JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário


I- Para que uma falta seja justificada é necessário não só que exista um motivo justificativo e que o trabalhador o prove quando tal lhe for exigido pelo empregador, mas também que a ausência, quando previsível, seja comunicada ao empregador com a indicação do motivo justificativo com a antecedência legalmente prevista.
II- O não cumprimento da obrigação de comunicação tempestiva torna as faltas injustificadas.
III- Embora a existência de cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil não constitua uma justa causa automática de despedimento, a parte final da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho introduz um desvio à cláusula geral do n.º 1 porque dispensa o empregador de invocar qualquer prejuízo ou risco grave.
IV- Assim, não se deve considerar desproporcionada a sanção do despedimento, só porque o empregador não conseguiu provar o referido prejuízo ou risco, já que a justa causa existe independentemente destes.
V- Verificando-se uma violação reiterada do dever de comunicação das faltas, que conduziu á existência de cinco faltas injustificadas seguidas (e, aliás, também, de dez faltas injustificadas interpoladas) no mesmo ano civil, sem que dos factos provados conste qualquer circunstância que permita mitigar a culpa do trabalhador existe justa causa de despedimento.

Texto Integral




Processo n.º 3998/19.1T8VIS.C1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Relatório

AA intentou ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra CTT- Correios de Portugal S.A., impugnando o despedimento que lhe foi comunicado por escrito na sequência de procedimento disciplinar pela entidade empregadora e requerendo a declaração de ilicitude do despedimento.

A Ré apresentou articulado motivador do despedimento e juntou o processo disciplinar nos termos do artigo 98.º-J do Código de Processo de Trabalho, pugnando pela declaração de licitude do despedimento e, consequentemente, pela sua absolvição.  Subsidiariamente, nos termos do artigo 390º, n º 2, al. a) do CT requereu a dedução no montante das retribuições intercalares as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento. Alegou, em suma, que o Autor foi despedido com justa causa, porquanto assumiu um comportamento grave, quebrando a confiança necessária à manutenção do vínculo laboral, ao faltar injustificadamente ao trabalho nos dias 21, 22 e 23 de janeiro, 22, 23, 24, 26 e 29 de abril e 20 e 21 de maio de 2019.

O Autor apresentou contestação e reconvenção nos termos do artigo 98º-L, nºs 1 e 3 do C.P.T., cujo teor clarificou por requerimento a fls 280 e 281, requerendo que o tribunal decida condenar a Ré a:

a) Reconhecer a ilicitude do despedimento, julgando procedente a ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento;

b) Reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, ou em substituição, a pagar-lhe uma indemnização, correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, contabilizada desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da decisão e que por ora se fixa em € 16.216,20;

c) No pagamento das retribuições acrescidas das diuturnidades vencidas e vincendas que o Autor deixou de auferir, contabilizadas desde a data do despedimento e até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a declarar a ilicitude do despedimento em causa, tudo acrescido dos juros de mora à taxa legal, sendo as vencidas até à data da apresentação da contestação no montante de € 4.319,55.

d) No pagamento do montante de € 863,91 a título de férias, no montante de € 772,20 a título de subsídio de férias; € 563,32 a título de proporcionais de férias; e €503,52 a título de proporcional de subsídio de férias e € 563,32 a título de subsídio de natal, tudo no montante de € 3.266,27.

e) No pagamento da quantia de € 15.000 a título de compensação por danos não patrimoniais;

f) Nos juros vincendos a partir da citação e até integral e efetivo cumprimento da sentença judicial.

Fundamenta a sua pretensão, sustentando, em suma, que, (i) o despedimento é ilícito; (ii) que estão em dívida créditos laborais; e (iii) o despedimento agravou o estado de depressão em que o Autor se encontrava.

A Ré apresentou resposta.

Em 11.12.2020, foi proferida Sentença na qual se decidiu o seguinte:

“I - Julga-se o requerimento inicial improcedente, por não provado e, em consequência absolve-se a ré de tal pedido.

II – Julga-se a ação procedente, por provada e em consequência julga-se a licitude e regularidade do despedimento promovido pela ré.

III – Julga-se a reconvenção improcedente, por não provada e, em consequência absolve-se a ré dos pedidos reconvencionais formulados.”

Inconformado, AA interpôs recurso de apelação.

Pelo Tribunal da Relação ... foi considerado parcialmente procedente o recurso, decidindo-se o seguinte:

“(…) acorda-se em revogar a sentença recorrida em conformidade e, em consequência:

1 – Declara-se ilícito o despedimento de que foi alvo o trabalhador AA;

2 – Condena-se a empregadora CTT – Correios de Portugal, SA a reintegrar o trabalhador no seu local de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e a pagar ao mesmo as retribuições (com os componentes supra descritos) que o mesmo deixou de auferir desde a data do despedimento (26/08/2019) até ao trânsito em julgado da presente decisão, no que vier a ser liquidado no respetivo incidente, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data do trânsito em julgado da decisão que proceda à respetiva liquidação, até integral e efetivo pagamento e,

3 – No mais, em manter a sentença recorrida”.

Em 06.07.2021, foi proferido Acórdão pela Conferência que julgou improcedente a nulidade invocada pelo empregador, mantendo o acórdão recorrido.

Foi agora o empregador quem veio interpor recurso de revista com as seguintes Conclusões:

I. O Tribunal a quo declarou o despedimento por facto imputável ao trabalhador, ora recorrido, como ilícito, e, em consequência, decidiu revogar a douta sentença prolatada pelo tribunal de primeira instância, pois considerou, basicamente, não estar preenchido o número 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho (doravante, brevitatis causa, CT), ou seja, os consabidos conceito legal/cláusula geral de justa causa de despedimento.

II. Pese embora se tenha reconhecido a atuação culposa do trabalhador/recorrido e a violação de deveres jurídico-laborais por parte daquele, entendeu-se no acórdão ora colocado em crise que a sanção disciplinar de despedimento que foi aplicada "não se mostra proporcional à gravidade do seu comportamento", invocando-se, tão-só, o número 1 do artigo 330.º do CT.

III. Consequentemente, considerou-se que uma sanção conservatória do contrato de trabalho celebrado entre as partes"[...] seria a mais adequada já que se nos afigura suficiente para repor o normal desenvolvimento da relação laboral, devendo, assim, prevalecer o interesse na permanência do contrato".

IV. Salvo o devido respeito, não se poderia estar mais em desacordo e dessintonia com o douto aresto recorrido do que aquilo que estamos.

V. Precipuamente porque, e entre outros vícios, ele é violador, por erro de interpretação e de aplicação, de várias normas legais constantes do CT — mais precisamente dos artigos 330.º, n.º 1, 351.º, n.º 1, n.º 2, alínea g), e n.º 3, e 357.º, n.º 4.

Outrossim,

VI. Sofre, ao nível do silogismo judiciário, de contradição lógica entre as premissas e a conclusão, dado que os fundamentos de facto e de direito que são nele aduzidos, estão em clara oposição com a decisão prolatada, o que, como bem se sabe, é causa de nulidade (ex v/da remissão operada pelo artigo 666.º, n.º 1, para o artigo 615, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Civil).

Com efeito,

VII. O Tribunal a quo vem considerar as faltas que foram dadas pelo trabalhador, ora recorrido, como faltas injustificadas, por violação dos deveres de assiduidade (ex v/do artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do CT) e de comunicação de ausências (ex vi do artigo 253.º do CT), dado que, no término dos períodos temporais constantes dos certificados de incapacidade temporária para o trabalho, aqueloutro não regressava ao trabalho, nem, tampouco, comunicava à sua entidade empregadora, ora recorrente, que se manteria em situação de baixa médica.

VIII. Mais resultou provado que o trabalhador/recorrido só vários dias depois de os certificados estarem na sua posse é que se dirigia às instalações da ora recorrente para os entregar, sendo que, esta última, nesse intervalo de tempo, nada sabia acerca do seu paradeiro.

IX. Provado também ficou que o trabalhador/recorrido era conhecedor das regras de comunicação das ausências/faltas, bem como de entrega dos certificados, porque lhe foram enviadas as várias ordens de serviço emitidas pela entidade empregadora/recorrente, e também porque tal lhe havia sido comunicado, especificamente, quando ele começou a incorrerem faltas injustificadas, logo no mês de janeiro de 2019.

X. No entanto, ao invés de os alterar, o trabalhador/recorrido, de forma culposa e deliberada, decidiu perpetuar tais comportamentos em mais 2 (duas) ocasiões, mais precisamente nos meses de abril e maio desse mesmo ano de 2019, chegando-se, portanto, ao inevitável desfecho em discussão nos presentes autos: o seu despedimento (disciplinar) com alegação de justa causa.

XI. Na sequência da factualidade dada como provada — e que, não obstante a sua impugnação, foi mantida na sua quase totalidade (excetuando-se apenas o ponto 47) —, e na parte da subsunção dos factos dados como provados ao Direito, as faltas injustificadas em que o trabalhador, ora recorrido, incorreu, além de consubstanciarem infração disciplinar (dada a violação dos deveres jurídico-laborais emergentes dos artigos 128.º, n.º 1, alínea b), e 253.º do CT), foram integradas expressamente pelo Tribunal a quo na alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do CT {vide páginas 29, in fine, e 30 do acórdão recorrido).

Mais,

XII. Quanto à marcação das consultas de revisão da incapacidade para o trabalho, que o trabalhador/recorrido vem dizer, de modo a tentar justificar as faltas dadas, serem do conhecimento da sua entidade empregadora/recorrente, o douto acórdão vem reiterar que tais marcações não esvaziariam a obrigatoriedade de o trabalhador comunicar as suas ausências, obrigação essa que se encontra plasmada no artigo 253.º do CT (e, acrescente-se, na cláusula 96.a do IRCT aplicável in casu).

XIII. Sublinhe-se, igualmente, que a entidade empregadora/recorrente — entendimento que o acórdão recorrido também vem sufragar — nem sequer tinha de provar os danos sofridos, uma vez que isso não lhe é sequer exigível pela norma legal {vide parte final da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do CT).

XIV. Todavia, o acórdão prolatado pelo Tribunal a quo vem considerar que as ausências do recorrido, e a falta de comunicação das mesmas à recorrente, causaram prejuízos a esta última ao nível da organização do serviço.

Destarte,

XV. Os comportamentos culposos do trabalhador/recorrido que foram dados como provados e que foram mantidos, in totum, pelo acórdão ora posto em crise, configuram uma violação muito grave dos deveres jurídico-laborais daqueloutro, que deveriam conduzir ao preenchimento da hipótese normativa de justa causa de despedimento da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do CT.

XVI. Contudo, em oposição/contradição manifesta com a fundamentação expendida, vem o referido aresto decidir-se pela procedência do recurso de apelação interposto pelo trabalhador, por falta de preenchimento da cláusula geral do n.º 1 do artigo 351.º do CT.

XVII. Ousa perguntar-se o que mais seria necessário para se concluir, no caso sub judice, que estamos na presença de um comportamento culposo do trabalhador (recorrido) que, pela sua gravidade e consequências, tornou impossível a subsistência desta relação laboral?

XVIII. Com uma antiguidade sensivelmente de 14 (catorze) anos, o trabalhador/recorrido encontrava-se ausente do trabalho, de baixa médica, há pelo menos 5 (cinco) anos, ou seja, cerca de um terço da duração inteira da sua relação jurídico-laboral.

XIX. O seu comportamento (culposo), reitere-se, caraterizou-se, essencialmente, pelo facto de, terminados os períodos de vigência de cada um dos certificados de incapacidade temporária para o trabalho, não ter comparecido ao serviço no dia(s) útil(eis) seguinte(s) a esse(s) término(s), nem ter comunicado à sua entidade empregadora, ora recorrente, que se manteria em situação de ausência por baixa médica.

XX. Esta sua situação de doença e de ausência ao serviço em nada impediu a sua cognoscibilidade quanto à forma/modo de comunicação das suas ausências ao trabalho (vide facto provado n.º 54).

XXI. Inclusivamente, o trabalhador/recorrido foi informado desse modus procedendi comunicacional não só através das várias ordens de serviço emitidas pela sua entidade empregadora, mas também através de comunicações expressas que lhe foram sendo dirigidas e que o advertiam para o facto de se encontrar a incorrer em faltas injustificadas (vide, para o efeito, os factos provados números 36,41,46, 51, 52, 53 e 54).

XXII. Qual é, então, a justificação do trabalhador/recorrido para, após lhe terem sido comunicadas as duas primeiras faltas injustificadas no mês de janeiro de 2019, ter decidido perpetuar o seu comportamento infracional em outras 2 (duas) vezes/ocasiões, desta feita nos meses de abril e de maio de 2019?

XXIII. Não serão tais comportamentos demonstrativos, por si só, da evidente falta de interesse em cumprir com os seus deveres jurídico-laborais e com a atividade prosseguida pela sua entidade empregadora/recorrente (que, nos termos dos factos provados números 48 e 49, assegura uma necessidade coletiva, consubstanciada no cumprimento rigoroso e estrito das bases da concessão do serviço público postal)?

XXIV. Estes comportamentos (graves e culposos) levaram, indubitavelmente, a uma quebra de confiança por parte da entidade empregadora/recorrente, não só para o presente, mas também para o futuro da relação jurídico-laboral, confiança essa que, portanto, está irremediavelmente arruinada, tornando, assim, inexigível a dita relação.

XXV. Não obstante o que já foi arrazoado — e o consequente preenchimento do conceito de justa causa de despedimento do artigo 351.º, números 1 e 2, alínea g), do CT — uma referência suplementar, ainda que por mera cautela e dever de patrocínio, a uma linha doutrinal que considera que, quando atingida a materialidade de 5 (cinco) faltas injustificadas seguidas ou 10 (dez) faltas injustificadas interpoladas no mesmo ano civil — ambas preenchidas na situação em apreço —, o conceito de justa causa encontra-se automaticamente preenchido.

XXVI. Não sendo necessário à entidade empregadora (a ora recorrente) provar que não lhe seria exigível a subsistência da relação de trabalho, pela gravidade e consequências da conduta do ex-trabalhador, isto é, não seria sequer exigível àquele passar pelo "filtro" da cláusula geral do n.º 1 do artigo 351.º do CT, bastando apenas a materialização (numérica) das faltas.

XXVII. Em correlação com a decisão que declara a ilicitude do despedimento, pela alegada — mas, como vimos, não verificada — falta de preenchimento do n.º 1 do artigo 351.º do CT, o acórdão recorrido considera ainda, entre a sua fundamentação, que a sanção de despedimento que foi aplicada é desproporcional em relação à gravidade da infração praticada e ao comportamento do trabalhador/recorrido, isto é, que houve uma violação do preceituado no artigo 330.º, n.º 1, do CT.

XXVIII. Uma vez mais, não se pode concordar, de todo em todo, com tal raciocínio, porque o comportamento do trabalhador, ora recorrido, é revelador de gravidade mais do que suficiente para lhe ter sido aplicada a sanção disciplinar de despedimento.

XXIX. Correndo o risco de sermos repetitivos, o trabalhador/recorrido viola não 1 (um), mas sim 2 (dois) deveres jurídico-laborais autónomos entre si: o dever de assiduidade (que emerge do artigo 128.º, n.º 1, alínea b), do CT) e o dever de comunicação de ausência ao trabalho (artigo 253.º do CT e cláusula 96.a do AE).

XXX. Fá-lo em 3 (três) ocasiões distintas (em janeiro, em abril e em maio de 2019).

XXXI. Preenchendo, assim, a justa causa de despedimento prevista na alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do CT nas duas hipóteses nela materializadas ao nível das faltas injustificadas, ou seja, falta 5 (cinco) dias seguidos e falta 10 (dez) dias interpolados no mesmo ano civil.

XXXII. Estes comportamentos infracionais graves do trabalhador/recorrido são claramente demonstrativos do seu desinteresse, do seu desrespeito e até do seu desprezo para com os seus deveres jurídico-laborais e para com a sua entidade empregadora/recorrente, constituindo, outrossim, uma violação clara do princípio da boa-fé (exvi do artigo 126.º, n.º 1, do CT).

XXXIII. Sabendo-se que o despedimento constitui a sanção disciplinar mais gravosa, devendo ser aplicada como ultima ratio face às restantes sanções disciplinares conservatórias.

XXXIV. Ter-se-á de considerar, face à factualidade dada e mantida como provada e não provada pelo douto acórdão e à culpa do trabalhador, que não restou outra alternativa à entidade empregadora/recorrente, que não a de aplicar a sanção de despedimento ao trabalhador/recorrido.

XXXV. Que não é, como o mesmo tentou, em vão, fazer crer, um exemplo de um bom profissional, e um trabalhador dedicado, competente, diligente, assíduo, leal, conhecido e respeitado pelos demais (tendo tal, aliás, sido dado como não provado - vide págs. 13 do acórdão recorrido).

XXXVI. Já anteriormente havia sido aplicada ao trabalhador/recorrido uma sanção disciplinar de 3 (três) dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, por "irregularidade na aceitação, tratamento e distribuição de correspondência e encomendas" {vide facto provado n.º 55), sanção essa que não mereceu por parte daquele qualquer arremedo de impugnação.

XXXVII. O que, como melhor se sabe, é extremamente importante/relevante quer ao nível da apreciação da justa causa, quer ao nível da ponderação da decisão de despedimento, conforme melhor resulta dos artigos 351.º, n.º 3, e 357.º, n.º 4, do CT.

XXXVIII. Normas legais essas — constantes, destaque-se, do regime (imperativo) da cessação do contrato de trabalho previsto no artigo 339.º, n.º 1, do CT — que foram, incompreensivelmente, desconsideradas e desatendidas pelo Tribunal a quo.

XXXIX. O que acarreta um erro na determinação da(s) norma(s) aplicável(eis) ao caso vertente (ex vi do artigo 639.º, n.º 2, alínea c), do CT).

XL. A sanção disciplinar de despedimento que foi aplicada ao trabalhador/recorrido não se revela desproporcional(da) e desadequada.

XLI. Na realidade, o juízo de proporcionalidade que deve estar associado à aplicação de uma sanção disciplinar tem de ser aferido tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, a gravidade da infração e a culpabilidade do agente, sem nunca se esquecer o recurso a critérios objetivos e razoáveis.

XLII. Haverá ainda que atender aos subprincípios integrantes do princípio geral da proporcionalidade, designadamente se a sanção disciplinar aplicada no caso sub judice foi necessária, adequada e proporcional, o que, sem qualquer assomo de dúvida, considera-se sim!

XLIII. Com efeito, e com recurso a um mero exercício/juízo de prognose, resulta para nós claro/notório que o trabalhador/recorrido, nunca demonstrará qualquer vontade/intenção de cumprir com os seus deveres laborais; caso contrário, tê-lo-ia feito a partir do momento em que, alegadamente, tomou conhecimento da violação daqueles, senão antes, no mês de janeiro de 2019, quando lhe foi, expressamente, comunicado pela ora recorrente de que estaria a incorrer em faltas injustificadas.

Em suma,

XLIV. O(s) comportamento(s) culposo(s) e reiterado(s) perpetrados pelo trabalhador/recorrido assumem, em si mesmo e nas suas consequências, uma gravidade tal que não é exigível à entidade empregadora, ora recorrente, manter o contrato de trabalho com aqueloutro.

E rematava, pedindo a revogação do Acórdão recorrido.

O trabalhador contra-alegou.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

A Ré respondeu ao Parecer.

Fundamentação

De Facto

Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada nas instâncias:

1 – A ré, com sede na Avenida D. João II, n º 13, em Lisboa é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de correspondência postal com âmbito de atuação a nível nacional e internacional.

2 – A 22 de novembro de 2005 autor e ré celebraram, por escrito, um contrato de trabalho com início na mesma data.

3 – Mediante o contrato aludido em 2) acordaram as partes que o autor passaria a exercer, como veio sempre exercendo, ao serviço a ré, as funções inerentes à categoria profissional de carteiro.

4 – Tudo sob as ordens e direção da ré, na pessoa da sua administração e responsáveis.

5 – E mediante o pagamento de uma retribuição base mensal ilíquida que se fixa em maio de 2019 no valor de € 772,20, acrescido do montante de € 91,71 a título de diuturnidades e de subsídio de alimentação no montante diário de € 9,01, conforme documento de fls. 265 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6 – Em 6 de maio de 2019, deu entrada nos Serviços Jurídico Laborais da ré, mais propriamente junto da Assessoria Jurídico-Disciplinar dos CTT – Correios de Portugal S.A., um e-mail remetido pelo Diretor da Área de Operações C1, dando conta de uma eventual infração disciplinar praticada pelo autor, nos termos constantes do documento de fls. 96 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7 – Pela Diretora dos Serviços Jurídico-Laborais no exercício da sua competência foi determinado em 09/05/2019 a abertura do procedimento disciplinar, nos termos constantes do documento de fls. 98 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8 – Nos dias 16, 17, 21, 22 e 23 de maio foram juntos ao procedimento disciplinar os documentos constantes de fls. 99 verso a 145 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

9 – No dia 27 de maio de 2019 foi elaborado o relatório preliminar constante de fls. 145 verso a 148 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, acompanhado de proposta de nota de culpa de fls. 149 a 152 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10 – No mesmo dia aludido em 9) foi pelo responsável da Assessoria Jurídica Disciplinar elaborado e remetido à Diretora dos Serviços Jurídicos a proposta de deliberação de manifestação de despedimento do autor, cuja cópia consta de fls. 152 verso a 155 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e que mereceu o acordo da referida Diretora.

11 – Em 03/06/2019 foi deliberado manifestar a intenção de proceder ao despedimento do autor, conforme documento de fls. 155 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12 – Em 04/06/2019 foram juntos ao procedimento disciplinar os documentos constantes de fls. 156 a 181 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13 – A nota de culpa deduzida e constante de fls. 181 verso a 184 dos autos, foi remetida ao autor no dia 06/06/2019, por carta registada com AR, conforme documento de fls. 186 verso e 187 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

14- Foi também comunicado ao autor a intenção da ré proceder ao seu despedimento, conforme documento de fls. 186 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

15 – A ré remeteu cópias da comunicação e da nota de culpa à comissão de trabalhadores dos CTT, conforme documento de fls. 185 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16 – O autor recebeu a comunicação da intenção de despedimento e a nota de culpa que lhe foram enviadas no dia 07/06/2019, conforme documento de fls. 187 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

17 – A comissão dos trabalhadores dos CTT recebeu cópias da comunicação e da nota de culpa no dia 07/06/2019, conforme documento de fls. 187 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

18 – No dia 27/06/2019 o autor apresentou a sua resposta à nota de culpa, nos termos constantes de fls. 188 a 192 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo procedido à junção dos documentos de fls. 192 e 192 verso dos autos.

19 – Foi elaborado o relatório final, cuja cópia consta de fls. 193 a 219 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

20 – Após a instrutora ter feito os autos conclusos à Assessoria Jurídico-Disciplinar dos Serviços Jurídico Laborais dos CTT apresentaram cópia integral do processo à comissão de trabalhadores dos CTT, conforme documento de fls. 219 e 220 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21 – No dia 29 de julho de 2019 a comissão de trabalhadores dos CTT emitiu o parecer, cuja cópia consta de fls. 221 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais que, “(…) É por isso nosso entendimento que o trabalhador não violou os seus deveres de comunicação sobre a ausência ao serviço que teve segundo a empresa início em 2015, tratando-se de um único episódio que se tem prolongado no tempo”.

22 – Em 09/08/2019, o responsável da AJD/JL dos CTT, propôs que fosse aplicada ao autor a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação, conforme documento de fls. 222 a 225 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

23 – A proposta aludida em 22) mereceu a concordância da Diretora dos SJL dos CTT, no mesmo dia, conforme documento de fls. 222 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

24 – A Comissão executiva, em 22/08/2019 deliberou aplicar ao autor a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação, conforme documento de fls. 226 verso dos autos, cujo teor aqui e dá por integralmente reproduzido.

25 – As comunicações da decisão final processo disciplinar ao autor e à comissão de trabalhadores dos CTT, datadas de 22 de agosto de 2019, foram expedidas através de cartas registadas com AR, conforme documentos de fls. 228, 229 verso, 230 verso, 232 e 233 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

26 – A comissão de trabalhadores dos CTT recebeu a carta registada com aviso de receção no dia 24 de agosto, conforme documento de fls. 228 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

27 – Nos dias 23/08/2019 e 26/08/2019 a ré diligenciou pela entrega de carta registada com AR ao autor, nos termos aludidos em 25), sendo que, em 26/08/2019 foi entregue um registo simples na Rua ..., em BB, ..., conforme auto de notícia de fls. 231/232 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

28 – O autor enquanto carteiro encontrava-se colocado no Centro de Distribuição Postal de ..., com o seguinte horário de trabalho: das 7h-12h e das 13h-15h48m, conforme documentos de fls. 141 verso a fls. 145 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

29 – No exercício das suas funções o autor devia executar as tarefas de separação geral, sequenciamento vertical e distribuição de correio.

30 – O autor encontrava-se ausente ao serviço desde data não concretamente apurada, mas situada no início do ano de 2015, de forma ininterrupta, entregando para justificar as suas constantes e regulares faltas/ausências ao serviço certificados de incapacidade temporária para o trabalho, por motivo de doença.

31 – Do documento de fls. 140 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, redigido pelo Gestor do Centro de Distribuição Postal de ..., consta, além do mais que “... não comunica de forma verbal no dia que termina o certificado de incapacidade temporária para o trabalho, que não vem trabalhar no dia seguinte, e recorrentemente entrega os CIT vários depois sem qualquer comunicação verbal ou escrita”.

32 – Como resulta do Certificado de Incapacidade Temporário de 20/12/2018, com o motivo de doença natural, válido entre os dias 21/12/2018 e 19/01/2019, o autor encontrava-se na situação de ausência ao serviço/trabalho, conforme documento de fls. 103 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

33 – No dia 21 de janeiro de 2019 (segunda-feira) o autor não compareceu ao serviço, nem comunicou à sua hierarquia, antes ou logo no início do seu horário de trabalho que iria faltar, com a indicação do motivo para a sua ausência.

34 – Só em 23 de janeiro de 2019, pelas 19h30m é que o autor se deslocou ao Centro de Distribuição Postal de ... e entregou mais um certificado de incapacidade temporário, dando conhecimento à sua hierarquia que se mantinha na situação de doença, conforme documento de fls. 17 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

35 – O Certificado de Incapacidade temporário junto a fls. 17 verso foi emitido em 23 de janeiro de 2019, na sequência de consulta previamente agendada para essa data e prorrogou a situação de doença no período compreendido entre os dias 20/01/2019 e 18/02/2019.

36- Em 6 de fevereiro de 2019, a hierarquia do autor, mais precisamente o Gestor do Centro de Distribuição Postal de ..., CC, por via postal registada, enviou uma comunicação ao autor, da qual consta, além do mais que, “Assunto: Comunicação faltas injustificadas. Venho por este meio comunicar que (…) No período entre 20/01 e 23/01/2019 (inclusive), será considerado em faltas injustificadas, por violação do dever de comunicação de falta e respetivo motivo, ao abrigo do disposto nos números 4 e 5 do artigo 253.º do CT”, conforme documento de fls. 109 verso a 111 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

37 – Do parecer da Ordem dos médicos de 25 de junho de 2018, constante de fls. 156 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais que “Atestado médico sobre episódio de doença anterior: (…) quanto à data do início da doença e de acordo com o doente esta teve início em (…) o que é clinicamente verosímil (…)”.

38 – Conforme Certificado de Incapacidade Temporário datado de 21/03/2019, com o motivo de doença natural e válido entre os dias 21/03/2019 e 19/04/2019, o autor encontrava-se durante este período de tempo na situação de ausência ao serviço/trabalho, conforme documento de fls. 108 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

39 – No dia 22 de abril de 2019 (segunda-feira) o autor não compareceu ao serviço, nem comunicou à sua hierarquia antes ou logo no início da sua prestação de trabalho, que iria faltar, com a indicação do motivo da sua ausência.

40 – Só em 29 de abril de 2019, pelas 19h27m é que o autor se deslocou ao Centro de Distribuição Postal de ..., para entregar pessoalmente ao Supervisor de Distribuição DD, mais um CIT datado de 24/04/2019 e para o período de 20/04/2019 a 15/05/2019, dando nesse momento conhecimento à hierarquia que se mantinha em situação de doença.

41 - Em 3 de maio de 2019, a hierarquia do autor, mais precisamente o Gestor do Centro de Distribuição Postal de ..., CC, por via postal registada, enviou uma comunicação ao autor, da qual consta, além do mais que, “Assunto: Comunicação faltas injustificadas. Venho por este meio comunicar que se encontra em faltas injustificadas desde o dia 19/04/2019 até 29/04/2019”, conforme documento de fls. 106 verso a 107 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

42 – Conforme resulta do Certificado de Incapacidade Temporária de 24/04/2019, com motivo e doença natural, válido entre os dias 20/04/2019 e 19/05/2019 o autor encontrava-se durante mais este hiato temporal na situação de ausência ao serviço/trabalho, conforme documento de fls. 109 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

           43- No dia 20 de maio de 2019 (segunda-feira) o autor não compareceu, novamente ao serviço, e não comunicou à sua hierarquia antes ou logo no início do seu horário de trabalho/prestação de trabalho, que iria faltar, com a indicação do motivo de mais esta ausência.

44 – Só em 22 de maio de 2019 (quarta-feira) é que foi rececionada pelo Gestor do Centro de Distribuição Postal de ..., CC, a carta registada, a qual continha um CIT datado de 21 de maio de 2019, dando conhecimento à hierarquia que se mantinha na situação de doença, conforme documento de fls. 132/133 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

45 – Conforme resulta do Certificado de Incapacidade Temporária de 21/05/2019, com motivo e doença natural, válido entre os dias 20/05/2019 e 18/06/2019 o autor encontrava-se durante mais este hiato temporal na situação de ausência ao serviço/trabalho, conforme documento de fls. 132/133 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

46 – Em 20 de maio de 2019, a hierarquia do autor, mais precisamente o Gestor do Centro de Distribuição Postal de ..., CC, por via postal registada, enviou uma comunicação ao autor, da qual consta, além do mais que, “Venho por este meio comunicar que por motivo de não informar o motivo pelo qual se encontrar ausente e o seu certificado de incapacidade temporária para o trabalho terminar em 19/05/2019, se se encontra em faltas injustificadas desde hoje 20 de maio de 2019”, conforme documento de fls. 115 verso a 116 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

47 – Com as condutas do autor, a Ré não sabia quando é que podia contar com o mesmo para prestar a atividade profissional para que foi contratado, nem podiam os seus superiores hierárquicos programar com a antecedência devida a escala de serviço com a sua inclusão (Alterado pelo Tribunal da Relação)

48 – A ré assegura e cumpre uma necessidade coletiva, consubstanciada na concessão do serviço público postal.

49 – A ré trabalha 24 sobre 24 horas, sendo-lhe exigível o cumprimento rigoroso e estrito das bases da concessão.

50 – A ré tem um potencial humano que prevê a existência de faltas ao trabalho.

51- A ré em 28/10/2010 emitiu a ordem de serviço ..., para entrar em vigor a partir de 01/11/2010, cuja cópia consta de fls. 157 a 163 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais que “(…) 2.1. As faltas ao serviço, bem como o respetivo motivo, devem ser obrigatoriamente comunicadas à hierarquia competente nos seguintes termos: 2.2.1. Quando previsíveis, as fatas devem ser comunicadas com a antecedência possível, devendo os trabalhadores não abrangidos por AE proceder a essa comunicação com a antecedência mínima de 5 dias. 2.1.2. Quando imprevisíveis, o trabalhador deve comunicar a falta pelo meio mais rápido ao seu alcance, nomeadamente, por telefone, correio eletrónico ou por interposta pessoa, no próprio dia em que tenha lugar ou logo que possível. 2.1.3. As expressões “antecedência possível” e “logo que possível” significam que o trabalhador deve comunicar a falta a partir do momento e que sabe que está ou vai estar impedido de comparecer ao serviço, salvo em caso de impedimento que não dependa da sua vontade, o que terá de demonstrar. 2.2. A comunicação tem de ser reiterada para as ausências imediatamente subsequentes às previstas nas comunicações indicadas anteriormente, mesmo que a ausência determine suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado. 2.3. Em caso de comunicação não escrita, o trabalhador deve confirmar, por escrito, a situação de doença, fazendo-a chegar ao conhecimento da chefia ou remetendo a confirmação pelo correio. (…) 3.5. Prorrogação da situação de doença: Quando o trabalhador não estiver em condições de retomar as suas funções no final do prazo previsto é obrigatório comunicar a prorrogação da ausência nos termos do n º 2 e justificá-la através da entrega de novo comprovativo. (…) 9.1.1 As faltas são consideradas injustificadas, se o trabalhador: a) Não comunicar a ausência ao serviço, nos termos estabelecidos no n º2 (…)”.

52 - A ré em 08/05/2013 emitiu a ordem de serviço ..., para entrar em vigor na mesma data, cuja cópia consta de fls. 164 a 169 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

53- A ré em 28/02/2019 emitiu a ordem de serviço ..., para entrar em vigor em 01/04/2019, cuja cópia consta de fls. 170 verso a 181 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

54 – O autor bem sabia a obrigação que tinha de comparecer ao serviço com assiduidade e que se faltasse a trabalho por motivo de doença tinha o dever de informar a ré antes ou logo no início da sua prestação de trabalho pelo meio mais expedito ao seu alcance, bem como apresentar os comprovativos.

55- No registo disciplinar do autor está averbada uma sanção disciplinar de 3 (três) dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade por “por irregularidade na aceitação, tratamento e distribuição de correspondência e encomendas”, conforme documento de fls. 100 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

56 – O autor tinha conhecimento prévio das consultas marcadas com vista à avaliação clínica da sua situação, como resulta dos documentos de fls. 192 e 192 verso dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

57- O autor manifestou um desinteresse repetido pelo cumprimento das suas obrigações ao não comunicar, atempadamente que iria permanecer em situação de doença.

58 – Desde a data aludida em 30) que o autor procedeu à entrega dos Certificados de Incapacidade.

59 – O autor quando se deslocava às instalações da ré ia apoiado em canadianas”.

De Direito

As instâncias concordaram quanto à existência de um comportamento disciplinarmente relevante por parte do trabalhador.

No Acórdão recorrido pode ler-se a este respeito que:

“Resulta da matéria de facto provada que o A. no dia 21/01/2019, não compareceu ao serviço nem comunicou que iria faltar e só no dia 23/01/209 é que entregou mais um CIT emitido nesta data; que no dia 22/04/2019 o A. não compareceu ao serviço nem comunicou que iria faltar e só em 29/04/2019 é que entregou mais um CIT datado de 24/04/2019 e no dia 20/05/2019 o A. também não compareceu ao serviço e não comunicou que iria faltar e só no dia 22/05/2019 é que foi rececionado pela Ré um CIT datado de 21/05/2019.

Assim sendo, acompanhamos a sentença recorrida quando na mesma se concluiu pelo incumprimento por parte do trabalhador do dever de comunicação da sua ausência após o términus da data prevista nos certificados de incapacidade para o trabalho e que determina que a ausência seja injustificada, bem como pela violação do dever de assiduidade por força das faltas injustificadas (artigo 256º, nº 1, do CT), posto que não comunicou a sua ausência ao serviço nos dias 21, 22 e 23 de janeiro (três dias úteis), 22 a 29 de abril (5 dias úteis) e 20 e 21 de maio (dois dias úteis), no total de 10 dias úteis.

Desta forma, como também se refere na sentença recorrida, encontra-se preenchida a situação prevista no artigo 351º n º 2 al. g) do CT, sendo que, estando em causa 5 faltas seguidas e 10 interpoladas, a ré não tinha de alegar nem provar qualquer prejuízo ou risco.

A partir deste ponto de partida comum, as instâncias divergiram, no entanto, quanto à existência de justa causa de despedimento.

A 1.ª instância pronunciou-se no sentido da existência da referida justa causa, afirmando, a propósito o seguinte:

“Face à conduta do autor, diremos que, se nos afigura que o seu comportamento é culposo e pela sua gravidade e consequências (pois a ré sistematicamente desconhece se conta ou não com o mesmo, face à sua postura desinteressada quanto ao cumprimento das obrigações de assiduidade) torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.

O Tribunal da Relação, por seu turno, chegou à solução oposta; com a seguinte argumentação:

“A atuação culposa supra descrita do trabalhador, pese embora, como já referimos, violadora dos citados deveres, não assume em si mesma e nas suas consequências gravidade bastante que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Na verdade, o A. encontrava-se de baixa há mais de 4 anos e vinha entregando à empregadora os respetivos CIT, o que também fez quanto aos dias de ausências não comunicadas, pelo que, a sua atuação reveste-se de pouca gravidade, o que também ocorre quanto às consequências da mesma, posto que, apenas se apurou que a Ré não sabia quando é que podia contar com o mesmo para prestar a atividade profissional para que foi contratado, nem podia programar com a antecedência devida a escala de serviço com a sua inclusão (…)

É que, não resulta da matéria de facto apurada um desinteresse repetido pelo cumprimento das obrigações de assiduidade e, como já referimos, o comportamento do trabalhador, embora culposo, não assume em si mesmo e nas suas consequências gravidade bastante que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Desta forma, face ao que ficou dito, entendemos que o comportamento do trabalhador supra descrito não é grave em si mesmo e nas suas consequências de forma a originar uma absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, pelo que, não se verifica a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho”.

A esta linha de argumentação junta-se uma outra:

“Acresce que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (n.º 1, do artigo 330.º, do C.T.), pelo que, face ao que ficou dito, entendemos que a sanção de despedimento aplicada ao trabalhador recorrente não se mostra proporcional à gravidade do seu comportamento. O trabalhador podia ter sido sancionado, mas não com a sanção mais gravosa”.

Em primeiro lugar, examinando esta argumentação à luz das Conclusões do recurso que delimita, salvo as questões de conhecimento oficioso pelo Tribunal, o objeto do mesmo e sem esquecer as contra-alegações do Recorrido, importa começar por sublinhar que o trabalhador cometeu não uma, mas várias infrações disciplinares.

Um dos deveres dos trabalhadores é o dever de assiduidade (artigo 128.º, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho). É claro que o trabalhador pode, no entanto, faltar e as faltas serem justificadas – como é sabido, as faltas ou são justificadas ou injustificadas (artigo 249.º, n.º 1) – caso em que não existe qualquer infração disciplinar e no nosso sistema jurídico, ao contrário de outros, tais faltas, independentemente da sua duração não são motivo de despedimento. Contudo, para que uma falta seja justificada é necessário não só que exista um motivo justificativo e que o trabalhador o prove quando tal lhe for exigido pelo empregador (n.º 1 do artigo 254.º), mas também que a ausência, quando previsível, seja comunicada ao empregador com a indicação do motivo justificativo com a antecedência mínima de cinco dias (n.º 1 do artigo 253.º) ou logo que possível, quando não for previsível e a antecedência de cinco dias não puder ser respeitada (n.º 2 do artigo 253.º). A lei tem, aliás, o cuidado de precisar que “a comunicação é reiterada em caso de ausência imediatamente subsequente à prevista em comunicação referida num dos números anteriores, mesmo quando a ausência determine a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado”. E a consequência do incumprimento deste dever de comunicação da ausência é inequívoca face ao disposto no n.º 5 do artigo 253.º: a ausência será injustificada.

Há, pois, que dar razão às instâncias quando ambas concluíram que o trabalhador tinha cometido faltas injustificadas – na realidade pode dizer-se face aos factos 33, 34, 39, 40, 43 e 44 que faltou injustificadamente nos dias 21, 22 e 23 de janeiro de 2019, nos dias 22, 23, 24, 26 e 29 de abril e 20 e 21 de maio, todos de 2019. Deu, por conseguinte, cinco faltas não justificadas, como também dez faltas interpoladas no mesmo ano civil: ora, é suficiente que se preencha uma destas situações para estar preenchida a hipótese legal da parte final da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do CT que afirma que é justa causa de despedimento a existência de faltas injustificadas ao trabalho cujo número atinja em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.

Muito embora, como adiante se dirá, tal não signifique que a existência de cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil seja necessária e automaticamente justa causa de despedimento esta alínea g) do n.º 2 na sua parte final introduz um desvio relativamente à cláusula geral do n.º 1 porque consagra a irrelevância do prejuízo ou risco para o empregador. A preocupação do legislador em combater as faltas injustificadas – patente, aliás, em outros lugares da lei, como quando classifica a falta injustificada a um ou meio período normal de trabalho diário, imediatamente anterior ou posterior a dia ou meio dia de descanso ou feriado como infração grave (n.º 2 do artigo 256.ª) e da perda de retribuição consequência dessa falta (n.º 3 do artigo 256.º) – implica que a existência de justa causa perante um certo número de faltas injustificadas não exige qualquer prejuízo ou risco para o empregador.

Assim sendo, não podemos sufragar o entendimento do Tribunal da Relação quando, por um lado, reconhece que a situação dos autos se subsume à parte final da alínea g) do n.º 2 do artigo 253.º, mas acaba por afirmar que que as consequências da atuação do trabalhador não seriam graves porque “apenas se apurou que a Ré não sabia quando é que podia contar com o mesmo para prestar a atividade profissional para que foi contratado, nem podia programar com a antecedência devida a escala de serviço com a sua inclusão”. No caso de as faltas injustificadas serem cinco seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil o empregador nada tem que provar em termos de consequências das mesmas porque elas são justa causa “independentemente de prejuízo ou risco”, não se podendo invocar para negar a existência de justa causa a falta de prejuízo do empregador. O Recorrente invocou aqui uma nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão, mas entende-se que o que existe neste segmento da motivação é um erro de julgamento, decorrente da violação do n.º 2, alínea g), parte final, do artigo 351.º

O Tribunal da Relação afirma, no entanto, que a conduta do trabalhador não só não seria grave nas suas consequências – o que, como já dissemos, não tem em conta do disposto na parte final da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º – como não seria grave “em si mesma”. No excerto da motivação que já transcrevemos afirma-se que “não resulta da matéria de facto apurada um desinteresse repetido pelo cumprimento das obrigações de assiduidade”.

Com todo o respeito, os factos dizem, no entanto, exatamente o oposto.

Em primeiro lugar, o trabalhador violou o dever de comunicação tempestiva da ausência não uma, mas três vezes.

Mas importa ter em conta a sequência dos acontecimentos, tal como resulta dos factos provados.

A primeira violação do dever de comunicação resulta dos factos provados 33 e 34. O empregador alertou o trabalhador para a violação cometida por carta registada (facto 36). Perante esta comunicação o trabalhador, em vez de corrigir o seu comportamento, omite novamente o cumprimento do dever de comunicação, em abril, atrasando-se agora não apenas três dias, mas praticamente uma semana (factos 39 e 40). O empregador envia nova comunicação, informando o trabalhador de que voltou, novamente, a dar faltas injustificadas (facto 41). E, “em resposta”, o trabalhador volta a atrasar-se na comunicação (factos 43 e 44).

A conduta do trabalhador que sabia da existência do dever de comunicar as ausências – facto 54 – traduz, na melhor das hipóteses, quando não uma atitude de desobediência, pelo menos uma indiferença reiterada pelo cumprimento dos seus deveres (facto 57).

E não colhe o argumento – esgrimido pelo trabalhador nas suas contra-alegações – de que como o mesmo praticamente já não trabalhava há quase cinco anos (facto 30), a empresa já não “contava” com ele e não seria importante o cumprimento do dever de comunicação das ausências. Não só a lei é inequívoca ao consagrar o dever de comunicação, como, em um sistema legal como o nosso que não permite ao empregador fazer cessar o contrato por faltas justificadas, independentemente do número destas, tendo que manter o posto de trabalho “disponível” para o eventual regresso á atividade do trabalhador, o mínimo que, à luz da boa fé, se pode esperar é que o trabalhador mantenha o empregador informado tempestivamente, nos termos legais, dos seus períodos de ausência de modo a permitir a este a planificação da sua atividade empresarial.

Este Tribunal tem reiterado – e nesse aspeto tem inteira razão o Acórdão recorrido – que a existência de cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas no mesmo ano civil não constitui uma justa causa automática de despedimento. Com efeito, se nesta hipótese o empregador não tem que invocar qualquer prejuízo ou risco, não está afastada a possibilidade de existirem no caso concreto circunstâncias que, por exemplo, afastam ou diminuem a culpa do trabalhador. Pode tratar-se, por exemplo, de um conflito de deveres, de um evento traumático na vida pessoal do trabalhador, de uma angústia ou perturbação mental associada a uma doença que diminuem ou afastam um juízo de censura pelo não cumprimento tempestivo do dever de comunicação.

Mas no elenco dos factos provados não consta qualquer facto que afaste ou mitigue a culpa do trabalhador associada ao que parece ser uma indiferença pelo cumprimento dos seus deveres de comunicação.

É exato que no nosso sistema legal o despedimento se apresenta como a “última das sanções”, dispondo o empregador de toda uma panóplia de sanções “conservatórias” e que a sanção deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (artigo 330.º n.º 1 do CT). Não se afigura, contudo, que a sanção, neste caso, seja excessiva: quanto à culpa, existe pelo menos negligência grave no incumprimento reiterado de um dever de que se tinha perfeito conhecimento e nada foi provado, como se disse, para atenuar essa culpa. Sublinhe-se, também, que o trabalhador tinha, já, antecedentes disciplinares (facto 55). E quanto à gravidade da infração há que ter em conta que, na realidade, se trata de um concurso de infrações em que o trabalhador, apesar de advertido pelo empregador que lhe comunicou que o seu comportamento representava uma violação da lei e acarretava faltas injustificadas, reiterou a conduta, não uma, mas várias vezes…

Por conseguinte, a conduta do trabalhador constitui à luz da parte final da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º justa causa de despedimento, devendo o despedimento considerar-se lícito.

Decisão: Concedida a revista, revogando-se o Acórdão recorrido

Custas pelo Recorrido

Lisboa, 1 de junho de 2022

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)

Domingos José de Morais

Mário Belo Morgado