Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
LEVANTAMENTO DA APREENSÃO DE DINHEIRO
RESTITUIÇÃO AO ARGUIDO
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário
–Sendo ordenada, em sentença penal, a restituição ao arguido de determinada quantia apreendida e, sendo ele responsável pelas custas desse processo, deve ser reconhecido o direito de retenção em relação àquela quantia, nos termos do art.34, nº1, al.d, do RCP, até que se mostrem pagas as custas da responsabilidade do mesmo.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
Iº-1.–Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº173/20.6PALSB, da Comarca de Lisboa (Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12), por sentença de 30 de setembro de 2021, o arguido AS, foi condenado por crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, tendo o tribunal decidido, ainda, levantar a apreensão que incidia sobre €30 (auto de apreensão de fls. 7) e ordenar a notificação do arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 186, n°3, do Código de Processo Penal.
Por requerimento de 9 de dezembro de 2021, o Ministério Público requereu que o levantamento da apreensão do dinheiro e a sua entrega ao arguido apenas ocorresse depois de pagas voluntariamente as custas em dívida, cumprindo-se na negativa o disposto no art.34, do RCP.
Por despacho de 6 de janeiro de 2022, o Mmo Juiz decidiu:
“…
Fls. 190 a 192:
Indefere-se o requerido, uma vez que, o artigo 186º, n.º 2, do Código de Processo Penal preceitua que “Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo de tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado.”, não prevendo este normativo legal qualquer excepção, como seja, por exemplo, que os autos aguardem o prazo para o pagamento voluntário das custas (que poderá até ser extenso, no caso de incidir reclamação sobre a conta e recurso sobre a decisão da reclamação ou pagamento das mesmas em prestações), sendo certo que, o direito de retenção previsto no artigo 34º, n.º 1, alínea d), do Regulamento das Custas Processuais apenas “nasce” no caso de não vir a ocorrer o pagamento voluntário das custas, no prazo legal previsto para o efeito, não existindo ao tempo do cumprimento do mencionado artigo 186º.
Deste modo, com o devido respeito por opinião contrária, se o tribunal decidisse nos termos promovidos, estaria a retardar, sem qualquer sustentação legal, o cumprimento do acima mencionado artigo 186º, isto é, estaria a criar um obstáculo ao seu atempado cumprimento, ficcionando uma situação ainda não existente.
…”.
2.–Deste despacho de 6 de janeiro de 2022, recorre o Ministério Público, concluindo: a)-Na douta sentença …, decidiu o Mm°. Juiz a quo condenar o arguido AS no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça no mínimo legal, ordenar o levantamento da apreensão que incide sobre o remanescente dinheiro apreendido ao arguido AS e, relativamente a este dinheiro, ordenar a notificação do mesmo nos termos e para os efeitos do artigo 186°, n.° 3, do C.P.P.. b)-Em 9/12/2021 o Ministério Público requereu que, uma vez transitada em julgado a sentença, o levantamento da apreensão do dinheiro em causa e a sua entrega ao arguido, cumprindo-se o artigo 186°, n.° 3, do C.P.P., apenas ocorram mostrando-se pagas voluntariamente as custas em dívida, cumprindo-se na negativa o disposto no art.34° do R.C.P.. c)-No douto despacho ora recorrido, proferido em 6 de janeiro de 2022, o Mmo Juiz a quo indeferiu o assim requerido, com os seguintes fundamentos:
-artigo 186º, n.º 2, do Código de Processo Penal preceitua que “Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo de tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado.”, não prevendo este normativo legal qualquer excepção, como seja, por exemplo, que os autos aguardem o prazo para o pagamento voluntário das custas (que poderá até ser extenso, no caso de incidir reclamação sobre a conta e recurso sobre a decisão da reclamação ou pagamento das mesmas em prestações), sendo certo que, o direito de retenção previsto no artigo 34°, n.° 1, alínea d), do Regulamento das Custas Processuais apenas “nasce” no caso de não vir a ocorrer pagamento voluntário das custas, no prazo legal previsto para o efeito, não existindo ao tempo do cumprimento do mencionado artigo 186°.
Deste modo, com o devido respeito por opinião contrária, se o tribunal decidisse nos termos promovidos, estaria a retardar, sem qualquer sustentação legal, o cumprimento do acima mencionado artigo 186°, isto é, estaria a criar um obstáculo ao seu atempado cumprimento, ficcionando uma situação aonda não existente”. d)-Ora, o assim decidido viola o disposto no art.34° do R.C.P., uma vez que a decorrência lógica do levantamento da apreensão do dinheiro e o cumprimento do art.186°, n°3, do C.P.P. logo que decorrido o trânsito em julgado da sentença é, ou a entrega do dinheiro ao arguido, ou a declaração de perdimento do dinheiro a favor do Estado se o dinheiro não vier a ser restituído/levantado, o que inviabiliza liminarmente a retenção e afetação de tal quantia pecuniária apreendida nos autos ao pagamento das custas devidas pelo condenado. e)-Na verdade, impõe-se salvaguardar o exercício do direito de retenção consagrado no art.34° do R.C.P. e a retenção/afetação da quantia em causa ao pagamento das custas em sede de eventual incumprimento caso, passado o prazo para o pagamento voluntário, venham a estar em dívida as custas do processo a cargo do arguido seu devedor, sendo manifestamente no caso quantia apreendida de que é titular o responsável pelas custas e que deve a este ser entregue (n°1, al. d)), requisitos estes de aplicação do preceito legal em causa. f)-O cumprimento do art.34°, n°1, al. d), do R.C.P. mostra-se inviabilizado nos termos decididos no douto despacho recorrido ao decidir que o levantamento da apreensão do dinheiro e a notificação do arguido nos termos do art.186°, n°3, do C.P.P. deve verificar-se logo que decorrido o trânsito em julgado da sentença, g)-por conseguinte antes da elaboração da conta de custas, deve o arguido ser notificado para o respetivo pagamento voluntário e, obviamente, da constatação nos autos passado o prazo para o pagamento voluntário do eventual incumprimento por parte do devedor de custas, fundamentos do recurso ao mecanismo previsto no art.34° do R.C.P., h)-isto porque no momento da constatação do incumprimento, passado o prazo para o pagamento voluntário sem que estejam pagas as custas, o dinheiro já não está apreendido à ordem dos autos, e já foi ou entregue ao arguido ou declarado perdido a favor do Estado dado o percurso lógico da aplicação do invocado art.186°, n°3, do C.P.P. logo que decorrido o trânsito em julgado da sentença. i)-Tudo ponderado, carece de suporte legal o decidido levantamento da quantia pecuniária apreendida nos autos e cumprimento do art.186°, n°3, do C.P.P. logo que decorrido o trânsito em julgado da sentença, e a subsequente entrega ao arguido da quantia ou a sua declaração de perdimento a favor do Estado sem que se mostre elaborada a conta de custas, notificado o devedor de custas para pagamento voluntário e verificada a falta de pagamento por parte deste passado o prazo para o pagamento voluntário. j)-Na verdade, só deve proceder-se ao levantamento da apreensão do dinheiro em causa ao arguido AS e à notificação do mesmo nos termos e para os efeitos do artigo 186°, n.° 3, do C.P.P., não logo que decorrido o trânsito em julgado da sentença mas apenas após a elaboração e a notificação ao arguido da conta de custas para pagamento voluntário das custas em dívida e se o mesmo tiver pago voluntariamente as custas. l)-É esta a única forma de concretização da aplicação conjugada dos dois preceitos legais em equação, sem se afastar a aplicação de um deles, o art.34° do R.C.P.. m)-Face a todo o exposto, ao decidir como decidiu, o Mmo Juiz a quo no douto despacho recorrido violou o disposto no art.34, do RCP.
Termos em que, decidindo em conformidade com as conclusões que antecedem, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro decidindo-se se “proceda ao levantamento da apreensão do dinheiro em causa e à sua entrega ao arguido, cumprindo-se o art.186, nº3, CPP, mostrando-se pagas voluntariamente as custas em dívida, cumprindo-se na negativa o art.34, do RCP.
3.–O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, não tendo sido apresentada resposta.
4.–Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-geral Adjunta pronunciou-se pelo provimento do recurso.
5.–Após os vistos legais, realizou-se a conferência.
6.–O objeto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respetivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se, face ao levantamento da apreensão de dinheiro a restituir ao arguido e notificação do mesmo para os efeitos do artigo 186, n°3, do Código de Processo Penal, existe, ou não, fundamento para proceder à sua retenção/afetação nos termos do art. 34º, nº 1, al. d), do R.C.P.
* * *
IIº-1.–Por sentença de 30 de setembro de 2021, o arguido foi condenado por crime de tráfico de estupefacientes em pena de prisão, determinada a restituição ao mesmo da quantia de €30 a ele apreendida no momento em que foi detido pelos factos objeto desses autos e condenado, ainda, nas custas do processo.
O arguido interpôs recurso daquela sentença, questionando a não suspensão da execução da pena de prisão, recurso julgado improcedente por douto acórdão de 5 de abril de 2022, já transitado em julgado.
A questão objeto do presente recurso foi suscitada pelo Ministério Público por requererimento de 9-12-21, em relação à qual foi proferido o despacho recorrido, datado de 6-01-22, de que recorre o Ministério Público, por recurso admitido em 14-01-22, a subir em separado.
Considerando que já transitou o douto acórdão que apreciou o recurso inteposto pelo arguido da sentença final, é definitiva a decisão de restituição ao arguido da quantia de €30, assim como a sua condenação em custas.
A questão suscitada enquadra-se na apreciação conjugada do disposto nos arts.186, do CPP e 34, do RCP.
Preceitua o artigo 186.º do Código Processo Penal sob a epígrafe “Restituição de animais, coisas e objetos apreendidos”: 1-Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os animais, as coisas ou os objetos apreendidos são restituídos a quem de direito ou, no caso dos animais, a quem tenha sido nomeado seu fiel depositário. 2-Logo que transitar em julgado a sentença, os animais as coisas ou os objetos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado. 3-As pessoas a quem devam ser restituídos os animais, as coisas ou os objetos são notificadas para procederem ao seu levantamento no prazo máximo de 60 dias, findo o qual, se não o fizerem, se consideram perdidos a favor do Estado.
…
Por sua vez, o artigo 34º do RCP preceitua: 1-Passado o prazo para o pagamento voluntário sem que estejam pagas as custas, multas e outras quantias contadas e não tendo sido presentada reclamação ou até que esta seja alvo de decisão transitada em julgado, o tribunal tem o direito a reter qualquer bem na sua posse ou quantia depositada à sua ordem que: a)-Provenha de caução depositada pelo responsável pelas custas; b)-Provenha de arresto, consignação em depósito ou mecanismo similar, relativos a bens ou quantias de que seja titular o responsável pelas custas; c)-Provenha da consignação, venda ou remição relativa a bens penhorados que fossem propriedade do responsável pelas custas;
d) Deva ser entregue ao responsável pelas custas.
Atento o exposto supra, não restam dúvidas que o arguido é responsável por custas e que a referida quantia de €30 lhe deve ser entregue.
Diz o despacho recorrido que o nº2, do citado art.186, determina a restituição “Logo que transitar em julgado a sentença, ….” e que o direito de retenção previsto no artigo 34º, n.º 1, alínea d), do Regulamento das Custas Processuais apenas “nasce” no caso de não vir a ocorrer o pagamento voluntário das custas.
O art.34, do RCP, ao estabelecer um direito de retenção, visa garantir o pagamento de serviços prestados pela máquina judiciária, para o efeito reconhecendo ao prestador desse serviço o direito de retenção de quantia que devesse entregar ao devedor das custas.
Esta obrigação de entrega, na maioria dos casos, tal como aconteceu no caso em apreço, nasce com o mesmo ato que gera o crédito de custas, a sentença final.
Ora, sabido que existe sempre um prazo para pagamento voluntário das custas após trânsito da sentença final, caso não fosse reconhecido o direito de retenção antes do decurso desse prazo, o referido art.34, não teria qualquer efeito útil.
Como é sabido, mesmo no direito civil, em certos casos, é admissível o direito de retenção como forma de garantir créditos inexigíveis e ilíquidos (art.757, Código Civil).
Por maioria de razão, em casos como o dos autos, deve ser admitido o direito de retenção como forma de assegurar o pagamento de custas da responsabilidade do credor de determinada quantia à ordem do processo que deu origem àquelas custas, pois esse credor (no caso o arguido) é responsável pelo custo de determinado serviço prestado pelo Estado através do mesmo processo judicial à ordem do qual foi apreendida a quantia que agora lhe deve ser restituída.
Não seria compreensível que a referida quantia fosse de imediato restituída ao arguido e, pouco depois, decorrido o prazo de pagamento voluntário das custas, a máquina judiciária fosse onerada com a obrigação de efetuar diligências para cobrança coersiva, com sério risco de insucesso, acabando por ser a comunidade a ter que suportar na íntegra o custo do funcionamento daquela máquina judiciária, quando o arguido foi o único responsável pela intervenção desta.
Considerando a regra da não gratuitidade da atividade judiciária, é mais justo que o devedor de custas seja sacrificado, em caso de pagamento voluntário das mesmas, com o atraso na restituição de uma quantia de que é credor, do que correr o risco de onerar a comunidade com os custos totais daquela atividade, a que só aquele devedor de custas deu causa.
Concluindo:
Sendo ordenada em sentença crime a restituição ao arguido de determinada quantia apreendida e sendo ele responsável pelas custas desse processo, deve ser reconhecido o direito de retenção em relação àquela quantia, nos termos do art.34, nº1, al.d, do RCP, até que se mostrem pagas as custas da responsabilidade do mesmo.
* * *
IIIº–DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, em conferência, em dar provimento ao recurso do Ministério Público, revogando o despacho recorrido que se substitui por outro reconhecendo a existência de direito de retenção em relação à quantia cuja entrega ao arguido foi determinada na sentença, até que se mostrem pagas as custas da sua responsabilidade.
Sem tributação.