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ASSISTENTE
TAXA DE JUSTIÇA
Sumário
Para os efeitos do artº 515, nº 1, alínea d), so CPP98, é justificada a abstenção de acusar por parte do assistente, se os elementos probatórios recolhidos no inquérito apontam no sentido de uma provável condenação do arguido.
Texto Integral
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª)
DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I
1. No inquérito n.º .../03.2GCVNF dos serviços do Ministério Público de competência criminal de Vila Nova de Famalicão, em que é assistente B......... e arguido C........, o Ministério Público determinou o arquivamento do inquérito, nos termos do artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), quanto ao denunciado crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal e determinou a notificação da assistente, nos termos do artigo 285.º do CPP, relativamente ao crime de injúria denunciado.
2. A assistente não veio deduzir acusação pelo crime de injúria que havia denunciado nem nada fez chegar ao processo.
3. Pelo que o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos quanto ao crime de injúria, por falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, e remeteu os autos ao juiz de instrução, nos termos e para os efeitos do artigo 515.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal.
4. Embora também notificada desse despacho, a assistente não se pronunciou sobre ele.
5. Por despacho judicial de 14/12/2004, a assistente B....... foi condenada em uma UC de taxa de justiça, nos termos do disposto nos artigos 85.º, n.º 3, alínea e), do Código das Custas Judiciais, e 515.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal.
É o mesmo do seguinte teor:
«B.........., assistente nos presentes autos (cfr. fls. 47), notificada para o efeito (cfr. fls. 104 e 106 a 108), não veio deduzir acusação pela prática de factos susceptíveis de integrar um crime particular.
«O Ministério Público promove a condenação da assistente ao abrigo do disposto no artigo 515.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal face a essa abstenção injustificada de acusar (cfr. fls. 110).
«A assistente não se manifestou quanto a tal promoção.
«Cumpre decidir.
«Ponderando o comportamento omissivo e injustificado da assistente, condena-se a mesma em 1 (uma) UC de taxa de justiça, nos termos do disposto nos artigos 85.º, n.º 3, alínea e), do Código das Custas Judiciais, e 515.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal.
«Notifique.»
6. A assistente B........ veio, então, recorrer desse despacho, rematando a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões:
«1 – A assistente que não deduz acusação por a insuficiência de prova a ter convencido de que a acusação particular estaria votada ao insucesso, não deve ser condenada no pagamento de taxa de justiça por abstenção injustificada de acusar, nos termos do artigo 515.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal.
«2 – Não podendo o juiz condená-la quando do processo constam elementos que permitem concluir que aquela não acusou justificadamente.»
7. Admitido o recurso e efectuadas as notificações a que alude o artigo 411.º, n.º 5, do CPP:
- respondeu o Ministério Público, suscitando, em primeiro lugar, a questão da falta de interesse em agir da assistente, por beneficiar de apoio judiciário e, por isso, não lhe ser exigível o pagamento da quantia em que foi condenada, e, quanto ao mérito, pronunciando-se pela improcedência do recurso; e
- respondeu também o arguido, pugnando pela procedência do recurso, a cujas alegações aderiu por dos autos inexistirem provas susceptíveis de sustentar a imputação da prática de qualquer crime.
8. Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, na vista a que se refere o artigo 416.º do CPP, expressou a sua concordância com a resposta do Ministério Público em 1.ª instância.
9. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.
10. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II
Cumpre decidir.
1. Quando o procedimento depender de acusação particular (crimes particulares), o Ministério Público, no fim do inquérito, deve notificar o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular (artigo 285.º do CPP).
Na sequência dessa notificação, pode o assistente deduzir acusação ou abster-se de o fazer.
A acusação do assistente é uma condição indispensável do prosseguimento do processo e por aí se traduz, nos crimes particulares, o papel principal, e não meramente subsidiário do do Ministério Público, que é atribuído ao assistente [Neste sentido, Gil Moreira dos Santos, O Direito Processual Penal, Edições Asa, p. 129]. A actuação do Ministério Público só pode ter lugar dentro dos estritos limites que ao objecto do processo sejam postos pela vontade do assistente (artigo 285.º, n.º 3, do CPP) [Como assinala Jorge de Figueiredo Dias, «Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal», Jornadas de Direito processual Penal, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, p. 26].
O assistente também pode condicionar o procedimento, não deduzindo acusação. A não dedução de acusação é uma forma de pôr termo ao processo, impedindo o seu prosseguimento (artigo 50.º do CPP).
2. Tanto a desistência de queixa como a abstenção de deduzir acusação nos crimes particulares são meios de que o assistente se pode servir para obstar ao prosseguimento do processo e, desse modo, tornar inútil toda a actividade processual desenvolvida.
Por isso, entendeu o legislador penalizar, por via de condenação em taxa de justiça, o assistente que, por acto ou omissão próprios, ponha termo ao processo.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 515.º do CPP, conjugado com o n.º 3, alínea e), do artigo 85.º do Código das Custas Judiciais, o assistente é condenado em taxa de justiça, a fixar entre um quarto de UC e 5UC, se fizer terminar o processo por desistência de queixa ou abstenção injustificada de acusar.
Deste modo, o assistente é responsabilizado por não manter, ao longo do procedimento, um comportamento processual intrinsecamente coerente que passaria por não retirar eficácia à queixa, quer o faça por acção (dela desistindo) quer o faça por omissão (através da abstenção de deduzir acusação, nos crimes particulares).
Com o que também, e por outro lado, se alcança a responsabilização do assistente por exercer o direito de queixa de forma temerária, leviana ou infundada. O que ocorre nos casos em que a desistência de queixa ou a abstenção de acusar mais não são do que meios processuais de que o assistente se serve com a exclusiva finalidade de evitar uma rejeição da acusação ou uma absolvição do arguido.
Seja qual for a situação, o que é certo é que a responsabilidade do assistente por taxa de justiça decorre sempre de, por sua iniciativa, inutilizar toda a actividade processual que foi desenvolvida até ao momento em que desiste da queixa ou até ao momento em que deveria deduzir acusação particular.
3. No que especialmente se refere à abstenção de acusar, bem se compreende que a omissão do assistente só dê lugar ao pagamento de taxa de justiça quando essa abstenção não se apresente fundada.
O legislador não podia razoavelmente exigir que o assistente deduzisse acusação só pelo simples facto de ter apresentado queixa quando no inquérito não se recolheram indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente. Ou, dito de outro modo, o legislador não poderia querer responsabilizar o assistente pelo pagamento de taxa de justiça por não deduzir acusação para depois o poder responsabilizar pelo pagamento de taxa de justiça pela rejeição da acusação ou pela absolvição do arguido (respectivamente, alíneas f) e a) do n.º 1 do artigo 515.º).
Por isso, a responsabilidade do assistente por taxa de justiça só se verifica no caso de abstenção infundada de acusar.
E só se pode considerar que se verifica uma abstenção fundamentada de acusar quando dos elementos probatórios recolhidos no inquérito não resulta uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento uma pena (artigo 283.º, n.º 2, do CPP) ou quando se verifica uma causa de extinção do procedimento criminal (v.g. amnistia, prescrição).
Fora destes casos, há para o assistente como que um «dever» de deduzir acusação por crime particular e a omissão de deduzir acusação torna-o responsável pelo pagamento de taxa de justiça.
Evita-se, assim, que a abstenção de deduzir acusação seja uma forma encapotada de desistência da queixa.
4. A questão que o recurso especialmente convoca é a de saber se o assistente, no prazo para deduzir acusação, não a deduzindo, deve vir ao processo informar das razões por que entende não deduzir acusação.
O que passa por interpretar o segundo segmento da alínea d) do n.º 1 do artigo 515.º do CPP, numa dupla vertente de exigência processual; como comportando a exigência de o assistente justificar, no processo, a sua abstenção de deduzir acusação e a exigência de se mostrar objectivamente fundada essa abstenção de acusar.
Cremos que esta é a interpretação correcta do segundo segmento da alínea d) do n.º 1 do artigo 515.º do CPP.
Só através do esclarecimento das razões por que o assistente entende que a acusação que viesse a deduzir estaria votada ao fracasso, conduzindo ou a uma pura e simples rejeição da acusação ou à absolvição do arguido, é que o Ministério Público pode, através da ponderação dessas razões e da análise dos elementos que constam do inquérito, propor ou deixar de propor ao juiz de instrução a condenação do assistente em taxa de justiça e só por via desse esclarecimento é que o juiz de instrução está habilitado a decidir sobre se a opção de não deduzir acusação se apresenta ou não fundada.
Só através da satisfação dessa dupla exigência é que será cumprido o dever de justificar a abstenção de acusar.
Ou seja, a justificação da abstenção de acusar passa, justamente, em primeiro lugar, por fundamentar as razões de não ser deduzida acusação particular, no que se inclui esclarecer essas razões, e, em segundo lugar, por uma análise sobre serem elas procedentes.
A assistente, como resulta dos elementos processuais que elencámos no relatório deste acórdão, notificada nos termos do artigo 285.º do CPP, nada fez chegar ao processo.
O que significa uma abstenção injustificada de acusar, desde logo por omissão de fundamentar as razões por que não deduzia acusação.
O que, e independentemente de se poder vir a concluir, se fossem apresentadas razões para a opção de não deduzir acusação, pela procedência ou improcedência das razões invocadas, conforma uma abstenção injustificada de acusar e acarreta a improcedência do recurso.
5. Para a interposição do qual a assistente tem interesse em agir, não obstante gozar do benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça, custas e demais encargos com o processo.
É que o apoio judiciário pode ser retirado e pode vir a ser instaurada acção para cobrança das importâncias de que o beneficiário foi dispensado, nos termos previstos nos artigos 10.º e 13.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Junho.
Não assiste, neste aspecto, razão ao Ministério Público quanto à questão prévia da falta de interesse em agir da assistente para recorrer.
III
Em conformidade com o exposto, negamos provimento ao recurso e confirmamos a decisão recorrida.
Por ter decaído, condena-se a assistente em 3 UC de taxa de justiça (artigo 515.º, n.º 1, alínea b), do CPP).
Porto, 9 de Novembro de 2005
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
Agostinho Tavares de Freitas