REVISTA EXCECIONAL
Sumário


I- A questão da determinação do montante da retribuição durante as férias dos trabalhadores em situação de redução ou suspensão do contrato de trabalho não é inédita e não tem suscitado especial debate doutrinal ou jurisprudencial que torne claramente necessária a intervenção deste Tribunal para uma melhor aplicação do direito.
II- Não causa um particular alarme social ou falta de confiança na justiça o facto de as instâncias terem decidido que “ao trabalhador cujas férias sejam antecedidas pela situação excecional de redução do período normal de trabalho – nomeadamente por força do regime do Lay off simplificado decorrente da prescrição efetuada no DL 10-G/2020 de 26/03 – é devida, a título de retribuição do período de férias, a de valor equivalente à da retribuição reduzida ou seja, a retribuição seguirá o regime de retribuição que estiver a ser praticado por força da redução do tempo de trabalho”

Texto Integral




Processo n.º 20790/20.3T8LSB.L1.S1

Acordam na Formação prevista pelo artigo 672.º, n.º 3 do CPC junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

SITAVA – Sindicato dos Trabalhadores de Aviação e Aeroportos veio interpor recurso de revista excecional relativamente a um segmento do Acórdão recorrido, que identifica como a questão A das questões decididas pelo Acórdão recorrido, respeitante à determinação do montante da retribuição durante as férias dos trabalhadores em situação de redução ou suspensão do contrato de trabalho.

Invoca, para o efeito, as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC e fundamenta a sua pretensão afirmando o seguinte:

“A matéria em causa nos presentes autos - aqui se dando por reproduzidos os factos provados - nos termos do art. 672.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C, é relativa a interesses de particular relevância social.

Por um lado, está em causa a aplicação do direito fundamental à “retribuição do trabalho ”, previsto no art. 59º, nº 1, alínea a ) da Constituição da República Portuguesa (CRP), e também o direito a “ férias periódicas pagas” , previsto na alínea d ), da mesma norma.

Há que atender ao facto de as questões sub judice serem relativas a direitos com expressão na generalidade da população a quem é aplicável do Código do Trabalho.

Nas palavras do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/10/2010, proferido no âmbito do processo nº 3959/09.9TBOER.L1.S1 (www.dgsi.pt), trata-se de caso “ em que há um invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visam regular ”, e em que existe “ um interesse comunitário que, pela sua particular importância” pode levar, “ por si só, à admissão da revista por os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto.”

Pelas mesmas razões, nos presentes autos estão em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, verificando-se assim o pressuposto do referido art. 672º, nº 1, alínea a), do CPC.

Pelo que, na parte do douto acórdão relativa à retribuição das férias gozadas em Lay-off - apreciação do recurso de apelação do Autor - verificam-se os pressupostos de recorribilidade previstos no nº 1, alíneas a) e b), do art. 672º do C.P.C. devendo o presente recurso ser admitido considerando esse pressuposto, inerente à revista excecional”.

E idêntica fundamentação se encontra nas Conclusões 1.ª a 15.ª do recurso de revista.

O Recorrido contra-alegou, sustentando, quanto a este segmento do recurso que a revista excecional não deveria ser admitida.

Cumpre apreciar.

A revista excecional é, como o seu próprio nome já indica, uma revista que não se deve vulgarizar ou banalizar.

O Recorrente invoca, como fundamento da revista excecional, duas das alíneas, a alínea a) e a alínea b), do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

A alínea a) exige que “esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. A letra da norma é patentemente restritiva: há-se tratar-se de uma situação em que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça seja “claramente necessária”. Ora não se vislumbra razão no caso concreto para que tal suceda. Como o Recorrido observa, nas suas contra-alegações, a questão revela-se pacífica e não tem suscitado controvérsia doutrinal ou jurisprudencial. A questão não é inédita, nem se revela particularmente complexa.

A alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º, por seu turno, exige que “estejam em causa interesses de particular relevância social”. Mais uma vez a fórmula legal é restritiva, exigindo não apenas relevância social, mas “particular” relevância social. A mera circunstância de estarem em jogo direitos constitucionalmente protegidos, como o direito à retribuição e o direito a férias, não é suficiente para ser necessária, ao abrigo desta alínea, a intervenção deste Tribunal. Com efeito, não se vê que cause um particular alarme social ou falta de confiança na justiça o facto de as instâncias terem decidido que “ao trabalhador cujas férias sejam antecedidas pela situação excecional de redução do período normal de trabalho – nomeadamente por força do regime do Lay off simplificado decorrente da prescrição efetuada no DL 10-G/2020 de 26/03 – é devida, a título de retribuição do período de férias, a de valor equivalente à da retribuição reduzida ou seja, a retribuição seguirá o regime de retribuição que estiver a ser praticado por força da redução do tempo de trabalho”. Como o Tribunal da Relação refere, a lei pode tratar diferentemente o montante da retribuição propriamente dito e o montante do subsídio de férias e a redução da retribuição durante as férias, dentro de certos limites, é coerente com a teleologia da suspensão ou lay-off.

Em consequência, não se admitindo o presente recurso de revista excecional, deverá ser conhecida a parte remanescente, relativamente à qual não existe dupla conformidade, devendo os autos ser enviados ao Relator.

Não se admite a presente revista excecional.

Sem custas pelo Recorrente, por delas estar isento.

Lisboa, 1 de junho de 2022

Júlio Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Mário Belo Morgado