PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
NULIDADE PROCESSUAL
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
Sumário

I - O princípio do contraditório assume hoje uma conceção ampla no sentido da participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo a ser visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o tribunal.
II - Contudo, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito, mesmo que meramente adjetivas, suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
III - Constitui, por isso, decisão-surpresa a tomada pelo tribunal em que, tendo a parte invocada a nulidade de um contrato de empreitada por inobservância da forma legal (artigo 26.º da Lei n.º 41/2015, de 3 de Junho) subjacente a confissão de dívida, paralisa essa invocação com recurso ao abuso de direito, na categoria dogmática da supressio e do venire contra fctum proprium, sem que tenha dado às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa abordagem jurídica.
IV - Essa irregularidade é manifestamente susceptível de influir no exame e na decisão da questão a conhecer, o que acarreta a anulação da decisão e de todos os termos subsequentes que dela dependam absolutamente, por força do artigo 195.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil.
V - A tentativa de conciliação, como nova fase do apenso de reclamação de créditos (artigo 136.º, nº 1 do CIRE) destina-se a propiciar a aprovação de créditos que tenham sido impugnados.
VI - E não sendo obrigatória a marcação dessa tentativa, o juiz do processo, quando entenda que não é adequada no caso concreto submetido à sua apreciação, tem o dever de o exarar no processo de forma fundamentada.

Texto Integral

Processo nº 475/21.4T8STS-B.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Comércio de Santo Tirso-J2

Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra

Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Nos autos de reclamação de créditos a correr por apenso aos autos de insolvência de AA, veio esta impugnar o crédito reclamado pela credora I..., Unipessoal, Lda., credito esse reconhecido na lista apresentada pela Srº AI.
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Tendo o processo seguido os seus regulares termos foi proferida decisão que julgou verificados aos créditos já reconhecidos na lista apresentada pela Sr.ª AI e que não foram objecto de impugnação.
Mais foi proferido despacho saneador sentença que julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida pela insolvente AA e, nessa sequência, manteve o teor da lista já junta pela administradora da insolvência.
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Não se conformando com o assim decidido veio a recorrente/insolvente interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
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Devidamente notificada contra-alegou a credora reclamante concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa decidir:
a)- saber se o tribunal recorrido violou, ou não, o princípio do contraditório;
b)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
c)- saber se a subsunção dos factos ao direito aplicável se mostra, ou não, correctamente efectuada.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É o seguinte o quadro factual que foi dado como provado pelo tribunal recorrido:
a) AA apresentou-se à insolvência em 22.02.2021, tendo a sentença de insolvência sido proferida em 06.04.2021;
b) Nomeada administradora da insolvência a Sr.ª Dr.ª BB, e após junção do relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE, foi determinado o prosseguimento dos autos para liquidação do activo, tendo sido apreendido a favor da massa insolvente um bem imóvel, a saber, um prédio urbano composto de rés do chão e andar com anexos, piscina e logradouro, sito em ..., com uma área total de 217,00 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Valongo, sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º .../..., com um VPT de €152.060, determinado no ano de 2019 (com os ónus consistentes em duas hipotecas voluntárias inscritas a favor da Banco 1... e um arresto decretado no âmbito do procedimento cautelar n.º 21203/19.9T8PRT-A que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, J2) e de diversos bens móveis (recheio daquele imóvel), tudo conforme processado junto ao apenso C (apreensão de bens), que aqui se dá por inteiramente reproduzido;
c) Na lista a que alude o art.º 129.º do CIRE, a AI reconheceu, como crédito comum, crédito reconhecido ao credor “I..., Unipessoal, Lda.” no valor de €191.000,00 (cento e noventa e um mil euros) com base em confissão de dívida exteriorizada em escritura pública datada de 02.02.2021 naquele valor, e o valor de €805,00 a título de juros vencidos (como crédito subordinado), tudo como flui do teor de fls. 3-4 deste apenso, que aqui se dá por reproduzido;
d) Aos 02.02.2021, no Cartório Notarial a cargo da Notária CC, sito na Rua ..., ..., concelho de Valongo, AA, por um lado, e DD, na qualidade de única sócia e gerente em representação da sociedade comercial unipessoal por quotas com a firma “I..., Unipessoal, Lda.”, por outro, declararam por escritura pública, aquela primeira confessar-se devedora à sociedade representada da segunda outorgante da quantia de cento e noventa e um mil euros relativa a serviços de empreitada prestados pela referida sociedade nos anos de 2018 e 2019, mais declarando comprometer-se a pagar a dita quantia à referida sociedade até ao final do mês de Dezembro de dois mil e vinte e um, sem que se vençam quaisquer juros, em dez prestações mensais, iguais e sucessivas, do valor de dezanove mil e cem euros, cada uma, vencendo-se a primeira no dia 31 de Março de 2021 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, tendo a segunda outorgante declarado que, caso a primeira declarante não venha a efectuar o pagamento de qualquer prestação na data acordada, se comprometia a interpelá-la no prazo de 15 dias para proceder ao pagamento do valor em dívida nos 15 dias seguintes ou no máximo até ao vencimento da prestação do mês seguinte, tudo conforme teor do documento junto a fls. 287 verso-289 deste apenso, que aqui se dá por inteiramente reproduzido;
e) Mais ficou exarado na aludida escritura pública que após o pagamento da quantia em dívida, a segunda outorgante, em nome da sua representada, se comprometia a realizar uma perícia ao imóvel adiante identificado, a fim de se poder apurar a eventual existência de defeitos na realização ou em consequência dos serviços de empreitada e a sua identificação com vista à sua reparação e que para garantia do bom e integral pagamento da referida quantia de cento e noventa e um mil euros, a primeira outorgante declarou comprometer-se a constituir, no prazo de 5 dias úteis, a favor da sociedade representada pela segunda outorgante hipoteca sobre o prédio urbano composto por casa de rés do chão e andar com anexos, piscina e logradouro, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., mais tendo ali ficado exarado que tal escritura foi lida e o seu conteúdo explicado às outorgantes;
f) A aqui credora impugnada interpôs contra a aqui insolvente acção de processo comum que veio a correr termos sob o n.º 21203/19.9T8PRT Juiz 2 – Juízo Central Cível do Porto dada entrada em juízo aos 23.10.2019, no âmbito do qual peticionou que a ali ré AA fosse condenada no pagamento à ali autora da quantia de €181.053,70, acrescida dos respectivos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, sendo que em tal demanda a ali ré (ora insolvente) veio a ser citada editalmente após não se ter logrado encontrar o seu paradeiro, tendo sido subsequentemente citado o Ministério Público – em representação da ré – para contestar os autos, tudo conforme teor da certidão de fls. 63 a 231 e de fls. 237 juntas aos autos principais e do teor dos documentos de fls. 379 a 387 verso ;
g) A acção cível aludida na alínea anterior veio a conhecer decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide – antes mesmo da realização da audiência de julgamento -, na decorrência da declaração de insolvência da ali ré AA, após esta se ter apresentado à insolvência – a de que estes autos constituem um apenso - , conforme informação exarada a fls. 291 deste apenso;
h) Por apenso à mencionada demanda cível, correu termos procedimento cautelar de arresto, no âmbito do qual foi determinado o arresto do imóvel identificado em e) e seu respectivo recheio, sendo que o arresto do imóvel veio a ser realizado aos 27.01.2021, e o arresto do recheio em 02.02.2021, tudo conforme decorre da cópia dos autos de arresto juntos a fls. 34 a 38 destes autos;
i) O arresto decretado sobre o mencionado imóvel, viria a ser registado, conforme decorre do teor da certidão do registo predial junta ao apenso C, cujo teor aqui se dá por reproduzido (Ap.... de 27.01.2021), sendo que constam ainda registadas, por referência a tal imóvel duas hipotecas voluntárias inscritas a favor da Banco 1...;
j) A insolvente alegou nestes autos, e por referência ao acto de confissão de dívida mencionado em d), ter sido alvo de “coação moral”, pois que a Agente de Execução EE e dois polícias tocaram à porta da insolvente e entraram no interior da casa, após tal porta ter sido aberta, mas sem autorização para acederem ao seu interior; que a insolvente pediu que saíssem para o exterior porque se estava no auge da pandemia e confinamento e a insolvente preocupou-se sobretudo com a saúde da sua mãe e do seu filho pequeno (…) mas o discurso foi que sairiam depois de levar tudo e que teria de correr o risco de contágio ao vírus pela presença deles, a não ser que fossem até um cartório notarial fazer uma escritura de confissão de dívida com hipoteca, tendo a insolvente não visto outra alternativa a não ser aceder, o que fez coagida pela pressão do momento e para evitar sujeitar os seus filhos e a sua mãe, dentro da casa onde estavam confinados, àqueles estranhos que não sabia se estavam ou não contagiados pelos vírus, tudo como flui do teor da impugnação que deduziu neste apenso a fls. 28 a 29, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
k) A credora impugnada “I..., Unipessoal, Lda.”, refutou tal alegada coação, alegando ser falso o invocado pela insolvente, dado que os intervenientes no identificado arresto não entraram na moradia da insolvente sem autorização, sendo que ainda assim tinham autorização judicialmente decretada para o efeito, e que esta autorização legitimava o mencionado discurso de que “levariam tudo o que estava em casa”, e que a ideia de realizar uma confissão de dívida em escritura pública surgiu após várias horas de negociação–tendo entretanto chegado a mandatária da credora-, sem que em algum momento a situação decorrente da COVID 19 tivesse sido aventada (estavam todos de máscara e com a porta aberta), e que a insolvente terá decidido assinar tal confissão dizendo que em Abril de 2021 iria a Angola e conseguiria angariar o necessário dinheiro para pagar, tendo sido a própria a indicar o Cartório Notarial onde se veio a realizar aquela aludida escritura, tudo como flui do teor do articulado de fls. 60 a 62 junto a este apenso, que aqui se dá por reproduzido;
l) Para além da impugnação deduzida pela insolvente, não foram deduzidas quaisquer outras impugnações à lista de créditos junta pela Sr.ª administradora da insolvência;
m) Na impugnação deduzida pela insolvente, a mesma apesar de aceitar ter sido celebrado um acordo com a aqui credora “I..., Unipessoal, Lda.” na realização de obras em moradia e decoração do seu interior, invoca uma série de anomalias no tipo de materiais utilizados, empenos e outros defeitos/desconformidades em várias divisões da moradia identificada nos autos, pugnando que a prestação feita pela credora impugnada, nesse domínio, totaliza somente o valor de €86.200,69 (acrescido de IVA), e que tendo esta credora já recebido o valor de €80.838,94, e sendo nulo o acordo celebrado por forma da inobservância da forma escrita em desrespeito do estipulado na Lei n.º 41/2015, de 3 de Junho, nada deverá ser reconhecido nos autos a favor da aludida credora impugnada, tudo como flui do teor da impugnação de fls.19 e ss., destes autos, que aqui se dá por reproduzido;
n) Dos autos não consta a existência de redação a escrito do acordo de empreitada celebrado entre a credora impugnada “I ...” e a ora insolvente AA;
o) Nos autos encontram-se juntos inúmeros mails trocados entre as partes entre datas que se identificam entre Junho de 2018 a Julho de 2019, referentes aos trabalhos que iam sendo realizados na moradia da devedora, tudo como flui do teor de fls. 168 verso a 252 verso destes autos apensos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
p) Por referência ao acordo celebrado entre a devedora AA e a credora “I ...”,aquela entregou a esta, a título de contrapartida/preço por trabalhos realizados pela ora impugnada, o valor de €9.000,00 em numerário – em 18.02.2019 -, tendo a credora “I ...”emitido o recibo n.º ... (cf. fls. 164 verso e acordo das partes).
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III. O DIREITO
A primeira questão que importa decidir é, como se referenciou:
a)- saber se o tribunal recorrido violou ou não o princípio do contraditório, consubstanciado na decisão surpresa prolatada.
Como é sabido, é pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso.
Ora, tendo em conta o citado princípio, a recorrente começa por basear a sua impugnação da decisão recorrida atribuindo-lhe o vício de violação do princípio do contraditório-conclusões I a VII, pois que, não notificou as partes, da sua a intenção de conhecer do mérito da causa no despacho saneador, nem as notificou para se pronunciarem sobre a matéria em discussão no sentido de evitar “decisão surpresa”.
Será que assim é?
O princípio do contraditório encontra-se consagrado no CPCivil, em cujo artigo 3.º, nº 3 se estipula que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenha tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Trata-se, como salienta Teixeira de Sousa[1] de decorrência do princípio da igualdade das partes, vd. artigo 4.º do CPCivil e com assento no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa.
Ora, é hoje dominante uma concepção lata da contraditoriedade, entendida como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
Como enfatiza Lebre de Freitas[2] “O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo da oposição ou resistência à acção alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo”.
Esta vertente do contraditório, que surgiu no nosso direito processual como uma inovação, revela grandes potencialidades práticas em termos de cooperação, de lealdade recíproca dos vários intervenientes processuais e de eficácia das decisões judiciais que passam, sempre, a ser previstas pelas partes.
E, na medida em que garante a igualdade das partes-pela possibilidade de pronúncia e resposta-leva a que, mais fácil e frequentemente, se obtenha a verdade material e que a solução do litígio seja a mais adequada e justa, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar.
Como vimos, e como refere o professor Lebre de Freitas, cuja lição vimos seguindo, o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo-quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito-tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição.
Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa.[3]
É, ainda, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do referido artigo 3.º.
Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que esta tivesse obrigação de prever que fosse proferida.
A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente, às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer, conforme dispõe o nº 3, do art. 3.º, em casos de manifesta desnecessidade.
Com este princípio quis-se impedir que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções de direito inesperadas, por não discutidas no processo, as quais, no regime anterior, eram permitidas.
Pretendeu-se, pois, proibir as decisões-surpresa embora tal não retire a liberdade e independência que o juiz tem, em termos absolutos, de subsumir, selecionar, qualificar, interpretar e aplicar a norma jurídica que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo. Impõe, sim, ao julgador que, para além de dar a possibilidade às partes de alegarem de direito, sempre que surge uma questão de direito ainda não discutida ao longo do processo tem de, antes de decidir, facultar às partes a sua discussão.
A regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº 3, do artigo 3.º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz–tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, nº 3 do CPCivil); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”.[4]
Não quis, pois, a lei excluir da decisão as subsunções que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada “a priori” possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico.
Assim, o princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo.
Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
A citada norma, introduzida pela Reforma de 1995/1996, veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, consagrando mais uma garantia de discussão dialética entre as partes no desenvolvimento de todo o processo, consagrando de forma ampla o direito a exprimir posição para influenciar a decisão.
Para que os referidos objetivos de melhor, mais rápida e definitiva composição dos litígios fossem alcançados, foi consagrado que uma das finalidades da audiência prévia é a de “Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” [art. 591º, nº 1, al. b) do CPCivil].
Nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, possibilitando-se-lhe, assim, influi ativamente na decisão.
A imposição de audição das partes em momento anterior à decisão é determinada por um objetivo concreto o de permitir às partes intervirem ativamente na construção da decisão, chamando-as a trazerem aos autos a solução para que apontam.
Uma determinada questão, seja relativa ao mérito da causa seja meramente adjetiva, não pode ser decidida, quer em primeira instância, quer em via de recurso, com um fundamento jurídico diverso, até então omitido nos autos e não ponderado pelas partes sem que, antes, as mesmas sejam convidadas a sobre ela se pronunciarem.[5]
O dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
São, pois, proibidas as decisões surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes.
Tal solução legal confere ao juiz possibilidade de uma maior ponderação e contribui para uma maior eficácia e satisfação das partes ao verem, com o seu contributo, mais rapidamente resolvidos os seus interesses em litígio.
Assim, o exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende–permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.[6]
Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.[7]
Não tendo as partes configurado a questão na via adotada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta desnecessidade.[8]
A decisão-surpresa, pressupõe que a parte seja apanhada em falta por uma decisão, embora juridicamente possível, não estivesse sido prevista nem configurada por aquela.[9]
Evidentemente que o respeito pelo citado princípio não implica que haja que apresentar às partes um projecto de decisão para que sobre ele se pronunciem ou que devam ser ouvidas fora dos momentos processuais previstos sobre questões que as suas pretensões coloquem habitualmente na jurisprudência e sejam por isso conhecidas na comunidade jurídica.
Postos estes considerandos será que no caso existe a surpresa da decisão nos moldes supra referidos?
Respeitando-se, entendimento diverso, a resposta é positiva.
Como se evidencia da impugnação deduzida pela ora apelante suscita-se aí, além do mais, a nulidade do contrato de empreitada que está subjacente à declaração de dívida vertida em escritura pública (cfr. artigos 15º a 18º da citada impugnação).
Na decisão recorrida tratou-se esta questão, no sentido da sua improcedência, com recurso à figura de abuso de direito na categoria dogmática da supressio e do venire contra fctum proprium (cfr. artigo 334.º do CCivil), enquadramento jurídico cujo enfoque não foi feito por qualquer das partes nas peças processuais apresentadas.
Sem dúvida que o referido instituto é de conhecimento oficioso[10], mas por assim ser é que se impunha que fosse observado o mencionado princípio.
Com efeito, o lugar próprio da promoção autónoma de pronúncia é, precisamente o das decisões que se pronunciam sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes no processo ou daquelas que tendo sido suscitadas o foram no último articulado possível, impossibilitando a pronúncia ordinária da parte contrária que, assim, há-de ser promovida por outro modo.
Como referem José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[11] “No plano das questões de direito, veio a revisão a proibir a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
Esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objecto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade. Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficiosos que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)”.
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Para além disso, o tribunal recorrido conheceu do mérito da impugnação sem ter designado data para a tentativa de conciliação, mas sem nada dizer quanto à sua não adequação no caso concreto.
Efectivamente, como preceitua o artigo 136.º do CIRE sob a epígrafe “Saneamento do processo
1 - Junto o parecer da comissão de credores ou decorrido o prazo previsto no artigo anterior sem que tal junção se verifique, o juiz declara verificados com valor de sentença os créditos incluídos na respetiva lista e não impugnados, salvo o caso de erro manifesto, e pode designar dia e hora para uma tentativa de conciliação a realizar dentro dos 10 dias seguintes, para a qual são notificados, a fim de comparecerem pessoalmente ou de se fazerem representar por procuradores com poderes especiais para transigir, todos os que tenham apresentado impugnações e respostas, a comissão de credores e o administrador da insolvência.
2 - Na tentativa de conciliação são considerados como reconhecidos os créditos que mereçam a aprovação de todos os presentes e nos precisos termos em que o forem.
3 - Concluída a tentativa de conciliação, o processo é imediatamente concluso ao juiz, para que seja proferido despacho, nos termos previstos nos artigos 595.º e 596.º do Código de Processo Civil.
4 - (Revogado.)
5 - Consideram-se ainda reconhecidos os demais créditos que possam sê-lo face aos elementos de prova contidos nos autos.
6 - O despacho saneador tem, quanto aos créditos reconhecidos, a forma e o valor de sentença, que os declara verificados e os gradua em harmonia com as disposições legais.
7 - Os créditos cuja verificação ou graduação necessite de produção de prova são provisoriamente verificados e graduados nos termos do número anterior, observando-se o disposto no n.º 1 do artigo 180.º
8 - Caso o juiz entenda que não se mostra adequado realizar a tentativa de conciliação, profere de imediato o despacho previsto no n.º 3.
Resulta do normativo transcrito que a tentativa de conciliação, como nova fase do apenso de reclamação de créditos-a realizar no prazo de dez dias seguintes à junção dos pareceres do liquidatário e da comissão de credores-destina-se a propiciar a aprovação de créditos que tenham sido impugnados.
Assim o evidenciam, não só o nº 1, quanto aos intervenientes na audiência, como o nº 2 (conjugado com o nº 3).[12]
Também resulta do nº 8 do mesmo normativo que o juiz do processo pode dispensar a referida tentativa de conciliação quando não se mostrar adequada, proferindo então despacho saneador e, no caso de o processo prosseguir, despacho destinado a identificar o objecto de litígio e a enunciar os temas de prova (cfr. artigos 595.º e 596.º do CPCivil).
Portanto, não sendo obrigatória a marcação dessa diligência, o juiz do processo, quando entenda que não é adequada no caso concreto submetido à sua apreciação, tem o dever de o exarar no processo de forma fundamentada, ou seja, a não marcação da tentativa de conciliação não foi deixada ao livre arbítrio do julgador.
Acontece que, no caso em apreço, a Srª juiz do processo proferiu logo despacho saneador sentença, nada dizendo quanto à não adequação da marcação da tentativa de conciliação.
E repare-se que, se não é lícito realizar no processo actos inúteis (cfr. artigo 130.º do CPCivil) atentatórios da celeridade que deve nortear o desenvolvimento de qualquer processo judicial (veja-se o artigo 2.º, nº 1, do mesmo diploma legal), a não marcação da tentaviva de conciliação pode gerar essa prática, pois que fica, desde logo, postergada a possibilidade de aprovação de créditos que tenham sido impugnados sem qualquer tramitação subsequente do processo, pois que, como acima se referiu, essa é precisamente a sua finalidade.
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Acresce que, na sua impugnação, a recorrente veio invocar o vício de vontade de coação moral que, em seu entender, inquinaria a “escritura de confissão de dívida”.
É verdade, que nos artigos 98º a 108º da impugnação pouca factologia se encontra alegada, sendo muito deles conceitos de direito e conclusões.
Acontece que, é cada vez mais ténue ou fluída a fronteira entre o que deve considerar-se facto e direito e propugna-se, como referem A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta[13], a moderação da “ideia, tradicionalmente arreigada, posto que formalmente excessiva, de se estabelecer uma rígida delimitação entre o que constitui matéria de facto e matéria de direito”.
Continuando a seguir a anotação da obra citada, “expressões há que têm simultaneamente um sentido técnico-jurídico, do qual o legislador retira determinados efeitos, e um significado vulgar ou corrente facilmente captado pelas pessoas comuns”.
Quanto às expressões de conteúdo mais genérico ou até conclusivo, “desde que permitam percepcionar a realidade que se pretende invocar e possam ser posteriormente objecto de uma maior concretização na sentença”, também é admissível o seu uso.[14]
Ora, nesta fase, o que importa ponderar é o enquadramento jurídico em face do objecto do recurso e do thema decidendum nele colocado.
Como assim, não obstante se deixe isso à consideração do tribunal recorrido, face à violação do citado princípio do contraditório e, portanto, da procedência da nulidade invocada, parece-nos prematura a decisão, nesta fase processual, quanto ao segmento do invocado vício de vontade, sem que se dê às partes a possibilidade de produzir a prova indicada para o efeito.
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Isto dito, preceitua a este respeito o artigo 195.º, nº 1 do CPCivil sob a epígrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos actos” que:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
(…).
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”.
No sentido de interpretar o conceito o Professor Alberto dos Reis[15] tecia as seguintes considerações: “Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.”
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
Ora, a não observância do contraditório tendo em vista evitar decisões supresa, no sentido de não se conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão do abuso de direito nos termos supra referidos, comprometeu a discussão instrução e julgamento da causa, constituindo, por isso uma nulidade processual.
É claro que incluindo-se a violação do princípio do contraditório na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do nº 1, do art. 195.º ou seja, não constituindo nulidade de que o tribunal conheça oficiosamente, a mesma tem-se por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respetiva intervenção em algum ato praticado no processo-artigos 197.º, nº 1 e 199º, nº 1 do CPCivil.
Todavia, estando a decisão-surpresa coberta por decisão judicial (como é o caso), é entendimento pacífico da jurisprudência que a mesma pode ser invocada e conhecida em sede de recurso.[16]
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Diante do exposto tinha, pois, o tribunal recorrido, antes de decidir, de ouvir os argumentos das partes sobre a questão do abuso de direito no que concerne à invocada nulidade da contrato de empreitada subjacente à escritura de confissão da dívida.
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Consequentemente, a decisão proferida está ferida de nulidade, nos termos do art. 195º, n.º 1, do CPCivil, o que implica a sua anulação, bem como de todos os termos subsequentes que dela dependam absolutamente.
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Procedem, assim, as conclusões I a VII formuladas pela recorrente e, com elas, o respectivo recurso, em razão do que deverá o tribunal recorrido proferir despacho que marque a tentativa de conciliação a que se refere o artigo 136.º, nº 1 do CIRE ou, caso entenda que não se adequa a sua realização no caso concreto, deverá em decisão, devidamente fundamentada, assim o referir e, sendo esse o caso (não marcação da tentativa de conciliação), proferir então despacho que faculte à partes a possibilidade de se pronunciarem quanto ao abuso de direito no que tange à invocada nulidade do contrato de empreitada, decidindo depois em conformidade, se for esse o caso.
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Face ao supra decidido prejudicada fica a apreciação das restantes colocada no recurso e que acima se deixaram equacionadas.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta procedente por provada e, consequentemente, anulando-se a decisão recorrida, deverá o tribunal a quo proferir despacho que marque a tentativa de conciliação a que se refere o artigo 136.º, nº 1 do CIRE ou, caso entenda que não se adequa a sua realização no caso concreto, deverá em decisão, devidamente fundamentada, assim o referir e, sendo esse o caso (não marcação da tentativa de conciliação), proferir então despacho que faculte à partes a possibilidade de se pronunciarem quanto ao abuso de direito no que tange à invocada nulidade do contrato de empreitada, decidindo depois em conformidade se for esse o caso, ou então, ordenar a tramitação subsequente dos autos nos moldes por nós sugeridos.
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Custas pela parte vencida a final e na proporção em que o for [artigo 527.º do CPCivil).
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Porto, 04 de Maio de 2022.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
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[1] In “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 46.
[2] in “Introdução ao Processo civil”, Coimbra Editora, 1996, págs. 96-97.
[3] Lebre de Freitas, ob., cit. 2006:115 a 118.
[4] Cfr. Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I. Coimbra, Almedina, pág. 32.
[5] Cfr. neste sentido Ac. do STJ de 15/10/2002, processo nº 02A2478, Ac. da RL de 11/03/2008, processo nº 2051/2008-7, Ac. da RL de 21/05/2009, processo nº 1490/04.8TBPDL.L1-6 e Ac da RP de 10/01/2008, processo 0736877, todos in dgsi.
[6] Cfr. acórdão de Relação de Coimbra de 13/11/2012, processo572/11.4TBCND.C1, in www. dgsi.pt.
[7] Acórdão da Relação de Coimbra de 20/9/2016, processo 1215/14.0TBPBL-B.C1, in www. dgsi.pt.
[8] Cfr. acórdão do STJ de 27/9/2011, processo 2005/03.0TVLSB.L1.S1, in www. dgsi.pt
[9] Acs. STJ. de 14/05/2002, Proc. 02A1353; de 24/02/2015, Proc. 116/14.6YLSB, ambos in base de dados da dgsi.
[10] Cfr., entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 30/11/95, na CJ–STJ- Ano III 20/5/97, Tomo III, pág. 132, de 20/5/97, no BMJ n.º 467.º, pág. 557 e de 25/11/99, CJ–STJ-, Ano VII, Tomo III, pág. 124, da RL de 29/1/98, na CJ, Ano XXIII, I, 103 e da RE de 23/4/98, CJ, XXIII, II, 278.
[11] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1999, pág. 9.
[12] Neste sentido Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência anotado, 3ª Ed.1999, pág.
[13] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, almedina, 2019. pág. 25.
[14] Sobre o tema, importa conhecer a posição do Professor M. Teixeira de Sousa, expressa em comentário ao acórdão do STJ 28/09/2017 (proc. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1) inserido em 05.02.2018 no blogue do IPPC:
“b) A chamada "proibição dos factos conclusivos" não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil (não importando agora discutir se alguma vez teve). Se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão. Por exemplo: se o tribunal disser que a parte actuou com dolo, porque, de acordo com o depoimento de várias testemunhas, ficou provado que essa parte gizou um plano para enganar a parte contrária, não se percebe por que motivo isso há-de afectar a prova deste plano ardiloso (nem também por que razão a qualificação do plano como ardiloso há-de afectar a sua prova).
O exemplo acabado de referir também permite contrariar uma ideia comum, mas incorrecta: a de que factos juridicamente qualificados não podem constituir objecto de prova. A ideia é, efectivamente, incorrecta, porque cabe perguntar como é que sem a prova do dolo (através dos respectivos factos probatórios) se pode aplicar, por exemplo, o disposto no art. 483.º, n.º 1, CC quanto à responsabilidade por facto ilícito. É claro que o preceito só pode ser aplicado se, no caso de o dolo ser um facto controvertido, houver prova desse facto. Assim, também ao contrário do entendimento comum, há que concluir que o tema da prova não é mais do que o enunciado do objecto da prova.
A referida "proibição dos factos conclusivos" também não corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. Para o direito, não há factos, mas apenas factos jurídicos, tal como, para a física ou a biologia, não há factos, mas somente factos físicos ou biológicos. Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objecto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas desse facto.»
[15] In Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pag. 486
[16] Cfr. Acs. STJ. de 13/01/2005, Proc. 04B4031; RP de 18/06/2007, Proc. 0733086 e Acórdão da Relação de Lisboa de 9/10/2014, processo 2164/12.1TVLSB.L1-2, in www.dgsi.pt.