IN DUBIO
Sumário

Tal como as presunções judiciais são meios de prova, também o princípio in dúbio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, contemplado no art. 32º nº 2 da Constituição, é um princípio de prova.
Ambos são mecanismos de resolução dos estados de incerteza, na convicção do julgador, quanto à verificação dos factos integradores de um crime.
O primeiro pressupõe que a dúvida se mantenha insanável, depois de esgotado todo o iter probatório e feito o exame crítico de todas as provas e resolve a dúvida cominando-lhe como consequência a consideração dos factos como não provados e a consequente absolvição do arguido.
A segunda, através da inferência lógico-dedutiva, a partir de indícios ou factos circunstanciais ou colaterais ao objecto do processo resolve essa dúvida contra o arguido, superando a aplicação do in dúbio pro reo, pois permite afirmar um facto desconhecido a partir de um facto conhecido, para além de qualquer dúvida razoável.
Assim, a concatenação entre os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo e o da admissibilidade da prova indirecta, através de presunções judiciais em Direito Penal, implica que as dúvidas acerca da demonstração de determinados factos, sejam resolvidas em benefício do arguido, conduzindo à sua absolvição, mas a questão da existência da dúvida e consequente aplicação deste princípio só pode colocar-se depois de esgotado todo o iter probatório, ou seja, quando o non liquet persiste, mesmo depois de analisadas todas as provas directas e de concluído todo o esforço lógico-dedutivo inerente ao apuramento dos factos através de presunções judiciais.
Tal como acontece em geral com os actos interiores ou factos internos, respeitantes à vida psíquica, que raramente se provam directamente, porque não são externamente observáveis, também a demonstração da existência do dolo é frequentemente feita por inferência ou dedução lógica, partindo dos factos conhecidos que são os modos de execução dos tipos de crime, associados à capacidade de discernimento e à liberdade de vontade do autor desses factos e demais circunstâncias que contextualizam a prática do crime.
(Elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam em conferência, os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 14 de Dezembro de 2021, no processo comum singular nº 101/17.6SULSB, foi decidido:
A) Condenar o arguido EV_______ pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347° n°1 e 2 do Código Penal (NUIPC101/17.6SULSB) na pena de 2 (dois) anos de prisão.
B) Condenar o arguido EV_______ pela prática de um crime de resistência e coacção p. e p. pelo art.347° n°2 do Código Penal (NUIPC36/19.8SULSB) na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
C) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido EV_______ na pena única de 3 (três) anos e 1 (um) mês de prisão.
O arguido interpôs recurso da sentença, tendo para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença ora recorrida, por via do qual o tri6unal decidiu pela condenação do ora recorrente, EV_______  Vaz, nas seguintes penas:
A) Condenar o arguido EV_______ pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art.3 47° n°1 e 2 do Código Penal (NUIPC101/17.6SULSB) na pena de 2 (dois) anos de prisão.
B) Condenar o arguido EV_______ pela prática de um crime de resistência e coacção p. e p. pelo art. 347° n° 2 do Código Penal (NUIPC36/19.8SULSB) na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
C) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido EV_______ na pena única de 3 (três) anos e 1 (um) mês de prisão.
2. Entendemos que resulta claro do texto da decisão recorrida, sem sequer ser necessário o recurso a qualquer elemento externo à mesma, que os factos apurados são insuficientes para se decidir pelo preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime pelo qual o recorrente foi condenado.
3. Temos por verificado que de leitura atenta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta objectivamente que os factos dados por provados, são insuficientes para condenar o arguido.
4. E que, por conseguinte, se tem por verificado no acórdão recorrido o vício constante do artigo 410° n°2 alínea a) do Código de Processo Penal, o que vem a defesa prontamente invocar para os devidos e legais efeitos.
5. No que tange a prova produzida e essencial para a formação da convicção do tribunal, a defesa entende que se verificam pontos concretos da matéria de facto foram incorrectamente julgados e que tais provas impõem decisão diversa da decisão recorrida.
6. Ao Arguido não lhe foi dada oportunidade para prestar declarações. Acrescenta-se a este propósito que o tribunal estriba a sua condenação porque “O arguido não confessou os factos em causa nos autos, não demostrando assim censura pelo comportamento praticado.”
7. E por força desta conclusão, o tribunal afirma “Não se afigura, assim, possível fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, pelo que não se suspende a pena de prisão em que o arguido é condenado”.
8. O Arguido ora recorrente, não falou porque não lhe foi permitido. De facto,
9. No inicio do julgamento, o Arguido remeteu-se ao silêncio afirmando que ” por ora, não iria prestar declarações”. Por referência ao registo da gravação do depoimento efectuado pela Ofendida, o qual foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso naquele Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15 horas, 16 minutos e 43 segundos e o seu termo pelas 15 horas, 57 minutos e 31 segundos, conforme acta de dia 05.05.2021).
10.  Na segunda sessão de julgamento, o Arguido encontrava-se no hospital prisão de Caxias, internado com Covid-19.
11. Apesar da sua ausência, o tribunal entendeu prosseguir com a diligência, por a sua presença não se afigurar necessária.    
12. Terminada a inquirição das testemunhas e confrontado com a pergunta da Defesa no sentido de se marcar mais uma sessão para ouvir o Arguido, o tribunal recusou tal pretensão.  
13. Entendeu olvidar o estatuído no art. 361° n° 1 do CPP, porque, pasme-se, o Arguido não havia prestado declarações até então         
14. Ora, tal, viola os mais elementares princípios do contraditório a que este e qualquer arguido tem direito, violando desse modo de forma grosseira, os artigos 61º n° 1, alíneas a) e 6), 343º n° 1 e 361º n° 1, todos do CPP e art. 32°, n° 5 da CRP.
15. Além do já exposto, decorre da sentença recorrida que o Tribunal a quo, na apreciação da prova que lhe foi submetida julgar, lançou mão do Principio da Livre Apreciação da Prova plasmado no Artigo 127.° do Código de Processo Penal. Contudo, é inconstitucional a norma do Artigo 127.° do Código de Processo Penal, na dimensão normativa com que foi aplicada na motivação do Sentença Recorrida, segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência em concreto, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, violando, consequentemente, o Tribunal a quo, com a Decisão que proferiu o Princípio da Normalidade na utilização da prova indirecta.
16. A Sentença Recorrida afirmando fixados, por presunção natural, factos que nem estão indiciados por quaisquer factos base, nem decorrem, por raciocínio Código, da aplicação aos factos base de quaisquer regras de experiência, importa uma dimensão materialmente inconstitucional do Artigo 127.° do Código de Processo Penal, sobretudo, como nestes Autos, quando interpretado no sentido de que a Livre Convicção do Julgador é suficiente para - sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência - adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, sem fazer apelo ao peso específico das presunções, que devem ser «graves, precisas e concordantes ”.
17. Por conseguinte, é inconstitucional a norma inserta no Artigo 127.° do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada no acórdão recorrido pelo Tribunal a quo por afronta directa ao que se encontra constitucionalmente consagrado no texto e princípios da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que os Venerandos Desembargadores da Relação de Lis6oa, deve o presente recurso do Recorrente EV_______ e em consequência, serem declaradas as nulidades da sentença recorrida que e suscitam e remetido o Processo para Novo Julgamento.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu:
1a O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida e depositada a 14/12/21, que condenou o arguido pela prática de dois crimes de resistência e coação sobre funcionário p. e p. pelos artigos 347° n°1 e 2 na pena única de três anos e um mês de prisão.
2a Tendo em conta o âmbito do recurso fixado pelas conclusões apresentadas, pretende o recorrente que a douta sentença padece de insuficiência da matéria de facto provada e de erro de julgamento por violação de critérios de razoabilidade e senso comum, afirmando-se a nulidade da sentença.
3a Relativamente à alegada insuficiência da matéria de facto provada, não se verifica qualquer lacuna, deficiência ou omissão na investigação por parte da Mma. Juiz a quo da matéria de facto sujeita à sua apreciação, uma vez que a mesma, em cumprimento do disposto no artigo 374.° n.° 2 do CPP, se pronunciou sobre a totalidade do objeto dos presentes autos, delimitado pela acusação, contestação e pelos factos resultantes da prova produzida em audiência, conforme resulta do disposto no artigo 339.° n.° 4 do mesmo Código.
4a No âmbito das conclusões do recurso, o recorrente pretende ter sido violado o disposto no artigo 127° do Cód. de Processo Penal, afirmando-se ainda a inconstitucionalidade daquela norma legal quando interpretada no sentido de que a convicção do julgador é suficiente para, sem prova direta, adquirir por presunção natural a prova de factos em julgamento.
5a Desde logo, nem sequer se compreende a argumentação do recorrente quanto à dimensão normativa que pretende inconstitucional, dado que é exatamente a prova por presunção natural que decorre da consagração legal do princípio da livre apreciação no artigo 127° do Cód. de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.° 1938/12.8PSLSB.L1-9, datado de 14-05-2015 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 03-06-2015, proferido no processo n.° 12/14.7GBSRT.C1, ambos disponíveis em dgsi.pt).
6a Finalmente, cumpre salientar que a livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
7a Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, coerência do raciocínio e de atitude, serenidade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos. Trata-se de um acervo de informação não verbal, rica, imprescindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (neste sentido, Tribunal da Relação de Lisboa, em douto Acórdão datado de 20/02/2019, no processo n.° 147/17.4ZFLSB.L1-).
8a Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
9a Assim sendo, constata-se que, na douta sentença, a Mma Juiz explica de forma clara e lógica as razões pelas quais deu como provados os factos referentes a ambas as situações, fazendo a distinção entre a prova produzida quanto a cada uma. Conforme salienta a Mma juiz o depoimento das testemunhas policiais foi isento e objetivo, sem acrescentarem nada ao relato que fizeram e, como tal, foi credível a ponto de convencer a Mma Juiz de que os factos sucederam conforme vinham relatados.
10a Acresce que, não é possível afirmar que o arguido pretendia prestar declarações e foi impedido pela Mma juiz conforme parece resultar das conclusões de recurso.
11a Com efeito, na sessão de audiência de julgamento realizada a 6/12/21 (cfr. ata a fls. 392), contrariamente ao afirmado nas conclusões de recurso, a Mma juiz questionou o Il. Mandatário do arguido sobre a presença do mesmo (“Sr. Dr., já há pouco tinha feito a referência em relação à situação do arguido...”), aquele prescindiu da presença do mesmo (“Não, eu vou prescindir.”), conforme é patente na audição da respetiva gravação, ao minuto 0.06 da última intervenção da Mma juiz.
12a Assim sendo, o que releva para a situação dos autos é ter sido produzida toda a prova necessária contra o arguido, prova essa que, convenceu o tribunal a quo de que o arguido havia praticado os factos criminosos descritos na douta sentença, e, como tal, determinou a sua condenação pela prática dos mesmos.
13a Termos em que os factos provados resultaram da análise conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, tomando em consideração todos os parâmetros acima referidos, pelo que, a douta sentença não merece censura.
Nestes termos, Vossas Excelências, melhor decidindo, farão a costumada Justiça.
Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta da Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância à motivação do recurso interposto pelo arguido EV_______ , no  sentido de que seja julgado improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença condenatória proferida pelo Tribunal a quo.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos previstos nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes:
A nulidade da sentença recorrida por falta de exame crítico da prova.
Quanto à Matéria de Facto:
Da insuficiência da prova produzida para a matéria de facto dada como provada – art. 412º do CPP.
Da insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada – art. 410º nº 2 al. a) do CPP;
Quanto à Matéria de Direito:
 A violação do princípio do contraditório, inserto nos artigos 61º n° 1, alíneas a) e b), 343º n° 1 e 361º n° 1, todos do CPP e art. 32º, n° 5 da CRP.
Saber se a pena aplicada deveria ter sido suspensa, na respectiva execução.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença condenatória sob recurso fixou os factos e fundamentou a sua convicção, quanto à prova produzida, nos seguintes termos (transcrição parcial):
NUIPC N° 101/17.6SULSB
1. No dia 27.08.2017, cerca das 23h00, os agentes da Polícia de Segurança Pública, LT__, VF__ e JM__, dirigiram-se ao Terminal de Autocarros do Campo Grande, sito na Estrada de Telheiras, em Lisboa, a fim de darem cumprimento a mandado de detenção, para cumprimento de pena relativo ao arguido.
2. Os agentes abordaram um veículo automóvel de matrícula XX-XX-XX que aí se imobilizou, encontrando-se o arguido no seu interior, no lugar do condutor.
3. Nesse momento o agente LT__ identificou-se como agente da Polícia de Segurança Pública, abriu a porta do condutor e deu ordem ao arguido para sair do interior da viatura.
4. Ao que o arguido retorquiu “calma senhor agente”.
5. Acto contínuo, o arguido colocou o veículo automóvel em andamento.
6. O agente LT__ somente teve tempo de se desviar alguns centímetros, ao mesmo tempo que agarrou a porta do veículo do lado do condutor, na tentativa de impedir que o arguido fugisse do local.
7.Todavia, o agente foi puxado, tendo largado a porta e embatido com o braço.
8. Como consequência da conduta do arguido sentiu LT__ dores.
9. O arguido fugiu do local.
10. O arguido, não obstante, ter ficado ciente da ordem que lhe havia sido dada e que se tratavam de agentes da Polícia de Segurança Pública, não imobilizou a viatura, antes a tendo imprimido maior velocidade, causando com a sua conduta dores no corpo do agente LT__.
11. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, do modo acima descrito ao atentar contra a integridade física do agente LT__, com o propósito, que conseguiu alcançar, de obstar a que os agentes da Polícia de Segurança Pública cumprissem as suas funções de agentes de autoridade, de cumprimento dos mandados de detenção.
12. Sabia, ainda, o arguido que a sua conduta era proibida e punível por lei.
NUIPC36/19.8SULSB 
13. No dia 17 de junho de 2019, pelas 18h43, os agentes da PSP JP__, JS__, JM__ e NS__ encontravam-se na Avenida João Paulo II, em Lisboa, local onde era conhecida a residência habitual do arguido, com vista ao cumprimento de um mandado de detenção e condução para cumprimento de pena de prisão, relativamente ao mesmo.
14. Nessas circunstâncias de tempo e lugar veem o arguido ao volante do veículo motociclo de matrícula YY-YY-YY.
15. Então, os agentes JP__ e JS__, ao avistarem-no, colocaram-se na via pública e mandaram o arguido parar a marcha,
16. Todavia, o arguido - não obstante se ter apercebido da ordem dos referidos agentes de autoridade e das suas qualidades de agente, os quais lhe gritaram:" Polícia, pára, sai da mota!" - imprimiu maior velocidade à marcha do veículo que conduzia e dirigiu o mesmo contra tais agentes da PSP.
17. Face ao que os agentes JP__ e JS__ tiveram necessidade de se desviar, de molde a evitarem ser atingidos pelo veículo.
18. De seguida, o arguido inverteu o sentido de marcha do motociclo e dirigiu o mesmo para o local onde se encontravam os agentes da PSP JM__ e NS__.
19. Então, e não obstante se ter apercebido da ordem destes agentes de autoridade e das suas qualidades de agente, que o mandaram parar e abandonar o veículo - o arguido imprimiu maior velocidade à marcha do mesmo, dirigindo-o contra tais agentes da PSP.
20. Por tal motivo, os agentes JM__ e NS__ tiveram necessidade de se desviar, de molde a evitarem ser atingidos pelo veículo.
21. De seguida, o arguido abandonou o local.
22. O arguido agiu sempre ciente da qualidade dos agentes da PSP em causa, que se encontravam no exercício de funções, e quis com a sua conduta impedir que estes o detivessem para cumprimento dos referidos mandados de detenção e condução para cumprimento de pena de prisão.
23. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.
24. O arguido sabia que a sua conduta não era permitida e era punida por lei penal.
Mais se provou que:
25. No âmbito do NUIPC 36/19.8SULSB os agentes da PSP tinham os seus crachás identificativos ao peito. 
26. Resulta do relatório social elaborado pela DGRSP a respeito do arguido que EV_______ surge-nos como um indivíduo com necessidades de intervenção aos níveis pessoal, laboral e social. As suas características pessoais associadas aos défices de pensamento consequencial e alternativo e à capacidade reflexiva limitada, fundamentalmente relacionadas com a baixa interiorização do interdito e das convenções que, entendemos, evidencia, constituíram fatores potenciadores dos comportamentos desviantes, aspetos que ainda não se encontram minorados, pelo que, comprometedores de um processo de ressocialização responsável. Reconhecendo a situação penitenciária como consequência de comportamentos criminais assumidos e verbalizando motivação para mudança comportamental no sentido da atenuação dos seus fatores de risco, avalia-se como imprescindível a consciencialização por parte do arguido da necessidade de orientar a sua conduta pelo investimento na aquisição e treino de competências com vista à adoção de um estilo de vida segundo os parâmetros do "dever-ser" social, aspeto a consolidar durante a reclusão em curso.
27. Consta do certificado de registo criminal do arguido que o mesmo já foi julgado e condenado no âmbito dos:
a. Processo n.° 45/02.6S4LSB da 7a Vara, 3a Secção das Varas Criminais de Lisboa, por decisão transitada em julgado na data de 05-07-2004, pela prática de um crime de roubo, por factos ocorridos em 24-01-2002, na pena de 12 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos sob regime de prova, pena esta já julgada extinta.
b. Processo n.° 82/01.8PGLSB do 2° Juízo de competência criminal do Tribunal da Comarca de Almada, por decisão transitada em julgado em 01-04-2005, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, por factos ocorridos na data 18-02-2011, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €5,00, pena esta julgada extinta por prescrição.
c. Processo n° 378/04.7S4LSB do 8a Vara Criminal de Lisboa, por decisão transitada em julgado na data de 19-07-2007, pela prática de dois crimes de roubo, por factos ocorridos em 22-05-2004, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão pela pratica de um crime de roubo,
d. Processo n° 799/04.5PLLSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa, por decisão transitada em julgado na data de 11-12-2008, pela prática de um crime de roubo, por factos ocorridos em 01-12-2004, na pena de 9 anos de prisão, tendo-lhe sido concedida liberdade condicional em 13-03-2012. 
e. Processo n° 507/05.3PLLSB do 1° Juízo Criminal - 3a Secção de Lisboa, por decisão transitada em julgado na data de 12-05-2008, pela prática de três crimes de injuria agravada, por factos ocorridos em 23-06-2005, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de €3,00, pena esta já julgada extinta pelo cumprimento.
f. Processo n° 686/12.3SGLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo central Criminal - Juiz 2, por decisão transitada em julgado na data de 31-03-2017, pela prática de dois crimes de rapto, um crime de roubo qualificado, um crime de extorsão e de um crime de roubo, por factos ocorridos em 2013 e 2014, na pena de 7 anos e 2 meses de prisão.
g. Processo n° 997/17.PLLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa - Juízo Local Criminal - Juiz 12, por decisão transitada em julgado na data de 31-05-2021, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 09-06-2017, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de €5,00.
Matéria de facto não provada
NUIPC N° 101/17.6SULSB
- Simultaneamente a companheira do arguido JC_____ gritou "arranca que é a bófia!".
NUIPC36/19.8SULSB
- Todos devidamente uniformizados.
*
Consigna-se que não se fez constar dos factos assentes e não assentes factos conclusivos, bem como matéria irrelevante para a boa decisão da causa ou meramente instrumental para a mesma, em face dos factos que se consideraram provados.
Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal.
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova, pois que tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. 
O arguido ao abrigo de um direito que lhe asiste não pretendeu prestar declarações.
Do conjunto dos depoimentos das testemunhas  , e   no que respeita ao NUIPC N° 101/17.6SULSB e das testemunhas JM__, JS__, JP__ e NS__, no que respeita ao NUIPC.36/19.8SULSB, conjugada com o teor dos autos de notícia, respectivamente de fls. 2 a 4 e 2 a 3, formou o Tribunal a sua convicção quanto à matéria de facto que considerou provada.
Do NUIPC101/17.6SULSB
A testemunha  , embora não tenha visto o arguido a actuar da forma que resultou provada, porque se encontrava do outro lado do edifício ali existente, ouviu os seus colegas JM__ e LT__, dizerem "policia, pára, pára", motivou pelo qual se deslocou de imediato para o local onde eles se encontravam.
Testemunhas JM__ e LT__, de forma muito objectiva e esclarecedora relataram as circunstâncias em que abordaram o arguido, em que este último se identifica na qualidade de agente da PSP, abrindo a porta do veiculo que o veículo conduzia e lhe ordena que saia do mesmo ao que o arguido responde "calma Sr. agente, e de imediato enceta fuga daquele local, imprimindo velocidade ao veiculo e com a porta aberta. Porta esta, que naquelas circunstâncias, embate no braço da testemunha  .
Da prova produzida, nenhuma dúvida se suscita que o arguido sabia que a pessoa que o interpelou quando se encontrava a conduzir era polícia, sendo certo que também sabia o arguido que tinha uma pena de prisão para cumprir por via de uma decisão judicial e que aqueles agentes da PSP ali se encontravam com vista a executar a mesma.
Do NUIPC.36/19.8SULSB
Testemunhas JS__ encontrava-se próximo da testemunha JP__  quando vêm o arguido junto de uma mota, veículo este que o arguido ao aperceber-se da presença dos agentes naquele mesmo local, coloca em funcionamento e dirige para o local onde aqueles se encontravam, o que motivou a necessidade de aqueles se desviarem, tendo o arguido invertido a sua marcha. Nesse momento é confrontado com a presença dos agentes JP__  e NS_____ , que face à conduta do arguido que não obedecia à ordem de paragem e dirigia o veículo na direcção daqueles, efectuaram disparos com a arma de fogo de serviço com vista a dissuadir arguido de continuar a conduta. As testemunhas tinham os crachás profissionais ao peito, não se encontrando uniformizados, e disseram "policia, pára".
As testemunhas prestaram o seu depoimento de uma forma objectiva, esclarecedora e isenta, não completando de forma aleatória qualquer situação de que não se recordassem ou em que não tivessem sido directamente intervenientes, antes referindo essa mesma situação quando tal se verificava.
E o depoimento da testemunha J__ , à data companheira do arguido, não teve a virtualidade de pôr em causa aqueles, na medida em que não se apresentou isento e objectivo, ao contrário daqueles, sendo que esta testemunha referiu sem que ninguém lhe tivesse perguntado "a porta dele estava destrancada; ninguém abriu as portas do carro". Instada sobre se não tinha conhecimento de que o arguido tinha uma pena de prisão para cumprir, disse que "ele não tinha sido notificado" o que não tem qualquer correspondência com as regras da experiência comum na medida em que a existência de mandados de detenção para cumprimento de uma pena de prisão pressupõe necessariamente, o trânsito em julgado da sentença que a determina.
Quanto aos factos subjectivos, por presunção natural e regras da experiência comum, permite-se dá-los como materialmente verdadeiros.
A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.
No que respeita à situação pessoal do arguido atendeu o Tribunal ao teor do relatório social elaborado pela DGRSP.
E quanto aos antecedentes criminais do arguido, teve o Tribunal em conta o teor do certificado de registo criminal aos autos.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A exigência de que o texto da sentença contenha o exame crítico das provas é uma decorrência das exigências constitucionais da fundamentação das decisões judiciais como mecanismos de concretização das garantias de independência e imparcialidade dos Tribunais e de sindicância do acerto da decisão, através do recurso.
O dever de fundamentação das decisões judiciais, seja qual for a jurisdição em que sejam proferidas, é um dos alicerces do Estado de Direito Democrático, na medida em que assegura que o processo seja justo e equitativo, de harmonia com o disposto no art. 20º nºs 4 e 5 da Constituição, em face da aptidão do princípio da motivação para impedir a arbitrariedade e a descriminação, bem assim, para conferir imparcialidade às decisões, assegurando, por esta via, o respeito pelos direitos liberdades e garantias fundamentais dos seus destinatários, em sintonia com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proporcionalidade, nos termos dos arts. 2º; 13º e 18º da Constituição, respectivamente.
Em suma, o princípio da exigência de fundamentação assume-se como garantia da imparcialidade do juiz, do controle da legalidade da decisão, e da possibilidade de impugnação das decisões, a par da possibilidade de controle do exercício do poder judiciário fora do contexto processual, por parte do povo em nome de quem deve ser feita a administração da justiça, no contexto de uma concepção democrática do poder.
A independência e a imparcialidade do Juiz devem, pois, transparecer do apuramento objectivo dos factos da causa e da interpretação válida das normas de direito, em obediência ao espírito e à letra da lei (cfr. Michele Taruffo, “Note sulla garanzia costituzionale della motivazione”, in BFDUC, ano 1979, Vol. LV, págs. 31-32).
Assim é que o dever de fundamentar uma decisão judicial é uma consequência da previsão contida no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Na vertente processual penal, este imperativo constitucional densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral consagrado no art. 97º nº 5 do CPP, quanto à exigência da especificação dos motivos de facto e de direito de qualquer decisão
Mais especificamente, no que se refere à sentença, o artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal impõe, a propósito do requisito da fundamentação, que a mesma contenha a «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Esta exigência está, ainda, conexionada com o princípio da livre apreciação da prova, contido no art. 127º do CPP, na medida em que é a contrapartida da inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas (com excepção da confissão integral e sem reservas do arguido; da prova pericial e dos documentos autênticos, cujo valor probatório se encontra legalmente pré-estabelecido), na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral (de que decorre a equiparação da prova directa à prova indirecta ou por presunções judiciais), desde que não incluídos nas proibições contidas no art. 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
Como a apreciação da prova é livre, mas não pode ser arbitrária, tem de alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objectivados, à luz das máximas de experiência, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o Tribunal valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer.
Nesta medida, a exigência legal do exame crítico das provas, além das garantias de imparcialidade e sindicabilidade da decisão em instância de recurso, previne que estados puramente subjectivos, assentes em meras intuições, crenças ou emoções determinem a fixação da matéria de facto e obsta à violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.
A omissão do exame crítico das provas importa a nulidade da sentença, nos termos do art. 379º nº 1 al. a) do CPP.
A questão é, por conseguinte, saber se tal omissão existe, no caso.
Como a própria expressão «exame crítico» refere, se, por um lado, a exigência de fundamentação da convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados não se basta com a mera enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, (sendo inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância – cfr. Acs. do Tribunal Constitucional n.º 172/94, Diário da República, 2.ª série, de 19 de Julho de 1994 e n.º 573/98, Diário da República, 2.ª série, de 13 de Novembro de 1998), por outro lado, também não deve redundar numa «espécie de assentada, em que o tribunal reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma sintética» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 258/2001, com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt), sob pena de violação do princípio da oralidade e de também não materializar qualquer análise objectiva da prova produzida, da qual seja possível retirar qual o processo de raciocínio do tribunal na formação da sua convicção quanto aos factos, qual o escrutínio efectuado acerca do conteúdo e do valor de todos e cada um dos meios de prova disponíveis.
O que importa para satisfazer a exigência legal do exame crítico das provas é que a fundamentação da decisão de facto expresse quais as provas cujo valor probatório se encontra pré-estabelecido na lei (v.g., a confissão do arguido, a prova pericial e a prova documental autêntica e autenticada) que foram produzidas e quais os factos que demonstram, bem como, que dessa fundamentação resulte, com clareza, quais as regras de experiência comum, os critérios de razoabilidade e de lógica, ou os conhecimentos técnicos e científicos utilizados para conferir credibilidade a determinados meios de prova e não a outros e em que medida os meios de prova produzidos oferecem informação esclarecedora e convincente que permite considerar provados os factos ou, pelo contrário, não oferecem segurança para alicerçar uma conclusão positiva acerca da verificação de determinados factos e, por isso, se justifica a sua inclusão, nos factos não provados.
«Motivar uma decisão é justificar a decisão por que se optou para que possa ser controlada tanto pelos seus destinatários directos como pelos demais cidadãos, apresentar de forma inteligível, lógica, coerente e racional, o “iter” seguido no tratamento valorativo da prova» (Perfecto Ibañez, no estudo “Sobre a formação racional da convicção judicial”, publicado na Revista do CEJ, 1.º semestre, 2008, p. 167. No mesmo sentido, Rosa Vieira Neves, in Livre Apreciação da Prova e Obrigação de Fundamentação, Coimbra Ed., 2011, 151 e segs).
«O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cfr., v. g., acórdão do Supremo Tribunal de 30.01.2002, proc. 3063/01, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido Acs. do STJ de 3.10.2007, proc. 07P1779; de 19.05.2010, proc. 459/05.0GAFLG.G1.S1, de 17.09.2014, proc. 1015/07.3PULSB.L4.S1; de 14.12.2016, proc. 303/14.7JELSB.E1.S1; de 13.12.2018, proc. 308/10.7JELSB-L3.S1 e de 11.07.2019, proc. 22/13.1PFVIS.C1.S1, in http://www.dgsi.pt).
O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental, mas bastante, que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte e desde que torne perceptível e sindicável, em instância de recurso, as razões da convicção do Tribunal do julgamento, quanto aos factos, não se verificará a nulidade emergente da falta de exame crítico das provas  (acórdãos do Supremo Tribunal de 17 de Março de 2004, proc. 4026/03 e Ac. do STJ de 3.10.2007, processo 07P1779, Ac. da Relação de Lisboa de 10.07.2018, processo nº 106/15.1PFLRS.L1-5 in http://www.dgsi.pt; Ac. da Relação de Évora de 07.03.2017, Processo 246/10 JusNet 1781/2017 Marques Ferreira, in "Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal", Livraria Almedina, 1988, pág. 228, Sérgio Poças, Da sentença penal – Fundamentação de facto, Revista “Julgar”, n.º 3, p. 21 e segs.).
Há que admitir que, se para cada facto for diferente o motivo da convicção do Tribunal, por também ser distinto o meio de prova que é apto a demonstrá-lo, então, a fundamentação poderá reflectir essa especificidade e, por conseguinte, conter uma motivação própria para cada um dos factos, exclusiva, autónoma e diferenciada das demais.
Tal, porém, só em casos muito excepcionais acontecerá e de qualquer modo, a lei não prevê, nem impõe esse grau de exigência na fundamentação, nem ela é necessária à prossecução das finalidades visadas, com as normas contidas nos arts. 205º da Constituição da República Portuguesa, nem nos arts. 97º nº 5 e 374º nº 2 do CPP, porque a enunciação individualizada de cada meio de prova, a propósito de cada facto, isoladamente e de forma segmentada, nem sequer dá adequada prossecução ao sentido da exigência de que o exame das provas seja crítico.
O exame crítico exigido pela lei não se basta com a apreciação das provas uma a uma, antes requer uma apreciação concatenada, a partir da qual sejam estabelecidas correlações internas entre elas, comparações entre as que sejam de sinais opostos, inferências, deduções, sempre contextualizadas no material probatório analisado globalmente e não em análises fragmentárias, desgarradas umas das outras e sem uma linha de raciocínio lógico-dedutivo que espelhe as opções do julgador, na matéria, bem como os motivos dessas opções.
O raciocínio lógico, motivado e objectivado na análise das provas não tem, pois, forçosamente, de implicar uma fundamentação específica e autonomizada, facto a facto, diversamente do que pretende o recorrente, sob pena de se converter numa tarefa impossível, ou, pelo menos, repetitiva e inútil, com eventual grave prejuízo para a sua inteligibilidade e clareza e, portanto, os valores de transparência e rigor, controlo da legalidade e legitimação democrática das decisões judiciais, que a exigência de fundamentação visa assegurar, acabarem por resultar postos em crise por essa mesma fundamentação, se exacerbada ao nível de pormenorização pretendido pelo recorrente.
É certo que o exame crítico das provas tem geometria variável, tanto quanto o dever geral de fundamentação de todas as demais decisões judiciais, consoante a sua complexidade intrínseca ou a controvérsia gerada entre os sujeitos processuais, ou mesmo, a natureza e o conteúdo dos meios de prova disponíveis, designadamente, quanto à existência ou não de prova directa dos factos que integram a prática dos crimes pelos quais os arguidos vêm acusados, ou à necessidade de recurso a presunções naturais que podem envolver e, por regra, envolvem mesmo, um maior esforço argumentativo, pela necessidade de cruzamento de informações provenientes de diferentes fontes e da sua análise lógica e dedutiva, à luz de máximas de experiência comum, de critérios de razoabilidade humana, de determinados usos, ou de regras técnicas e científicas, pertinentes ao juízo de inferência necessário para extrair um facto desconhecido de outro facto conhecido.
Ainda assim, o que é igualmente certo e resulta expresso do próprio texto do art. 379º nº 1 al. a) do CPP que só a total falta de análise valorativa dos meios de prova disponíveis integra a nulidade ali prevista e que, aparte esta causa de invalidade da sentença, a exigência legal de motivação da convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados e não provados, basta-se com uma apreciação sintética, desde que abrangente e esclarecedora sobre o processo lógico-dedutivo de apreciação da prova e de fixação da matéria de facto, que permita compreender as opções do julgador e aferir da sua correcção ou conformidade com o conteúdo da prova e a valoração que dela se deve fazer, por referência aos critérios de decisão contidos nos arts. 125º a 127º do CPP.
Outra não pode ser a interpretação a retirar das expressões «tanto quanto possível completa, ainda que concisa», contida no art. 374º nº 2 do CPP e «é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 (…) do art. 374º» inserta no art. 379º nº 1 al. a) do mesmo diploma, referidas à fundamentação da decisão de facto.
Ora, no caso vertente, o texto da decisão é totalmente explícito e esclarecedor acerca dos motivos da convicção, tanto da consideração dos factos provados, como dos não provados.
O Tribunal começou por logo por dizer quais eram os meios de prova em que se alicerçou para dar como provados os factos objectivos descritos na acusação e integradores dos dois crimes de coacção e resistência sobre funcionário pelos quais o arguido foi condenado.
Esses meios de prova são essencialmente por depoimentos de testemunhas, mais especificamente, dos agentes policiais que com o arguido protagonizaram os factos objecto deste processo, ou seja, as testemunhas VF__, JM__, e LT__ no que respeita ao NUIPC N° 101/17.6SULSB e as testemunhas JM__, JS__, JP__ e NS__, no que respeita ao NUIPC.36/19.8SULSB, conjugados «com o teor dos autos de notícia, respectivamente de fls. 2 a 4 e 2 a 3».
De seguida, o Tribunal indicou qual a razão de ciência de cada uma destas testemunhas, adjectivou o modo como depuseram, segundo a sua percepção e, por reporte a excertos destes depoimentos, correlacionou-os e explicou por que razões lhes atribuiu credibilidade e em que medida lhe serviram de fundamento para a decisão da matéria de facto, do mesmo modo que explicou os motivos pelos quais não atribuiu valor probatório ao depoimento da outra testemunha inquirida acerca dos factos, J__ , que à data dos factos era a companheira do arguido, em virtude de não ter sido «isento e objectivo, ao contrário daqueles» (os tais outros depoimentos prestados pelas demais testemunhas acima identificadas).  
Do mesmo modo, alicerçou a sua convicção quanto ao nexo de imputação subjectiva dos dois crimes em presunção judicial, por aplicação das regras de experiência comum aos factos conhecidos que são os factos objectivos inseridos na matéria de facto prova quanto ao modo como o arguido agiu e interagiu com os agentes policiais, nas circunstâncias de tempo e lugar a que se referem os pontos 1 a 10 e 13 a 21 da matéria de facto provada e também da inexistência de qualquer dúvida acerca da imputabilidade do arguido, da sua capacidade de discernimento e vontade e da sua liberdade de decisão e acção.
Quanto às condições pessoais do arguido, bem como aos seus antecedentes criminais, também estão indicadas as fontes de informação acerca desses factos – o relatório social e o certificado de registo criminal, respectivamente  - , pelo que nem sequer se compreende o que mais ou melhor poderia o Tribunal ter exposto os motivos da sua convicção acerca dos factos provados e não provados, de molde a preencher o padrão de exigência que o presente recurso exprime.
Não existe, pois, qualquer nulidade.
Quanto à matéria de facto considerada provada e não provada, como defluí das conclusões 2 a 4 e 5 do recurso, o arguido impugna-a por duas vias: o erro de julgamento e os vícios decisórios, mais precisamente, o da insuficiência da matéria de facto para a decisão, no que se refere ao enquadramento jurídico-penal dos factos como crimes de coacção e resistência sobre funcionário.
O erro do julgamento verifica-se sempre que o Tribunal tenha dado como provado um facto acerca do qual não foi produzida prova e, portanto, deveria ter sido considerado não provado, ou inversamente, quando o Tribunal considerou não provado um facto e a prova é clara e inequívoca, no sentido da sua comprovação.
O mecanismo por via do qual deverá ser invocado é o da impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, a qual envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante, mas com limites, porque, além de não se traduzir num novo julgamento, está subordinada ao cumprimento de um dever muito específico de motivação e formulação de conclusões do recurso (Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012 Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt). 
Assim, nos termos do nº 3 do art. 412º do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e c) as provas que devem ser renovadas».
O nº 4 do mesmo artigo acrescenta que, tratando-se de prova gravada, as indicações a que se referem as alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, segundo o estabelecido no nº 6.
Ou seja, o recorrente terá de indicar, com toda a clareza e precisão, o que é que, na matéria de facto, concretamente, quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual alternativa à decisão de facto exarada na sentença que impugna, e quais os motivos exactos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe, o que exige que o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado.
Assim, quanto à especificação dos concretos pontos de facto, a mesma «só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e se considera incorrectamente julgado» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art. 412º., pág. 1144).
Portanto, só os factos controvertidos por efeito das provas cujo conteúdo seja adequado à conclusão de que se impõe uma decisão diferente da recorrida, segundo a motivação do recorrente, é que são objecto de sindicância pelo Tribunal da Relação.
Já a especificação das concretas provas, «só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação (…) das passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 8 ao art. 412º., pág. 1144).
Quando se trate de depoimentos de testemunhas, de declarações de arguidos, assistentes, partes civis, peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficaram gravadas as frases que se referem ao facto impugnado.
Essa modificação será, ainda, assim, tão só a que resultar do filtro da documentação da prova, segundo a especificação do recorrente, por referência ao conteúdo da acta, com indicação expressa e precisa dos trechos dos depoimentos ou declarações em que alicerça a sua divergência (art. 412º nº4 do CPP), ou, pelo menos, mediante «a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente» (Ac. do STJ nº 3/2012, de fixação de jurisprudência de 08.03.2012, in D.R. 1.ª série,  nº 77 de 18 de abril de 2012).
Caso se limite a indicar a totalidade de um documento ou de uma perícia, ou de uma escuta telefónica, por reporte a um determinado período, ou as declarações prestadas por um certo número de testemunhas, na sua globalidade, não pode considerar-se cumprido o ónus, nem viabilizada a possibilidade de reapreciação da matéria de facto, pelo Tribunal de recurso.
A forma minuciosa e exigente como está previsto e regulado este tríplice ónus de especificação ilustra como o duplo grau de jurisdição da matéria de facto não implica a formulação de uma nova convicção por parte do tribunal de recurso, em substituição integral da formada pelo tribunal da primeira instância, nem equivale a um sistema de duplo julgamento, antes se cingindo a pontos concretos e determinados da matéria de facto já fixada e que, de acordo com a prova já produzida ou a renovar, devem necessariamente ser julgados noutro sentido, justamente, de harmonia com os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório da audiência de discussão e julgamento, que postulam a excepcionalidade das alterações ao julgamento da matéria de facto, feito na primeira instância e a concepção do recurso como um remédio jurídico e não como um outro julgamento (Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012. No mesmo sentido, Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005, Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).
Trata-se de colocar à apreciação do tribunal de recurso a aferição da conformidade ou desconformidade da decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados com a prova efectivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como com as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, com os princípios da prova proibida, da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, assim como, com as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (cfr. arts. 125º a 127º; 163º, 169º e 344º do CPP).
Se dessa comparação resultar que o Tribunal não podia ter concluído, como concluiu na consideração daqueles factos como provados ou como não provados, haverá erro de julgamento e, consequentemente, modificação da matéria de facto, em conformidade com o desacerto detectado. 
Porém, se a convicção ainda puder ser objectivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresentar for meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso.
Neste caso, já não haverá, nem erro de julgamento, nem possibilidade de alteração factual (Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012; Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005 Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393 e ainda, os Acs. do STJ de 12.09.2013, proc. 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de 11.06.2014, proc. 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc. 208/14.1JACBR.C1; de 13.06.2018, proc. 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc. 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc. 291/17.8JAAVR.P1, de 25.09.2019, processo 1146/16.9PBMTS.P1 e de 29.04.2020, proc. 1164/18.2T9OVR.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc. 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc. 103/15.7PHSNT.L1, de 09.07.2020, proc. 135/16.8GELSB.L1-9, da Relação de Guimarães de 08.06.2020, Ac. da Relação de Lisboa de 2.11.2021, proc. 477/20.8PDAMD.L1-5, proc. 729/17.4GBVVD.G1 in http://www.dgsi.pt).
Quanto à impugnação ampla da matéria de facto, pese embora tenha afirmado, nas motivações do recurso, que «importa pois, neste domínio, elencar com a maior objectividade e honestidade intelectual possível, as questões relativas aos pontos de facto que no entender da defesa foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, salientando que o reexame da decisão em matéria de facto em sede de recurso não se confunde com um segundo julgamento, impossível pela inexistência de oralidade e imediação», o que merece total concordância, a verdade é que, nem nas motivações, nem nas conclusões há seja que menção for, por mínima ou mais genérica que seja, a quais são, afinal, os concretos factos que o Tribunal considerou provados e que, por engano, distracção, ou inobservância do princípio da livre apreciação da prova por outra razão, deveriam ter sido dados como não provados.
Do mesmo modo, nenhuma alusão foi feita a segmentos de documentos ou a excertos dos depoimentos que o Tribunal valorou como meios de prova, para proferir a decisão de facto recorrida, para ilustrar algum erro de julgamento, nos termos em que, o ónus de impugnação especificada tal como previsto no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP é eficaz para operar a alteração da matéria de facto.
A falta de especificação dos concretos pontos da matéria de facto, só por si, já compromete totalmente a possibilidade de este Tribunal de recurso sindicar a matéria de facto fixada no acórdão recorrido, pois que a inobservância do ónus de impugnação especificada conduz à não verificação do circunstancialismo referido na al. b) do art. 431º, tornando inviável a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto.
A falta de indicação concreta, nas motivações e nas conclusões, dos excertos ou segmentos dos depoimentos e das declarações nos termos previstos no nº 3 al. b) e no nº 4 do art. 412º do CPP, que seriam aptos a demonstrar a incorrecção do julgamento do factos, conduz necessariamente à improcedência da impugnação ampla da matéria de facto, porque essa omissão ultrapassa a mera deficiência relativa apenas à formulação das conclusões, antes constituindo uma falta que afecta o próprio conteúdo daquelas, o que inviabiliza, quer a possibilidade de aperfeiçoamento dessas conclusões (cfr. Acs. do TC nºs 374/2000, 259/2002 e 140/2004, in www.tribunalconstitucional.pt; Ac. do STJ de fixação de jurisprudência nº 3/2012, de 8 de Março de 2012, publicado no D.R 1ª série, nº77, de 18 de Abril de 2012, Acs. da Relação de Évora de 08.01.2013, proc. 10/13.6ZCLSB-B.E1, da Relação de Lisboa de 8.10.2015, proc. 220/15.3PBAMD.L1-9; da Relação de Guimarães de 15.04.2020, proc. 621/19.8T9VNF.G1, in http://www.dgsi.pt), quer a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto, já que a inobservância do tríplice ónus de impugnação especificada imposto pelo art. 412º  afasta a aplicabilidade da norma contida no art. 431º al. b) do CPP.
No que se refere à prova indirecta, cumpre esclarecer o recorrente do seguinte: 
O princípio da livre apreciação da prova genericamente consagrado no artigo 127º do CPP, assenta na inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas e na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no art. 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
Este sistema de livre apreciação da prova tem várias implicações, desde logo, no que se refere ao processo de fixação da matéria de facto e da sua exposição, na decisão final, quanto à formação da convicção do Tribunal e às exigências de fundamentação da decisão de facto, nos termos previstos no art. 374º nº 2 do CPP.
A apreciação da prova é livre, mas não arbitrária. Tem de alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objectivados, à luz das máximas de experiência, do senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos, os motivos pelos quais o Tribunal valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer.
Em contrapartida, a prova indirecta é aceitável e usada como alicerce da convicção em plano de igualdade com a prova directa, desde que verificados determinados pressupostos.
Exigir a prova directa implicaria o fracasso na luta contra o crime, ou para essa consequência se evitar, o recurso à confissão, o que significaria o levar ao máximo expoente o valor da prova vinculada, taxada, e a tortura enquanto efeito à vista se a confissão redundasse em insucesso ( cfr. Carlos Clement Durán, La Prueba Penal, 1999, págs. 575 e 696 , J.M. Ascensio Mellado, in Presunção de Inocência e Prueba Indiciária, 1992, citado por Clement Durán a págs. 583).
O juízo de inferência converter-se-á em verdade convincente se a base indiciária, plenamente reconhecida mediante prova directa, foi integrada por uma pluralidade de indícios (embora excepcionalmente possa admitir-se um só se o seu significado for determinante), que no confronto outros possíveis contraindícios, estes não neutralizem a  eficácia probatória dos factos indiciantes e que a associação de uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum  sustente uma conclusão inteiramente razoável face a critérios lógicos do discernimento  humano ( neste sentido, Euclides Dâmaso Simões, em «Prova indiciária», na Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 203 e ss., José Santos Cabral, «Prova indiciária e as novas formas de criminalidade», na Revista Julgar, n.º 17, 2012, pág. 13, Marta Sofia Neto Morais Pinto, em «A prova indiciária no processo penal, na Revista do Ministério Público, n.º 128, out.-dez. 2011, pp. 185-222; Paulo de Sousa Mendes, A prova penal e as Regras da experiência, Estudos em Homenagem ao prof. Figueiredo Dias, III, p.1002).
O artigo 127º do Código de Processo Penal permite o recurso a presunções judiciais, é compatível com a presunção de inocência, consagrada no artigo 32º nº 2 da Constituição, e ainda com o dever de fundamentar as decisões judiciais, imposto pelo artigo 205º nº 1 da Constituição (Ac. Tribunal Constitucional nº 391/2015, em DR nº 224, II Série, de 16/11/2015, e Ac. do TC nº 521/2018 de 17 Out. 2018, Processo 321/2018 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20180521.html).
Tal como as presunções judiciais são meios de prova, também o princípio in dúbio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, contemplado no art. 32º nº 2 da Constituição, é um princípio de prova.
Ambos são mecanismos de resolução dos estados de incerteza, na convicção do julgador, quanto à verificação dos factos integradores de um crime.
O primeiro pressupõe que a dúvida se mantenha insanável, depois de esgotado todo o iter probatório e feito o exame crítico de todas as provas e resolve a dúvida cominando-lhe como consequência a consideração dos factos como não provados e a consequente absolvição do arguido.
A segunda, através da inferência lógico-dedutiva, a partir de indícios ou factos circunstanciais ou colaterais ao objecto do processo resolve essa dúvida contra o arguido, superando a aplicação do in dúbio pro reo, pois permite afirmar um facto desconhecido a partir de um facto conhecido, para além de qualquer dúvida razoável.
Assim, a concatenação entre os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo e o da admissibilidade da prova indirecta, através de presunções judiciais em Direito Penal, implica que as dúvidas acerca da demonstração de determinados factos, sejam resolvidas em benefício do arguido, conduzindo à sua absolvição, mas a questão da existência da dúvida e consequente aplicação deste princípio só pode colocar-se depois de esgotado todo o iter probatório, ou seja, quando o non liquet persiste, mesmo depois de analisadas todas as provas directas e de concluído todo o esforço lógico-dedutivo inerente ao apuramento dos factos através de presunções judiciais.
Lendo a decisão recorrida, a única prova indirecta que nela se vislumbra é a do dolo directo tal como caracterizado nos pontos 10. e 12. e 22. a 24., referido aos dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário.
Ora os factos base, ou seja, aqueles que fundamentam a dedução lógica para chegar ao facto desconhecido que assim passa a ser conhecido, são os que se encontram descritos, respectivamente, nos pontos 1. a 9. e 13. a 21., a par da imputabilidade do arguido acerca da qual não se coloca a mínima dúvida.
Por aplicação das regras de senso comum, que outra explicação poderia encontrar-se para o comportamento do arguido de se furtar ao contacto com os agentes da PSP, colocando o seu veículo em marcha, depois de receber a ordem de paragem, acelerando a viatura e fugindo dos locais onde começou por ser abordado pelos agentes policiais, a não ser a óbvia, de que actuou dessa forma, tendo compreendido o conteúdo e o alcance da ordem policial, nas duas diferentes datas e locais, apenas porque não queria ser detido para iniciar o cumprimento da pena de prisão em que havia sido condenado ?
Nenhuma outra.
O dolo é um fenómeno psicológico que, situando na vida interior de cada um, só é observável diretamente por quem o experiencia. Da sua natureza subjetiva, nasce a sua insusceptibilidade de apreensão directa por terceiros.
Assim como acontece em geral com os actos interiores ou factos internos, respeitantes à vida psíquica, que raramente se provam directamente, porque não são externamente observáveis, também a demonstração da existência do dolo é frequentemente feita por inferência ou dedução lógica, partindo dos factos conhecidos que são os modos de execução dos tipos de crime, associados à capacidade de discernimento e à liberdade de vontade do autor desses factos e demais circunstâncias que contextualizam a prática do crime.
E, assim se prova o dolo, com base em prova indirecta, tão válida quanto seria, caso o arguido tivesse confessado integralmente e sem reservas os factos.
   «A prova do dolo faz-se, normalmente, de forma indirecta, com recurso a inferências lógicas e presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às chamadas máximas da vida e regras da experiência, pelo que, na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos que realizam um tipo objectivo de crime e ter consciência do seu carácter ilícito, a prova terá de fazer-se por ilações, a partir de indícios, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente.» (Ac. da Relação de Lisboa de 15.12.2015, processo 200/15.9PBOER.L1-5. No mesmo sentido Ac. da Relação do Porto de 18.03.2015, processo 400/13.6PDPRT.P1, de 31.10.20218, proc. 423/16.3PBVLG.P1, da Relação de Lisboa de 09.07.2020, proc. 135/16.8GELSB.L1-9, da Relação do Porto de 10.11.2021, proc. 229/19.8GCVFR.P1in http://www.dgsi.pt).
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a respeito do silêncio do arguido e das presunções judiciais e tendo presente o artigo 6º da CEDH no seu acórdão de 20.03.2001 (Caso Telfner c. Áustria), também considerou que «as presunções legais (de culpa) e o juízo que se faça do silêncio do arguido não são, em regra e só por si, incompatíveis com a presunção de inocência», tal como o Tribunal Constitucional português também vem decidindo ( Acs. Tribunal Constitucional nº 391/2015, em DR nº 224, II Série, de 16/11/2015, e nº 521/2018 de 17 Out. 2018, Processo 321/2018 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20180521.html).
Em face do que fica exposto, a impugnação ampla da matéria de facto tem de ser julgada improcedente e a apreciação deste Tribunal tem de ficar restringida à verificação dos vícios decisórios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que são de conhecimento oficioso.
Diz o recorrente que a sentença padece de insuficiência da matéria de facto para a decisão.
O art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal, estabelece a possibilidade de o recurso se fundamentar na insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; na contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, ou no erro notório na apreciação da prova, «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito».
Trata-se de vícios estruturais cuja apreciação não envolve nem pode envolver qualquer sindicância à prova produzida, no Tribunal de primeira instância, porque só o texto da decisão recorrida os pode evidenciar. Referem-se apenas à forma como a decisão se encontra redigida, pelo que a indagação da sua existência faz-se, exclusivamente, a partir da análise do respectivo texto, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, ainda que constem do processo, com excepção das regras de experiência comum.
Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento (Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
A insuficiência da matéria de facto para a decisão, verifica-se sempre que a conclusão extravase as premissas, em virtude de a matéria de facto provada e não provada ser insuficiente para fundamentar decisão, segundo as diversas soluções de direito potencialmente aplicáveis e de essa insuficiência ser resultante da inobservância dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, ou seja, quando após o julgamento e por não se encontrarem esgotadas todas as possibilidades de investigação dos factos relevantes para a decisão final, persista uma incerteza sobre se os factos que resultaram exarados no texto da decisão preenchem ou não a descrição típica de um crime, ou de uma circunstância modificativa agravante ou atenuante, de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, de circunstâncias relevantes para a escolha e determinação concreta da pena, ou antes, se alicerçam um estado de dúvida gerador de uma absolvição, por aplicação do princípio in dubio pro reo (que assenta na insuficiência da prova produzida, mas não da actividade de investigação e recolha dessa prova, pois que pressupõe a plena observância do princípio da descoberta da verdade material quanto aos factos que integram o objecto do processo, logo, a realização de todas as diligências probatórias pertinentes e admissíveis).
«Quanto ao vício previsto pela al. a), do n.º 2, do art. 410.º, do CPP - a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - este só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorreta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.» (Ac. do STJ de 12.04.2018, processo 140/15.1T9FNC.L1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada tem lugar quando a factualidade dada como provada na decisão se revela insuficiente para fundamentar a solução de direito alcançada e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto que, sendo relevante para a decisão final, podia e devia ter investigado.» (Ac. da Relação de Coimbra de 24.04.2018, processo 1086/17.4T9FIG.C1, in http://www.dgsi.pt).
«Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal». (Ac. da Relação de Coimbra de 12.06.2019, processo 1/19.5GDCBR.C1, in http://www.dgsi.pt).
 «Ao tribunal compete efectivamente realizar todas as diligências de prova que tiver por necessárias para o apuramento da verdade dos factos constantes da acusação, ao abrigo do disposto no citado art.º 340º, afigurando-se relevante desde logo neste caso a audição do arguido para habilitar o julgador a uma decisão justa, cuja presença havia sido dispensada no início da audiência, por se considerar não ser a sua presença desde o início imprescindível para a descoberta da verdade (art.º 333º, nº 1, do CPP).
«O Tribunal a quo ao assim não ter procedido violou o princípio de investigação oficiosa no processo penal, nos termos do citado art. 340º, incorrendo assim a sentença no vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a), do CPP- de  insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - tendo o Tribunal partido erradamente para a integração dos factos imputados ao arguido num outro tipo legal de crime, sem antes realizar todas as diligências tidas por necessárias para o apuramento da verdade dos factos constantes da acusação.» (Ac. da Relação de Lisboa de 15.07.2020, processo 189/17.0PAAMD.L1-3. No mesmo sentido, Acs. da Relação de Lisboa de 20.02.2021, processo 18/17.4PESXL.L1.-3 e de 03.03.2021, processo 257/18.0GCMTJ.L1-3, todos, in http://www.dgsi.pt).
Lendo o texto da decisão recorrida, nem por si só, nem conjugado com as regras de experiência, se detecta nele qualquer deficiência ou omissão, no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de mérito.
Como refere e muito bem a Exma. Magistrada do Mº. Pº., na sua resposta ao recurso, em primeira instância, a Mma. Juíza apreciou, decidiu e tomou posição expressa sobre todos e cada um dos factos que integram o objecto do processo, tal como o mesmo foi descrito e delimitado na acusação e na contestação, assim como em relação àqueles factos que resultaram da própria discussão da causa, em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos permitidos pelo art. 339º nº 4 do CPP.
Não se verifica, pois, qualquer vício decisório, nem de insuficiência, nem de contradição insanável, nem de erro notório, pois que nada no texto da sentença, nem isoladamente considerado nem por referência a regras de experiência comum, permite afirmar que tenha sido retirada de um facto dado como provado alguma conclusão logicamente inaceitável, ou que tenha sido considerado demonstrado algo que esteja notoriamente errado, nem se descortina algum facto dado como provado que seja incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto contido na sentença recorrida, nem qualquer violação das regras sobre o valor da prova vinculada, regras da experiência ou «legis artis».
De resto, o recorrente parece confundir o vício da insuficiência, com o erro de direito, por achar que os factos considerados provados não preenchem os elementos constitutivos do tipo previsto no art. 347º nº 1 do CP, mas também sem razão.
Do teor literal da norma incriminadora contida no art. 347º do CP, bem como da sua inserção sistemática, conclui-se que o bem jurídico que a lei quis proteger não é a integridade física ou a liberdade de actuação dos funcionários ou membros da forças armadas, militarizadas ou de segurança, como bem pessoal (que é objecto de tutela, nos termos do art. 143º, com a possível qualificação resultante do disposto no art. 146º nº 2, com referência ao art. 132º nº 2 al. j) do Código Penal).
Objecto da tutela penal é antes o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade de actuação daqueles seus funcionários ou agentes, no exercício legítimo das suas funções, posta em causa pelo emprego de violência ou ameaça grave contra eles, «é a autonomia intencional do Estado, protegida de ataques vindos do exterior da Administração pública. Pretende evitar-se que não-funcionários ponham entraves à livre execução das "intenções" estaduais, tornando-as ineficazes» (Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense, Tomo III, Coimbra Ed., 2001, pág. 339), ou seja, a «necessidade de que os agentes públicos que atuam ao serviço dos cidadãos, gozem da possibilidade de desempenhar as suas funções de garantia e proteção sem interferências nem obstáculos, sempre que atuem no exercício legítimo do seu cargo. Caso contrário, ressentir-se-ia a convivência cidadã que ver-se-ia seriamente afectada por acções que supõem um perigo para a mesma e que devem ser atacadas e perseguidas» (Gonzalo Quintero Olivares (Director), Fermín Morales Prats (Coordinador), Comentarios a la Parte Especial del Derecho Penal, STS 4 junio [RJ 2000, 5240]) Vide:–8ª Ed., Aranzadi, Thomson Reuters, pág. 2066. No mesmo sentido, José Luís Lopes da Mota, «Crimes Contra a Autoridade Pública», Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, Vol. II, CEJ, 1998, p. 413 e ss. e Acs. do STJ de 28.04.99, CJ, Tomo II, p. 193 e de 25.09.2002, in C. J., ASTJ, Tomo III, pág 182; Ac. Rel. Évora de 19.02.2002, in C.J., Tomo I, pag. 278; Ac. Relação do Porto de 21.09.2005 in http://www.dgsi.pt; Acs. do STJ de 12.02.2004, CJ (STJ), Tomo I, pág. 200; de 18.02.2004, CJ (STJ), Tomo I, pág. 205 e de 04.01.2007, in http://www.dgsi.pt).
Trata-se, pois, de um crime de perigo comum, com referência às específicas qualidades do sujeito passivo deste crime e de mera actividade, para cuja consumação basta a prática da acção coactora susceptível de anular ou comprimir a capacidade de actuação do funcionário, mesmo que esse resultado concreto não venha a verificar-se.
Essencial é que a acção violenta ou ameaçadora seja idónea, à luz do pensamento fundamental da teoria da causalidade adequada, para atingir de facto o seu destinatário ou destinatários, isto é, que essa acção tenha em si mesma, a virtualidade de impedir o funcionário ou agente do Estado de concretizar a actividade por este prosseguida.
«La gravedad de la intimidación y la resistência debe medirse com un critério objetivo, teniendo en cuenta las circunstancias de cada caso» (Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte Especial, 18ªEdição, Valencia 2009, pág.820).
«A acção de violência ou ameaça deve ser adequada ao resultado do constrangimento (isto é, à ação, omissão ou tolerância de uma atividade). Neste juízo de adequação devem ser ponderadas, por um lado, as características físicas e psíquicas da pessoa vítima do constrangimento e do agente do crime e, por outro lado, as competências técnicas da vítima para resistir à violência, como é o caso de agentes de autoridade (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da CRP e da CEDH, Universidade Católica Editora, Lx. 2008, pág. 417. No mesmo sentido, Ac. da Relação de Coimbra de 8.09.2010, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Ac. da Relação do Porto de 27.06.2012, proc. 268/11.7GAVLC.P1; da Relação do Porto de 17.04.2013 proc. 597/12.2GCOVR.P1 in http://www.dgsi.pt; Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, pág. 339 e segs.).
Assim, quando o sujeito passivo da acção constrangedora seja membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, o critério objectivo individual que permite aferir da idoneidade ou adequação da ameaça ou da violência, tem por referência, não o homem comum, mas pessoas dotadas de uma específica capacidade de aguentar pressões e dotadas de instrumentos de defesa que não são acessíveis ao cidadão médio.
«O grau de violência ou ameaça necessários para que se possa considerar preenchido o tipo não há-de medir-se, por conseguinte, pela capacidade de afectar a liberdade física ou moral de acção de um homem comum (…) hão-de ter-se em conta não apenas as eventuais sub-capacidades do coagido ou ameaçado, mas talvez, sobretudo, as suas “sobre – capacidades”» (Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. III, p. 341).
No tipo estão compreendidas quer as condutas criminosas adequadas a impedir o início de execução de um acto de autoridade do Estado (no sentido objectivo, de poder legal e funcional de impor um determinado comportamento), seja para se lhe opor, seja para constranger à sua efectivação de forma contrária aos deveres do agente de força militarizada, armada ou de segurança, quer as que se reportam à suspensão de um acto já em execução.
Na previsão legal está abrangida uma vasta gama de acções, mas todas necessariamente enquadráveis ou como violência ou como ameaça grave, já que se trata de um tipo de crime de execução vinculada.
Por regra, o meio de execução deste tipo de crime, dada a sua natureza de crime de execução vinculada e de harmonia com o princípio da intervenção mínima do direito penal, para ser subsumível à violência e/ou a ameaça grave previstas neste art. 347º hão-de ser, pelo menos, aqueles actos que por si só integrem outros tipos de crime que ponham em causa a integridade física ou a liberdade de actuação de outrem, nomeadamente, ameaça, ofensas corporais, homicídio, coacção, sequestro, etc.
A violência consiste em todo o acto de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir o funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança, mas embora também a inclua, não tem de se traduzir, necessariamente, na prática de uma ofensa corporal de qualquer natureza, podendo manifestar-se por qualquer forma e através de um qualquer meio, ainda e sempre, desde que apto ao resultado antijurídico (cfr., nesse sentido, Ac. da Relação do Porto de 29.03.1995, CJ, Tomo II, p. 232; Acs. da Rel. de Coimbra, de 10.09.2002 e de 13.12.2006 Ac. da Relação de Coimbra de 26.09.2007; Ac. da Relação do Porto de 21.09.2005; da Relação de Coimbra de 21.01.2009, proc. 525/06.4GCLRA.C1 in http://www.dgsi.pt.; da Relação de Coimbra de 06.10.2010, in JusNet 5582/2010; da Relação de Coimbra de 07.03.2012, in JusNet 1855/2012; da Relação do Porto de 27.06.2012, proc. 268/11.7GAVLC.P1; da Relação de Guimarães de 02.12.2013, proc. 1734/11.0TAVCT.G1; Ac. da Relação de Évora de 18.02.2014, proc. 183/11.4PFSTB.E1; Ac. da Relação de Lisboa de 22.05.2014 proc. 970/08.0PEOER.L1-9; da Relação de Coimbra de 09.09.2015, proc. 234/12.5PANZR.C2, in http://www.dgsi.pt; Simas Santos e Leal Henriques C.P. Anotado Vol. II, 1996, pág. 1083; Carlos Suárez-Mira Rodríguez, in ‘Manual de Derecho Penal. Tomo II. Parte Especial, págs. 644 e segs).
Já a ameaça como meio de execução do crime de coacção tem as mesmas características que a ameaça relevante para a incriminação pelo art. 153º do Código Penal – o anúncio de um mal, dirigido quer à pessoa (integridade física, honra ou consideração pessoais), quer ao património do visado, que seja futuro, o que vale por dizer, que não esteja iminente ou em começo de execução (sob pena, de se tratar de tentativa de execução do próprio acto violento) e que a ocorrência desse mal dependa da vontade do próprio agente, segundo um critério objectivo-individual, que atenda, por um lado, às características gerais e comuns do chamado «homem médio» e, por outro, às condições específicas (idade, sexo, sensibilidade pessoal e social, estado de saúde) da pessoa concretamente ameaçada. 
Tudo isto, pressupondo, como não poderia deixar de ser, a legitimidade e legalidade formais e substanciais das ordens ou dos actos dos órgãos de polícia criminal, ou outros agente de forças armadas, de segurança ou militarizadas.
«A circunstância do legislador de 95 ter eliminado do tipo a exigência de legitimidade do acto funcional não significa o acolhimento do princípio da autoridade, obrigando ao acatamento de qualquer ordem emanada de autoridade pública, legítima ou ilegítima. Antes representa o reconhecimento de que uma interpretação do tipo à luz do bem jurídico protegido e conforme à Constituição impõe a justificação da resistência a ordem manifestamente ilegítima» (Ac. da Relação de Coimbra de 28.05.2008, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense, Tomo III, pág. 342 e 343).
Com efeito, o art. 21º da Constituição consagra o direito de resistir contra ordem ilegítima, o que constitui causa de exclusão da ilicitude, nos termos do art. 31º nº 2 al. b) do Código Penal (nesse sentido, Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa, Coimbra Ed., 3ª ed., pág. 166).
A imputação subjectiva é feita com base no dolo, o qual consiste na «vontade livre e consciente de empregar violência ou ameaça grave para efeitos de obter do funcionário a acção ou omissão pretendida.
Ora, tanto os actos descritos nos pontos 1. a 9., praticados no dia 27 de Agosto de 2017, como os actos descritos em 13. a 21., ocorridos em 17 de junho de 2019, correspondem a formas de violência física e intimidação sobre os agentes da autoridade policial, agindo estes, nessa mesma qualidade, logo, aptas a neutralizar a autonomia funcional daqueles agentes da PSP e até de os atingir na sua integridade física, dado o acentuado risco de atropelamento de todos aqueles agentes que resultou da colocação em marcha e aceleração das viaturas por si conduzidas, naquelas circunstâncias, depois de ter recebido ordem expressa para parar.
O modo como conduziu o veículo automóvel, após ter recebido as ordens de paragem, materializa a tal violência física pré-ordenada a impedir LT__ e JS__  e JS__ de agirem nas suas qualidades de agentes da PSP, dotados dos poderes legais para o deter em flagrante delito, visando alcançar o sucesso da sua detenção para cumprimento de uma pena de prisão e escapar à acção da Justiça, como, de resto conseguiu, pelo menos, durante algum tempo, o que demonstra a adequação do modo de acção escolhido, para obstaculizar a intervenção daqueles membros da PSP, no exercício das suas funções de OPC e por causa delas.
Na medida em que, além da idoneidade dos meios de execução, naquelas duas diferentes datas e locais, ainda se provou que o arguido quis impedir que LT__ e JP__  e JS__ o detivessem para cumprimento dos referidos mandados de detenção e condução para cumprimento de pena de prisão e que agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta não era permitida e era punida por lei penal, estão integralmente consumados os crimes de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º do CP.
A decisão da matéria de facto é suficiente para a decisão de direito e dos factos provados resultam verificados todos os elementos do tipo, quanto a ambos os crimes pelos quais o arguido foi condenado.
Relativamente à decisão de não suspender a execução da pena de prisão que lhe foi imposta, o recorrente veio ainda afirmar algo que nem sequer corresponde à tramitação do presente processo, nas conclusões 12. a 14., pois que, o que o Ilustre Defensor do arguido fez, foi precisamente prescindir da marcação de uma outra data, para o fim de o arguido prestar declarações, o que, não fora a natureza específica da presente jurisdição e a circunstância de a conduta processual das partes em direito penal e processual penal não ser sancionável com a litigância de má-fé, até daria lugar à imposição de uma multa, por faltar notoriamente à verdade.
De qualquer forma, sempre constitui um manifesto abuso do direito ao recurso, pelo que, sem mais considerandos, neste ponto, a apreciação do mérito do recurso cingir-se-á ao acerto da decisão de não suspensão da execução da pena de prisão.
A pena única aplicada, após cúmulo jurídico das duas penas parcelares aplicadas ao arguido por cada um dos dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário foi de 3 (três) anos e 1 (um) mês de prisão.
Constituí princípio fundamental do sistema punitivo do Código Penal, o da preferência fundamentada pela aplicação das penas não privativas da liberdade, consideradas mais eficazes para promover a integração do delinquente na sociedade e dar resposta às necessidades de reprovação e de prevenção geral e especial.
 Em diversos preceitos se encontram afloramentos de tal princípio, designadamente, no instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no art. 50º.
A suspensão da execução da pena constituí uma dessas medidas de conteúdo pedagógico e ressocializante que exige, para além da moldura concreta inferior a cinco anos de prisão, que o Tribunal formule um juízo favorável ao arguido, no sentido de considerar provável que a simples censura da sua conduta e a ameaça da pena são suficientes para que ele não volte a cometer crimes e para satisfazer as exigências de reprovação e prevenção da criminalidade.
Para esse efeito, deverão ser tidas em atenção as condições pessoais do arguido, a sua personalidade e conduta anterior e posterior aos factos, bem como as circunstâncias em que estes foram praticados.
No caso vertente, a opção da Mma. Juíza foi pela aplicação da pena de prisão efectiva e é contra esta opção que o arguido se insurge.
Antes de mais, cumpre sublinhar que a actividade jurisdicional de escolha e determinação concreta da pena não corresponde a uma ciência exacta, sendo embora vinculada a critérios legais, pelo que, só em casos em que se justifiquem alterações significativas, resultantes da inobservância ou de algum desvio importante a tais critérios normativos, a regras de experiência, ou pela sua evidente desproporção ao grau de culpa e às exigências de prevenção geral e especial, na respectiva quantificação, é que o tribunal de recurso deve alterar as penas concretas. Até, porque além de uma certa margem de prudente arbítrio na fixação concreta da pena, também em matéria de aplicação da pena o recurso mantém a sua natureza de remédio jurídico, não envolvendo um novo julgamento (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime 1993, §254, p. 197; Acs. do STJ de 15.12.2011, proc. 17/09.0TELSB.L1.S1; de 05.12.2012, proc. 250/10.1JALRA.E1.S1; de 5.06.2013, proc. 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª; de 11.06.2014, proc. 14/07.0TRLSB.S1-3.ª, in http://www.dgsi.pt).
«Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar» (Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. 10/18.1PELRA.S1. No mesmo sentido Ac. do STJ de 3.11.2021, proc. 206/18.6JELSB.L2.S1, ambos in http://www.dgsi.pt).
«A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares» (Ac. da Relação de Lisboa de 11.12.2019, proc. 4695/15.2T9PRT.L1-9, in http://www.dgsi.pt).
E o que acaba de dizer-se também vale para o regime de cumprimento da pena, designadamente, para a decisão de aplicar ou não aplicar o instituto da suspensão da execução.
 A Mma. Juíza não se limitou a fundamentar a sua decisão de não aplicar o disposto no art. 50º do CP, apenas no facto de o arguido não ter confessado, diversamente do que vem invocado no recurso.
Antes, explicou assim, os motivos pelos quais entendeu que o arguido deve cumprir esta pena em ambiente prisional (transcrição parcial):
«No caso sub judice importa ter em conta que à data dos factos o arguido já havia cumprido uma pena de prisão, tendo-lhe sido concedida liberdade condicional em 13-03-2012, praticou em 2013 e 2014 factos pelos quais veio a ser condenado pela prática de crimes de rapto, roubo qualificado, extorsão e roubo, numa pena de 7 anos e 2 meses de prisão. Pena em relação à qual os agentes da PSP estavam a actuar com vista ao seu cumprimento e que havia transitado em julgado em 31-03-2017.
«Consta do relatório social elaborado pela DGRSP que o arguido apresenta necessidades de intervenção aos níveis pessoal, laboral e social. As suas características pessoais associadas aos défices de pensamento consequencial e alternativo e à capacidade reflexiva limitada, fundamentalmente relacionadas com a baixa interiorização do interdito e das convenções que, entendemos, evidencia, constituíram fatores potenciadores dos comportamentos desviantes, aspetos que ainda não se encontram minorados, pelo que, comprometedores de um processo de ressocialização responsável.
«O arguido não confessou os factos em causa nos autos, não demostrando assim censura pelo comportamento praticado.
«Não se afigura, assim, possível fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, pelo que não se suspende a pena de prisão em que o arguido é condenado.»
Pese embora, não se concorde com a afirmação «o arguido não confessou os factos em causa nos autos, não demostrando assim censura pelo comportamento praticado», porque a circunstância de não ter confessado não consente a conclusão de que o arguido não revela capacidade de autocensura, na medida em que do silêncio do arguido, que é uma manifestação do seu direito a não se auto incriminar, não pode, nem deve retirar-se seja que efeito jurídico, a verdade é que o seu passado criminal, no qual avultam diversas condenações em penas efectivas de prisão, por crimes graves como o de roubo, rapto e extorsão e por períodos significativos, revela, por um lado, a naturalidade e a facilidade com que o arguido lida com o uso da violência dirigida a terceiros e, por outro lado, o fracasso das penas de prisão efectiva já sofridas e cumpridas para o dissuadir da prática de ulteriores crimes.
Somam-se as suas características de personalidade reveladas, quer nos factos objecto deste processo, quer no ponto 26. da matéria de facto provada, especialmente, nas referências a que o arguido revela «défices de pensamento consequencial e alternativo e à capacidade reflexiva limitada, fundamentalmente relacionadas com a baixa interiorização do interdito e das convenções que, entendemos, evidencia, constituíram fatores potenciadores dos comportamentos desviantes, aspetos que ainda não se encontram minorados, pelo que, comprometedores de um processo de ressocialização responsável», o que demonstra a sua fraca sensibilidade aos valores éticos e jurídicos que são indispensáveis ao convívio social em liberdade, quer a sua falta de preparação para assumir de forma consistente e estável um comportamento conforme à ordem jurídica.
E sendo assim, não há prognose favorável possível.
A simples censura do facto e a ameaça da pena que subjazem ao instituto da suspensão previsto no art. 50º do CP, mesmo que acompanhado de injunções, regras de conduta ou mesmo regime de prova seriam manifestamente inadequadas e insuficientes para a censura jurídico-penal dos factos objecto deste processo, por ficarem muito aquém do grau de culpa do arguido e das exigências de prevenção geral e especial.
O recurso improcede, pois, na totalidade.

III – DECISÃO
Termos em que decidem:
Negar provimento ao presente recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas pelo arguido recorrente, fixando a Taxa de Justiça em 4 UCs – art. 513º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mma. Juíza Adjunta.

Tribunal da Relação de Lisboa, 18 de Maio de 2022
Cristina Almeida e Sousa
Florbela Sebastião e Silva