DIREITO AO RECURSO
Sumário

A circunstância de o arguido não se mostrar, na data em que foi notificado da sentença, representado por advogado e de alegadamente não saber ler nem escrever, constituem circunstância impeditivas do deu direito a ser bem informado, finalidade da notificação pessoal, e consequentemente violam o direito a um processo justo equitativo por serem suscetíveis de beliscar o seu direito ao recurso.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

Após julgamento em processo comum com intervenção de Tribunal singular, foi o arguido JM_____, julgado na ausência, condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n° 1 a) e de um crime de burla qualificada p. e p. pelo artigo 217° e 218°, n° 1 do Código Penal, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. O arguido foi notificado pessoalmente da sentença proferida em 02 de julho de 2014, através agente de autoridade, no dia 10 de setembro de 2020.
Por requerimento apresentado em juízo no dia 24 de setembro de 2020 o arguido invocou a invalidade da notificação pessoal da sentença, junto do tribunal de primeira instância, invocando para tanto que não sabia ler nem escrever, apenas sabendo escrever o nome, o que deu a conhecer ao agente de autoridade que o notificou da sentença, o qual lhe disse que tinha sido condenado em pena suspensa e para contactar o seu advogado e que o defensor que havia constituído para o defender o não podia fazer por haver suspendido a sua inscrição na Ordem dos Advogados.
Contactado e constituído novo defensor apresentou então o arguido o referido requerimento solicitando que o prazo para recorrer apenas se iniciasse em 18 de setembro, dia em que contactou o atual defensor, uma vez que não se encontrava em condições de exercer o seu direito ao recurso.
Invocada ainda a invalidade de não se mostrar disponível no sistema CITIUS ao advogado signatário a integralidade dos autos do processo.
*
O MP teve vista dos autos tendo-se pronunciado favoravelmente ao peticionado pelo arguido relativamente ao início do prazo de recurso.
Em 1 de outubro de 2020 foi proferida a seguinte decisão incidente sobre o requerimento do arguido O arguido teve Mandatário constituído e foi notificado pessoalmente da sentença no dia 10.09.2020 e inexistindo qualquer irregularidade, inexistência ou nulidade, indefere-se o requerido.
Mais se informe o mandatário do arguido que pode proceder à consulta dos autos nesta Secção ou solicitar a Confiança do processo”.
Inconformado com a decisão veio o mesmo interpor recurso deste despacho e da decisão final, pugnando pela revogação do deste último despacho e concessão de novo prazo, integral, para recorrer. Concluiu do seguinte modo as suas motivações de recurso:
I
Quanto à decisão que julgou inverificada a invalidade da notificação pessoal da Sentença ao arguido por não saber ler e que indeferiu o requerido pelo ora recorrente em consequência dessa arguição de invalidade, assim indeferindo a arguição de nulidade da notificação da Sentença e a concessão ao arguido de prazo para interpor recurso contado da data em que constituiu advogado o signatário – conforme havia sido requerido pelo ora recorrente e promovido pelo Senhor Procurador da Republica após notificação desse requerimento:
A. Após ter sido notificado da Sentença (nos termos que já seguidamente se explica) e de ter constituído o advogado signatário seu defensor neste processo, o arguido requereu à Senhora Juíza a quo declarasse a invalidade dessa notificação da Sentença e (para além do mais que aqui não releva) fixasse como data de início de contagem do prazo de interposição do recurso da Sentença final a data a data (de 18 de setembro) em que o arguido constitui seu defensor o signatário – nos termos e pelas razões seguintes, que expos no requerimento então apresentado e que antes deixou transcrito e aqui dá por inteiramente reproduzido
B. A Senhora Juíza a quo considerou que “o arguido teve Mandatário constituído e foi notificado pessoalmente da sentença no dia 10.09.2020 e, inexistindo qualquer irregularidade, inexistência ou nulidade, indefere-se o requerido.”
C. O recorrente não se pode conformar com esta decisão porquanto, em primeiro lugar, a Senhora Juíza ignorou a invocada falta de representação do arguido por Advogado no processo, pelo menos na data e no momento em que lhe foi notificada a Sentença pelo Senhor Agente da Polícia de Segurança Publica.
D. A falta de representação por defensor viola o disposto no artigo 64ºnº3 do Código de Processo Penal e faz enfermar o processo de nulidade insanável prevista no respetivo artigo 119º alínea c), desde o momento em que o referido Advogado viu cancelada a sua inscrição na Ordem dos Advogados – que se apurou agora ter ocorrido em 24 de junho de 2019 – até 18 de setembro último, momento em que constituiu defensor o advogado signatário.
E. Suscita a este respeito a inconstitucionalidade das normas conjugadas de ambas as disposições legais citadas no parágrafo precedente – dos artigos 64º nº 3 e 119º c) do Código de Processo Penal –, na interpretação normativa segundo a qual a falta de representação de arguido em processo penal, após dedução de acusação e até decisão final transitada do processo, se não subsume na previsão do artigo 119º c) e não é por isso causa de nulidade insanável, na interpretação normativa segundo a qual se não mostraria necessária a representação por advogado no processo no momento da notificação da Sentença de condenação da primeira instância e na interpretação normativa de que a falta de representação por defensor se não confundirá com o cancelamento de inscrição na Ordem dos Advogados do Advogado constituído ou nomeado defensor do arguido no processo em momento anterior a esse cancelamento de inscrição na Ordem dos Advogados–por violação do disposto nos artigos 20º nº 2 e nº 4, 32º nº 1, 208º e 267º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, e por violação de norma de valor reforçado sobre a essencialidade do patrocínio forense por Advogado, do artigo 66º nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
F. Do documento junto pelo ora Recorrente àquele requerimento, do qual resultava que a inscrição do seu anterior defensor como Advogado na respetiva Ordem estava suspensa resultava evidente que o cancelamento dessa inscrição era anterior à data em que foi feita a notificação da Sentença arguida de inválida.
G. E caberia necessariamente à Senhora Juíza confirmar o período de tempo desde o qual ou durante o qual o arguido não esteve representado por Advogado,
H. O que a Senhora Juíza não fez – limitando-se a considerar, erradamente, que “o arguido teve Mandatário constituído e foi notificado pessoalmente da sentença no dia 10.09.2020”, violando assim esse seu dever de confirmar o respeito pela Lei e pela Constituição, de assegurar que o arguido tinha estado sempre representado por Advogado desde a dedução contra ele da Acusação e de garantir, assim, que nenhuma nulidade se verificava, o que, por essa omissão, faz por si só enfermar a decisão de violação de lei, concretamente dos artigos 64º nº 3 e 119º c) do Código de Processo Penal e das normas constitucionais e do Estatuto da Ordem dos Advogados antes citadas na motivação deste Recurso.
I. Além disso, a decisão parece também errada e injusta, por ignorar ou pelo menos considerar irrelevante para a efetivação e perfeição da notificação da Sentença o facto de o arguido não saber ler, não obstante ter comunicado isso mesmo ao Senhor Agente que lhe entregou a referida notificação, ter invocado expressamente tais factos no requerimento e ter protestado deles fazer prova.
J. Viola, pois, o disposto no artigo 113º nº 10 e no artigo 333º nº 5 do Código de Processo Penal, normas que exigem que a notificação da Sentença seja feita pessoalmente ao arguido e não apenas ao seu defensor.
K. Aparentemente, a Senhora Juíza perfilhou na decisão recorrida o entendimento de que a efetivação e perfeição da notificação pessoal da Sentença a um arguido se basta com a entrega de cópia da peça escrita, dispensando a sua leitura ainda que o arguido a notificar não saiba ler. Porém, em tal interpretação, as normas dos citados artigos 113º nº 10 e 333º nº 5 deverão ser havidas como inconstitucionais –por violação do principio da igualdade consagrado no artigo 13ºdaConstituição, do direito de acesso ao direito e a um processo equitativo, garantido pelos nºs 1 e 4 do artigo 20º, e em geral das garantias de defesa e do direito ao recurso, previstas no artigo 32° n.° 1.
TERMOS EM QUE,
DEVE SER DECLARADA A NULIDADE DO PROCESSO DESDE A DATA EM QUE O ARGUIDO DEIXOU DE ESTAR REPRESENTADO POR ADVOGADO COM INSCRIÇÃO EM VIGOR NA ORDEM DOS ADVOGADOS (QUE O ARGUIDO APUROU AGORA SER A DE 24 DE JUNHO DE 2019) E A DATA DE 18 DE SETEMBRO DE 2020, EM QUE PASSOU A ESTAR REPRESENTADO PELO ADVOGADO QUE ASSINA ESTE REQUERIMENTO.
E REVOGADA, EM TODO O CASO, A DECISÃO AQUI SOB RECURSO, QUE INDEFERIU O REQUERIMENTO CITADO, E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONCEDA NOVO PRAZO AO ARGUIDO PARA RECORRER DA SENTENÇA FINAL.
II
Quanto à Sentença Final, que o condenou como autor de crime de burla e de crime de falsificação de documentos:
A. Verificou-se e verifica-se a nulidade insanável do processo e concretamente do julgamento e da Sentença, nos termos da alínea c) do artigo 119º, antes invocada, uma vez que o Arguido ora Recorrente foi julgado sem estar presente fora dos casos e das condições previstas na lei, pois tendo sido requerido pelo Defensor que ele prestasse declarações no inicio da Audiência de Julgamento, tendo a mesma sido adiada para a segunda data e tendo nessa data o arguido faltado por razões de saúde que o impediram de estar presente, comprovadas por atestado médico e tendo a Senhora Juíza considerado tal falta assim justificada, foi decidido pela Senhora Juíza a quo concluir o julgamento sem que o arguido fosse ouvido, conforme havia requerido.
B. Mostra-se violado o disposto no artigo 332º nº 1, por se não ter verificado no caso qualquer das hipóteses previstas no artigo 333º nºs 1 e 2 e no artigo 334º nºs 1 e 2, sendo que tão pouco se verificou o consentimento do arguido previsto no número 4 do artigo 333º.
C. Suscita-se a este respeito a inconstitucionalidade das referidas normas, agora citadas no parágrafo anterior, dos artigos 332º nº 1, 333º nºs 1, 2 e 4 e 334º nºs 1 e 2 – e da norma do artigo 196º nº 3 alínea d), por violação do direito a processo equitativo garantido pelo artigo 20º nº 4 e das garantias de defesa e do contraditório, consagradas no artigo 32º nºs 1 e 5 –, na interpretação normativa que permita ao Tribunal considerar prestado o consentimento do arguido, previsto e exigido nos citados nº 4 do artigo 333º e nº 2 do artigo 334º, por o respetivo defensor nada ter dito e não ter deduzido oposição expressa à realização e conclusão do julgamento sem a sua presença, designadamente quando – como era o caso – o defensor não tem poderes “especialíssimos” e nem sequer especiais para esse efeito de prestar o consentimento do arguido para o julgamento na sua ausência.
D. A consequência da realização do julgamento fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 333º e do nº 1 do artigo 334º e sem o seu consentimento, não pode deixar de ser aquela que antes se apontou – a da nulidade insanável prevista no artigo 119º alínea c), que deve ser declarada oficiosamente e não pode ser sanada exceto pelo arguido pessoalmente ou por mandatário com poderes de representação especialíssimo para esse efeito, sob pena, igualmente da inconstitucionalidade dessa norma pelas mesmíssimas razões agora invocadas.
E. Além disso, a decisão sobre a matéria de facto enferma de erro notório na apreciação da prova, por não resultar da prova documental e testemunhal examinada, lida ou produzida em audiência e mesmo fora dela, ou seja, da demais prova constante dos autos, qualquer elemento de prova direta ou qualquer indicio que permitisse concluir, mesmo remotamente e muito menos para além da duvida razoável, pela confirmação dos seguintes factos que, no entanto, foram julgados provados na Sentença recorrida, enunciados nos números 1, 2, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11 parte final, 12 parte final, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21.
F. Estes factos não resultam provados dos depoimentos de qualquer das testemunhas ouvidas em Audiência de Julgamento no Tribunal recorrido – isto é, Diogo____ e Carlota____ –, o que resulta negativamente, mas sem margem para qualquer dúvida, das respetivas transcrições integrais, que deixou feitas na Motivação e aqui se dá por reproduzidas.
G. Trata-se em ambos os casos de testemunhas que manifestamente não têm conhecimento direto dos factos, a não ser através da análise de documentos que referiram e a primeira por um telefonema que terá tido com alguém que afirmou ser JM______ .
H. E, de todo o modo, nenhuma delas referiu sequer nos depoimentos que prestou em julgamento que alguma vez tinha conhecido o Arguido ora Recorrente e é impossível concluir dos respetivos depoimentos que o ora Recorrente tenha tido qualquer intervenção no caso.
I. As conclusões que a Senhora Juiza extraiu de tais depoimentos e que permitiram ter julgado provados os factos indicados não resultam nem colhem sustentação alguma em qualquer dos meios de prova documentais e testemunhais produzidos em julgamento, e nem sequer nos demais existentes nos autos, mas apenas da ilegal, infundamentada e ilegítima presunção ou pressuposição da Senhora Juíza de que havia sido o Arguido a praticar tais factos, desde logo a adquirir o referido automóvel, a forjar documentos ou a utilizar os referidos documentos.
J. Tal decisão não se baseia em qualquer meio de prova que a permitisse e viola manifestamente a única presunção que a lei penal e processual penal a esse respeito admite, que é a presunção de inocência – consagrada no artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
K. O que se apresenta manifesto quando analisamos os depoimentos das testemunhas que se deixou transcritos, mas também se revela de forma igualmente evidente no que aos documentos respeita, designadamente os documentos que permitiram à Senhora Juiza, concluir na motivação da decisão de facto que o extrato bancário que teria sido entregue pelo ora Recorrente, e sem que prova alguma existisse quanto a essa entrega),era forjado ou falsificado ou falso – tais documentos são os documentos de folhas 74 e 75, por confronto com o tal extrato que seria forjado ou falsificado ou falso, de folhas 9, bastando compulsar uns e outros para perceber que nada disso é possível concluir.
L. Finalmente, os factos julgados provados não são suficientes, de todo o modo, para preencher os tipos legais de crime por que a Sentença o condenou, por não se subsumirem nas hipóteses das normas respetivas.
TERMOS EM QUE DEVE A SENTENÇA SER REVOGADA E O RECORRENTE ABSOLVIDO, COMO É DE JUSTIÇA!
*
O MP na primeira instância respondeu ao recurso propugnando pela sua improcedência, concluindo do seguinte modo:
1- Por sentença proferida nos autos, foi o arguido condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n° 1 a) e de um crime de burla qualificada p. e p. pelo artigo 217° e 218°, n° 1 do Código Penal , em cúmulo jurídico, na pena única de 18 meses de prisão.
Nos termos dos artigos 50° do Código Penal, decidiu o tribunal suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 18 meses , com a condição de , nesse período, proceder ao pagamento à demandante da quantia de 23.228,00€.
2- O arguido, não se conformando com tal decisão, vêm dela interpor recurso, por discordar da sentença em relação aos seguintes pontos :
a) - Invoca nulidade de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) - E contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova.
3- Quanto à alegada existência de erro notório na apreciação da prova:
O tribunal indicou os meios de prova em que se baseou e explicitou o processo que seguiu para a formação da sua convicção, o que permite aferir das regras e critérios de valoração seguidos, e se o resultado probatório surge como o mais aceitável.
Deste modo, outra não pode ser a conclusão de que o resultado probatório a que chegou a decisão recorrida se mostra consentâneo com a prova produzida. O Mm° juiz a quo seguiu um processo lógico e racional, observando regras de experiência comum (regras de probabilidade e razoabilidade), sendo a decisão convincente pela explicitação do substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse naquele sentido e pela forma como valorou os diversos meios de prova, indicando a razão porque uns merecem credibilidade em detrimento de outros, não merecendo por isso qualquer reparo.
E outra não pode ser a conclusão se não a de que o tribunal apreciou correctamente a prova produzida em audiência e fundamentou com clareza e objectividade a sua convicção, esclarecendo porque conferiu credibilidade a determinados meios de prova em detrimento de outros, em observância das regras que norteiam a apreciação da prova, sendo por isso insusceptível de qualquer crítica.
A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no art° 127° do CPP, pelo que aderimos à exaustiva e criteriosa apreciação feita pelo tribunal, a qual deve ser mantida nos seus precisos termos.
4- Assim, tendo em conta, como se refere na sentença, o estabelecido no artigo 70° do Código Penal, e que, no caso vertente, face às circunstâncias apuradas, e as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, impõe-se a aplicação de pena proporcional.
Por todo o exposto, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura porque fez correcta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, designadamente a indicada pelo recorrente.
Mostrando-se adequada, atentas as circunstâncias que se verificam no caso concreto, seguindo os critérios legais, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
Contudo, V. Exas, decidindo, farão JUSTIÇA
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O MP junto desta Relação apôs “Visto” uma vez que havia sido requerida audiência.
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O arguido foi convidado para vir juntar conclusões sob pena de o recurso ser rejeitado, o que fez.
Foi rejeitado o seu pedido de audiência.
Desta decisão o arguido reclamou para a conferência, a qual foi julgada não provida.
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
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No presente recurso há, assim, que conhecer se:
- Se a notificação da sentença é inválida;
- Se se verifica a nulidade consistente na realização na ausência do arguido fora das condições previstas na lei;
- Se se verifica o vício do erro notório na apreciação da prova;
- Se se verifica o vício da insuficiência de factos para a decisão.
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Antes de nos debruçarmos sobre o recurso interposto da decisão final, comecemos por analisar o recurso incidente sobre o despacho que indeferiu o pedido de “reinicio” do prazo de recurso reportado à data em que o arguido contactou o seu atual defensor, já que o mesmo a proceder torna inútil o recurso da decisão final.
Da invalidade da notificação da sentença:
No caso, encontramo-nos perante uma situação em que o arguido foi julgado na sua ausência, apesar de regularmente convocado, não tendo comparecido nem à primeira nem à segunda sessão, em que foi ouvida a testemunha por videoconferência, nem tão pouco no dia da leitura da sentença.
A sentença nestes casos, para além de notificada à pessoa do defensor, tem igualmente que ser notificada pessoalmente ao arguido, como expressamente determina o art.º 333.º, n.º 5, sendo ainda expressamente informado do direito de recorrer da sentença e do respetivo prazo.
Ora, no caso, o arguido alega que não sabe ler nem escrever e que disso terá dado conta ao agente de autoridade que lhe entregou a notificação, o qual o informou que tinha sido condenado em pena suspensa e que devia procurar o seu advogado.
Mais alega que contactou o seu advogado e que este tinha a sua inscrição na OA suspensa, pelo que se viu impedido de exercer o seu direito ao recurso, o que o levou a requerer que o prazo para este efeito apenas se iniciasse na data em que foi recebido pelo seu atual defensor. Neste requerimento juntou prova.
O tribunal a quo considerou que o arguido estava representado e que não se verificava qualquer inexistência, nulidade ou irregularidade.
Ora, salvo o devido respeito a decisão em causa não analisou os factos alegados e o documento oferecido pelo arguido, demonstrativo da inatividade da inscrição na OA por parte do advogado que o arguido havia mandatado.
Com efeito, do documento junto verifica-se que na data em que o arguido se dirige ao tribunal o seu defensor não o podia representar, sendo certo que só nessa data o arguido se considera notificado e se inicia o prazo de recurso.
Acresce que, tendo o arguido invocado que não sabia ler nem escrever, apenas sabe assinar, ou o tribunal a quo acreditava no por ele alegado ou deveria ter produzido a prova oferecida ou outra que entendesse necessária.
Na verdade, os factos invocados, a serem verdade, impedem que o arguido alcance o conhecimento que se pretende que adquira com a notificação da sentença. Tanto mais que se trata de uma decisão condenatória.
Seguimos assim, o defendido por Luís David Coelho Mendes, As notificações do arguido no processo penal: Fases do inquérito, instrução e julgamento do processo comum[2], (..) o direito e, em particular, os tribunais não devem ser insensíveis e formalistas ao ponto de desconsiderarem os circunstancialismos concretos da realização da notificação ao arguido, de tal modo que apenas pugnem e aquilatem pela verificação das exigências formais da execução do dever de informar que resultam das normas respeitantes às notificações, mas, por força de um dever de informar bem, deve ser apurado, sempre que tal for suscitado pelo sujeito processual, se foi dado “conhecimento efetivo“ da decisão e dada a “oportunidade do [sujeito] poder perante esse conhecimento desse conteúdo, decidir ponderadamente sobre o exercício do direito ao recurso (98).
Neste sentido, é de acompanhar a posição maximalista do TC que, convém salientar, não exige que o arguido seja, para efeitos de contagem do prazo de recurso, “sempre” notificado pessoalmente (99), mas exige, isso sim, que se atenda às «circunstâncias que impeçam o recorrente de tomar conhecimento pessoal do conteúdo decisório da decisão de que poderá recorrer e que, assim, afaste a possibilidade de discutir a verificação das mesmas circunstâncias» (100). A ideia intrínseca a esta posição, pelo menos do lado da dissertação, é a de que cada via notificatória acarta uma presunção ilidível(101), devendo ser dada, por isso, oportunidade ao sujeito processual (em particular, ao arguido) de apresentar prova em contrário que demonstre que o seu direito a ser informado e a ser bem informado não foi concretamente acautelado[3], ainda que tivessem sido respeitadas as formalidades legais, o que, sendo efetivamente demonstrado e provado, deverá implicar o reinício ou dilação do prazo terminado e/ou a recuperação da garantia de defesa precludida (102)[4].
Neste sentido se pronunciou já o TC, pese embora em situação diversa incidente sobre a notificação da sentença ao defensor que dela não terá dado conhecimento ao arguido, no Acórdão T C n.º 476/2004/T, in DR n.º 190/2004, Série II de 2004-08-13: o Tribunal Constitucional considera que aquele critério, ao considerar irrelevante o efectivo conhecimento pelo arguido do conteúdo decisório de uma decisão judicial, não cumpre plenamente a garantia efectiva do direito ao recurso consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Assim, não pode ser indiferente para a plenitude daquela garantia, constitucionalmente consagrada, que o recorrente não tenha tido conhecimento pessoal do conteúdo decisório no momento a partir do qual se iniciaria o prazo para ponderar o exercício do direito ao recurso
Não se pronuncia o Tribunal Constitucional sobre se, no presente caso, tal situação efectivamente se verificou ou se o recorrente a provou cabalmente, mas apenas sobre a afectação do direito ao recurso por um critério que considere irrelevante a ponderação de circunstâncias que impeçam o recorrente de tomar conhecimento pessoal do conteúdo decisório da decisão de que poderá recorrer e que, assim, afaste a possibilidade de discutir a verificação das mesmas circunstâncias. É, consequentemente, esse o plano em que o presente juízo de constitucionalidade se situa e é também esse o critério que deverá presidir à reforma da decisão recorrida, a qual deverá aplicar ao caso concreto, de acordo com as suas circunstâncias, o presente juízo de inconstitucionalidade.
Aqui chegados, entendemos que a circunstância de o arguido não se mostrar, na data em que foi notificado da sentença, representado por advogado e de alegadamente não saber ler nem escrever, eventualmente a apurar pelo tribunal a quo por entendermos que não compete a este Tribunal, que conhece e decide por via de recurso, pronunciar-se sobre as circunstâncias concretas do caso quanto à veracidade daquela alegação, constituem circunstância impeditivas do deu direito a ser bem informado, finalidade da notificação pessoal, e consequentemente violam o direito a um processo justo equitativo por serem suscetíveis de beliscar o seu direito ao recurso.
Ou seja, determinar, depois de o arguido vir invocar que não teve conhecimento do teor da sentença, por se mostrar impossibilitado de o alcançar (eventualmente a apurar pela primeira instância, repita-se, que é livre para fundadamente decidir), que o prazo de recurso se iniciou sem que se tenha apurado, considerando-as irrelevantes, as circunstâncias alegadas que sendo verdadeiras impedem o conhecimento necessário ao exercício do direito ao recurso, viola o direito constitucional do direito efetivo ao recurso.
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Aqui chegados impõe-se concluir que o despacho proferido deve ser revogado e substituído por outro que, pondere a não assistência por defensor à data da notificação da sentença, e o alegado pelo arguido, a produzir ou não prova de harmonia com o entendimento do tribunal a quo.
Atento o exposto fica prejudicado o recurso interposto da decisão final, atentos os termos em que o mesmo foi apresentado.
*
Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes nesta Relação de Lisboa, em:
Julgar provido o recurso interposto por JM______    , devendo o Tribunal substituir o despacho recorrido em conformidade com o supra decidido.
b) Sem custas.

Lisboa, 30 de junho de 2021
Maria Gomes Bernardo Perquilhas
Rui Miguel Teixeira
Processado e revisto pela relatora, (art.º 94º, nº 2 do CPP).
_______________________________________________________
[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e  na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271);  o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO  DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de  Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363. 
[2] Luís David Coelho Mendes, As notificações do arguido no processo penal: Fases do inquérito, instrução e julgamento do processo comum, Coimbra 2018, in https://estudogeral.sib.uc.pt
bitstream/10316/85833/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Vers%C3%A3o%20Final.pdf
[3] Sublinhado nosso)
[4]Notas de rodapé do texto: 100. Frase retirada do já referenciado Ac. do TC n.º 476/2004; vide ainda os Acs. n.º 435/05 e 572/05 que têm o mesmo sentido. 101 Ainda que a lei apenas identifique essa presunção quanto às vias postais, como se observou in pp. 21 supra. 102 Vide os casos dos Acs. do TC n.ºs 75/99 e 148/01.