ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
PRAZO CERTO
LEI APLICÁVEL
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
DECLARAÇÃO FORMAL
Sumário

1 - No âmbito do contrato de arrendamento para habitação, com prazo certo, o prazo de duração da renovação previsto no n.º 1 do artigo 1096º do Código Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, é aplicável às relações arrendatícias vigentes à data da entrada em vigor deste diploma legal, sem prejuízo da sua natureza supletiva e de manter-se a duração do prazo de renovação em curso até que ocorra nova renovação.
2 - Porém, a lei nova não se aplica a factos extintivos de situações jurídicas que tenham ocorrido antes do seu início de vigência, como é o caso da comunicação de oposição à renovação do contrato que tenha tido lugar antes da sua entrada em vigor, pois que o facto extintivo do contrato de arrendamento é essa comunicação, sendo a cessação do arrendamento o efeito ou consequência da comunicação feita pelo senhorio ao arrendatário.
3 – A possibilidade de o senhorio impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário, com observância da antecedência mínima prevista o artigo 1097º do Código Civil constitui norma imperativa, nos termos do artigo art.º 1080º do referido diploma legal, visando estabelecer um prazo mínimo de protecção ao inquilino face à cessação do contrato.
4 - A oposição à renovação é um poder (potestativo), livre (discricionário) e unilateral, dependente apenas da manifestação de vontade do senhorio e sua comunicação, nos termos e condições legalmente definidos, ao inquilino (declaração receptícia), enquanto meio de impedir que, por via da renovação automática tácita, a vigência do contrato se perpetue.
5 – A vontade do senhorio e a sua manifestação formal devem ser certas, inequívocas e seguras, sobremaneira no que diz respeito ao momento visado para a produção de efeitos, a fim de que o inquilino fique vinculado ao efeito desejado e para que lhe seja exigível o seu acatamento, com a consequente entrega do locado.

Texto Integral

Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, residente Praceta ..., n.º .. 2.º Dt.º, 2630-249 Póvoa de Santo Adrião intentou contra B, com residência na Rua ..., n… – 6.º E, 2660-303, Santo António dos Cavaleiros a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando os seguintes pedidos:
a) A declaração de validade da oposição à renovação do contrato de arrendamento;
b) A emissão de ordem de despejo da ré do prédio urbano, com a letra “E”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures com o n.º … sito Rua ..., n.º 5 – 6.º E, 2660-303, Santo António dos Cavaleiros;
c) A aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art.º 829.º- A do Código Civil, ao valor diário de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso em caso de inobservância do decidido;
d) A condenação da ré a pagar as rendas em atraso no valor de € 2 270,00 (dois mil duzentos e setenta euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
e) A condenação da ré no pagamento das eventuais rendas não pagas na pendência da acção, a liquidar em sede de execução de sentença;
f) A condenação da ré a ressarcir a autora a título de danos não patrimoniais na quantia de € 3 000,00 (três mil euros).
Alega, para tanto, muito em síntese, o seguinte:
- A autora é a dona e legítima proprietária do prédio urbano, com a letra “E”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures com o n.º … sito Rua ..., n.º 5 – 6.º E, 2660-303, Santo António dos Cavaleiros, tendo celebrado com a ré, em 23 de Novembro de 2013, um contrato de arrendamento tendo por objecto tal fracção, pelo prazo de um ano, com termo a 23 de Novembro de 2014, sem prejuízo de ser renovável sucessivamente por períodos idênticos, caso nenhuma das partes o pretendesse denunciar ou opor-se, mediante o pagamento da renda mensal de 300,00 (trezentos euros);
- A ré deixou de pagar a renda pontualmente;
- No final do mês de Julho de 2018, a autora comunicou, por carta simples, a oposição à renovação do contrato a produzir efeitos em Novembro de 2018, a que a ré se opôs por não ser válida tal comunicação;
- Em 15 de Abril de 2019, a autora interpelou a ré a informar da cessação do negócio jurídico, por efeito da oposição à renovação do contrato, com efeitos a 23 de Novembro de 2019;
- Por notificação judicial avulsa, efectivada em 19 de Novembro de 2019, a autora comunicou à ré a cessação do contrato de arrendamento, devendo, no prazo de dez dias, proceder à entrega do locado, o que não sucedeu;
- Interpelou-a novamente, por duas vezes, sem resposta.
- A Autora é credora, a título de rendas, até à data, do total de € 2 270,00 (dois mil duzentos e setenta euros).
A ré deduziu contestação alegando, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 10295475):
- O contrato de arrendamento celebrado entre autora e ré não é aquele que foi junto aos autos, pois o arrendamento foi celebrado por 1 ano e 6 meses e não apenas por 1 ano;
- O arrendamento estava sujeito a renovação automática pelo período de 5 anos, pelo que a comunicação de Julho de 2018, para produzir efeitos em Novembro de 2018, era extemporânea;
- A ré tem direito a permanecer no locado até 2023, pois que o contrato se renovou por mais 5 anos;
- As rendas foram pagas e as que se vencerem serão pagas na eventualidade de improcedência da acção.
Pugnou pela improcedência da acção e condenação da autora como litigante de má fé e no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, na quantia de € 300,00 por cada dia em que, por qualquer forma, a contar da citação, dificulte ou afecte o normal gozo do locado.
Em 28 de Janeiro de 2021 foi proferido despacho a convidar a autora a se pronunciar sobre a existência de dois contratos de arrendamento relativamente ao mesmo locado, com período de duração diferente (cf. Ref. Elect. 146757201).
Por requerimento de 29 de Janeiro de 2021, a autora impugnou a genuinidade do documento que corporiza o contrato de arrendamento junto pela ré, requerendo produção de prova pericial (cf. Ref. Elect. 10533751).
No dia 24 de Janeiro de 2022 realizou-se a audiência prévia no âmbito da qual a autora desistiu parcialmente do pedido na parte atinente ao pagamento das rendas vencidas à data da entrada em juízo da acção (6 de Outubro de 2020) e de indemnização por danos morais, requerendo ainda a condenação da ré no pagamento de multa por litigância de má fé.
Pela senhora juíza a quo foi ainda concedida à ré a oportunidade para informar se procedeu ao depósito liberatório das rendas face à alegada recusa da autora em as receber e para se pronunciar sobre a obrigação do pagamento de rendas a título de indemnização devida nos termos do art.º 1045º do Código Civil, mesmo em caso de cessação do contrato (cf. Ref. Elect. 151330560).
Em 25 de Janeiro de 2022 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 151332528):
“Declaro válida e eficaz a oposição à renovação comunicada pela autora e, em consequência, a caducidade do contrato de arrendamento;
2. Condeno a ré na entrega do imóvel à autora;
3. Condeno a ré no pagamento à autora da quantia mensal de 300,00€ (trezentos euros) desde a instauração da presente acção até trânsito em julgado da sentença;
4. Absolvo a ré do demais peticionado, designadamente do pedido de condenação em litigância de má-fé formulado pela autora em sede de audiência prévia.”
Inconformada com a decisão proferida, veio a ré interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 11928409):
1ª Em primeiro lugar a comunicação da oposição à renovação afigura-se inconstitucional pois que violadora do artº 65º da CRP, sendo ilegal a douta sentença recorrida.
2ª Supletivamente, o prazo tal comunicação é de 60 dias tal como decorre do artº 1055º do CC sendo que tal comunicação por ter sido efetuada apenas com 15 dias de antecedência é igualmente ilegal.
3ª A omissão de conhecimento sobre qual dos 2 contratos, ambos assinados pela senhoria, seria válido inquina de nulidade a mesma pois não conheceu do que devia.
4ª Acresce que a Lei aplicável seria sempre a que se encontrava em vigor à data dos factos e não a que se encontra em vigor à data da comunicação de oposição à renovação. Ora, sendo irregulares as notificações de tais oposições sempre se deveria sustentar que inexiste o direito de despejo. Não basta estar ciente, os prazos deveriam ter sido observados.
5ª Uma vez comunicada a oposição à renovação com fixação de data para despejo e manifesto que um contrato que deixa de existir não confere o direito a exigir rendas vincendas.
6º Tendo o senhorio prescindido das rendas em audiência nada mais é devido.
7º A douta sentença está ainda em contradição com os fundamentos quando pretende impor um prazo mínimo de 3 anos à base da nova Lei e ao mesmo não contraria os prazos da comunicação que assim está inquinada de ilegalidade/abuso de direito.
8ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
9ª A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente.
10ª Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo embargante, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto.
11º Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
12ª Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica.
13ª Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo nº 0012472, sumário em dgsi.pt).
14ª Promover o despejo sem dar a possibilidade ao arrendatário de alegar e fazer prova de que efetuou obras necessárias e tais valores são adequados a fazer extinguir a obrigação de pagar as rendas reveste objetivamente uma contradição com os fundamentos inquinando de nulidade o despacho recorrido, desde logo com base no instituto do abuso de direito, o qual se invoca para todos os efeitos.
Conclui pugnando pela procedência do recurso e pela consequente revogação da decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões das alegações do réu/apelante há que apreciar as seguintes questões:
a) Da invocação de nulidades da decisão;
b) Da verificação dos pressupostos da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos (a que este Tribunal introduziu correcção/aditamento em função dos elementos documentais existentes nos autos, concretamente, no ponto 4., onde se reproduziu o teor da missiva nele mencionada, conforme documento n.º 6 junto com a petição inicial e no ponto 6., atendendo ao teor do requerimento da notificação judicial avulsa, a cujo processo n.º 10733/19.2T8LRS se acedeu através do sistema Citius, considerando que, nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, a Relação pode/deve corrigir, mesmo a título oficioso, patologias que afectem a decisão da matéria de facto - cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., 2016, 3ª edição, pág. 245; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 2015, pág. 468):
1. Autora e ré subscreveram um documento intitulado “contrato de arrendamento”, na sequência do qual, pela renda mensal de 300,00 €, a autora, na qualidade de senhoria, deu de arrendamento à ré, para habitação desta, na qualidade de arrendatária, a fracção autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano sito na Rua ..., em Loures.
2. Esse contrato iniciou-se em 23.11.2013.
3. Ficou acordado que a renda mensal seria paga à senhoria ou ao seu representante legal, na respectiva residência ou através de depósito ou transferência bancária no primeiro dia do mês anterior a que respeitar.
4. Em 15 de Abril de 2019 a autora remeteu à ré, por correio registado com aviso de recepção, uma missiva escrita com o seguinte teor:
“Assunto: Cessação e não renovação do Contrato de Arrendamento.
Na qualidade de proprietária e senhoria do imóvel, localizada na Rua ..., n.º 5, 6E, Freguesia de Santo António dos Cavaleiros, concelho de Loures descrito na conservatória do registo Predial de Loures n.º ….
Em detrimento das cartas enviadas, datadas de 31 de Julho e 07 de Novembro do ano passado, na qual informava a Cessação e não renovação do contrato de arrendamento, celebrado em 23 de Novembro de 2013.
Assim sendo, como é do seu conhecimento, solicito que no dia 01 de Maio do corrente ano, deverá entregar o imóvel livre de pessoas e bens e no estado de conservação, limpo como se encontrava na data da celebração do contrato, e entregar das respectivas chaves.”
5. A ré recebeu esta missiva em 16 de Abril de 2019.
6. Em 19 de Novembro de 2019, a ré recebeu uma notificação judicial avulsa, através da qual lhe foi comunicada pelo Tribunal, a intenção da autora de se opor à renovação do contrato de arrendamento identificado no ponto 1. “supra”, com o seguinte teor:
“1.º A Requerente é a dona e legítima proprietária do prédio urbano, com a letra “E”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures com o n.º … sito Rua ..., n.º 5 – 6.º E, 2660-303, Santo António dos Cavaleiros conforme Doc. 1 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
2.º A Requerente em 23 de Novembro de 2013 celebrou um contrato de arrendamento com a Requerida relativa à fração sita na Rua ..., n.º 5 – 6.º E, 2660-303, pelo prazo de 1 (um) ano renováveis sucessivamente, conforme Doc. 2 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
3.º Requerente e Requerida estipularam o valor de € 300,00 (trezentos euros) mensais para o pagamento da renda do locado, conforme Doc. 2 já junto aos autos;
Acontece que,
4.º A Requerida em, Dezembro de 2017 não pagou a renda, em Janeiro de 2018 apenas pagou € 200,00 (duzentos euros) da renda, em Fevereiro pagou € 230,00 (duzentos e trinta euros), estando em divida no valor de € 470,00 (quatrocentos e setenta euros);
5.º Em 25 de Julho de 2018, a Requerida apos instada pela Requerente para exercer a direito preferência na aquisição à fração, declarou não pretender exercer este, conforme Doc. 3 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
Assim
6.º A Requerente em meados de Julho de 2018 interpelou a Requerida por intermédio de carta simples a comunicar-lhe a oposição à renovação do contrato a produzir efeitos em Novembro de 2018, conforme Doc. 4 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
7.º Na ausência de resposta por parte da Requerida que deixou o telefone, a Requerente em 11 de Agosto de 2018 instou novamente a segunda a informar a oposição e não do contrato de arrendamento, conforme Doc. 5 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
Todavia,
8.º A Requerida alegou que não era valida a comunicação, uma vez que supostamente não recebeu a primeira carta data de Abril de 2018;
Pelo que,
9.º A Requerente não pretendendo criar problemas, deixou que a Requerida se mantivesse no locado por mais um ano;
No entanto,
10.º A Requerente em 15 de Abril de 2019, interpelou a Requerida a informar da cessão, por efeito da oposição à renovação ao contrato de arrendamento da fração melhor identificada supra, conforme Doc. 5 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
Bem como,
11.º Interpelou a Requerida para esta proceder à entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens no final do contrato, nomeadamente, no próximo dia 23 de Novembro de 2019, conforme Doc.s 2 e 6 já juntos aos autos;
Sendo assim,
12.º Nos termos do estatuído na alínea b) do n.º 1 do Art. 1097.º CC preceitua-se que «o senhorio pode impedir a renovação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos», conforme in casu ocorre de forma manifesta;
Nessa conformidade,
13.º Os Requerente pretendem por termo ao contrato de arrendamento celebrado com a Requerida e respetiva não renovação deste deste, bem como, que esta última, proceda à restituição do locado e melhor identificado no artigo 1.º da presente, livre e devoluto de pessoas e bens, no prazo máximo de 10 (dez) após a presente notificação, sob pena de ser instaurada a ação de despejo;
Assim, nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de Vossa Exas, requer-se a notificação da Requerida:
a) Da oposição e não renovação do contrato de arrendamento celebrado em 18 de Novembro de 2018, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do Art. 1097.º CC, por efeito da missiva enviada a 15/04/2019 e recebida a 16/04/2019
b) Para no prazo máximo de 10 (dias) dias, apos a data da cessação do contrato de arrendamento entregar à Requerentes os prédio urbano descrito com a letra “E”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures com o n.º … sito Rua ..., n.º 5 – 6.º E, 2660-303, Santo António dos Cavaleiros, livre e devoluto de qualquer bem ou pessoa
c) Por último, para pagar à Requerente o valor em dívida de € 470,00 (quatrocentos e setenta euros), no mesmo prazo da alínea anterior, acrescido dos juros vencidos e vincendo.”
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Das Nulidades da sentença
Da omissão de pronúncia
A singela leitura das alegações da recorrente permitem constatar facilmente que estas não primam pela organização, clareza de argumentos e fio lógico condutor, porquanto enveredam, logo à partida, pela inconstitucionalidade de um instituto, sem que se discirna a que normativo, em concreto e com que interpretação, a recorrente imputa tal desconformidade constitucional, para depois se debruçar, em duas linhas, sobre a incorrecta aplicação da lei no tempo, suscitando pelo caminho diversas situações susceptíveis de conduzirem a uma eventual nulidade da decisão recorrida, sem que esta surja inequivocamente plasmada na argumentação e menos ainda peticionada nas conclusões.
De todo o modo, procurar-se-á, por entre os diversos argumentos esgrimidos, encontrar o fundamento para as menções efectuadas quanto a eventuais nulidades de que a sentença recorrida possa estar afectada.
A senhora juíza a quo proferiu despacho admitindo o recurso interposto, mas não se pronunciou sobre as nulidades, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, n.º 1 e 617º do CPC.
A omissão de despacho do juiz a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito, cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 149.
Tendo presentes as circunstâncias em que as questões foram levantadas e a sua natureza e, bem assim, a falta de indicação expressa de pretensão de reconhecimento da nulidade e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao respectivo conhecimento.
As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC.
Dispõe o art. 615º, n.º 1 do CPC:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Para a correcta interpretação deste preceito importa distinguir entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que apenas a estas últimas se aplica o normativo em referência.
Conforme impõe o n.º 3 do art.º 607º do CPC, o juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, observando o disposto quer nesse normativo, quer no respectivo n.º 4, ou seja, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, o que fará em conformidade com a sua livre apreciação (princípio da liberdade de julgamento – cf. n.º 5 do art. 607º do CPC).
É usual verificar-se alguma confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou até entre a omissão de pronúncia (quanto a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento de entre os que são convocados pelas partes – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 737.
Após discorrer sobre a inconstitucionalidade da denúncia do contrato para habitação do senhorio, sustenta a recorrente que a sentença padece de nulidade, porquanto não apreciou sobre qual dos dois contratos de arrendamento, ambos assinados pela senhoria, seria válido, pelo que não conheceu do que devia, parecendo, assim, imputar à decisão uma omissão de pronúncia.
No que à omissão de pronúncia sobre questões suscitadas ou sobre pretensão deduzida diz respeito, tem-se entendido que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e, bem assim, as de conhecimento oficioso, mas tal não exige que se apreciem todos os argumentos (que são coisa diversa de “questões”).
O juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, nos termos do art. 608º, n.º 2 do CPC, o que não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias soluções plausíveis de direito para a solução do litígio, tenham sido deduzidos pelas parte ou possam ter sido inicialmente admitidos pelo juiz – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pp. 713 e 737.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2005, relator Sousa Peixoto, processo n.º 05S2137[2], esclarece-se que:
“[…] a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e “[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes. Todavia, como já dizia A. Reis, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas. Por isso […] não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.
A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC. A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas […] “as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter.” Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções […].”
Conforme decorre do relatório supra, a autora intentou a presente acção contra a ré visando obter o reconhecimento da validade da sua oposição à renovação do contrato de arrendamento que com esta celebrara, em 23 de Novembro de 2013, e, bem assim, a condenação desta na entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens, alegando, entre o mais, que tal contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, juntando o documento n.º 2 junto com a petição inicial, onde consta na cláusula 1ª que o prazo de duração do contrato é de um ano.
A ré contestou refutando que tenha sido esse o contrato celebrado, juntando um outro documento (documento n.º 1), que titularia o contrato de arrendamento e em cuja cláusula 1ª o prazo de duração do arrendamento é fixado em um ano e meio.
A autora impugnou a genuinidade deste documento e reiterou que o prazo de duração acordado foi de um ano.
O Tribunal recorrido entendeu, no decurso da audiência prévia, que estavam reunidas as condições para conhecer, de imediato, do mérito da causa, o que fez, considerando provada a celebração de um contrato de arrendamento entre as partes, relativamente à fracção com a letra “E”, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures com o n.º …, sito Rua ..., n.º 5 – 6.º E, 2660-303, Santo António dos Cavaleiros, com início a 23 de Novembro de 2013 (no que as partes não divergem), sendo que o dissídio incidia sobre o prazo de duração, que a autora entende ter sido acordado em um ano e a ré alega que foi fixado em um ano e meio.
Mais se entendeu na decisão recorrida, que a solução do litígio seria idêntica, quer o prazo de duração do contrato fosse de um ano ou de um ano e meio, pelo que considerou inútil o apuramento da questão em referência.
Assim, após discorrer sobre o regime aplicável à situação dos autos e tendo procedido à ponderação das datas em que se verificou a renovação do contrato de arrendamento e da data em que entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, que fixou a renovação do contrato num período mínimo de três anos, concluiu que seria por referência à data de 23 de Maio de 2021 que se haveria de ponderar se ocorreu uma comunicação válida para efeitos de oposição à renovação do contrato, concluindo que tal sucedia, face à notificação judicial avulsa ocorrida com tal propósito, recebida pela ré em 19 de Novembro de 2019.
Com base nisto, tendo em conta que em sede de audiência prévia a autora desistiu do pedido atinente ao pagamento das rendas vencidas até à data da entrada em juízo da acção e da indemnização por danos morais, a sentença apreciou a questão da oposição à renovação, julgando-a válida, com a consequente caducidade do contrato, condenou a ré na obrigação de entrega do imóvel e no pagamento da quantia mensal de 300,00 € desde a instauração da acção e até trânsito em julgado, absolvendo-a do demais peticionado.
Verifica-se, assim, que a decisão recorrida apreciou todas as questões que lhe incumbia apreciar, ainda que tenha entendido que não se afigurava necessário determinar qual o concreto período de duração do contrato de arrendamento, por a solução ser idêntica quer fosse de um ano, quer fosse de um ano e meio, questão que expressamente apreciou sob a perspectiva de cada uma das versões das partes.
Na verdade, as questões a que se reporta o n.º 2 do art.º 608º do CPC contendem com os pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, aqueles que têm que ver, essencialmente, com a causa de pedir, pedido e excepções, não equivalendo à argumentação utilizada pelas partes para sustentar a sua posição. O que importa resolver são as controvérsias centrais colocadas pelas partes.
Como tal, não constitui nulidade da sentença a circunstância de não se apreciar cada um dos argumentos de facto e de direito invocados pelas partes com vista a obterem a procedência ou improcedência da acção – cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 727.
Acresce que a decisão de facto integra hoje a fundamentação da sentença, podendo suceder que o juízo probatório em que assentou esteja viciado por deficiência, obscuridade ou contradição, caso em que se estará perante uma situação que pode determinar a anulação da decisão, nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC. Ou, pode também ocorrer falta ou insuficiência da fundamentação da decisão sobre algum facto essencial, o que constitui irregularidade suprível, mesmo oficiosamente, nos termos da alínea d) do n.º 2 e alínea b) do n.º 3 do referido art. 662.º.
Tal significa que à decisão de facto, por regra, não será aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no art. 615.º, n.º 1 do CPC – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-03-2017, processo n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1.
Não ocorre, pois, a apontada nulidade por omissão de pronúncia.
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Da falta de fundamentação e da contradição entre os fundamentos e a decisão
A determinado ponto das suas alegações afirma a recorrente que as decisões têm de ser fundamentadas e a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição e, ainda, após discorrer sobre o instituto do abuso de direito, que a sentença está em contradição com os fundamentos quando “pretende impor um prazo mínimo de três anos à base da nova lei e ao mesmo tempo contraria os prazos da comunicação, que assim está inquinada de ilegalidade/abuso de direito”, acrescentando que “promover o despejo sem dar a possibilidade ao arrendatário de alegar e fazer prova de que efectuou obras necessárias e tais valores são adequados a fazer extinguir a obrigação de pagar as rendas, reveste objectivamente uma contradição com os fundamentos inquinando de nulidade o despacho recorrido.”
Não se vislumbra com que concretos argumentos pretende a recorrente que se reconheça à decisão recorrida o vício decorrente da falta de fundamentação.
Transcorrida a decisão sob recurso é manifesta a improcedência de tal pretensão recursória.
Com efeito, após proceder à homologação da desistência parcial do pedido formulada pela autora em sede de audiência prévia, declarando extinto o direito desta relativamente aos pedidos deduzidos sob as alíneas d) e f) do petitório - condenação da ré a pagar as rendas em atraso no valor de € 2 270,00 (dois mil duzentos e setenta euros), acrescido de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento e a ressarcir a autora a título danos não patrimoniais na quantia de € 3 000,00 (três mil euros) -, o tribunal recorrido passou a proferir sentença, que se inicia pelo relatório, com identificação das partes, do objecto do litígio e questões a decidir, prosseguindo com a enunciação dos factos provados e com a análise jurídica do caso, terminando com o dispositivo, onde se julgou a acção parcialmente procedente.
A nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615º do CPC é reconduzida à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito ou a sua ininteligibilidade, o que tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência como abrangendo apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente ou o desacerto da decisão.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-06-2016, processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1:
“As causas de nulidade tipificadas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º […] ocorrem quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão (al. b)) ou quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou se verifique alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (c)). O dever de fundamentar as decisões tem consagração expressa no artigo 154º do Código de Processo Civil e impõe-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento ou fundamentos […] Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º citado, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p. 670/672), ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada.”
A figura da nulidade da sentença por falta de fundamentação constitui, assim, uma figura de muito difícil verificação, dado que a doutrina e a jurisprudência têm salientado que tal só se verifica em situações de falta absoluta de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência ou laconismo, se deve considerar a fundamentação deficiente.
Já o Professor José Alberto dos Reis esclarecia que «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.» - cf. Código de Processo Civil Anotado, V Volume, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 140.
Não é, seguramente, essa a deficiência que se verifica no caso concreto.
Em conformidade com o acima expendido, face ao pedido e causa de pedir carreados para os autos pela autora e considerando a sua desistência parcial posterior, a que se aduz o facto de nenhum pedido reconvencional ter sido deduzido e a excepção de pagamento invocada pela ré, quanto às rendas em falta, ter resultado prejudicada face à desistência do pedido quanto a tal pagamento, outra conclusão não se pode retirar que não a de que a sentença recorrida, não só apreciou todas as questões que tinha de apreciar, como fê-lo fundamentando, de facto e de direito, as conclusões a que chegou, indicando as normas legais cuja aplicabilidade entendeu ser pertinente, decidindo sobre a lei aplicável aos factos em discussão, sobre a contagem do prazo de renovação do contrato de arrendamento, por força da nova redacção do art.º 1096º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil, introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, e datas de renovação (quer se considerasse um prazo de duração do arrendamento de um ano e meio, quer se atendesse ao prazo de um ano invocado pela autora), concluindo pela validade da oposição à renovação comunicada pela autora à ré, conforme notificação judicial avulsa por esta recebida em 19 de Novembro de 2019, atendendo à antecedência legalmente prevista para tal comunicação e afastando qualquer renovação pelo prazo de cinco anos, a que alude a ré na sua contestação.
Daqui decorre que a decisão recorrida apreciou as diversas questões aduzindo a sua própria fundamentação, que baseou nos normativos legais que teve por aplicáveis, justificando desse modo a conclusão a que chegou, não se limitando a aderir a qualquer uma das argumentações expendidas pelas partes (aliás, manifestamente exíguas).
É, assim, de meridiana clareza, que não ocorre a apontada falta de fundamentação, seja de facto, seja de direito, podendo apenas suceder ter a 1ª instância incorrido em erro de julgamento (o que é coisa distinta do vício da sentença por falta de fundamentação) ou discordar a recorrente da argumentação jurídica aduzida e da solução do litígio, mas não há que apodá-la de não fundamentada.
Por outro lado, também não se vislumbra de que modo e em que exactos pontos detecta a recorrente uma qualquer contradição entre os fundamentos aduzidos e a decisão.
A oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a “uma «construção viciosa», ou seja, […] um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional.” – cf. Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pp. 370-371.
Com efeito, a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão não pode ser confundida com um erro de julgamento, que ocorrerá quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que impunha uma solução jurídica diferente – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 738; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., p.p. 736-737 – “[…] quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.”
A recorrente parece querer fazer corresponder a existência de uma contradição entre os fundamentos e a decisão ao facto de na sentença dizer-se que o contrato de arrendamento teria de se renovar pelo período de três anos (após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro), o que não teria sido atendido para a contagem dos prazos de comunicação, associando a tal contradição uma ilegalidade ou abuso de direito.
Na verdade, esta afirmação surge na sequência de múltiplas considerações teóricas sobre o instituto do abuso de direito, mas sem que a recorrente identifique qual o concreto direito que a autora alegadamente teria feito actuar em exercício abusivo.
Note-se que o abuso de direito exprime um concreto exercício de posições jurídicas que, embora correcto em si, é inadmissível por colidir com o sistema jurídico na sua globalidade.
De acordo com o art.º 334º do Código Civil, agir de boa-fé significa agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte e ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança e expectativa dos outros.
Os bons costumes correspondem à moral social e “traduzem um conjunto de regras de comportamento sexual, familiar e deontológico acolhidas, pelo Direito, em cada momento histórico. Não estando embora codificadas, tais regras provocam consenso em concreto, pelo menos em casos-limites.” – cf. A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2000, pág. 243.
O fim social ou económico do direito corresponde ao interesse ou interesses que o legislador visou proteger através do reconhecimento do direito em causa. Tem a ver com a sua configuração real a apurar através da interpretação.
A paralisação do exercício abusivo do direito não visa suprimir ou extinguir o direito, mas apenas impedir que, em certas circunstâncias concretas, esse direito não seja exercido de forma a ofender gravemente o sentimento de justiça dominante na sociedade.
O abuso de direito está construído sobre limites indeterminados à actuação jurídica individual que advêm de conceitos como os de função, bons costumes e de boa-fé já acima mencionados. Tais conceitos carecem de concretização para que sejam passíveis de aplicação em concreto.
Não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.
A aplicação do abuso do direito depende de terem sido alegados e provados os respectivos pressupostos.
Ora, a recorrente não invocou, em concreto, de que modo a autora actuou, contrariando a boa-fé, defraudando os seus legítimos interesses e as suas expectativas e confiança legítimas, revelando um comportamento desleal e ilícito, que, a verificar-se, justificaria a paralisação do direito a opor-se à renovação do contrato de arrendamento.
Por outro lado, na decisão recorrida é bastamente justificada a aplicação do novo prazo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento ocorrida após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro (que teve lugar em 13 de Fevereiro de 2019 – cf. art.º 16º do diploma legal), conforme a actual redacção no n.º 1 do art.º 1096º do Código Civil, ali se explicando que, não existindo qualquer comunicação válida antes de 15 de Abril de 2019, após a renovação verificada em 23 de Maio de 2018 (considerando a duração do contrato fixada em um ano e meio), tendo entrado em vigor a lei acima referida, o prazo da sua duração foi de três anos, que se completou a 23 de Maio de 2021; mais acrescentou que, por referência a esta data e tendo em conta a notificação judicial avulsa de 19 de Novembro de 2021, impondo a lei prazos de antecedência mínima, estava garantido o prazo de 120 dias legalmente imposto, pelo que o contrato não se renovou em 23 de Maio de 2021.
Em conformidade com tal argumentação, a decisão proferida foi de reconhecimento da validade e eficácia da oposição à renovação comunicada pela autora, com a consequente caducidade do contrato de arrendamento e obrigação da ré de proceder à entrega do imóvel e pagar a indemnização devida pela sua ocupação desde a instauração da acção.
Não se identifica, assim, qualquer erro no percurso lógico descrito pela sentença até à decisão; pelo contrário, os fundamentos nela vertidos teriam de conduzir necessariamente à conclusão a que a 1ª instância aportou.
Refere ainda a apelante, como argumento para demonstrar outra invocada contradição da decisão com os fundamentos, que o despejo não pode ser promovido sem se dar a possibilidade ao arrendatário de alegar e provar a realização de obras necessárias, cujos valores sejam adequados a fazer extinguir a obrigação de pagar as rendas.
Ora, como decorre do atrás expendido, a autora desistiu do pedido de pagamento das rendas vencidas até à data da instauração da acção (que não da indemnização devida pela não restituição da coisa locada, findo o contrato, nos termos do art.º 1045º, n.º 1 do Código Civil), pelo que não tem qualquer sentido a alegação da ré/recorrente quanto a um eventual direito a compensar um crédito decorrente de obras por si realizadas (que tão-pouco alegou) com o valor devido a título de rendas vencidas.
Ademais, a ré não deduziu qualquer reconvenção nem formulou, seja de que modo for, qualquer pretensão no sentido de lhe assistir um qualquer direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida ou de pretender obter a compensação, o que sempre implicaria a dedução de um pedido reconvencional, que não existiu (cf. art.º 266º, n.º 2, b) e c) do CPC).
Não se verifica, assim, qualquer vício determinante de nulidade da decisão recorrida.
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3.2.2. Da verificação dos pressupostos da oposição à renovação do contrato de arrendamento
Suscita a apelante que as notificações efectuadas com vista à oposição à renovação do contrato de arrendamento são irregulares, o que impede o despejo, porquanto, por um lado, o prazo de comunicação é de 60 dias, nos termos do art.º 1055º do Código Civil, tendo esta sido efectuada apenas com 15 dias de antecedência e, por outro, a lei aplicável é aquela que se encontrava em vigor à data dos factos e não a vigente à data da comunicação de oposição à renovação.
A argumentação da recorrente cinge-se tão-somente a estas afirmações, sem qualquer alusão à lei que considera em vigor e aplicável, nem ao seu conteúdo ou previsão, pelo que se torna inviável discernir qual a base da sua discordância com o decidido a esse propósito na decisão recorrida.
Com efeito, quanto à lei aplicável ao caso dos autos e ao prazo de renovação do contrato a decisão recorrida discorreu do seguinte modo:
“Em primeiro lugar, importa, desde logo, considerar que foi celebrado entre as partes, um contrato de arrendamento para fins habitacionais de duração limitada, com início em 23.11.2013.
Tal é o que resulta do acordo das partes e dos dois contratos de arrendamento juntos aos autos, sendo que de ambas as versões dos contratos resulta que se trata de um arrendamento que teve início em 23.11.2013, sendo um contrato de arrendamento para habitação com duração limitada. […]
O regime jurídico aplicável a este caso decorre do disposto nos artigos 1095.º e seguintes do Código Civil, na versão dada pela lei n.º 13/2019, de 12.02, em face do disposto no artigo 12.º do CC.
A Lei 13/2019, de 12.2, entrou em vigor no dia 13.2.2019 e, entre outras, procedeu à alteração dos n.ºs 1 e 2, do artigo 1096.º do CC, mantendo inalterado o nº 3.
Assim, por força da citada Lei 13/2019, a redação do artigo 1096.º passou a ser a seguinte: “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (…)”.
Anteriormente, o artigo 1096.º tinha a seguinte redação: “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
Esta Lei n.º 13/2019, de 12.2, não contém qualquer norma de direito transitório no que concerne à aplicação da nova redação do artigo 1096.º do CC aos contratos em curso à data da sua entrada em vigor.
Assim sendo, a solução tem que obter-se por via do princípio geral de aplicação das leis no tempo constante do artigo 12º do CC segundo o qual: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Do n.º 1 do artigo 12.º extrai-se o princípio geral da não retroatividade da lei, no sentido de que as leis só se aplicam para o futuro.
A propósito desta norma, Antunes Varela (in Revista de Legislação e Jurisprudência, 120º, p. 108) referia que “o art. 12º do Cód. Civil quer muito prosaicamente afirmar (inspirado num simples critério de bom senso) que os particulares não podem ser profetas ou adivinhos do futuro e que não podem, consequentemente, ser penalizados por não terem previsto o direito futuro ou por não terem agido em conformidade com ele. Por isso, cada acto tem como direito aplicável a lei vigente à data da sua prática (tempus regit actum)”.
Já o nº 2 do artigo 12.º do CC “distingue dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data do seu início de vigência” (Baptista Machado; Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 233).
Assim, dispondo a nova redação do artigo 1096º, do CC, introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, sobre o conteúdo da relação jurídica de arrendamento e abstraindo a mesma do facto que lhe deu origem, é de concluir que a situação se enquadra na 2ª parte do artigo 12.º do CC, sendo a nova redação aplicável às relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Neste mesmo sentido escreve Maria Olinda Garcia (in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Revista Julgar Online, março 2019), a propósito das alterações nas Disposições Gerais sobre o arrendamento de prédios urbanos, nas Disposições Especiais sobre arrendamento para habitação e nas Disposições Especiais sobre arrendamentos para fins não habitacionais que, “no que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil.
Analisado o caso concreto, e considerando a data de início do contrato aceite por ambas as partes – 23.11.2013 – e o prazo de duração do contrato pretendido pela ré (um ano e seis meses), aplicando-se a versão do artigo 1096.º do CC que se encontrou vigente até 12.02.2019, a verdade é que o contrato se renovou por sucessivos períodos de um ano e seis meses em 23 de Maio de 2015, em 23 de Novembro de 2016 e em 23 de Maio de 2018, não podendo existir qualquer dúvida de que o prazo de renovação do contrato foi, por igual período de tempo, por força do disposto no artigo 1096.º do CC na versão anterior à entrada em vigor da Lei n.º 13/2019.
Saliente-se que, por força das exigências de forma impostas pela lei n.º 6/2006 (cfr. artigo 9.º), a autora não alega qualquer comunicação válida e eficaz anterior à de 15.04.2019 da qual pudesse ter resultado a sua oposição à renovação do contrato, pelo que aquela comunicação de 15.04.2019, recebida pela ré em 16.04.2019, foi a primeira susceptível de proceder a uma eventual comunicação eficaz da sua intenção de não renovar o contrato de arrendamento.
Porém, tendo sido remetida em 15.04.2018 é evidente que a mesma não foi remetida com a antecedência de 120 dias prevista no artigo 1097.º n.º 1 al. b) do CC, pelo que não impediu a renovação do contrato em 23.05.2018.
Ora, foi neste período de renovação iniciado em 23 de Maio de 2018 que entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12.02, tendo esta lei passado a prever que o período mínimo de renovação dos contratos de arrendamento celebrados com prazo certo seria de três anos.
É, assim, aplicável o novo prazo de três anos, por força do já citado artigo 12.º do CC, o qual, porém, deverá ser contabilizado à luz da regra prevista no artigo 297.º n.º 2 do CC.
Prevê este artigo que “a lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todos o tempo decorrido desde o seu momento inicial”.
Assim, importa considerar o novo prazo de renovação de 3 anos, mas computando-se no novo prazo, obviamente, todo o prazo que já havia decorrido desde o seu início, pelo que, o novo prazo de renovação do contrato de arrendamento se completou em 23 de Maio de 2021.”
Como se refere na decisão recorrida, não está em discussão entre as partes a celebração do contrato de arrendamento destinado a habitação, o seu objecto ou sequer o facto de a tal contrato as partes terem querido fixar um prazo certo de duração, divergindo apenas quanto à extensão deste prazo (um ano, na versão da autora; um ano e meio, na versão da ré).
Trata-se, assim, de um contrato de arrendamento urbano para habitação com prazo certo, sobre o qual as partes dispuseram expressamente, embora tenham surgido duas versões distintas, pugnando, uma, pela duração de um ano e, outra, pela duração de um ano e meio, pelo que daqui decorre que as partes quiseram fixar um prazo certo, que em caso algum ultrapassava o ano e meio de vigência – cf. art.ºs 1067º, n.º 1 e 1094º, n.º 1 do Código Civil, na redacção que lhes foi dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, com início de vigência a 12 de Novembro de 2012, ou seja, em vigor à data da celebração do contrato (cf. art.º 12º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil).
Os art.ºs 1054º e 1055º do Código Civil estabelecem, genericamente para a locação, que, findo o prazo do arrendamento, o contrato se renova por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei, sendo o prazo da renovação igual ao do contrato, mas apenas de um ano se o prazo for mais longo, estatuindo o art.º 1055º referido sobre a antecedência mínima com a que a denúncia tem de ser comunicada.
Trata-se, porém, de disposições relativas à locação em geral que são afastadas no âmbito do arrendamento urbano, onde a lei distingue, actualmente, entre os arrendamentos com prazo certo (art.º 1095º e seguintes) e com duração indeterminada (art.ºs 1099º e seguintes), sendo aplicáveis aos primeiros normalmente a oposição à renovação e aos segundos a denúncia – cf. Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 9ª Edição, pág. 163.
Estando provado, como está, que as partes celebraram entre si um contrato de arrendamento com vista à habitação, por prazo certo, torna-se claro que não assiste razão à recorrente quanto pretende convocar a aplicação dos prazos de antecedência previstos no art.º 1055º do Código Civil, pois que estes, como se referiu, estão previstos genericamente para qualquer contrato de locação, existindo normas específicas para o arrendamento urbano.
À data da celebração do contrato em causa nos autos, estatuía o art.º 1096º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, o seguinte:
“1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.”
Em face do legalmente estatuído, a admitir-se, como fez a 1ª instância, que o prazo fixado pelas partes aquando da celebração do contrato foi de um ano e seis meses, considerando que vigorava então a regra da renovação automática (que as partes não excluíram), o contrato renovou-se sucessivamente, por igual período, em 23 de Maio de 2015, 23 de Novembro de 2016 e 23 de Maio de 2018, sendo que o termo desta renovação ocorreria em 22 de Novembro de 2019.
Sucede que, entretanto, na vigência da renovação ocorrida em 23 de Maio de 2018, entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro que, entre outras alterações, modificou a redacção do art.º 1096º do Código Civil, que passou a ser a seguinte:
“1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.”
A decisão recorrida entendeu que a nova redacção do n.º 1 do art.º 1096º do Código Civil era imediatamente aplicável ao contrato que vigorava entre as partes e, mais do que isso, que se aplicava o novo prazo de três anos à duração da renovação em curso, por entender que nos termos do art.º 12º, n.º 2 do Código Civil, a lei nova dispunha sobre o conteúdo da relação jurídica, abstraindo dos factos que lhe deram origem, pelo que se aplicava à relação subsistente à data da sua entrada em vigor.
Na verdade, é sustentável que o novo prazo de duração da renovação introduzido pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro seja aplicável às relações arrendatícias vigentes à data da entrada em vigor deste diploma legal, não porque tal tenha sido expressamente consignado na lei, mas em virtude da aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 12º do Código Civil, tendo em conta que quando a lei dispõe sobre o conteúdo da relação jurídica duradoura, abstraindo dos factos que lhe deram origem, como é o caso, o conteúdo objectivo de qualquer relação ou situação jurídica duradoira, constituída ao tempo da lei antiga, se se prolongar para além da entrada em vigor da lei nova, pode, a partir do início de vigência desta, ser modificado desfavoravelmente pela lei nova, sem que por isso esta incorra em retroactividade – cf. Diogo Freitas do Amaral, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, Ana Prata (Coord.), pág. 34.
Neste sentido, veja-se Maria Olinda Garcia, in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019[3], pág. 8:
“As alterações que a Lei n.º 13/2019 introduziu no Código Civil localizam-se nas Disposições Gerais sobre o arrendamento de prédios urbanos, nas Disposições Especiais sobre arrendamento para habitação e nas Disposições Especiais sobre arrendamentos para fins não habitacionais. No que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil.”
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2021, processo n.º 19/20.5YLPRT.L1-S1, ainda que a propósito da aplicação da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro a uma denúncia comunicada ainda antes da sua entrada em vigor, discorreu-se do seguinte modo:
“A Lei n.º 13/2019, no art. 14.º, estabelece algumas disposições transitórias que, todavia, não determinam qual das leis – a antiga […] ou a nova – é aplicável a situações como aquela sub judice (disposição transitória de carácter formal), nem para essas situações consagram uma regulamentação própria […]
Por seu turno, o art. 12.º, n.º 2, distingue entre as leis ou normas que dispõem sobre os requisitos de validade – formal e substancial - de quaisquer factos jurídicos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). Enquanto as primeiras apenas se aplicam a factos novos, as segundas aplicam-se a situações jurídicas constituídas antes da entrada em vigor da lei nova, mas que subsistem nessa data. Além disso, a lei nova pode regular o conteúdo das relações jurídicas atendendo aos factos que lhes deram origem, que é o que se verifica no domínio dos contratos, via de regra, quando as disposições da lei nova se revistam de natureza supletiva ou interpretativa e, por isso, não se lhes aplicando.
O “estatuto do contrato” (da autonomia privada) é determinado perante a lei vigente ao tempo da sua celebração. Todavia, a lei nova que, inter alia, respeite à organização da economia ou vise a tutela da parte mais vulnerável, limita o domínio da autonomia da vontade e será de aplicação imediata.
A Lei n.º 13/2019, ao abrigo do art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, na medida em que as suas disposições se revistam de natureza imperativa, aplica-se às relações jurídico-arrendatícias que subsistam à data do seu início de vigência, porquanto dispõe sobre o seu conteúdo e o conforma abstraindo do facto que lhes deu origem.”
Atente-se, contudo, que a lei nova não se aplica a factos extintivos de situações jurídicas que tenham ocorrido antes do seu início de vigência.
Como se refere no aresto citado:
“A lei nova não se aplica a factos extintivos (constitutivos ou modificativos) de situações jurídicas – quando ela própria lhes reconhece esse valor extintivo (constitutivo ou modificativo) - verificados antes do seu início de vigência.
O facto que produz a denúncia do contrato e é, portanto, o facto extintivo do contrato de arrendamento, é a declaração de denúncia. A cessação do arrendamento é o efeito ou consequência da comunicação feita pelo senhorio ao arrendatário.
Assim, para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário […]
É o que resulta do art. 12.º, n.os 1 e 2, do CC, pois o facto que desencadeia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não é o decurso do prazo de pré-aviso (de dois anos, conforme o art. 1101.º, al. c), na redação da Lei n.º 31/2012, ou de cinco anos, segundo o mesmo preceito, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2019), mas antes, reitere-se, a comunicação da denúncia pelo senhorio ao arrendatário […]
[…] sem prejuízo de se aplicar aos contratos de arrendamento, que subsistam à data da sua entrada em vigor, a Lei n.º 13/2019, de acordo com o art. 12.º, n.º 1 e n.º 2, 1.ª parte, assim como da 2.ª parte a contrario, não se aplica a factos extintivos (constitutivos ou modificativos) verificados antes do seu início de vigência, como é o caso da comunicação da denúncia do contrato pelo senhorio ao arrendatário. […] A denúncia rege-se, pois, pela lei em vigor ao tempo da sua comunicação ao arrendatário […]”
Assim, importava determinar, desde logo, se o novo prazo de duração da renovação sucessiva do contrato de arrendamento para habitação fixado pela lei em três anos constitui norma imperativa ou supletiva, isto é, se as partes podem afastar essa regra, ao abrigo do princípio da liberdade contratual.
A redacção da norma não é, por si, suficiente para tomar posição nessa questão, porquanto, na sua parte inicial, ressalva a estipulação em contrário, sem que possa afirmar-se que o faz apenas por referência ao primeiro segmento, ou seja, para estipular apenas a faculdade de as partes afastarem a renovação automática, ou se também abrange o segundo segmento da norma, possibilitando que estas convencionem períodos de renovação de duração inferior ao limite mínimo de três anos aí previsto.
Sobre esta matéria, ainda que a propósito dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais (embora a lei remeta para as normas do arrendamento para habitação com prazo certo), refere Jessica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, pp. 82-95[4]:
“Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise – cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas – um pacote de “pegar ou largar”, em que as partes estariam adstritas a optar entre contratos não renováveis ou, optando por um contrato automaticamente renovável no seu termo, com períodos sucessivos de renovação de duração obrigatoriamente igual à duração do contrato ou de cinco anos se esta for inferior, pois ainda que a ratio subjacente a esta alteração legislativa tenha sido reforçar a estabilidade dos contratos, se o legislador deixou ao critério das partes o mais – optar por renovar ou não o contrato – também se deve entender que lhes permite o menos – optando por renovar o contrato, regular os termos dessa renovação. Este argumento parece-nos ser ainda reforçado pela remissão operada no n.º 1 para o regime de oposição à renovação previsto para o arrendamento habitacional, regulado nos art. 1097.º e 1098.º, onde se continuam a prever prazos de oposição à renovação específicos para os casos de duração inicial do contrato ou das suas renovações inferiores a cinco anos (al. b) e c) do n.º 1 do art. 1097.º e al. b) e c) do n.º 1 do art. 1098.º).
No sentido de que o prazo da renovação admite estipulação em contrário, ISABEL ROCHA, PAULO ESTIMA, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto, Porto Editora, 2019, p. 286 e JORGE PINTO FURTADO, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2019, p. 579 (para o arrendamento habitacional), onde se lê, a jeito de conclusão, que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender” e pp. 686- 687 (para o arrendamento não habitacional), onde se pode ler que o contrato se pode renovar por “períodos sucessivos e iguais, entre si, de um, dois, três, quatro ou, em suma, os mais anos que se pretendam”.”
Assim, ainda que reconhecendo que as normas imperativas previstas na Lei n.º 13/2019 se aplicam também aos contratos celebrados em data anterior à sua entrada em vigor, a autora afasta essa aplicação quanto às normas supletivas, onde integra a nova duração supletiva do prazo de renovação:
“Parece-nos que, regra geral, as normas imperativas previstas na Lei 13/2019 se aplicam não apenas aos contratos futuros, mas também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei, nos termos da regra geral sobre aplicação da lei no tempo prevista no n.º 2 do art. 12.º, na medida em que tais normas contendem com o conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem. Não nos parece, porém, que as disposições supletivas da nova lei, como por exemplo a nova duração supletiva dos contratos de arrendamento para fins habitacionais e a renovação dos contratos por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, se apliquem aos contratos celebrados antes de fevereiro de 2019, aos quais se continuarão a aplicar as normas supletivas vigentes aquando da sua celebração, solução esta que era, aliás, a consagrada no art. 59.º da Lei 6/2006 e a que decorre do próprio n.º 2 do art. 12.º, pois embora se trate da regulação do conteúdo da relação jurídica, estas normas não se abstraem dos factos que lhe deram origem. Na verdade, ao celebrarem o contrato, as partes nortearam os seus interesses e a arquitetaram o equilíbrio das suas relações com base na lei vigente, a qual se deve, por isso, considerar “como incorporada no contrato (lex transit in contractum) por ter sido como que tacitamente acolhida nas suas disposições pela vontade das partes”.”
Em sentido contrário, pronuncia-se Maria Olinda Garcia, in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019[5]:
“Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.
Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário)”
Seguindo esta posição, louvando-se ainda na finalidade da Lei 13/2019, em cujo art.º 1º refere a pretensão de correcção de situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e o reforço da segurança e estabilidade do arrendamento urbano, de onde retiram a intenção do legislador de, na protecção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitar os direitos extintivos do locador e a liberdade das partes na fixação do conteúdo do contrato, encontramos diversos arestos, entre eles os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 8-04-2021, processo n.º 795/20.5T8VNF.G1 e de 11-02-2021, processo n.º 795/20.5T8VNF.G1.
Aderindo à natureza supletiva da norma do n.º 1 do art.º 1096º do Código Civil, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-03-2022, processo n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6, onde se aduz:
“A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade? Ora, parece-nos que a resposta há-de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.
[…] imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano. Duração inicial ou sucessiva de um ano. Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior protecção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial. Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.”
No confronto destas duas posições, tenderíamos para a consideração da norma em referência como tendo natureza supletiva, pelas razões supra aduzidas, e, nessa medida, não seria aplicável aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro.
De todo o modo, independentemente da opção por um ou outro dos entendimentos, o que parece seguro é que a aplicação da lei nova não poderia alterar o prazo de renovação em curso à data da sua entrada em vigor, como se entendeu na decisão recorrida.
Com efeito, antes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro (ocorrida em 13 de Fevereiro desse ano), a última renovação do contrato, considerando o prazo de um ano e meio, conforme a versão da ré, ocorreu em 23 de Maio de 2018, sendo esse prazo de um ano e meio (em conformidade com o n.º 1 do art.º 1096º do Código Civil, na redacção n.º Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, então vigente) que se encontrava em curso aquando da entrada em vigor daquela lei, que se completou a 23 de Novembro de 2019, sendo então nessa data que se renovaria por três anos, a considerar-se a imperatividade da norma daquele artigo, em conformidade com o atrás expendido (significa isto que, à data da comunicação de oposição à renovação referida nos pontos 4. e 5. estaria observada a antecedência mínima prevista na lei) – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8-02-2022, processo n.º 966/21.7YLPRT.L1-7.
Sucede, contudo, que, no caso concreto, apenas a ré interpôs recurso e não houve contra-alegações. Da motivação e conclusões das alegações da recorrente não se retira que esta se insurja contra a aplicação do prazo de renovação decorrente da aplicação daquela lei, tanto mais que se lhe apresenta mais favorável, posto que na decisão recorrida se considerou que a ineficácia da comunicação referida em 5. e que o prazo de renovação em curso apenas terminaria em 23 de Maio de 2021.
Ora, relativamente a este segmento da decisão não se vislumbra qualquer argumentação recursória que vise modificar o assim decidido, para além da genérica referência à irregularidade da comunicação da oposição à renovação por parte da senhoria/recorrida, pelo que se tem de entender que se trata de matéria não objecto do recurso e que não pode ser prejudicada pela decisão deste, nos termos do art.º 635º, n.º 5 do CPC.
Note-se que, não obstante o tribunal ad quem não esteja limitado pela iniciativa das partes quanto à qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, em qualquer situação não pode ser afectado o caso julgado que porventura já se tenha formado sobre qualquer decisão ou segmento decisório, não podendo a decisão do tribunal ad quem ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão proferida pelo tribunal a quo. Trata-se da manifestação do princípio da proibição da reformatio in peius, que faz prevalecer o caso julgado sobre o eventual interesse na melhor aplicação do direito – cf. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 97; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 762.
Assente, pois, para estes efeitos, que a renovação ocorrida em 23 de Maio de 2018 terminaria apenas a 23 de Maio de 2021 será por referência a esta data que se terá de analisar da validade da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento promovida pela autora/recorrida.
Na decisão recorrida considerou-se o seguinte sobre esta matéria:
“Assim, importa considerar o novo prazo de renovação de 3 anos, mas computando-se no novo prazo, obviamente, todo o prazo que já havia decorrido desde o seu início, pelo que, o novo prazo de renovação do contrato de arrendamento se completou em 23 de Maio de 2021.
Deste modo, sendo esta a data em que se iniciaria novo prazo de renovação do contrato, é por referência a esta data que importa indagar se ocorreu uma comunicação válida e eficaz para efeitos de oposição à renovação do contrato de arrendamento.
Entendemos que sim.
Na realidade, em 19.11.2019, a ré já havida recebido a notificação judicial avulsa, tendo-lhe sido comunicada a intenção da autora de não renovar o contrato de arrendamento e, por isso, de se opor à sua renovação.
Ora, uma vez que a lei apenas impõe prazos de antecedência mínima, inexiste qualquer vício, invalidade ou ineficácia de qualquer comunicação que seja feita durante a vigência do prazo de renovação em curso e para operar efeitos findo esse prazo, desde que em obediência ao prazo mínimo de 120 dias legalmente imposto.
Assim sendo, entende o Tribunal que com a comunicação operada através de notificação judicial avulsa de 19.11.2019, ficou a ré, desde logo, ciente, através de uma comunicação validamente efectuada e plenamente eficaz, de que findo o prazo da renovação então em curso (a qual se havia iniciado em 23.05.20189) o contrato não se renovaria, à luz do disposto nos artigos 1055.º e 1097.º do CC.
Deste modo, e ainda que antes de 19.11.2019 não se possa configurar de entre as comunicações remetidas pela autora qualquer comunicação válida e eficaz, designadamente em obediência ao disposto no artigo 9.º do NRAU, a verdade é que, através da notificação judicial remetida à ré, a autora logrou comunicar-lhe validamente a sua intenção de se opor à renovação do contrato.
Assim, o contrato não se renovou em 23.05.2021, pelo que, mesmo na versão do contrato de arrendamento junto aos autos pela ré (cujo prazo alegado foi de 1 ano e 6 meses), o contrato caducou naquela data.
Por outro lado, analisada a versão da autora, no sentido de que o prazo ajustado foi de um ano, chegamos igualmente à mesma solução, pois, o contrato ter-se-ia renovado em 23.11.2014, 23.11.2015, 23.11.2016, 23.11.2017 e 23.11.2018 (sendo ineficaz a missiva de 15.04.2018 porquanto não obedeceu o prazo de antecedência de 120 dias legalmente previsto), contabilizando-se então novo prazo de renovação de 3 anos aprovado pela Lei n.º 13/2019 e entrado em vigor em 12 de Fevereiro de 2019.
Deste modo, também à luz do prazo de duração do contrato configurado pela autora, concluímos não existir dúvida de que, pelo menos com a notificação judicial concretizada em 19.11.2019, ocorreu a comunicação válida e eficaz, através de um meio ainda mais solene e formal do que o previsto no artigo 9.º n.º 1 do NRAU, pelo que inexiste qualquer vício ou invalidade, razão pela qual o contrato teria igualmente caducado (em 23.11.2021).
Não assiste, pois, razão à ré, não sendo sequer configurável o prazo de renovação por si alegado, de 5 anos, tendo já ocorrido a caducidade do contrato, nos termos do artigo 1051.º n.º 1 al. a) do CC, pelo que se encontra a ré obrigada a restituir o imóvel à autora, nos termos que decorrem expressamente da alínea i) do artigo 1038.º do CC.”
Ora, partindo do facto de se dever considerar que a renovação ocorrida em 23 de Maio de 2018 operou por um prazo de três anos, a questão que se coloca é a de saber se a comunicação efectuada pela autora, seja a realizada por carta registada com aviso de recepção de 15 de Abril de 2019, recebida pela ré em 16 de Abril de 2019, seja a realizada por notificação judicial avulsa, recebida pela ré em 19 de Novembro de 2019, é válida e eficaz e se, por via da sua recepção, se verificou a caducidade do contrato de arrendamento.
A senhora juíza a quo desconsiderou a expedição e recepção da carta de 15 de Abril de 2019 - mediante a qual a senhoria comunicou à ré que a cessação e não renovação do contrato de arrendamento se verificava, fazendo menção a cartas expedidas em 31 de Julho e 7 de Novembro de 2018 (que, conforme resulta da própria petição inicial, a ré alegou não ter recebido) -, mas considerou que a oposição à renovação foi validamente efectuada através da notificação judicial avulsa de 19 de Novembro de 2019, considerando que a lei apenas exige um prazo de antecedência mínima, pelo que não existia qualquer vício ou ineficácia pelo facto de a comunicação ter sido feita durante a vigência do prazo em curso.
Retomando a aplicação da lei no tempo e o estatuído no art.º 12º do Código Civil, sabendo-se que lei que dispõe sobre o conteúdo da relação jurídica é a lei nova, mas a que rege sobre os efeitos de um facto é a que vigorar no momento em que tal facto ocorreu, no que concerne às condições de cessação do contrato de arrendamento, a lei aplicável será a vigente ao tempo em que ocorreram os factos integrantes ou fundamentadores do direito a essa cessação.
O estatuído no art.º 1097º do Código Civil sobre a possibilidade de o senhorio impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário e a antecedência mínima a respeitar constitui norma imperativa, por força do disposto no art.º 1080º do referido diploma legal, visando estabelecer, como do próprio texto resulta (cf. redacção Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto), um prazo mínimo de protecção ao inquilino face à cessação do contrato, nada impedindo que as partes estipulem prazos de antecedência superiores para o senhorio comunicar a oposição à renovação do contrato.
O art. 1097º do Código Civil, na versão conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro estabelece que o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima de 120 dias, sendo o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação igual ou superior a um ano e inferior a seis anos – cf. alínea b) do nº 1).
Tal disposição é aplicável ao tempo da renovação do contrato. Neste caso, a atender-se à data de 23 de Maio de 2021, conforme decidido pela 1ª instância, o Tribunal considerou que o prazo de antecedência de 120 dias se mostrava respeitado, face à data da notificação judicial avulsa (cf. ponto 6.), sem atender ao facto de, ao momento da comunicação, a senhoria não ter tido em consideração o prazo de renovação de três anos e menos ainda a renovação a ocorrer em 23 de Maio de 2021.
A decisão recorrida considerou válida a notificação judicial avulsa recebida pela ré em 19 de Novembro de 2019, por considerar que lhe foi comunicada a intenção da autora de não renovar o contrato de arrendamento, opondo-se à renovação, porque respeitado o disposto no art.º 9º do Novo Regime do Arrendamento Urbano[6] (envio de carta registada com aviso de recepção, endereçada para o local arrendado).
Descurou, contudo, a decisão recorrida de atentar no conteúdo dessa comunicação para efeitos de aferição sobre a produção dos efeitos da respectiva declaração.
Com efeito, não obstante tal ter sido desatendido pela 1ª instância, está provado o envio de uma carta registada com aviso de recepção, recebida pela ré em 16 de Abril de 2019, sob o assunto “Cessação e não renovação do Contrato de Arrendamento”, fazendo alusão a cartas anteriores, alegadamente não recebidas pela ré, e onde se mencionava a cessação e não renovação do contrato de arrendamento em causa nos autos. Nessa missiva, é apenas solicitado à ré que proceda à entrega do locado no dia 1 de Maio desse ano (2019), sem que seja feita a indicação da data em que a senhoria considerava cessado o arrendamento – cf. pontos 4. e 5. dos factos provados; e ainda o conteúdo do documento n.º 6 junto com a petição inicial, que constitui a carta referida em 4. e 5., mas que contém como data nela aposta a de 1 de Abril de 2019.
Não foram dadas como provadas outras comunicações, sendo certo que a autora juntou com a petição inicial um documento n.º 4, que constitui uma carta endereçada à ré, sem aposição de data, sem prova de ter sido recepcionada pela ré, em que a autora menciona a sua oposição à renovação do contrato, que cessará no dia 31 de Agosto de 2018.
O documento n.º 5 junto com a petição inicial constitui um talão de registo dos CTT com data de recebimento a 8-11-2018, mas sem que se perceba exactamente a que carta diz respeito, mas podendo admitir-se que corresponde à missiva que se lhe segue, ou seja, uma carta endereçada à ré pela autora, com data de 7 de Novembro de 2018, onde se alude à cessação do contrato “no final do mês de Novembro de 2018”, devendo a ré entregar o locado até ao final desse mês de Novembro. Não está demonstrado que esta carta tenha sido recepcionada pela ré.
Por sua vez, aquando da notificação judicial avulsa, a autora interpelou a ré dando-lhe conta de que considerava cessado o contrato de arrendamento, aludindo, nos artigos 10º e 11º do requerimento, que havia enviado uma carta em que solicitava a entrega do locado no final do contrato, o que teria lugar no dia 23 de Novembro de 2019, remetendo para o conteúdo do mencionado documento n.º 6 que, como se referiu, não contém qualquer referência à data da cessação do contrato.
No petitório final da notificação não é também indicada, de modo claro, qual a data da cessação do contrato de arrendamento, posto que a então requerente se limita a remeter para os termos da missiva de 15 de Abril de 2019, recebida a 16 de Abril de 2019, que, como se disse, não contém expressa referência à data da cessação (cf. ponto 6.).
Ora, em toda esta panóplia de elementos não se apresenta clara e assertiva a data em que a própria senhoria considera verificada a cessação do arrendamento, sendo certo que no documento que juntou aos autos como correspondendo à carta de 15 de Abril de 2019, não faz alusão à data de 23 de Novembro de 2019.
No entanto, tomando como bom que o contrato se renovou, em 23 de Maio de 2018, por três anos, resulta evidente que a data mencionada pela senhoria não está correcta, pois que em 23 de Novembro de 2019 se mantinha em curso aquela renovação, pelo que o termo do contrato não podia operar naquela data.
Noutras condições, isto é, efectuada uma comunicação certa e segura quanto à intenção de não renovação do contrato e a clara percepção do momento em que este se renovaria, perante a inviabilidade de tal comunicação produzir efeitos na renovação prevista, poder-se-ia tomar como útil, como faz alguma jurisprudência, face à forma utilizada e conteúdo, ao respeito pela antecedência exigível e aos termos da renovação do contrato, a produção de efeitos de tal declaração em data diversa da indicada pelo senhorio, aceitando-a para a data do termo do prazo da renovação seguinte, adequando assim o conteúdo dessa comunicação.
Com efeito, respeitado o período de pré-aviso legal, perante uma declaração com um conteúdo claro e inequívoco, quando à vontade de se opor à renovação, pondo fim ao contrato, perceptível para qualquer declaratário normal, colocado na posição do arrendatário, a eventual controvérsia quanto à data do término do prazo em curso relevaria apenas para a concretização da produção de efeitos da cessação, situação em que se tem entendido que a indicação incorrecta dessa data não é suficiente para afastar tais efeitos, tal como se verificou no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-09-2020, processo n.º 25874/18.5T8LSB.L1-2 (com voto de vencido) e no acórdão da mesma Relação de 8-02-2022, processo n.º 966/21.7YLPRT.L1-7, acima mencionado, onde se refere:
“Como se explica no citado aresto de 10.9.2020:“(…) A declaração de oposição à renovação do contrato constitui uma declaração unilateral recetícia, um negócio jurídico unilateral (art.º 295.º do CC), que tem por finalidade fazer cessar um vínculo contratual. Nesta modalidade de cessação do contrato, que alguma doutrina qualifica de denúncia indireta (Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3.ª edição, 2017, Almedina, pp. 118 e 122), a declaração de vontade corresponde ao exercício de um direito potestativo, que implica a caducidade do contrato. É um meio mediato ou indireto de extinção do contrato, por caducidade (neste sentido, Pedro Romano Martinez, obra e locais citados). Com efeito, por força dessa declaração, o contrato, decorrido o prazo inicial ou o da sua renovação, extingue-se, não operando a sua renovação automática. Assim sendo, o essencial, para a eficácia da declaração emitida pelo senhorio, é que seja dada a conhecer ao inquilino a vontade de não renovação do contrato, e que essa declaração seja emitida com a antecedência legalmente exigida face à data em que a extinção ocorrerá. Por exemplo, num contrato idêntico ao destes autos, se estivesse a correr um prazo de renovação do contrato que terminasse a 30 de setembro de 2019, se o senhorio declarasse a oposição à renovação a 30 de julho de 2019, tal declaração, por extemporânea (art.º 1097.º n.º 1 al. b) do CC – exigência de pré-aviso de 120 dias), seria ineficaz. Não lograria impedir a renovação do contrato em 30 de setembro de 2019. E o senhorio teria, então, para obstar à renovação do contrato no final do novo prazo, que emitir nova declaração, desta feita tempestiva, nesse sentido.
No caso destes autos não se põe a questão da intempestividade da declaração de oposição à renovação do contrato em curso. O prazo da renovação em curso terminava a 30.9.2019 e a inquilina recebeu a declaração de oposição à renovação em 18.7.2017.
No escrito enviado pela senhoria à R. consta o seguinte: “Na qualidade de senhoria do 2.º andar esquerdo (…), venho por este meio comunicar a V. Exª nos termos do artº 1097 do Código Civil a minha intenção de não renovação automática do contrato de arrendamento habitacional com prazo certo tendo por objeto o referido locado, firmado em 1 de Outubro de 2004 pelo que o referido contrato cessará os seus efeitos a partir de 30.09.2018, respeitando o período de pré-aviso legal, data em que deverá entregar o locado livre de pessoas e bens, bem como proceder à entrega das respetivas chaves.”
Face a uma declaração destas ficaria bem patente, perante qualquer declaratário normal, colocado na posição da arrendatária, o propósito de se pôr fim ao contrato, mediante a sua não renovação no termo do prazo então em curso (art.º 236.º n.º 1 do CC).
Assente este propósito e o respetivo efeito, eventual controvérsia quanto à data em que terminava o prazo em curso apenas relevaria (cumprido que fosse o prazo legal de pré-aviso) para a concretização do momento da produção de efeitos da cessação, com a consequente fixação das prestações devidas.
Cremos, pois, que tendo a senhoria manifestado a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, e terminando o prazo então em curso no dia 30 de setembro de 2019, nessa data o contrato cessaria, independentemente de a senhoria ter indicado como data da cessação o dia 30 de setembro de 2018.(…).”
Acrescentamos nós que, em bom rigor, a declaração de oposição à renovação do contrato pelo senhorio não pode deixar de ser entendida pelo inquilino como o propósito daquele pôr fim ao contrato no termo do prazo corrido em conformidade com a devida antecedência da comunicação (art. 236, nº 1, do C.C.), independentemente da data expressamente indicada. Ou seja, cremos que não será exatamente o período da renovação em curso a referência, mas antes aquele definido pela antecedência da comunicação. Pegando nas palavras utilizadas no Acórdão citado “o essencial, para a eficácia da declaração emitida pelo senhorio, é que seja dada a conhecer ao inquilino a vontade de não renovação do contrato, e que essa declaração seja emitida com a antecedência legalmente exigida face à data em que a extinção ocorrerá.” […]
Pretende-se com isto significar que não estará vedado ao senhorio, respeitando a forma e a antecedência da comunicação – de modo a garantir ao arrendatário o prazo mínimo legalmente previsto para este poder organizar-se e proceder à entrega do locado – declarar a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento para o termo de uma renovação posterior àquela em curso. Tal, de resto, em nada desprotege o inquilino e antes o favorece, designadamente quando estão em causa prazos de renovação mais curtos, permitindo-lhe tomar conhecimento do propósito do senhorio mais cedo ainda.”
Independentemente da adesão a este entendimento, seguro é, neste caso, que a intenção de não renovação do contrato não se apresenta tão patente como nos acórdãos mencionados e, mais do que isso, não deixou a própria senhoria de retroceder na sua intenção, pois que é a própria quem afirma na sua petição inicial (artigo 9º), que perante a afirmação da ré de que não teria recebido a primeira comunicação, deixou que esta se mantivesse no locado por mais um ano, daí que apenas em 2019 tenha repetido a comunicação e solicitado a notificação judicial avulsa.
Além disso, perante a recusa de entrega do locado, afirmou ainda que tentou uma resolução extrajudicial face à pandemia, tendo aguardado até o dia 25 de Setembro de 2020 para interpelar a ré para que procedesse à entrega voluntária do locado (artigo 16º da petição inicial), o que revela que, ao fim e ao resto, nem se percebe exactamente quando teve por cessado o contrato de arrendamento (tanto mais que, mantendo-se a ré no locado e, ao que se depreende, até com a implícita aceitação da senhoria, poderia ser de se considerar renovado o contrato – cf. art.º 1056º do Código Civil, aplicável a todos os arrendamentos urbanos).
Na verdade, a oposição à renovação é um poder (potestativo), livre (discricionário) e unilateral, dependente apenas da manifestação de vontade do senhorio e sua comunicação, nos termos e condições legalmente definidos, ao inquilino (declaração receptícia), enquanto meio de impedir que, por via da renovação automática tácita, a vigência do contrato se perpetue. Neste contexto, prevalece o interesse do oponente/denunciante, em prejuízo do da contraparte, que nem sequer carece de manifestar qualquer posição.
No entanto, tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-05-2020, processo n.º 1426/19.1T8VCT.G1:
“A vontade daquele [senhorio] e a sua expressão formal carecem, porém, de ser certas, inequívocas, seguras, de modo a vincular ao consequente efeito querido/produzido o inquilino e a poder ser-lhe exigível o respectivo acatamento (entrega) e a sanção respectiva (indemnização pelos prejuízos decorrentes da eventual recusa).
Tal deve suceder quanto ao momento tido em vista para a produção de efeitos, especialmente quando este, como no caso sucede, é atreito a divergências interpretativas do regime legal […] e a própria declarante potencia as dúvidas […].
Apesar disso, não custaria admitir que a vontade última da locadora sempre fosse a de extinguir a relação contratual e que, apesar de a não ter firmado e comunicado regularmente sempre a aceitaria e quereria na data posterior mais próxima possível […]
Nesse sentido se inclina alguma jurisprudência […]
A inequivocidade e certeza da vontade do senhorio em impedir a renovação do contrato parece que deverá, pois, exigir-se também quanto à data da mesma e, consequentemente, caso o não seja e sobretudo numa situação cujas dúvidas a própria autora despoletou (ao invocar regime legal inadequado e uma data impossível) e em que o regime legal nada tem de cristalino para o comum dos cidadãos, não poderá justamente pressupor-se que o inquilino, por sua parte, confrontado com uma data insusceptível de relevar […], teria o dever de, não obstante, esperar e contar com uma próxima data futura, assumir nela como certa a desvinculação, e exigir-lhe que, em razão de tal vaticínio, adequasse a sua conduta.
Como dizem reputados autores: “Em princípio, a comunicação do senhorio para se opor à renovação deverá ser efectuada por carta na qual identifique o locado, a renda, a data do início do contrato e o respectivo prazo, contendo uma manifestação inequívoca de que pretende opor-se à renovação. Para que não se levantem dúvidas a este respeito, é aconselhável referir precisamente que «se vem opor à renovação», indicando a data da cessação do contrato. A carta deverá ser enviada com a antecedência necessária para acautelar possíveis vicissitudes”.”
Ora, é esta inequivocidade que se mostra em falta nos presentes autos.
Não só existem avanços e recuos por parte da autora quanto à cessação do contrato de arrendamento, como a própria admite ter «concedido» na manutenção da inquilina no locado, como esse facto se protelou durante quase um ano após a invocada comunicação de oposição à renovação, sendo certo que, entretanto, interpôs-se ainda a suspensão dos efeitos da caducidade, no contexto epidemiológico – aliás, não atendida pela decisão recorrida -, porquanto nos termos do disposto no art.º 8.° da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 75-A/2020, de 30 de Dezembro de 2020, a produção de efeitos da oposição à renovação de contratos de arrendamento por parte do senhorio ficaria suspensa até 30 de Junho de 2021.
Neste caso, mesmo que se considerasse a admissibilidade da produção de efeitos para a renovação subsequente – não obstante a tendencial concordância com os argumentos em sentido contrário[7] -, sempre se teria de relevar o facto de a ré se ter mantido no arrendado durante todos estes meses e que a autora apenas comunicou em Abril de 2019 a sua oposição, depois reiterada pela notificação judicial avulsa de 19 de Novembro de 2019, acedendo a que a ré pudesse permanecer no locado até Outubro de 2020, vindo, contudo, intentar a acção sempre no alegado pressuposto de que o contrato se extinguira em Novembro de 2019, sedimentando a expectativa da ré em torno da desconsideração que dispensou às comunicações recebidas, adensando as dúvidas quanto à data da cessação do contrato emergentes já das diversas comunicações efectuadas e em que tal data não era coincidente.
Ademais, consistindo a data da extinção do contrato pressuposto do momento a partir do qual se torna ilícita e danosa a ocupação do locado, logo, critério de determinação da indemnização visada, a consideração da extinção do contrato na ulterior data de renovação (Maio de 2021) implicaria, ao arrepio dos princípios do dispositivo e do pedido, que sem que com isso se tivesse conformado a autora, se houvesse de calcular o seu prejuízo a partir desse momento posterior.
Em face das razões expendidas e da inconsistência da posição da autora revelada pela própria insegurança quanto à indicação da data do termo do contrato vertida nas comunicações que carreou para os autos, conclui-se que a declaração notificada em 19 de Novembro de 2019 foi ineficaz, mantendo-se, assim, em vigor o contrato de arrendamento, sendo, por isso, legítima a ocupação do locado pela ré, enquanto aquele não se extinguir por forma válida.
Consequentemente, devem improceder os pedidos de reconhecimento da validade da cessação do contrato de arrendamento e os de restituição e indemnização, procedendo o presente recurso com a necessária revogação da decisão recorrida nessa parte.
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Em face da procedência da pretensão da recorrente resulta prejudicada a apreciação das demais questões, designadamente, a suscitada inconstitucionalidade «da oposição à renovação».
Contudo, sempre se dirá que a recorrente não indica, em concreto, qual a norma da lei ordinária e respectiva interpretação, aplicada na decisão recorrida, que reputa de desconforme com o preceito constitucional do art.º 65º da Constituição da República Portuguesa, o que inviabilizaria a apreciação de tal questão.
Com efeito, a singela afirmação de que existe inconstitucionalidade na aplicação de determinadas normas, não equivale a suscitar, validamente, uma questão de inconstitucionalidade normativa.
A imputação de inconstitucionalidade deve ser dirigida a uma norma, ou a um seu segmento ou interpretação, o que implica que quem a pretenda suscitar, a dirija, não a uma decisão, mas a uma norma (ou a uma sua dimensão parcelar ou interpretação), devendo indicar, na perspectiva da sua compatibilidade com normas ou princípios constitucionais, concretamente a dimensão normativa que considera inconstitucional, o que a recorrente não fez, pelo que não suscitou validamente uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A pretensão que a apelante trouxe a juízo merece provimento.
Como decorre do referido art.º 527º do CPC, na base da responsabilidade pelo pagamento das custas relativas às acções, aos incidentes e aos recursos está um de dois princípios, ou seja, o da causalidade e o do proveito, este a título meramente subsidiário, no caso de o primeiro se não conformar com a natureza das coisas.
Do princípio da causalidade emerge a solução legal de dever pagar as custas a parte a cujo comportamento lato sensu seja objectivamente imputável o dirimir do litígio, sendo que, na dúvida, a lei presume, iuris et de iure, ou seja, que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
Dado que a autora/recorrida é a parte vencida neste recurso, é ela a responsável pelo pagamento das custas, ainda que não tenha exercido o direito de contraditório.
As custas (na vertente de custas de parte) ficam, pois, a cargo da apelada.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação e, em consequência:
a. Revogar a decisão recorrida na parte em que declarou válida e eficaz a oposição à renovação e verificada a caducidade do contrato de arrendamento, condenando a ré na entrega do imóvel e no pagamento à autora da quantia mensal de 300,00 € (trezentos euros), desde a instauração da acção até ao trânsito em julgado da sentença (pontos 1., 2. e 3. do dispositivo);
b. Julgar ineficaz a comunicação de oposição à renovação, mantendo-se vigente o contrato de arrendamento, enquanto não se extinguir por forma válida;
c. Manter, quanto ao demais (ponto 4.), a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelada.
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Lisboa, 24 de Maio de 2022[8]
Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro
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[1] Adiante mencionado pela sigla CPC.
[2] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[3] Julgar Online, março de 2019, acessível em file:///C:/Users/Admin/Documents/Ac%C3%B3rd%C3%A3os%20TRL/Arrendamento/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf.
[4] Revista Eletrónica de Direito, acessível em https://cije.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf.
[5] Revista Julgar Online, março 2019, acessível em file:///C:/Users/Admin/Documents/Ac%C3%B3rd%C3%A3os%20TRL/Arrendamento/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf.
[6]1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. […]”
[7] Pois que não se pode deixar de ter presente que o direito que a parte pretende ver reconhecido em tribunal deve ter os seus pressupostos preenchidos na data da propositura da acção e se o autor afirma que a caducidade do contrato ocorreu numa data em que a oposição à renovação não podia produzir os seus efeitos, a acção que tem por objecto o reconhecimento do seu direito à restituição do prédio, nessa data, tem necessariamente de improceder por a caducidade não se ter verificado - cf. voto de vencido do Exmo. Senhor Desembargador Pedro Martins lavrado no acórdão desta Relação de 19-09-2020, processo n.º 25874/18.5T8LSB.L1-2.
[8] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.