que não tiveram qualquer reflexo na conta bancária da Fundação, uma vez que nela depositou o valor apreendido.
Refuta a acusação que a autora lhe faz de impedir a aprovação dos estatutos da Fundação e alega que era a autora quem pretendia impor a sua vontade.
Termina pedindo a improcedência da acção.
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Em 10.09.2020, a autora apresentou articulado superveniente em que alega:
Em Agosto de 2020, por carta remetida pelo Banco 1... nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 780.º do C.P.C, tomou conhecimento da existência de nova penhora sobre a conta DO: ..., pertencente à Fundação.
Desta feita, foi penhorado o montante de € 3.300,54 no âmbito do processo de execução que se encontra a correr termos sob o nº de processo 24784/19.3T8PRT do Juízo de Execução do Porto-J-1, instaurado pelo Condomínio ..., ... no Porto, prédio esse no qual a Requerida é proprietária das frações “BC” e “ E”.
A requerida foi citada da penhora no dia 21 de agosto de 2020, pelo que desde essa data que tem perfeito conhecimento da existência da penhora sobre a conta da herança, pelo que deveria de imediato ter vindo àqueles autos informar que os valores aí existentes não lhe pertencem e requerer a sua substituição por outros por si indicados nos termos do disposto na alínea a) do nº4 do art.º 751 do CPC, mas não o fez.
A ré respondeu dizendo que tomou conhecimento da penhora efectuada na conta bancária da Fundação, mas está a regularizar tal dívida.
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Realizou-se a audiência de produção das provas admitidas, após o que, com data de 01.10.2021, foi proferida sentença[1] com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, tendo em conta as já indicadas normas jurídicas e os princípios indicados, julgo a presente ação totalmente procedente e, consequentemente, determina-se a remoção da Ré BB das funções de co-testamenteira de CC, mantendo-se a Autora AA no exercício dessa testamentaria de forma a poder concluir o processo de certificação da Fundação ...».
Inconformada, a ré interpôs recurso da sentença com os fundamentos explanados na respectiva alegação e formulou as seguintes conclusões:
«I O presente recurso vem interposto quanto á matéria de direito e quanto á matéria de facto
II- A douta decisão fundamenta-se exclusivamente no depoimento do dr DD e em documentos da Autora impugnados pela Ré e que não foram objecto de qualquer confirmação pela referida testemunha.
III- A testemunha Dr. DD, actuou como advogado, quanto á redacção dos estatutos e ao acompanhamento do processo de certificação.
IV- De facto, o ilustre advogado em causa, para além de ter patrocinado Autora e Ré no Processo cautelar e declarativo referente á impugnação do testamento, prosseguiu a sua actividade profissional no que toca aos estatutos e acompanhamento do processo de certificação da Fundação.
V- O advogado em causa aceitou o pedido formulado pela Ré, e por conta de tais serviços, cobrou honorários que, salvo o devido respeito não poderão ser considerados como “de amigo”.
Do exposto resulta a nulidade do referido depoimento nos termos dos artºs. 81º nº2, 83º nº1, 92º nº1, 97º e 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados, artºs. 482 do C.C., 195º do cód. Penal e 513ª do C.P.C. Nulidade que expressamente se invoca.
VI- Pelo que, não poderá tal depoimento fundamentar a prova de todos os factos dados como provados.
VII- Os factos constantes dos pontos 6, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 29, 30, 36, 37, 38, 39, 43, 49, 60, 64, 69, 73, 76 e 79, da matéria dada como provada, foram incorrectamente julgados como provados, devendo ser julgados como não provados.
VIII- Os concretos meios de prova são os já indicados nas presentes alegações, que para os devidos e legais efeitos aqui se dão por integradas e reproduzidas.
IX- O Meritíssimo juiz a quo aceitou o depoimento da testemunha dr. DD apesar de se ter apercebido da existência de uma “relação tripartida” entre Autora, Ré, e Testemunha, não assegurando assim a igualdade das partes prevista no artº. 4º do C.P.C.
X- Ao aceitar e fundamentar a douta decisão em tal depoimento, violou o Meritíssimo juiz o disposto em tal dispositivo legal.
XI- O Meritíssimo juiz não deu qualquer credibilidade aos depoimentos das testemunhas indicadas pela Ré, bem como ás suas declarações de parte, e não deu qualquer importância aos documentos juntos na contestação,
XII- Ora tais depoimentos e documentos, contrariam diversos pontos da matéria dada como provada.
XIII- E expressamente provam a razão de eventuais faltas da Ré, a reuniões, designadamente por doença sua e de familiares, contrariamente ao que acontece com a Autora, que alega afazeres profissionais e até férias no estrangeiro.
XIV- O Meritíssimo juiz não procedeu a uma análise e comparação dos estatutos inicialmente assinados por Autora e Ré, com os estatutos que a Ré não assinou.
XV- Dos documentos juntos aos autos por Autora e Ré, resulta a razão pela qual tais estatutos não foram assinados pela Ré: a sua discordância.
XVI- A não elaboração dos estatutos de forma alguma poderia constituir motivo para indeferimento da certificação da Fundação, uma vez que é dever do organismo responsável pela certificação proceder á sua elaboração caso os executores o não façam no prazo de um ano.
XVII- Assim, não se vê como é que a não assinatura dos estatutos pela Ré pudesse por em causa a certificação da fundação.
XVIII- Pelo que tal facto não originou qualquer prejuízo de forma grave e irreparável.
XIX- O que efectivamente poderia originar a não certificação da fundação, seria o facto de a avaliação entregue ter sido assinada por avaliador não inscrito na CMVM.
XX- E, com vista á elaboração de tal avaliação, a Ré contactou via e-mail dois avaliadores certificados pela CMVM como resulta dos e-mails que constituem os documentos 15 e 16 juntos com a contestação, que não foram impugnados.
XXI- O Meritíssimo juiz não deu também qualquer relevância a tais documentos.
XXII - Exige o artº. 2331º do Cód. Civil, para que o testamenteiro possa ser removido, que o mesmo não cumpra com prudência e zelo os deveres do seu cargo ou mostre incompetência no seu desempenho.
XXIII - Da prova produzida, não resultam desde logo quais os deveres que a Ré não cumpriu com prudência e zelo, ou que haja demonstrado incompetência no seu desempenho.
XXIV- A Ré foi incumbida pela Autora do testamento de criar a Fundação, e convidou a Autora para com ela colaborar.
XXV- A Ré sempre tratou de todos os assuntos de gestão corrente da Fundação, e demonstrou capacidade e competência para o exercício do cargo.
XXVI -A autora não alegou quais os deveres violados pela Ré no exercício do seu cargo de testamenteira.
XXVII- Não se verificam pois os requisitos exigidos pelo referido dispositivo legal.
XXVIII- Pelo que deverá a presente acção ser julgada totalmente improcedente.»
A autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do decidido.
O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Importa frisar este ponto: são as conclusões que balizam os limites da intervenção do tribunal ad quem e nestas pode o recorrente restringir o objecto do recurso que definiu no “corpo” da motivação.
Vem isto a propósito da impugnação da decisão da matéria de facto que, como mais adiante veremos, nas conclusões tem um âmbito bem mais restrito que o enunciado nas alegações.
Como decorre das conclusões transcritas, além da questão da nulidade do depoimento da testemunha Dr. DD, a recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto, quer por errada apreciação e valoração da prova, quer por ter ignorado factos que, na sua perspectiva, seriam relevantes para a decisão.
Além disso, insurge-se contra a solução de direito, porquanto entende não estarem verificados os requisitos exigidos pelo artigo 2331.º do Código Civil.
São, assim, questões a apreciar e decidir:
- nulidade do depoimento da referida testemunha;
- se há erro de julgamento em matéria de facto;
- impondo-se decisão diversa da recorrida, apreciar da repercussão de uma alteração factual na decisão de direito.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Na primeira instância foram selecionados como relevantes para a decisão os seguintes factos:
1. No dia 23AGO2011, pelo Cartório Notarial da Dra. EE, foi outorgado testamento por CC.
2. De acordo com a vontade da testadora, para além da atribuição de dois legados, foi criada uma fundação nos seguintes termos:
“Pelo presente testamento é criada uma Fundação que deverá denominar-se “FUNDAÇÃO ...” que terá a sua sede no Porto na Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho do Porto, na casa que constitui hoje a sua habitação própria e permanente;
A Fundação terá como finalidade a solidariedade social, apoio a cidadãos carenciados e fins artísticos e educativos;
E o património da Fundação será constituído por todos os bens da herança dela testadora, seja qual for a sua natureza, nele se incluindo todo o recheio que constitui a sua habitação e todo o dinheiro e valores existentes em qualquer Banco ou Instituição de Crédito quer em Portugal quer no estrangeiro, e a que por este testamento ou outro posterior, não der destino diverso (…)”.
3. Também pela mesma disposição testamentária, foram as aqui Autora e Ré, nomeadas como testamenteiras, e, nessa qualidade incumbidas de dar cumprimento às disposições da testadora, tendo sido instituído que “(…) terão que redigir e fazer aprovar os estatutos da mencionada Fundação praticando todos os atos necessários ao reconhecimento da mesma”.
4. A testadora faleceu a 13MAI2012, no estado de viúva e sem descendentes nem ascendentes, sem quaisquer herdeiros legitimários.
5. As aqui Autora e Ré, na qualidade de testamenteiras, praticaram, entre outros, os seguintes atos:
i) elaboração da relação de bens e participação junto da Autoridade Tributária, através da entrega da declaração fiscal para efeitos de liquidação e pagamento de Imposto de Selo,
ii) entrega dos dois legados constituídos pela testadora a favor, respetivamente, de FF e de GG,
iii) e, com vista à certificação da fundação, elaboração e aprovação dos estatutos da FUNDAÇÃO ..., em 13DEZ2012, com publicação do ato de aprovação dos estatutos em 4JAN2013 e, na mesma data, foi dada entrada ao processo de certificação junto da Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros, com confirmação certificada por aquela entidade do início do respetivo procedimento, com a mesma data, tendo sido atribuído ao mesmo o número Proc3/FUND/2013;
iv) avaliação por perito idóneo e devidamente inscrito na Ordem dos Engenheiros - portador da cédula profissional nº ... da Ordem dos Engenheiros, Engenheiro HH.
6. A Ré providenciou, até ali, conjuntamente com a co-testamenteira Autora, pela elaboração, obtenção e subscrição de todos os documentos remetidos ao processo de certificação encetado junto da Secretaria Geral em 4JAN2013.
7. Entre esses documentos elaborados encontram-se os estatutos, que foram também devidamente subscritos pela Ré.
8. Em JAN2013 foi interposta uma ação judicial, que veio a correr termos sob o nº de processo 58/13.2TVPRT, da então 2ª Vara Cível do Porto, mais tarde distribuída à Secção Central Cível - J6 do mesmo Tribunal da Comarca do Porto, através do qual foi requerida a nulidade do testamento outorgado por CC em 23AGO2011, tendo a mesma sido inicialmente intentada contra FF (beneficiária de Legado) por II, entretanto falecida e que veio a prosseguir os seus termos com os seus herdeiros devidamente habilitados, a saber, GG (beneficiária de Legado), JJ e KK.
9. A supra referida ação judicial foi precedida de procedimento cautelar de arrolamento (processo nº 58/13.2TVPRT-A), que correu termos na Secção Central Cível - J6 do Tribunal da Comarca do Porto e que veio a ser decretado em 12DEZ2012, no âmbito do qual foram arrolados todos os bens móveis existentes naquela que foi a habitação da testadora, sita à rua ..., ..., Porto e bem ainda todas as contas bancárias tituladas pela testadora CC.
10. Face à pendência dos autos referidos em 8), foi declarado suspenso, pelo Chefe de Gabinete do Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, em 23SET2013, o processo de conclusão de certificação da FUNDAÇÃO ....
11. O processo judicial atrás referido terminou, por decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto em 14SET2017, transitado em julgado em 23OUT2017, e que decidiu no sentido de manter a decisão de primeira instância, que foi a de julgar a ação totalmente improcedente, e nessa medida declarou como válido e em vigor o testamento outorgado por CC.
12. O processo de reconhecimento da fundação esteve suspenso até trânsito em julgado da decisão referida em 8).
13. As aqui Autora e Ré são conjuntamente titulares da conta depósitos à ordem nº ... do Banco 1....
14. Os valores aí depositados pertencem exclusivamente à herança de CC, sendo que os mesmos foram utilizados para os gastos correntes e de gestão do património, nomeadamente pagamento de quotas de condomínios, pagamento de impostos, luz, água, obras urgentes e necessárias, conta essa que apenas pode ser movimentada pela assinatura conjunta das duas titulares e por elas utilizada para as funções que lhe foram atribuídas de testamenteiras.
15. Em 18MAI2017, foi concretizada uma penhora na supra referida conta de depósitos à ordem, na sequência de um processo de execução fiscal instaurado pelo Instituto da Segurança Social, I.P., com o nº ... e em que é executada a Ré BB, tendo sido penhorado o montante de € 8.045,69 (oito mil, quarenta e cinco euros e sessenta e nove cêntimos).
16. O valor penhorado foi reposto pela Ré, na conta depósitos à ordem nº ..., através de depósitos em numerário, em 11JUN2018 [€ 3.000 – três mil euros], em 19JUN2018 [€ 3.000 – três mil euros] e em 2JUL2018 [€ 2.045,69 – dois mil e quarenta e cinco euros e sessenta e novo cêntimos].
17. Com vista a reunir os elementos necessários, foi a Autora mantendo comunicação com a Ré, para tratar de assuntos pendentes e de gestão corrente, quer pessoal quer telefonicamente e sempre que se encontravam, no sentido de darem seguimento ao procedimento de certificação, para o qual era necessária a intervenção de ambas as testamenteiras, nomeadamente alterando os estatutos na parte em que foram afetados pelas alterações legislativas e ainda a obtenção da restante documentação necessária, conforme listagem remetida pela Secretaria Geral em 22SET2016, onde esta deu conta das alterações legislativas.
18. A Ré, a partir de finais do ano de 2017, começou a evitar concretizar reuniões, não atendendo o telefone ou o telemóvel, não respondendo a mensagens de correio eletrónico, nem deu seguimento a pedidos de reunião solicitados.
19. No decorrer do primeiro semestre do ano de 2018, a postura da Ré foi- se alterando, no sentido de indisponibilidade quer para tratar de assuntos de gestão corrente, quer para obtenção e ultimação dos elementos em falta para a conclusão do processo de certificação da Fundação.
20. A partir desta data, eram raras as vezes que a Autora conseguia chegar à fala com a Ré.
21. A Autora enviava correio eletrónico à Ré e esta, apesar de o receber, nunca acusava a sua receção.
22. Para além das tentativas de reunir com a Ré e recolher a sua assinatura para os procedimentos necessários, a Autora, sempre com o intuito de não deixar caducar o procedimento de certificação, foi dando conhecimento à Diretora de Serviços de Assuntos Jurídicos e Documentação da Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros Geral, a Sra. Dra. LL, das diligências para obtenção da certidão do trânsito em julgado da ação judicial referida no ponto 8), sendo que na resposta de 13JUL2018 foi concedido um prazo limite, até 30NOV2018, para junção dos elementos em falta, sob pena de ser proposta a recusa de reconhecimento da certificação da Fundação.
23. Na sequência da reunião que esteve prevista para ABR2018 e que nunca se realizou por falta de resposta da Ré, e na sequência desse mesmo email remetido em 13JUL2018 pela Sra. Dra. LL, foi enviada pela Autora à Ré, nesse mesmo dia de 13JUL2018, pelas 11h55, a seguinte comunicação eletrónica:
“BB temos que reunir urgentemente com calma, assunto fundação proponho o dia 18 a qualquer hora, talvez em hora que dê para ir ao banco. Diga qualquer coisa”.
24. A Ré, em 16JUL2018, pelas 16h25, enviou email a confirmar uma reunião para o dia seguinte, dia 17JUL2018, pelas 9h30, tendo a Autora respondido de imediato a confirmar, solicitando apenas que às 11h30 teria que sair do escritório.
25. A referida reunião teve lugar no escritório da Autora, com a presença do Sr. Dr. DD, cuja presença foi solicitada pela Ré, o qual, na esteira do que lhe tinha sido previamente solicitado, acordou em adaptar os estatutos que por ele tinham sido elaborados à nova Lei Quadro das Fundações.
26. E, como resultado dessa reunião, acordou finalmente a Ré que os estatutos seriam revistos e logo que ultimados seriam objeto de apresentação em reunião a agendar para o efeito, sendo que paralelamente os documentos ainda em falta seriam ultimados pelas testamenteiras, tendo a Ré ficado ciente do prazo concedido para a conclusão do procedimento (30NOV2018).
27. Na sequência do acordado, foi posteriormente proposto pelo Sr. Dr. DD a realização de uma reunião, para o dia 18OUT2018, pelas 17h30, tendo a Autora transmitido telefonicamente a este que estaria presente, tendo a Ré acordado, e também diretamente com este, o agendamento da mesma.
28. No dia e hora acordados, a Ré não compareceu, tendo enviado SMS ao Sr. Dr. DD com a indicação que não poderia estar presente.
29. Foi sugerido então à Ré, pelo Sr. Dr. DD, uma reunião no dia 22OUT2018, dia que esta também declinou, indicando que por razões profissionais estaria impedida.
30. Face à indisponibilidade da Ré para reunir e tendo sempre em consideração o prazo limite de 30NOV2018, o Sr. Dr. DD enviou para ambas as testamenteiras, a 29OUT2018, através de correio eletrónico, a minuta reformulada dos estatutos, com vista a acelerar o processo de reanálise dos mesmos.
31. No dia 30OUT2018, pelas 21h06, através de correio eletrónico remetido para a Autora e para o Sr. Dr. DD, a Ré acusa a receção dos estatutos e refere o seguinte:
“Suscitam-me várias dúvidas, que gostaria de ver esclarecidas pelo Sr. Dr. (…) Mostra-se pertinente marcação de reunião (…) De acordo com a disponibilidade de todos, mas sempre impreterivelmente nesse período, face ao prazo que está a decorrer e cujo termo não podemos deixar que se verifique”.
32. Nesse mesmo dia, pelas 21h33, a Autora responde, sugerindo sem mais considerandos os dias 7, 8 ou 9NOV a qualquer hora para realização da reunião, solicitando também à Ré que especifique os pontos que pretende tratar, uma vez que até esta data a Ré não tinha ultimado qualquer dos elementos de que ficou incumbida na reunião de 17JUL.
33. O Sr. Dr. DD, no dia seguinte, ou seja, 31OUT2018, respondeu e solicitou que lhe sejam enviadas por email as questões que suscitaram dúvidas à Ré, e bem assim desde logo dando esclarecimentos quanto ao que considera ser desnecessária nova avaliação dos imóveis para efeitos do procedimento de certificação da fundação, sugerindo o dia 8NOV pelas 17 horas para a realização da reunião.
34. A presença na reunião foi desde logo confirmada pela Autora e a Ré confirmou também a sua presença e dado a indicação que as dúvidas seriam colocadas na reunião.
35. No dia 8NOV2018, realizou-se a reunião, com a presença das partes e do Sr. Dr. DD.
36. E, no decurso da mesma, este último explicou cláusula a cláusula o texto alterado dos estatutos e a Ré, após os esclarecimentos prestados, não colocou qualquer dúvida e não sugeriu qualquer alteração ou indicado qualquer alteração aos elementos propostos para fazer parte do conselho de curadores, tendo mais uma vez ficado definidas as tarefas que competiam a cada uma das testamenteiras.
37. A Autora tinha já reunido todos os elementos que a ela competiam, com vista a ultimar os elementos em falta e a enviar dentro do prazo estabelecido pela Secretaria Geral.
38. Foi também reafirmado pela Autora, na reunião, que os elementos que propunha para fazerem parte dos órgãos da fundação se manteriam como já nos anteriores estatutos, a saber:
i) Monsenhor MM - este com o encargo de nomear o quinto elemento -, já anteriormente indicado pela Ré;
ii) BB (a Ré);
iii) AA (a Autora);
iv) Dr. DD - já anteriormente indicado pela Ré.
39. A Autora remeteu à Ré uma mensagem de correio eletrónico a 9NOV2018, com o resumo da reunião.
40. Foi também abordada a questão do prazo de 30NOV2018, pois a Ré, apesar de ter conhecimento da comunicação da Secretaria Geral, suscitou ter dúvidas sobre o referido prazo, tendo então ficado acordado que seriam remetidos via CTT os elementos já reunidos, e tentar solicitar novo adiamento, pois a Ré não tinha ainda analisado os estatutos, nem procedido a qualquer avaliação/reavaliação dos imóveis, como ficou incumbida, nem sequer apresentado orçamentos para a mesma.
41. No dia 9NOV2018, por correio eletrónico, a Ré enviou mensagem à Autora, dizendo que tomou as devidas notas das explicações sobre os estatutos e que iria refletir.
42. A Autora tinha já informado a Ré de que estaria ausente do país entre os dias 14 e 23NOV2018.
43. A Autora, no entanto, reuniu nesse período todos os elementos, ainda em falta e dos quais tinha sido incumbida, o mesmo acontecendo com o Sr. Dr. DD.
44. No dia 23NOV2018, a Autora regressada do estrangeiro, envia comunicação eletrónica a sugerir datas para deslocação às instituições bancárias para entrega das declarações entretanto elaboradas pelo Sr. Dr. DD e solicitando que a Ré indicasse se, em face ao tempo decorrido, tinha já em seu poder os elementos que ficou de reunir.
45. A Ré respondeu apenas quanto à sua anuência a respeito da data de deslocação às instituições bancárias, não tendo concordado com a hora proposta (8h30), alegando afazeres profissionais e sugerindo as 11 horas, e sem nada dizer quanto aos elementos ainda em falta, a saber: avaliação dos imóveis e pronúncia sobre os estatutos.
46. A Autora sugeriu, desde logo, em 25NOV2018, face à inexistência nesta data de qualquer nova avaliação ou sequer procedimentos levados a cabo pela Ré para a obter, que fosse remetida a avaliação já existente, com a indicação que remeteriam posteriormente nova avaliação, e que mais uma vez aguardava os orçamentos que a Ré ficou de obter para a realização da mesma, e confirmando a sua presença pelas 11 horas, conforme sugerido pela Ré.
47. Autora e Ré deslocaram-se às instituições bancárias em 27NOV2018, a solicitar as declarações necessárias.
48. A Ré enviou mensagem à Autora, em 28NOV2018, com o seguinte teor: “(…) Contudo, conforme já transmiti ontem informaram-me presencialmente que tinha que ser (o envio dos elementos) pela plataforma”.
49. Sem que, mais uma vez, se encontrassem reunidos todos os elementos necessários à conclusão da certificação - estatutos, avaliação e declarações bancárias – e, mais uma vez, com o intuito de não deixar que o procedimento fosse objeto de recusa, a Autora, com o acordo e assinatura da Ré, no dia 29NOV2018, através de carta registada, remeteu à Secretaria Geral os elementos que tinha na sua posse:
i) informação que a qualidade das apresentantes se afere pela qualidade de testamenteiras;
ii) cópia autenticada do testamento;
iii) cópias dos pedidos das certidões junto das instituições bancárias;
iv) relação de bens afetos à fundação;
v) declaração das testamenteiras que não existem dívidas ou litígios sobre os bens;
vi) avaliação dos bens que foram objeto de arrolamento existentes no domicílio da testadora (avaliação judicial efetuada aquando do arrolamento);
vii) certidões prediais e matriciais atualizadas, com cópia das avaliações aos imóveis realizada em 2013.
50. Foi também requerida a prorrogação do prazo para conclusão do procedimento por 120 dias.
51. Não foram remetidos, porque inexistentes, os seguintes elementos:
i) memorando descritivo dos fins da fundação (que integram os estatutos);
ii) declaração/certidões bancárias; e
iii) estatutos.
52. A Autora, no dia 30NOV2018, remeteu novo email à Ré e ao Sr. Dr. DD, com o seguinte teor:
“(…) Atento que urge ultimar os elementos em falta, a saber:
1. Aprovação dos estatutos
2. Avaliação atualizada dos imóveis
3. Elenco dos fins da fundação (de acordo com os estatutos)
4. Com vista a progredir na finalização deste processo, sou a solicitar a Vª. Exª indicação da disponibilidade de marcação de reunião com os identificados fins”.
53. Como não obteve qualquer resposta por parte da Ré, a Autora, em 5DEZ2018, enviou nova comunicação a sugerir os dias 11DEZ da parte de tarde ou dia 12DEZ, a qualquer hora.
54. Em 7DEZ, a Ré responde nos seguintes termos:
“Informo que não tenho disponibilidade para as datas que sugere. Sem descurar os interesses da Fundação, a reunião neste momento mostra-se inútil, como sabe ainda se aguardam elementos importantes. Além disso, a própria época em que nos encontramos Natal não ajuda”.
55. O Sr. Dr. DD, por indisponibilidade de agenda, sugere por email à Autora e à Ré os dias 10, 19 ou 21, ressalvando também a maior urgência em serem ultimados os elementos em falta.
56. Datada de 14DEZ2018 e rececionada a 17DEZ2018, a Sra. Dra. LL remeteu à Autora confirmação que aguardariam até 31MAR2019, pelos restantes elementos necessários e suficientes à instrução do processo de reconhecimento da fundação.
57. A Autora deu de imediato conhecimento desta resposta à Ré e ao Sr. Dr. DD.
58. A reunião que foi confirmada pela Autora e pelo Sr. Dr. DD para o dia 21DEZ2018, pelas 14h30, foi desmarcada pela Ré no dia 20DEZ2018, com a indicação que não estaria presente atento o óbito do Monsenhor MM no dia 17DEZ e o respetivo funeral a 19DEZ2018.
59. No dia 20DEZ2018, a Ré enviou à Autora email com o seguinte conteúdo: “dado o falecimento do Monsenhor MM, e a época natalícia em que estamos, entendo não estarem reunidas as condições para a reunião que sugere, como já lhe tinha comunicado. Não encontro razões para tamanha urgência, até face ao ofício recebido da Presidência do Conselho de Ministros, no passado dia 17 que nos concedeu a prorrogação do prazo. Por outro lado os elementos que embora diligenciados, ainda não nos foram fornecidos. Quanto aos estatutos dada a sua importância preciso de os maturar de modo a poderem ser aprovados com toda a serenidade e honestidade. Assim e neste momento reitero a inutilidade em reunirmos, dando sem efeito a data agendada pela Dra AA ,dia 21.12.208. Julgo ser mais conveniente o reagendamento para o mês de Janeiro mas obviamente não nos primeiros dias e sempre de acordo com as nossas agendas. Isto não é de modo algum desrespeito, desinteresse, ou desleixo mas sensatez. Continuo empenhada e determinada, desde o antes e depois da “vontade”, em cumprir com o pedido que me foi feito”.
60. No dia 28DEZ2018, a Autora envia novo email e em resposta à sugestão do Sr. Dr. DD para reunir nos dias 10 ou 11JAN2019, com o seguinte conteúdo: “(…) Por mim tendo em conta a urgência em fechar este assunto concordo com o dia 10 de Janeiro de pelas 14h30m. Até lá a BB terá tempo de enviar orçamento da avaliação e colocar as dúvidas que considera pertinentes quanto aos estatutos, que caso nada seja apontado, concordo com eles inteiramente aliás como já tinha referido e prontos para enviar para certificação”.
61. A Ré nada disse, até que a 9JAN2019, pelas 19h14, envia mensagem eletrónica com o seguinte teor: “Serve a presente para confirmar a minha presença na qualidade de testamenteira na reunião agendada para o dia de amanhã (…) Nessa qualidade, não vejo, salvo melhor e devido respeito, a necessidade da presença do Exmº Senhor Dr. DD, a não ser na qualidade de redator dos estatutos, ainda não aprovados. Até à presente data , não me foi possível ainda, fazer uma análise completa do teor de tais estatutos, bem como da sua conformidade com a finalidade da fundação, estabelecida no testamento, de que somos conjuntamente responsáveis. Assim, na minha perspectiva, a reunião servirá para estabelecer definitivamente, a forma de funcionamento da fundação, tendo em conta a solidariedade, apoio a cidadãos carenciados e fins artísticos e educativos. Para tanto, haverá que ter em conta os meios necessários adequados, às atividades da fundação pelo que considero fundamental a avaliação de todos os bens da herança que fazem parte do acervo da fundação.”.
62. A Autora respondeu, em 10JAN2019, pelas 10 horas, com os seguintes termos: “(…) agradeço que envie por esta via os dois pontos essenciais (análise dos estatutos e avaliação) para avançar com o encargo que nos foi imposto de instituir a Fundação e não como indica o modo de funcionamento da Fundação que caberá naturalmente aos órgãos da Fundação - uma casa começa a ser construída pelos alicerces e não pelo telhado sob pena de ruir. A presença do Dr. DD é essencial para como bem diz tendo sido o relator dos estatutos, qualquer alteração a sugerir deverá por ele ser ponderada, pois como bem sabe, e dada a interligação de todos respetivos artigos é fundamental para uma perfeita articulação de todo o texto”.
63. Dada a resposta tardia por parte da Ré a confirmar a reunião para o dia 10JAN, a reunião acabou por se realizar apenas no dia 11JAN2019.
64. Realizada a reunião, a Ré presencialmente apenas sugeriu a eliminação da alínea f) da cláusula terceira – relativa à possibilidade de exploração da cafetaria bar – e nenhuma outra questão colocou quanto aos estatutos, nada sugeriu quanto à composição dos órgãos da Fundação, apenas reiterando que analisaria os mesmos e diria posteriormente o que lhe aprouvesse.
65. A Ré indicou ainda que não tinha solicitado a avaliação e que teria falado com o anterior avaliador que estaria já incapaz, pela idade, de fazer qualquer reavaliação, tendo também indicado que não tinha qualquer orçamento e que iria providenciar pela obtenção do mesmo, isto apesar da discordância da Autora e do Sr. Dr. DD da desnecessidade de tal avaliação, pois a mesma não era exigida para a certificação.
66. Nessa reunião foi também abordada pela Autora a situação referente à conta de depósitos à ordem, pois a Autora teve conhecimento, por informação do banco, que nova penhora foi concretizada nessa conta, sem que a Ré lhe tivesse dado conhecimento.
67. No dia 22NOV2018, foi concretizada nova penhora nessa conta, referente a novo processo de execução (nº ...), instaurado pela IGF - Segurança Social, no qual a Ré figurava como executada, sendo que desta vez o valor penhorado foi de € 3.725,91 [três mil, setecentos e vinte e cinco euros e noventa e um cêntimos].
68. A Ré depositou o montante correspondente ao valor penhorado em 5DEZ2018, em numerário.
69. Jamais a Ré deu conhecimento à Autora desta nova penhora, nem mesmo na reunião do dia 11JAN2019.
70. A Ré, em 30JAN2019, enviou à Autora o email que se segue: “Por força de situação clinica grave de familiares, não me foi possível neste prazo concluir a análise dos Estatutos. Em breve comunicarei para apreciação”.
71. A Autora respondeu em 31JAN2019, nos seguintes termos: “Atento o prazo decorrido, com a exceção da eliminação da alínea f) da cláusula terceira (relativa à exploração da cafetaria bar) alteração sugerida pela BB e já alterada (diga-se ainda desde 08.11.2018), entendo dar por encerrada a questão dos estatutos da fundação sob pena de inexplicável arrastar da análise dos mesmos. INSISTO NA QUESTÃO SE A BB PRETENDE OU NÃO INTEGRAR O CONSELHO DE CURADORES, E/OU SE PRETENDE SUGERIR ALGUMA PERSONALIDADE PARA O EFEITO.”
72. A esta comunicação a Ré respondeu apenas 45 dias depois, a 15MAR2019, nos seguintes termos: “Informo que por motivos de saúde estive ausente estando a retomar a atividade, pelo que brevemente entrarei em contacto para dar continuidade ao que ficou pendente”.
73. Face à falta de qualquer contacto por parte da Ré, a Autora remeteu-lhe em 27MAR2019, pelas 18h25, mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor: “face á total ausência de resposta aos pontos e questões levantados na reunião de 08.11.2018, que relembro mesmo essa deveria já ter sido conclusiva, e porque, como bem sabe, o prazo concedido foi de 120 dias, prazo esse cujo términus ocorrerá dia 30.03.2019. Urge pois o envio dos elementos em falta, com vista ao cumprimento integral dos deveres que nos foram impostos por via do testamento, elementos estes que remeterei por carta, cuja cópia anexo e que agradeço me seja remetida por esta via devidamente assinada e digitalizada”.
74. Foram remetidos nesta mensagem eletrónica, em anexo, cópia da carta, bem como todos os elementos que foram remetidos à Secretaria Geral em 29MAR2019.
75. A Ré nada disse e a Autora remeteu à Secretaria Geral, em 29MAR2019, por correio registado, cópia dos estatutos, cópia dos extratos bancários face à não emissão das certidões solicitadas pelas entidades bancárias.
76. A Autora tomou apenas conhecimento em MAI2019 que a Ré, em 29MAR2019, pelas 17h45, enviara um email ao cuidado da Sra. Dra. LL, com o seguinte teor: “BB na qualidade de testamenteira de CC tendo requerido por email em 25.03.2019 uma prorrogação de prazo para apresentação dos elementos necessários á instrução do processo supra referido, por motivos ali expostos, dada a minha preocupação e tendo chegado no entanto ao meu conhecimento venho informar o seguinte: Ontem recebi um e mail da co testamenteira, AA, com os estatutos da Fundação, onde consta a lista dos curadores nomeados. Acontece que tais estatutos foram aprovados assim como, as nomeações dos curadores neles indicados apenas pela co-testamenteira AA e não por mim, dada a minha ausência por motivos de saúde. Desde já esclareço que não concordo com os mesmos, assim como, desconheço todos os curadores ali indicados, nunca tendo tido qualquer contacto com os mesmos. (…) venho reiterar o pedido de prorrogação (…)”.
77. A Autora enviou à Ré um email no dia 16ABR2019 e enviou-lhe carta registada em 2MAI2019.
78. Em 2MAI2019, a Autora foi devidamente interpelada pela Secretaria Geral, no sentido de que aguardaria pelo prazo de 30 dias para a junção ao procedimento do texto estatutário assinado por ambas as testamenteiras e bem assim pelas declarações bancárias em falta.
79. A Ré nunca dava como rececionada qualquer comunicação eletrónica remetida pela Autora, razão pela qual esta remeteu-lhe as comunicações por carta registada, como aconteceu no dia 9MAI2019, para lhe dar conhecimento da comunicação de 2MAI2019 da Secretaria Geral.
80. A Ré só procedeu ao levantamento desta carta registada em 21MAI2019, apesar de estar avisada para o efeito desde 13MAI2019.
81. A Autora remeteu à Ré em 21MAI2019 carta registada, rececionada pela Ré em 3JUN2019, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
82. Em 3OUT2019, a Autora procedeu à notificação judicial avulsa da Ré, para assinatura dos estatutos.

Factos não provados
1. Que a indemnização pela companhia de seguros X... não pode ser recebida porque a indemnização foi processada em nome da Fundação;
2. Que a Ré, quando confrontada com esta última situação, nem sequer se dignou responder;
3. Que a Ré sempre se intitulou como sendo contabilista certificada, quer publicamente quer perante todas as pessoas que com ela privavam, inclusivamente com a testadora e com a Autora, quer também em declarações em juízo, quer perante entidades oficiais e públicas, e exercendo essa atividade em escritório aberto;
4. Que a Ré não está inscrita como contabilista certificada.
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Da nulidade do depoimento da testemunha Dr. DD:
Como se colhe da motivação probatória da sentença, o depoimento do Sr. Dr. DD prestado na audiência de julgamento foi considerado fundamental para a decisão sobre matéria de facto («absolutamente essencial para o desfecho da ação», assim se lhe refere o Sr. Juiz).
A recorrente vem arguir a nulidade desse depoimento com o fundamento de que a testemunha «actuou como advogado, quanto á redacção dos estatutos e ao acompanhamento do processo de certificação» da Fundação, além de que patrocinou a autora e a ré na acção referida no ponto 8 do elenco de factos provados, invocando para tanto os artigos 81.º, n.º 2, 83.º, n.º 1, 92.º, n.º 1, 97.º e 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e artigos 482.º do C.C., 195.º do Código Penal e 513.º do C.P.C.
Não decorre das indicadas normas qualquer impedimento para o Dr. DD de depor como testemunha, ou o dever de se escusar a depor[2].
O n.º 5 do artigo 92.º do EOA estatui que os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo. No entanto, não descortinamos aqui qualquer violação do sigilo profissional.
Seja como for, não há fundamento para declarar a nulidade do depoimento prestado.
A lei estabelece os parâmetros a que devem obedecer os actos processuais e o não cumprimento das exigências legais acarreta consequências diversas em função da natureza do acto decisório.
É sabido que existe um regime específico para as sentenças, previsto nos artigos 607.º, 608.º e 609.º do Código de Processo Civil e um regime para os demais actos processuais, previsto nos artigos 195.º e segs. do mesmo compêndio normativo.
Nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não sendo caso de nulidade legalmente tipificada (nos artigos 193.º, 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º, ou em disposição avulsa que comine tal vício à infracção que estiver em causa), a prática de acto que a lei não admita, bem como a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Ora, a ocorrer nulidade, estaremos perante uma nulidade secundária ou atípica que só poderá ser conhecida pelo tribunal mediante reclamação do(s) interessado(s) na observância da formalidade (artigo 196.º, 2.ª parte e 197.º, n.º 1, do CPC) para o órgão que a cometeu e não mediante recurso[3].
Para tanto, devia a recorrente arguir a nulidade na própria audiência de julgamento, pois estava presente no acto, por si e pelo seu ilustre mandatário (artigo 199.º, n.º 1, do CPC). Ou seja, a ré teve oportunidade de arguir a nulidade, mas só em sede de recurso é que se decidiu pela arguição.
Já então estaria sanada a irregularidade, alegadamente, cometida, pelo que não pode ser aqui atendida.
A recorrente alega, ainda, a este propósito, que o tribunal, ao aceitar o depoimento do Dr. DD, apesar de se ter apercebido da existência de uma “relação tripartida” entre ela, a autora e a própria testemunha, não assegurou a igualdade das partes prevista no artigo 4.º do CPC (conclusão X)).
A recorrente não justifica a sua alegação, não explicita as razões por que entende ter sido violado tal princípio e não vislumbramos qualquer fundamento para uma tal imputação. A recorrente teve, exactamente, as mesmas possibilidades que a autora de expor a sua posição sobre o caso e de indicar e produzir provas. Aliás, também arrolou como testemunha o Dr. DD. A circunstância de a testemunha ter prestado um depoimento que não favorece a sua posição na lide não é, manifestamente, motivo para se invocar a violação do princípio.
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Foquemo-nos na impugnação da decisão sobre matéria de facto.
O recorrente que pretenda impugnar, com sucesso, a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de cumprir (“sob pena de rejeição”) vários ónus de especificação (artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil):
• dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido, obrigação que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida[4];
• das concretas provas (constantes do processo ou que nele tenham sido registadas) que impõem decisão diversa da recorrida, ónus que se cumpre com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe outra decisão[5];
• da decisão (diversa da recorrida) que, na sua óptica, se impõe quanto a cada um dos pontos de facto que considera mal julgados.
Além disso, o recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, as provas impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se-lhe que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado e que explicite os motivos dessa imposição. É essa explicitação que constitui o cerne do dever de especificação.
Sobre as exigências da motivação do recurso quanto à impugnação da decisão de facto, tende a consolidar-se e tornar-se pacífico o entendimento de que a rejeição do recurso que impugna a decisão sobre matéria de facto só se justifica verificada alguma destas situações:
- falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b), de CPC;
- falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC), pela importante função delimitadora do objecto do recurso que essa especificação desempenha;
- falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
- falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação[6].
No corpo da sua alegação, a recorrente, não só impugna um amplo conjunto de factos considerados provados, mas bate-se ainda pela inclusão no aglomerado factual provado de vários factos que foram desconsiderados pelo tribunal, mas que ela considera serem relevantes para a decisão.
No entanto, as conclusões formuladas são c0mpletamente omissas quanto a esses factos.
Assim, quer se considere que a recorrente restringiu, nas conclusões, o objecto da impugnação, quer porque não cumpriu o referido ónus de especificação, impõe-se a rejeição do recurso nessa parte.
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A recorrente é clara na indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados: são os descritos sob os n.os 6, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 29, 30, 36, 37, 38, 39, 43, 49, 60, 64, 69, 73, 76 e 79, que, no juízo e avaliação que faz da prova produzida, deviam ter sido considerados não provados.
Mas há um ponto que chama logo a atenção: os factos enunciados nos n.os 6, 17 e 18 correspondem[7], quase ipsis verbis, ao alegado pela autora nos artigos 8.º, 18.º e 19.º da petição inicial.
A ré, logo no artigo 1.º da contestação apresentada, afirma o seguinte:
“Aceita-se o alegado nos artigos 1.º a 21.º da douta P.I.»
É, pois, de primeira evidência que a ré aceitou, expressamente, o alegado nos artigos 1.º a 21.º da petição inicial e da leitura de todo o conteúdo da contestação resulta que o fez sem qualquer reserva ou ressalva.
Na sentença considerou-se que os factos descritos sob os n.os 17 e 18 estavam provados por acordo das partes e, acrescentamos nós, também o ponto n.º 6.
Assim, impõe-se concluir, desde já, pela manifesta improcedência da impugnação quanto a esses factos.
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Resta, pois, apreciar a impugnação dos pontos 19, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 29, 30, 36, 37, 38, 39, 43, 49, 60, 64, 69, 73, 76 e 79, verificando se as provas que a recorrente indica e as razões que esgrime convencem no sentido de que se impõe decisão diversa da recorrida.
Nos pontos 19 a 23, 27 a 30 e 36 a 39 está elencado um conjunto de factos que, na óptica da autora, são manifestação do desinteresse e do desleixo com que a ré passou a encarar o exercício das funções de testamenteira: a Diretora de Serviços de Assuntos Jurídicos e Documentação da Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros havia concedido um prazo limite, até 30NOV2018, para junção dos elementos em falta, sob pena de ser proposta a recusa de reconhecimento da Fundação e a ré, tendo disso conhecimento, não só não tratava de obter esses elementos como se furtava aos contactos, ou ignorava as tentativas de contacto, da autora e faltava a reuniões, criando uma situação de impasse, sobretudo no que tange á aprovação dos estatutos.
A motivação probatória relativamente a esses factos, está assim explanada na sentença recorrida:
«Quanto à demais factualidade que resultou provada, o Tribunal atendeu ao depoimento, absolutamente essencial para o desfecho da ação, do Dr. DD, conjugado em paralelo com a análise da restante documentação apresentada sequencialmente pela Autora com a sua petição inicial.
Esta testemunha, que guardava memória precisa dos acontecimentos e alicerçado na sua excelente capacidade discursiva, abordou, sempre de forma muito pormenorizada e esclarecedora, o que de relevante se passou na dinâmica tripartida entre si, a Autora e a Ré, seja no que toca à preparação dos estatutos relativos à fundação, tarefa que, dada a sua qualidade profissional, lhe competia, após pedido nesse sentido formulado pela Ré e que a testemunha aceitou, seja no que diz respeito às demais tarefas necessárias e exigidas para a constituição da fundação e que, no caso em análise, cabiam à Ré.
E, ao longo do seu depoimento exaustivo, abordou com especial enfoque estas últimas tarefas, que visavam obter documentação vária e outros elementos informativos, e que pressupunham atuação expedita da Ré, com alguma capacidade de iniciativa e sentido prático, sempre em articulação com a Autora e com a testemunha, dando a conhecer ao Tribunal o modo ineficiente como a Ré abordou essas tarefas, quer em termos de resultado prático, ficando aquém do desejável e sempre com derrapagens temporais relevantes, mais a mais quando se tratava de processo com elevada carga burocrática e sujeito a prazos apertados, tendo a testemunha, segundo referiu, alertado diversas vezes a Ré, sem sucesso, para a necessidade de cumprimento dos prazos.
Aludiu também ao crescente ambiente de crispação entre a Autora e a Ré, que presenciou e constatou, e referiu ainda que se a primeira cumpriu sem qualquer reparo as tarefas de que fora incumbida, já a Ré, sem qualquer justificação ou explicação, não apresentou a documentação que lhe competia, desde logo a avaliação patrimonial atualizada e documentação relativa aos diversos imóveis que iriam integrar o património da fundação.
Por outro lado, a Ré não quis aprovar os estatutos, o que lhe competia fazer enquanto testamenteira, dizendo a testemunha que a Ré assim agiu sem qualquer razão justificativa.
Este impasse da Ré, que contextualizou temporalmente e por referência às diversas reuniões agendadas para o efeito, obstaculizou de forma relevante o processo de criação da fundação, já que sem a sua aprovação dos estatutos, não é possível dar como concluído o processo e remetê-lo para apreciação à Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros, entidade a quem compete apreciar os procedimentos relacionados com as fundações privadas.
Sabe da existência de uma penhora e reconheceu que incidiu sobre dinheiro pertencente à herança da testadora.
Depoimento coerente e convincente e, como já se disse, determinante para a fixação desta matéria de facto e, no fundo, para a pretensão da Autora, sempre conjugado sequencialmente com a restante documentação que acompanha a petição inicial.»
A esta motivação contrapõe a ré/recorrente o seguinte quanto aos pontos 19 a 21:
- estão em contradição com o teor do ponto 18;
- inexiste qualquer prova desses factos;
- os documentos juntos na contestação, cujo teor não foi tido em conta, apesar de não impugnados, contrariam o seu teor;
- sempre mostrou disponibilidade para tratar de assuntos de gestão corrente da Fundação e sempre se ocupou da sua contabilidade.
Não se divisa a contradição que a recorrente assinala, mas não concretiza.
O que consta do n.º 18 é uma afirmação de pendor mais genérico, concretizada nos números seguintes.
Ao afirmar que inexiste qualquer prova, a recorrente está a dar como certo que o depoimento do Dr. DD é nulo e não pode ser valorado, mas já concluímos que carece de razão.
O depoimento desta testemunha, que, já por ter conhecimento directo de quase todos os factos com relevância para a decisão, já por ser particularmente idónea, já por ter uma posição de reconhecida equidistância em relação às partes (tanto assim que foi arrolada pela autora e pela ré), foi justamente considerado fundamental ou determinante na definição do elenco de factos provados.
É, inegavelmente, uma testemunha qualificada e essa especial qualificação justifica a relevância decisiva que o seu depoimento teve na formação da convicção do tribunal.
A recorrente tenta desacreditá-la, mas só o faz porque o seu depoimento corrobora, no essencial, o que foi alegado pela autora. Com efeito, a testemunha foi muito clara a imputar à ré a responsabilidade pelo impasse a que se chegou no processo de reconhecimento da Fundação, não só porque não se empenhou na obtenção e recolha dos documentos de que estava incumbida, mas também porque obstaculizou a aprovação dos estatutos, recusando-se a assiná-los sob o pretexto de que deles discordava, mas sem concretizar as razões da sua discordância, a não ser em aspectos de pormenor.
Além disso, fazia fica pé numa reavaliação dos imóveis (que já haviam sido avaliados no âmbito do processo referido no ponto 8) que iriam constituir património da Fundação, mas, sem qualquer justificação plausível, depois de largo tempo decorrido, na apresentava a avaliação patrimonial atualizada desses imóveis e respectiva documentação.
Além disso, ignora deliberadamente o teor dos documentos juntos com a p.i., numerados de 21 a 26, que corroboram aqueles factos.
A recorrente alude aos «documentos juntos na contestação», cujo teor o tribunal não teria tido em conta, que contrariariam esses factos dados como provados.
Porém, esta remissão genérica para o conteúdo de documentos não satisfaz o ónus de especificar os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida.
O único documento que especifica é o Doc. 2-a, junto com a contestação[8].
Por último, a afirmação de que sempre se empenhou na gestão corrente da Fundação e tratou da respectiva contabilidade é inócua porque o que está aqui em causa é a atitude de obstrução, por acção e por omissão, do processo de reconhecimento da Fundação.
Quanto aos pontos 23, 27, 28, 29 e 30, alega a recorrente que inexiste qualquer prova, apesar de admitir «corresponder à realidade» o teor dos pontos 28 e 29.
Valem aqui as considerações anteriormente feitas sobre o depoimento do Sr. Dr. DD.
A comunicação electrónica a que se alude no ponto 23 (que a recorrente diz não ter recebido) está provada pelo documento junto com a p.i. e numerado como Doc. 28.
O que se diz no ponto 23 é que a autora enviou à ré essa comunicação, com o conteúdo aí reproduzido, não diz que a ré o recebeu.
Relativamente aos pontos 36, 37, 38, e 39, a recorrente limita-se a afirmar que não existe qualquer prova dos factos que neles são narrados.
No entanto, tais factos têm inequívoco suporte probatório no depoimento do Sr. Dr. DD, sendo os pontos 38 e 39 também corroborados pelo documento junto com a p.i. como Doc. 34 (e, relativamente a esta comunicação electrónica da autora, a recorrente não diz que não a recebeu).
A mesma justificação – a alegada inexistência de qualquer prova – é avançada pela recorrente para defender que se impõe decisão diversa da recorrida relativamente aos pontos 43, 49 e 60, pois a testemunha Dr. DD não se teria, sequer, pronunciado sobre os factos descritos nos pontos 43 e 60 e, quanto ao ponto 49, «inexiste qualquer assinatura da Ré que demonstre o seu acordo».
O ponto 43 repete, no que respeita à autora, o que já consta do ponto 37 e, quanto ao Dr. DD, este assumiu o compromisso de elaborar um projecto de estatutos da Fundação e, em Novembro de 2018, essa tarefa estava, efectivamente, concluída.
Quanto ao ponto 49, a autora remete-nos para a carta registada de 29.11.2018 que enviou à Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros (recorde-se que havia sido fixada, como data limite, o dia 30.11.2018 para apresentação dos elementos indispensáveis no processo de reconhecimento da Fundação, em especial, os respectivos estatutos) a acompanhar os elementos que conseguira reunir e tinha na sua posse (documento n.º 43).
Essa carta está escrita em nome das duas testamenteiras, mas nela não se divisam quaisquer assinaturas, pelo que, neste ponto, impõe-se a eliminação do segmento «com o acordo e assinatura da Ré».
O ponto 60 corresponde ao alegado pela autora no artigo 81.º da sua p.i. e tem apoio probatório bastante no doc. 51.
A recorrente manifesta a sua discordância quanto ao teor do ponto 64, na medida em que a sua divergência em relação aos estatutos da Fundação não se cingiu à alínea f) da cláusula 3.ª, como aí se refere, e na reunião teria abordado «a questão da existência do conselho de curadores».
Não indica a recorrente que provas justificam decisão diversa da recorrida. Na realidade, da correspondência trocada ente a autora e a ré, e mesmo do depoimento da testemunha Dr. DD, resulta que a recorrente manifestava reservas em relação ao Conselho de Curadores. No entanto, desses elementos não resulta claro se a sua divergência era quanto à própria existência estatutária do Conselho de Curadores ou se se limitava à sua composição[9].
Na perspectiva da recorrente, também o facto descrito no ponto 69 não está apoiado em qualquer prova, pelo que deve ser considerado como não provado. Acrescenta que, pelo contrário, «deu conhecimento da penhora á Autora, como resulta do documento 13 junto com a contestação».
O conteúdo do ponto 69 («Jamais a Ré deu conhecimento à Autora desta nova penhora, nem mesmo na reunião do dia 11JAN2019.») está relacionado com o do ponto 67, no qual se alude a uma nova penhora, efectuada em 22.11.2018, no âmbito de um processo de execução em que a recorrente figurava como executada, tendo sido penhorado o valor de € 3 725,91 da conta de que autora e ré eram co-titulares, sendo certo que o dinheiro dessa conta era património destinado à Fundação.
O Doc. 13, a que alude a recorrente, é uma comunicação electrónica de 14.01.2019 de resposta da ré à interpelação, feita pela mesma via, em que a autora se insurge pelo facto de, naquele dia, ter sido informada de nova penhora (que seria a terceira) da quantia de € 3 725,91.
Da conjugação do conteúdo do ponto 67 com o teor dessas comunicações electrónicas resulta suficientemente claro que, na realidade, não houve uma terceira penhora.
Por isso, neste ponto, procede a impugnação, impondo-se a eliminação do n.º 69.
No ponto 73 deu-se como provado o seguinte: «Face à falta de qualquer contacto por parte da Ré, a Autora remeteu-lhe em 27MAR2019, pelas 18h25, mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor: “face á total ausência de resposta aos pontos e questões levantados na reunião de 08.11.2018, que relembro mesmo essa deveria já ter sido conclusiva, e porque, como bem sabe, o prazo concedido foi de 120 dias, prazo esse cujo términus ocorrerá dia 30.03.2019. Urge pois o envio dos elementos em falta, com vista ao cumprimento integral dos deveres que nos foram impostos por via do testamento, elementos estes que remeterei por carta, cuja cópia anexo e que agradeço me seja remetida por esta via devidamente assinada e digitalizada”.»
A recorrente não aceita o segmento inicial desse ponto “falta de qualquer contacto por parte da Ré».
Do conteúdo dos pontos 70 e 72 decorre que a ré, efectivamente, contactou a autora, embora esses contactos não respondessem às interpelações que esta lhe fazia no sentido de se finalizar o processo de reconhecimento da Fundação (para o que havia sido fixado um novo prazo com termo em 31.03.2019).
Assim, justifica-se a alteração do ponto 73, que passará a ter a seguinte formulação:
«Em 27MAR2019, pelas 18h25, a Autora remeteu à ré mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor: “face á total ausência de resposta aos pontos e questões levantados na reunião de 08.11.2018, que relembro mesmo essa deveria já ter sido conclusiva, e porque, como bem sabe, o prazo concedido foi de 120 dias, prazo esse cujo términus ocorrerá dia 30.03.2019. Urge pois o envio dos elementos em falta, com vista ao cumprimento integral dos deveres que nos foram impostos por via do testamento, elementos estes que remeterei por carta, cuja cópia anexo e que agradeço me seja remetida por esta via devidamente assinada e digitalizada”.»
A recorrente impugna o ponto 76 na medida em que não seria verdade que a autora tomou conhecimento, apenas, em MAI2019, do email que, em 29MAR2019, a ré enviou ao cuidado da Sra. Dra. LL.
A prova que imporia que se desse como não provado esse facto seria o «e-mail anteriormente referido enviado em 15 de Maio de 2019, e do qual consta que: “contudo e mesmo assim não o deixei de fazer tendo quebrado prescrição médica, desloquei-me á Fundação para proceder aos pagamentos de algumas despesas como sempre fiz desde inicio com grave prejuízo para a minha saúde, pois fui vitima de uma recaída.”».
A recorrente parece aludir, não ao teor de um email, mas à carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Maio de 2019, enviada à autora, e que juntou com a contestação como Doc 4-a).
Não se extrai desse documento, nem de qualquer outro que tenha sido oferecido, que a autora tivesse tido conhecimento desse facto antes de Maio de 2019, pelo que improcede a impugnação quanto a este ponto.
Por último, vem impugnado o facto do ponto 79, também no seu segmento inicial: «A Ré nunca dava como recepcionada qualquer comunicação electrónica remetida pela Autora…».
Decisão diversa resultaria, segundo a recorrente, dos documentos juntos pela ré, mas também dos que a autora ofereceu com a p.i.
Na realidade, o que decorre do vasto conjunto de documentos apresentados pelas partes e, em particular, dos que constituem comunicações electrónicas entre a autora e a ré, é que nem sempre a ora recorrente respondia às comunicações da autora que reclamavam uma resposta.
Justifica-se, pois, uma alteração deste ponto 79, que passará a ter o seguinte conteúdo:
«79. A Ré, por vezes, não dava como rececionadas comunicações eletrónicas que a autora lhe remetia, razão pela qual esta passou a comunicar com ela através de carta registada, como aconteceu no dia 9MAI2019, para lhe dar conhecimento da comunicação de 2MAI2019 da Secretaria Geral.».
Resumindo, procede parcialmente a impugnação da decisão sobre matéria de facto, pelo que se altera a decisão nos seguintes termos:
- é eliminado do elenco de factos provados o descrito sob o n.º 69;
- são alterados os pontos 49, 73 e 79, que passarão a ter a seguinte formulação:
«49. Sem que, mais uma vez, se encontrassem reunidos todos os elementos necessários à conclusão da certificação - estatutos, avaliação e declarações bancárias – e, mais uma vez, com o intuito de não deixar que o procedimento fosse objeto de recusa, a Autora, no dia 29NOV2018, através de carta registada, remeteu à Secretaria Geral os elementos que tinha na sua posse:
i) informação que a qualidade das apresentantes se afere pela qualidade de testamenteiras;
ii) cópia autenticada do testamento;
iii) cópias dos pedidos das certidões junto das instituições bancárias;
iv) relação de bens afetos à fundação;
v) declaração das testamenteiras que não existem dívidas ou litígios sobre os bens;
vi) avaliação dos bens que foram objeto de arrolamento existentes no domicílio da testadora (avaliação judicial efetuada aquando do arrolamento);
vii) certidões prediais e matriciais atualizadas, com cópia das avaliações aos imóveis realizada em 2013.»
«73. Em 27MAR2019, pelas 18h25, a Autora remeteu à ré mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor: “face á total ausência de resposta aos pontos e questões levantados na reunião de 08.11.2018, que relembro mesmo essa deveria já ter sido conclusiva, e porque, como bem sabe, o prazo concedido foi de 120 dias, prazo esse cujo términus ocorrerá dia 30.03.2019. Urge pois o envio dos elementos em falta, com vista ao cumprimento integral dos deveres que nos foram impostos por via do testamento, elementos estes que remeterei por carta, cuja cópia anexo e que agradeço me seja remetida por esta via devidamente assinada e digitalizada”.»
79. A Ré, por vezes, não dava como rececionadas comunicações eletrónicas que a autora lhe remetia, razão pela qual esta passou a comunicar com ela através de carta registada, como aconteceu no dia 9MAI2019, para lhe dar conhecimento da comunicação de 2MAI2019 da Secretaria Geral.».

2. Fundamentos de direito
Sob a epígrafe “Remoção do testamenteiro”, o artigo 1044.º, n.º 1, do CPC dispõe:
«1 - O interessado que pretenda a remoção do testamenteiro expõe os factos que fundamentam o pedido e identifica todos os interessados
O preceito citado é a projecção, a nível adjectivo, do interesse daqueles que pretendem que o(s) testamenteiro(s) nomeado(s) deixe(m) de exercer as respectivas funções por não cumprir(em) com prudência, zelo e competência os deveres inerentes ao cargo.
No âmbito do exercício da testamentaria[10], o testamenteiro pode deixar de exercer o cargo, quer por iniciativa própria, pedindo escusa, quer a pedido de algum ou de todos os interessados.
Para tanto, estão consagrados na lei processual (artigos 1042.º a 1044.º do CPC) dois processos de jurisdição voluntária e, embora ambos tenham por objecto a cessação do exercício do cargo de testamenteiro, são distintos os respectivos pressupostos e efeitos: no processo de escusa (artigo 1042.º) está em causa a cessação do exercício da testamentaria por iniciativa do próprio testamenteiro, verificado que seja, depois de aceitação do cargo, algum ou alguns dos fundamentos previstos no artigo 2085.º (ex vi artigo 2330.º) do Código Civil; no processo de remoção (citado artigo 1044.º), o impulso processual há-de partir de qualquer interessado e exige a verificação de algum dos fundamentos previstos no artigo 1331.º do Código Civil.
É a segunda via de «cessação anormal da testamentaria»[11] que para o caso nos interessa considerar.
O testamenteiro (mais comummente denominado executor testamentário) é nomeado pelo testador[12] no testamento, ainda que não necessariamente no instrumento em que dispõe dos bens da herança[13].
Uma vez aceite o cargo (aceitação que pode ser expressa ou tácita, sem formalidade especial, e não é obrigatória, como expressamente se prevê no artigo 2322.º do CC), o testamenteiro assume a obrigação de o desempenhar e o artigo 2325.º do Código Civil determina que as suas atribuições são aquelas que o testador lhe conferir, dentro dos limites da lei.
Se o testador não especificar as funções conferidas ao testamenteiro, estas serão as supletivamente definidas no artigo 2326.º do CC, importando aqui destacar as que consistem em vigiar a execução das disposições testamentárias e sustentar, se necessário, a sua validade em juízo.
A função de testamenteiro é estritamente pessoal, estando expressamente afastada a possibilidade de a transmitir ou delegar (artigo 2334.º do CC), o que não obsta a que o testamenteiro «chame a colaborar consigo as pessoas necessárias à concretização material do seu plano de fiscalização do cumprimento do testamento ou do seu programa de acção na execução que lhe foi confiada de algumas disposições testamentárias»[14].
Em 23.08.2011, no Cartório Notarial da Dra. EE, CC outorgou testamento pelo qual, além de ter atribuído dois legados, manifestou a vontade de criar uma fundação, que deverá denominar-se “FUNDAÇÃO ...”, terá como finalidade a solidariedade social, apoio a cidadãos carenciados e fins artísticos e educativos e o seu património será constituído por «todos os bens da herança, seja qual for a sua natureza, nele se incluindo todo o recheio que constitui a sua habitação e todo o dinheiro e valores existentes em qualquer Banco ou Instituição de Crédito quer em Portugal quer no estrangeiro, e a que por este testamento ou outro posterior, não der destino diverso (…)».
Para cumprir essa sua vontade, a testadora nomeou como testamenteiras as aqui autora e ré, que ficaram incumbidas de «(…) redigir e fazer aprovar os estatutos da mencionada Fundação praticando todos os atos necessários ao reconhecimento da mesma».
Estamos, pois, perante uma testamentaria plural e a nomeação conjunta, como evidencia a factualidade provada, reveste a forma em que «todos concorrem para a mesma tarefa colectiva que se lhes confia»[15].
Temos assim que o exercício da testamentaria reclama o acordo das duas testamenteiras nomeadas e o desentendimento ou desacordo insuperável pode levar ao afastamento compulsivo de ambas ou de uma delas (n.º 2 do artigo 2331.º do CC)[15].
Apesar de ser patente e irremovível, face à factualidade apurada, o desentendimento entre as testamenteiras a partir do momento em que, finda que estava a acção pela qual GG veio pôr em causa a validade do testamento, foi necessário avançar com o processo de reconhecimento da fundação, não é com esse fundamento que a autora pede a remoção da testamenteira BB.
Por outro lado, a autora também não a acusa de incompetência no desempenho do cargo.
Fica a hipótese em que a remoção se funda numa «conduta reprovável e susceptível de ter causado ou poder causar prejuízos aos interessados»[16].
Concretamente, o fundamento da remoção será, então, o não cumprimento dos deveres do cargo com prudência e zelo.
Na primeira instância, perante a factualidade descrita sob os n.os 15 a 25, 27 a 29, 41, 44 a 47, 50 a 58, 60 a 65, 67, 68, 70 a 73,75 76, 78 e 79, concluiu-se pela verificação desse fundamento e discorreu-se assim:
«Do nosso modo de ver, as penhoras ocorridas na conta bancária adstrita à criação e instalação da fundação, decorrentes de dívidas da Ré [factualidade descrita no ponto I], a par da demonstrada atuação pouco diligente e pouco eficaz, no âmbito das tarefas conducentes à instrução do pedido de reconhecimento da fundação junto da entidade competente [factualidade descrita no ponto II], ensombram de forma decisiva a capacidade da Ré para o exercício do cargo.
E se quanto ao ponto I, ressalta, para além do sucedido, a demora na reposição da quantia penhorada – a Ré só repôs na conta bancária adstrita às funções de testamenteiras a quantia penhorada mais de um ano depois –, no tocante ao ponto II, a reiterada falta de colaboração da Ré, quer no que diz respeito à obtenção de elementos e documentos necessários à instrução do pedido de reconhecimento da fundação, quer também a propósito para as explicações que foi fornecendo aqui e ali, aliadas às dificuldades de contacto com a Autora e o Dr. DD, nos termos já supra descritos, denotam e evidenciam, sem qualquer dúvida, que não dispõe do zelo e empenho necessários. A Ré, com a sua atuação ao longo destes três anos e que estão em análise nos autos, criou um impasse a propósito da assinatura dos estatutos, injustificado e com consequências sérias e graves, posto que o processo de reconhecimento da fundação obedece a apertadas regras (…)
E a este respeito e para além de tudo o mais, é impressivo o silêncio da Ré, durante 45 dias [cfr. ponto 72) dos factos provados], mais a mais quando os prazos em curso já tinham derrapado.
Ante o exposto, a conclusão só pode ser uma, no sentido da sua remoção do cargo.»
A recorrente contra-argumenta, alegando:
«O Meritíssimo juiz, de forma esquemática, reescreve a partir de fls. 92 da douta sentença “o que se provou quanto á Ré”
O ponto I do seu esquema refere-se a penhoras verificadas na conta titulada por Autora e Ré, e não titulada pela Fundação.
Salvo o devido respeito, tais factos em nada prejudicaram a fundação, nem quaisquer prejuízos foram alegados. Sendo que a Ré procedeu à reposição de todas as importâncias em causa.
(…)
Assim, é entendimento da Ré, que tais factos não poderão fundamentar a falta de zelo e empenho necessários ao exercício das funções de que a Ré foi incumbida.
Quanto ao ponto II do esquema do Mmo. juíz são transcritos a quase totalidade dos factos julgados como provados. Ora tais factos foram já impugnados pela Ré. Assim, e salvo o devido respeito, não poderão os mesmos servir de fundamento á alegada “reiterada falta de colaboração da Ré quer na obtenção dos elementos e documentos necessários á instrução do pedido de reconhecimento da Fundação, quer também a propósito para as explicações que foi fornecendo aqui e ali, aliadas ás dificuldades de contacto com a Autora e o dr. DD, nos termos já supra descritos, denotam e evidenciam sem qualquer duvida que não dispõe do zelo e empenho necessários.”
(…)
Salvo o devido respeito, os executores do testamento, Autora e Ré, deverão, para além das alegadas características de eficiência, demonstrar características pessoais que a Autora parece descurar totalmente.
Quanto á questão dos estatutos, resulta claramente, quer dos e-mails enviados pela Ré ao organismo competente, quer dos e-mails enviados á Autora e ao Dr. DD, em que levantava diversas dúvidas, que não os assinou porque não concordava com os mesmos.
Perante tal situação, salvo o devido respeito, o Meritíssimo juiz deveria efectivamente ter efectuado uma análise e comparação dos estatutos iniciais assinados por ambas, e os estatutos que não foram assinados pela Ré. O Meritíssimo Juiz não o fez.
De qualquer forma, e contrariamente ao que parece resultar da douta sentença não seria por essa questão que a Fundação não iria ser certificada, uma vez que organismo competente poderia e deveria tê-los já elaborado.
Quanto á não avaliação dos bens, a Ré referiu que de acordo com o que lhe foi comunicado pelo organismo, a mesma seria fundamental para a certificação, e deveria sob pena de rejeição, ser efectuada por avaliador certificado pela CMVM, o que não acontecia com o avaliador que subscreveu a primeira avaliação, sendo apenas inscrito na Ordem dos Engenheiros.
De todo o exposto, resulta claramente que a matéria dada como provada é manifestamente insuficiente para a conclusão retirada pelo Meritíssimo juiz: “..que a Ré não dispõe de zelo e empenho necessários “.
Na realidade, o artº 2331º do Cód. Civil, dispõe que “O testamenteiro pode ser judicialmente removido, se não cumprir com prudência e zelo os deveres do seu cargo, ou mostrar incompetência no seu desempenho”. Ora, dos factos alegadamente provados, nem tão pouco resulta quais os deveres do seu cargo violados pela Ré, bem como não resulta o não cumprimento com prudência e zelo de tais deveres.»
O afastamento do testamenteiro nomeado, por contrariar a última vontade do testador, deve ser encarado como uma solução excepcional, pelo que se exige rigor e objectividade na apreciação dos respectivos fundamentos.
Por outro lado, na tarefa de subsunção dos factos à previsão legal do artigo 2331.º, n.º 1, ou seja, quando se aprecia se determinada conduta consubstancia não cumprimento dos deveres de testamenteiro com prudência e zelo, «não existindo critério especial previsto na lei, a apreciação da conduta do testamenteiro deve ser aferida pela diligência de um bom pai de família, colocado nas concretas circunstâncias do testamenteiro, nos termos do n.º 2 do artigo 487.º do CC. Assim, o interessado na remoção deverá alegar e demonstrar que o “testamenteiro médio”, perante a situação ou situações de facto pelas quais se deparou o concreto testamenteiro, teria agido noutro sentido que não o adoptado, salvaguardando da melhor forma a concretização da vontade do de cujus a dos interesses dos titulares da herança»[17].
A primeira situação susceptível de configurar uma conduta reprovável é a que se refere às duas penhoras de valores da conta bancária de que as testamenteiras eram (são) titulares (mas na qual estavam depositados valores, exclusivamente, pertencentes à Fundação) efectuadas em 18.05.2017 e em 22.11.2018.
Uma tal conduta é de evidente gravidade, não tanto pelos montantes apreendidos (€ 8.045,69 no primeiro caso e € 3.725,91 no segundo), que até foram repostos, nem pelo longo período de tempo (mais de um ano) por que se prolongou a situação decorrente da primeira penhora, mas pela própria conduta da testamenteira ré que permitiu a apreensão daqueles valores para pagamento coercivo de dívidas pessoais e pela reiteração da conduta.
Esse comportamento é, por si só, fundamento de remoção, na medida em que a ré deu azo a que se ponha em crise a sua idoneidade para o exercício do cargo, que requer uma postura de grande seriedade, sobretudo quando se administra bens alheios (por isso o testamenteiro está obrigado a prestar contas anualmente). Por outras palavras, um “bonus pater familias” não teria permitido que, por duas vezes, fosse apreendido um bem alheio (no caso, valores pecuniários) para pagamento coercivo de dívidas pessoais.
A outra situação susceptível de consubstanciar imprudência e falta de zelo no cumprimento dos deveres de testamenteiro é a que se refere à postura da ré/recorrente em relação ao procedimento com vista ao reconhecimento da Fundação.
Como é fácil de entender, para esse efeito, é fundamental que a fundação a constituir tenha estatutos devidamente aprovados.
Uma das tarefas de que a testadora incumbiu as testamenteiras foi, justamente, a de elaborar e aprovar os estatutos da Fundação.
Para tanto, as testamenteiras solicitaram a colaboração do Sr. Dr. DD, que elaborou um projecto de estatutos.
Os estatutos da Fundação foram, então, aprovados e subscritos por ambas (pontos 5, 6 e 7 dos factos provados).
A instauração da acção e do procedimento cautelar mencionados nos pontos 8 e 9 teve como efeito imediato a suspensão do procedimento de certificação da Fundação e, transitada em julgado, em Outubro de 2017, a decisão absolutória, houve necessidade de adaptar os estatutos já aprovados à nova Lei Quadro das Fundações, publicada em 2015.
Dessa tarefa encarregou-se, naturalmente, o Sr. Dr. DD e para apresentar e explicar as alterações impostas pela necessidade de adaptação à nova lei, foi marcada uma reunião para o dia 18.10.2018, tendo em consideração que a Sra. Dra. LL, Directora de Serviços de Assuntos Jurídicos e Documentação da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros havia fixado como data-limite para a apresentação dos documentos em falta no processo de reconhecimento da Fundação o dia 30.11.2018.
É, sobretudo, a partir daí que se evidencia a atitude de obstrução da ré/recorrente:
Apesar de ter acordado com o Sr. Dr. DD a data da reunião, a testamenteira ré não compareceu (ponto 28).
Foi, então, sugerido à Ré, pelo Sr. Dr. DD, que se realizasse uma reunião no dia 22.10.2018, mas aquela invocou razões profissionais para rejeitar a proposta (ponto 29).
Em face da indisponibilidade da ré para reunir, e tendo sempre em consideração a data-limite de 30.11.2018, o Sr. Dr. DD enviou, em 29.10.2018, para ambas as testamenteiras, através de correio eletrónico, a minuta dos estatutos já reformulados, com vista a acelerar o processo de reanálise dos mesmos (ponto 30).
A ré manifestou dúvidas (sem as concretizar) sobre o projecto de estatutos reformulados e sugeriu a realização de uma reunião a três, que veio a concretizar-se no dia 08.11.2018.
Nessa reunião, o Sr. Dr. DD explicou, cláusula a cláusula, o texto alterado dos estatutos e a Ré, após os esclarecimentos prestados, não colocou qualquer dúvida e não sugeriu qualquer alteração, tal como não propôs qualquer alteração quanto à composição do Conselho de Curadores (ponto 36).
Na véspera da data-limite, para que o procedimento não fosse objecto de recusa, a autora enviou à referida Secretaria-Geral os elementos que tinha na sua posse, neles não se incluindo os estatutos, que a ré se recusava assinar, dizendo que deles discordava.
Foi requerida e concedida a prorrogação do prazo para conclusão do procedimento, tendo sido fixada, como nova data-limite, o dia 31.03.2019.
Tendo em vista a aprovação dos estatutos e a avaliação actualizada dos imóveis (que a ré considerava imprescindível, apesar de já ter sido esclarecida pelo Sr. Dr. DD que não era necessária) para que se avançasse para a conclusão do procedimento de reconhecimento da Fundação, a autora popôs a realização de nova reunião a três, sugerindo os dias 11 ou 12 de Dezembro de 2018, mas, a 07.12.2018, a ré manifestou a sua indisponibilidade e considerou a reunião inútil.
Sugeridas, pelo Sr. Dr. DD, as datas de 10, 19 ou 21 de Dezembro, dada a urgência de ultimar a recolha dos elementos em fata, a ré também manifestou a sua indisponibilidade, justificando-se com a morte do Monsenhor MM e a época natalícia.
A reunião acabou por se realizar no dia 10.o1.2019 e nela a ré, apenas, sugeriu a eliminação da alínea f) da cláusula terceira – relativa à possibilidade de exploração de uma cafetaria-bar – e nenhuma outra questão colocou quanto aos estatutos, tal como nada sugeriu quanto à composição dos órgãos da Fundação, mas reiterando que analisaria os mesmos e diria posteriormente o que lhe aprouvesse.
Em 30.01.2019, a ré comunicou à autora, por email, o seguinte: “Por força de situação clinica grave de familiares, não me foi possível neste prazo concluir a análise dos Estatutos. Em breve comunicarei para apreciação”.
A Autora respondeu em 31.01.2019, nos seguintes termos: Atento o prazo decorrido, com a exceção da eliminação da alínea f) da cláusula terceira (relativa à exploração da cafetaria bar) alteração sugerida pela BB e já alterada (diga-se ainda desde 08.11.2018), entendo dar por encerrada a questão dos estatutos da fundação sob pena de inexplicável arrastar da análise dos mesmos. INSISTO NA QUESTÃO SE A BB PRETENDE OU NÃO INTEGRAR O CONSELHO DE CURADORES, E/OU SE PRETENDE SUGERIR ALGUMA PERSONALIDADE PARA O EFEITO.
A esta comunicação, respondeu a ré 45 dias depois, a 15.03.2019, nos seguintes termos: “Informo que por motivos de saúde estive ausente estando a retomar a atividade, pelo que brevemente entrarei em contacto para dar continuidade ao que ficou pendente”.
Em face do silêncio da ré, em 29.03.2019 (antevéspera da nova data-limite para apresentação dos elementos em falta) a autora remeteu à Secretaria Geral cópias dos estatutos e dos extratos bancários (face à não emissão, pelas instituições bancárias, das certidões solicitadas).
A autora veio a tomar conhecimento que, nesse mesmo dia, a ré, invocando a sua qualidade de testamenteira, enviara um email ao cuidado da Sra. Dra. LL pedindo nova prorrogação de prazo para apresentação dos elementos necessários à instrução do processo de reconhecimento da Fundação e dando nota de que os estatutos enviados não foram por si aprovados e que deles discordava.
Em 03.10.2019, a autora requereu a notificação judicial avulsa da ré para que assinasse os estatutos.
Este encadeamento de vicissitudes relativas à aprovação dos estatutos da Fundação revela, abundantemente, que a ré/recorrente se erigiu como elemento de bloqueio do procedimento com vista ao reconhecimento da Fundação.
A sua insistência em nova avaliação dos imóveis que irão integrar o património da Fundação surge como mero pretexto para criar mais um obstáculo, pois era ela que estava encarregada dessa tarefa e, decorrido todo este tempo, não há (re)avaliação.
É, pois, inteiramente justificado o juízo de censura à actuação da testamenteira ré, que, se não é deliberadamente obstrutiva, evidencia, pelo menos, uma confrangedora falta de zelo.
Não se nos oferece dúvida de que, continuando a ré como testamenteira, a Fundação que a testadora quis instituir dificilmente verá a luz do dia enquanto entidade colectiva com personalidade jurídica.
Impõe-se, por isso, a confirmação da sua remoção decidida na primeira instância.

III Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por BB e, em consequência, confirmar a decisão recorrida;
As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, que decaiu totalmente (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 23/5/2022
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
______________
[1] Notificada às partes por expediente electrónico elaborado em 04.10.2021.
[2] A este propósito, não vemos motivo para duvidar (como não duvidou o Sr. Juiz na primeira instância) da afirmação do Sr. Dr. DD: «Toda a minha intervenção no âmbito do processamento para o reconhecimento da Fundação foi na qualidade de conhecido e amigo de ambas as partes. Tudo o que me for perguntado, nomeadamente do processo, apesar de ter transitado em julgado, eu aí requeiro, de facto, o sigilo. Quanto ao que foi o procedimento para a constituição da Fundação não intervim na qualidade de Advogado».
[3] Cfr, entre outros, o acórdão de 11.04.2019 (processo n.º 2749/17.0 T8MAI-A.P1) desta Relação e desta Secção, de que foi Relatora a Sra. Desembargadora Dra. Ana Paula Amorim, que aqui intervém como Adjunta.
[4] Sendo certo que, em casos-limite, a impugnação pode implicar toda a matéria de facto, nem por isso o recorrente está desobrigado de especificar os concretos pontos de facto por cuja alteração se bate (cfr. Cons. A.S. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 163, em nota de pé de página).
Esta especificação serve para delimitar o objecto do recurso e por isso tem de constar das conclusões.
[5] O Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes (ob. cit., pág. 170, nota de pé de página) afirma ser «infundada a rejeição do recurso da matéria de facto com fundamento na falta de indicação, nas conclusões, dos meios probatórios ou dos segmentos da gravação em que o recorrente se funda. O cumprimento desses ónus no segmento da motivação parece suficiente para que a impugnação da decisão da matéria de facto ultrapasse a fase liminar, passando para a apreciação do respectivo mérito», citando jurisprudência do STJ nesse sentido.
No Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 771, de que é autor em conjunto com Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, precisa-se que «é objecto de debate saber se os requisitos do ónus impugnatório devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões, sob pena de rejeição do recurso» e anota-se que «o Supremo tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objectividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação».
[6] A.S. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5.ª edição, 168-169.
[7] Na sua petição inicial, a autora passa do artigo 5.º para o artigo 8.º e daí não haver exacta correspondência na numeração. [8] Trata-se de um documento datado de Maio de 2019 que confirma a atitude da ré, que já vinha de 2018, de recusa sistemática de aprovar e assinar os estatutos da Fundação, documento que era fundamental para o processo de reconhecimento da mesma e que estava pendente na Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros há mais de um ano.
[9] No Doc. 5 junto com a contestação, que é cópia de uma comunicação electrónica da recorrente dirigida, em 10.04.2019, à Sra. Dra. LL, directora de serviços de Assuntos Jurídicos e Documentação da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, aquela afirma: «estes Estatutos não foram por mim aprovados, assim como as referidas nomeações dos curadores neles indicados, cujas pessoas desconheço», dando a entender que as suas reservas eram quanto à composição do Conselho de Curadores, quanto às pessoas que iriam integrar esse órgão, e não quanto à sua consagração nos estatutos.
[10] O artigo 2320.º do Código Civil define assim a testamentaria: «O testador pode nomear uma ou mais pessoas que fiquem encarregadas de vigiar o cumprimento do seu testamento ou de o executar, no todo ou em parte: é o que se chama testamentaria».
[11] A expressão é usada no Parecer do Conselho Consultivo da PGR (PGRP00001865) de 15.06.2001, citado na sentença recorrida.
[12] Diz-se “testamenteiro instituído” aquele que é nomeado pelo testador. Se a nomeação é feita pelo juiz, usa-se a expressão “testamenteiro dativo”. Admitida noutros ordenamentos jurídicos, esta forma de nomeação parece afastada pelo teor do artigo 2320.º do Código Civil, que só prevê a nomeação pelo autor da herança (assim, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, 1998, pág. 503).
[13] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc cit.
[14] Ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 519.
[15] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 513.
[16] Situação que é tratada como um caso de caducidade da testamentaria.
[17] Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, vol. II, Almedina, 2018, pág. 148.
[18] Marisa Vaz Cunha, Exercício da Testamentaria, in Processos Especiais, vol. II, AAFDL, pág. 204, obra colectiva com coordenação de Rui Pinto e Ana Alves Leal.