REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
ASSISTENTE
DESCRIÇÃO DOS ELEMENTOS TÍPICOS
Sumário


I – O requerimento de abertura de instrução (RAI) apresentado pelo assistente, perante uma decisão de arquivamento por parte do Ministério Público, tem de consubstanciar materialmente uma acusação, sendo que é perante a factualidade aí constante que o arguido irá poder alicerçar a sua defesa.
II – Não é de rejeitar o RAI por falta de indicação temporal ou local dos factos e do elemento subjetivo imputado ao arguido quando o assistente alega que as expressões que lhe foram dirigidas ocorreram junto de uma rotunda situada em Esposende e que a situação em apreço data de 11 de Março de 2019, alegando também que “atento todo o circunstancialismo que pautou o caso em apreço, ou seja, o facto de o arguido ter dirigido tais expressões a um agente de autoridade, como o é o aqui Requerente, no seio de uma operação de fiscalização rodoviária, ou seja, no seio do desempenho das suas funções”, “Para além de traduzirem a mera verbalização das palavras obscenas e grosseiras, põe em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação do aqui Requerente” (…) “Almejando e ofendendo a honra do aqui Requerente”.
III – A tanto não obsta a circunstância de ter alegado o momento temporal e o elemento subjetivo, após ter efetuado o enquadramento jurídico do crime de injúria agravado, que imputa ao arguido, porquanto ainda se contêm na redação do requerimento de abertura de instrução apresentado.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório

Decisão recorrida
No âmbito do Processo de Instrução nº 304/21.9T9EPS, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Instrução Criminal de Braga, foi proferida a seguinte decisão que se transcreve:

“Requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente R. M.:
“Nos termos do artigo 286.º, n.º1 do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
A Instrução pode ser requerida pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação, e pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, quanto a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação (artigo 287.º, n.º1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal).
No requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente, este terá de indicar não só as razões de facto e de direito de discordância relativamente ao despacho de arquivamento do Ministério Público, mas também os actos de instrução que deseja sejam realizados, os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e os factos que, através de uns e outros, pretende provar.
Ao Requerimento de Abertura de Instrução do Assistente é ainda aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal (artigo 287.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) ou seja, deve conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.
A inobservância destes requisitos implica nomeadamente a nulidade da acusação (artigo 287.º, n.º 3 do Código de Processo Penal)
Assim, no Requerimento de Abertura de Instrução o Assistente terá, desde logo, de descrever os factos concretos que pretende imputar ao arguido.
Perante o arquivamento determinado pelo Ministério Público e de acordo com o artigo 287.º do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente constituirá uma “acusação alternativa”, que deve descrever os factos que fundamentam a eventual aplicação ao(s) arguido(s), definindo e delimitando assim o objecto do processo.
Atenta a estrutura acusatória do processo penal, o Requerimento de Abertura de Instrução não pode limitar-se à simples impugnação do despacho de arquivamento, para o que o meio adequado é a reclamação hierárquica.
Isto porque não é ao juiz que compete compulsar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que poderão indiciar o cometimento pelo arguido de um crime, pois então, estar-se-ia a transferir para aquele o exercício da acção penal contra todos os princípios constitucionais e legais em vigor.
A Instrução é uma fase processual facultativa, com finalidades e âmbito específicos e definidos por lei e onde não cabe levar a cabo diligências de investigação, como se de um complemento ou continuação do Inquérito se tratasse, no sentido de apurar factos a imputar aos arguidos.
Não descrevendo o assistente os factos que pretende imputar ao arguido, qualquer descrição que se venha a fazer numa eventual pronúncia implica necessariamente uma alteração substancial do requerimento, ferida pois de nulidade nos termos do artigo 309.º do Código de Processo Penal.
Ora, nos presentes autos e compulsado o teor do requerimento de abertura da instrução, verifica-se que o assistente começa por invocar uma nulidade por insuficiência do inquérito o que faz os pontos 1 a 54 do RAI.
E prossegue no ponto 55 e seguintes, sob o título “Da acusação propriamente dita”, com aquela que teria de ser a acusação alternativa que definiria o objeto do processo.
Porém, as afirmações feitas pela assistente no seu requerimento de abertura de instrução, não traduzem o necessário escorreito e concreto elenco de factos, nem a localização espacial ou temporal dos mesmos. Refere que “numa das ocasiões” de comportamentos pouco cordiais e sensatos por parte do arguido, numa “rotunda situada em Esposende” mandou imobilizar o arguido quando este proferiu as frases do ponto 61 do RAI.
Como se vê sem indicação temporal ou local dos factos.
Depois prossegue nos pontos 62 a 65, descreve factos que estão a ser investigados nos autos 17/19.1GTVCT, pelo que se pergunta: que estão a fazer na acusação alternativa?
E nos pontos 67 a 77, relata circunstâncias posteriores (uma missiva depositada na caixa do correio) das quais infere a autoria dos factos pelo arguido, mas que nunca foram objeto de queixa ou de notícia nos autos. E que diz configurar uma perseguição, uma ameaça, ao assistente e à namorada. Porém, nos presentes autos apenas se investiga um crime de injúria. Pelo que tais factos 67 a 74 não podem ser apreciados nos nossos autos.
E não é dedicado um parágrafo ao elemento subjetivo do crime imputado prévia à qualificação jurídica inserta no ponto 83.
Ou seja, falta nos autos, a “acusação alternativa” imposta ao assistente.
Nos pontos 86 e ss o assistente verte considerações doutrinais e jurisprudenciais que não configuram a tão necessária acusação.
Não decorrem, pois, do teor do aludido requerimento, quaisquer factos, nem as circunstâncias concretas em que alegadamente terão ocorrido, com que motivação e consciência da ilicitude.
Na verdade, o requerimento de abertura de instrução em apreço apresentado pelo assistente, na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, pronunciando-se apenas quanto à justeza do despacho final e aos elementos de prova juntos aos autos, é, no entanto, omisso quanto a factos, não descrevendo os acontecimentos e os comportamentos que pretende ver imputados, não os situando no tempo e no lugar e não descrevendo a motivação aquando da sua alegada prática.
O juiz de instrução não tem a missão de tentar «salvar» os requerimentos imperfeitos e insuficientes, respigando uma palavra aqui, um segmento de frase mais à frente, eventualmente aproveitando também o conteúdo da queixa, para, contextualizando tudo, compor uma acusação que não lhe compete formular. Na realidade, a sua função não é “acusar”, mas apenas a de “comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” (art. 286 nº 1 do CPP). Tendo o MP decidido arquivar o inquérito o juiz de instrução “comprova” a acusação do assistente, como se lê no Ac. R. Guimarães de 26/1/2015, REL. DES. Fernando Monterroso, www.dgsi.pt.
Não decorre, pois, do requerimento em análise, a referência direta a quaisquer factos que possam consubstanciar os elementos objetivos e subjetivos de qualquer tipo de crime, razão pela qual, a prosseguirem os autos, o arguido não saberia relativamente a que factos teria de defender-se e, ainda que viesse a ser proferido despacho de pronúncia, o mesmo redundaria necessariamente numa alteração substancial do requerimento de abertura de instrução, e por isso, viciada pela nulidade prevista pelo n.º 1 do artigo 309.º, do Código de Processo Penal.
Atenta a estrutura acusatória do processo penal, o Requerimento de Abertura de Instrução não pode limitar-se à simples impugnação do despacho de arquivamento, para o que o meio adequado é a reclamação hierárquica.
E por outro lado, o RAI é omisso quanto ao elemento subjectivo do crime imputados e quanto à falta de consciência da ilicitude por parte do arguido.
Ora, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015 - Diário da República n.º 18/2015, Série I de 2015-01-27 fixou a seguinte jurisprudência: «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.»
Em conclusão do sobredito, (conclui o mencionado Aresto de Tribunal da Relação de Coimbra) a jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador nº 1/2015 é aplicável à questão sub judice, o que significa que, por força dela, não pode efectuado o aditamento à matéria de facto a provar, integrando na mesma o facto, «O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal».
A inexistência na acusação “alternativa” e, por via dela, do elemento do tipo subjectivo do ilícito imputado, impede a definição da conduta do arguido, como conduta típica, ilícita e culposa, portanto, como crime. Não havendo crime, o RAI está votado ao insucesso.
Acresce que, nestes casos, é insustentável a prolação de um despacho de aperfeiçoamento, sob pena de haver lugar a uma prorrogação do prazo legal para requerer a abertura da instrução inadmissível em processo penal fora do caso previsto no art. 107.º, nº 6, do Código de Processo Penal.
Isso mesmo resulta inequivocamente do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2005, publicado no Diário da República n.º 212, I Série A, de 4 de Novembro de 2005 que, fixando jurisprudência nesta matéria determinou que: “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.” e para cujos fundamentos se remete.
Nesta conformidade, por inadmissibilidade legal, atenta a falta de indicação dos factos sobre os quais deveria incidir a presente instrução, ao abrigo do disposto nos art.os 287.º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, rejeito parcialmente o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente R. M., quanto aos seus pontos 55 a 115.
Custas pelo assistente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC - artigo 8º nº 2 do RCP”.

*
Recurso apresentado

Inconformado com tal decisão, o assistente R. M. veio interpor o presente recurso pretendendo que seja revogado o despacho que rejeitou parcialmente o requerimento de abertura de instrução do assistente, aceitando o requerimento de abertura de instrução deduzido.

Após o motivar, formulou as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“I. Cumpre, antes de tudo, aclarar que o aqui Recorrente apresentou requerimento de abertura de instrução por não se conformar com as razões que levaram à prolação do despacho de arquivamento nos presentes autos,
II. Pois, salvo o devido respeito, a factualidade constante dos autos e a prova carreada impunham decisão diversa.
III. Sucede, porém, que, veio, aqui e agora, o Meritíssimo Juiz, rejeitar tal requerimento de abertura de instrução, por omissão da descrição dos factos essenciais, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 287.º, n.º2 e 3, do CPP e 32.º, n.º1 e 5 da CRP.
IV. No entanto, não pode, nem deve o aqui Recorrente aceitar tal decisão, por desprovida de qualquer fundamento de facto e de direito.
V. Na verdade, como resulta claro dos supra referidos preceitos legais, pese embora o requerimento de abertura de instrução não esteja sujeito a formalidades especiais, deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação,
VI. Sendo aplicável ao requerimento do assistente, o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b), daquele diploma (a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança), e alínea c) do mesmo Código (indicação das disposições legais aplicáveis).
VII. Ora, contrariamente ao que se referiu e se decidiu no Despacho recorrido, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo aqui Recorrente narra, de modo mais do que sintético, os factos criminosos de autoria material do Arguido, M. M.,
VIII. Descrevendo, aliás, de forma pormenorizada e suficiente, as circunstâncias de tempo e de lugar em que os mesmos ocorreram, bem como os elementos de facto que revelam a que as expressões proferidas por este último assumiam um caráter ofensivo da honra e consideração do aqui Recorrente
IX. E que foram proferidas, bem sabendo o arguido que estaria a praticar um comportamento ilícito.
X. Precisando:
XI. O aqui Recorrente apresentou o articulado de requerimento de abertura de instrução com a seguinte estrutura:
a) Do despacho de arquivamento e das razões de discordância;
b) Da nulidade decorrente da insuficiência do inquérito – artigo 120.º, n.º2, al. d), do CPP;
c) Da acusação propriamente dita;
d) Do preenchimento dos elementos do tipo de crime de injúria agravada, p.e.p pelo artigo 181.º, n.º1, e 184.º, do Código Penal.
XII. Isto a revelar que, para além do aqui Recorrente, no articulado por si apresentado, ter invocado a nulidade decorrente da insuficiência do inquérito, nos termos do preceituado no artigo 120.º, n.º2, al. d), do CPP,
XIII. Dedicou uma parte do mesmo para a narração, pormenorizada, da factualidade que imputa ao Arguido – “ da acusação propriamente dita”
XIV. Bem como outra à sua subsunção jurídico-penal, ou seja, à indicação das normas que os preveem e punem como crime – “do preenchimento dos elementos do tipo de crime de injúria agravada, p.e.p pelo artigo 181.º, n.º1, e 184.º, do Código Penal”.
XV. Enquanto que na parte que diz respeito à ‘acusação propriamente dita’, a qual dedicou os pontos 55 a 67 do articulado, refere que no desempenho das suas funções quanto agente da GNR, particularmente numa ação de fiscalização,
XVI. Abordou o Arguido no sentido de ele se identificar e o mesmo proferiu as seguintes expressões: “Vai para a puta que pariu! Vai-te foder! Vai para o caralho!”,
XVII. Expressões essas injuriosas e ofensivas da sua honra e consideração enquanto ser humano que é, e, mais, na qualidade de agente de autoridade que assume,
XVIII. Revelou, na parte que se dedica à subsunção jurídico-penal da factualidade descrita, ou seja, na parte ‘do preenchimento dos elementos do tipo de crime de injúria agravada, p.e.p pelo artigo 181.º, n.º1, e 184.º, do Código Penal’ – pontos 86 a 115 do articulado –
XIX. Que, ainda que possa não ter sido alegada de forma exemplar, como salienta o Despacho recorrido, tal factualidade permite ter por preenchido o dolo genérico, traduzido na intenção e vontade de praticar o facto, sabendo que o mesmo era ilícito (elementos volitivo e intelectual do dolo),
XX. Bem como o dolo específico, ou seja, a intenção de obter um benefício ilegítimo, e ainda a consciência da ilicitude (elemento emocional do dolo), contendo assim, de modo suficiente, a totalidade dos elementos subjetivos do tipo de crime de injúria agravada.
XXI. Porém, e ainda nesta senda, sempre se impõe mencionar que o que se assemelha que a decisão recorrida refere – quando indica que o requerente, aqui Recorrente, não formulou uma acusação propriamente dita –
XXII. Diz respeito ao facto de não se encontrar – apenas na parte que se dedica à ‘acusação propriamente dita’ – explanado a data e o local preciso onde o arguido praticou o crime de injúria agravado. XXIII. Contudo, o certo é que, pese embora tal lapso tenha ocorrido nessa parte – ‘acusação propriamente dita’ é, expressamente, referido na peça processual em causa – Requerimento de Abertura de Instrução –
XXIV. A data e local onde decorreu a factualidade já supra descrita, igualmente descrita pormenorizadamente em sede do articulado apresentado,
XXV. Não se podendo, como sucedeu, adotar a posição adotada na decisão recorrida de que o aqui Recorrente não cumpriu com o preceituado no artigo 287.º, n.º 2 e 3, do CPP e 32.º, n.º1 e 5 da CRP.
XXVI. Tudo isto a significar, que é totalmente descabida a afirmação de que o Assistente, aqui Recorrente, no seu requerimento de abertura de instrução, não descreve as pertinentes circunstâncias de tempo e de lugar, ou mesmo, os elementos de facto que revelam a prática, pelo arguido, de um crime de injúria agravada,
XXVII. Pois, percorrendo integralmente esse requerimento, não só a segunda parte, em que o aqui Recorrente redige uma acusação alternativa, mas também a primeira, em que discorre sobre as razões de discordância relativamente ao despacho de arquivamento, constata-se que nele são descritos, em suma e com maior relevo para a questão em apreço, os factos essenciais para que o Arguido dele seja julgado.
XXVIII. Nesse sentido e em face do exposto, não havia razões para concluir, como se fez no Despacho recorrido, por uma necessária, evidente e total atipicidade da conduta imputada ao arguido no requerimento de abertura de instrução, não se apresentando como absolutamente inútil a instrução requerida pelo aqui Recorrente.
XXIX. Com efeito, de acordo com o explanado no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Recorrente, evidente se torna que o Arguido, agiu, manifestamente, dadas as comprovadas circunstâncias, com dolo direto,
XXX. Sem prescindir, se assim se não entender, o que não se concede, sempre agiram com dolo necessário, ou, ainda, de todo o modo, com dolo eventual,
XXXI. Sofrendo, o aqui Recorrente, como consequência única, direta, necessária e adequada de tal criminosa conduta dolosa do Arguido, graves prejuízos.
XXXII. Como nota final o destacar-se que os factos são fundamentais para o curso da vida do Direito,
XXXIII. As histórias, as narrativas são o que dão vida ao Direito, como refere Joana Aguiar e Silva in A Prática Judiciária entre Direito e Literatura.
XXXIV. Ora, assim sendo, e tendo, no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo aqui Recorrente – mesmo que a decisão recorrida não interprete a mesma de forma exemplar – narrado, com rigor e precisão, os factos que pretende que sejam imputados ao arguido,
XXXV. E elaborado a sua subsunção jurídico-penal, ou seja, a indicação das normas que os preveem e punem como crime, neste caso, como crime de injúria agravada, p.e.p pelo artigo 181.º, e 184.º, do Código Penal,
XXXVI. Não se pode aceitar a decisão recorrida na parte em que rejeita parcialmente o articulado apresentado, por inadmissibilidade legal,
XXXVII. Com manifesta violação dos direitos e garantias do aqui Recorrente.
XXXVIII. Isto porque, da mesma forma que são previstos direitos e garantias ao arguido, o mesmo deve suceder quanto ao Ofendido/Assistente,
XXXIX. Devendo, nessa sequência, assegurar-se o seu direito de submeter a factualidade ilícita de que foi alvo a apreciação do Tribunal, mormente, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.
XL. E nesta linha de raciocínio, não pode, como se tem vindo a verificar, permitir que o Ministério Público sempre que se depara com um requerimento de abertura de instrução que, na sua ótica, apesar de nele constarem os elementos objetivos e subjetivos do crime em causa e, assim, formulada uma acusação propriamente dita da parte do Assistente,
XLI. Não se encontram explanados da forma que pretende,
XLII. Se resguarde, sem mais, neste argumento, preterindo o direito do Ofendido ver a sua causa submetida a apreciação da Justiça.
XLIII. E na conformidade de tudo isso, não há qualquer motivo para a rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo aqui Recorrente,
XLIV. Já que dele não se retira qualquer inadmissibilidade legal, muito menos aquela decorrente da violação do artigo 287.º, n.º2 e 3, do CPP, e 32.º, n.º5, da CRP,
XLV. Como V/Exas., com toda a certeza, julgarão, revogando o Despacho recorrido”.
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Resposta ao recurso por parte do Ministério Público.

Na primeira instância, o Magistrado do Ministério Público, notificado da admissão do recurso, respondeu ao mesmo considerando que deverá o recurso em apreço ser considerado improcedente.

Apresenta as seguintes conclusões, que se reproduzem:

A) O recorrente entende que o RAI que apresentou e a acusação alternativa que formulou contém todos os elementos impostos pelas alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 283.º do CPP;
B) No entanto, é patente que a acusação é omissa quanto ao local em que os factos ocorreram e, até, quanto à data da ocorrência:
C) Elementos que, por serem conhecidos do assistente, devia este ter levado à acusação alternativa;
D) Por outro lado, esta é omissa também no que se refere à alegação da consciência da ilicitude por parte do arguido;
E) Ora, o assistente deve deduzir a chamada acusação alternativa, que fixa o objecto do processo, com a mesma exigência de rigor que é aplicável ao despacho de acusação formulado pelo Ministério Público;
F) Essa exigência de rigor estende-se à narração dos factos, não apenas em sentido naturalístico, mas também quanto aos factos relativos ao sentido de desvalor e à consciência da ilicitude da conduta imputada aos arguidos;
G) Não constando tal narração do RAI apresentado, em toda a sua extensão, a sua rejeição parcial por inadmissibilidade legal da instrução não merece censura.
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Resposta ao recurso por parte do arguido.

Também o arguido M. M. apresentou resposta ao recurso considerando que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Assistente e manter-se o douto despacho de arquivamento, considerando que o Despacho de arquivamento parcial encontra-se bem fundamentado e isento de quaisquer vícios e traduz e concretiza inequivocamente tudo o que de relevante determinou a decisão.
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Tramitação subsequente

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o processo foi com vista ao Ministério Público, tendo o Exmº. Senhor Procurador-Geral Adjunto, elaborado douto Parecer, concluindo que o recurso do assistente não merecerá provimento, devendo manter-se integralmente o despacho posto sob sindicância e que rejeitou o seu requerimento de abertura de instrução (RAI) por nele não haver procedido a uma descrição suficiente e arrumada dos factos imputados ao arguido, assim procedendo à definição do objecto do processo, tornando impossível o exercício do direito de defesa por parte deste e por, afinal, haver nele omitido, na sua completude, os elementos constitutivos do dolo, tendo em conta a imputação concretizada – art.ºs 181 e 184 do CPenal.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP tendo o arguido apresentado resposta na qual reafirma que narra no seu articulado de forma pormenorizada e suficiente, os factos criminosos de autoria material do Arguido, M. M., descrevendo de forma pormenorizada e suficiente, as circunstâncias de tempo e de lugar em que os mesmos ocorreram, pese embora o lapso de não incluir a data e o local dos factos na parte do articulado ‘acusação propriamente dita’, sendo, ao invés, incluído noutros pontos do requerimento.
Refere ainda que no requerimento de abertura de instrução, o elemento subjetivo está abundantemente descrito e concretizado e que a consciência da ilicitude não tem de constar da acusação, pois não respeita ao tipo objetivo ou subjetivo.
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Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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II – Fundamentação.

Cumpre apreciar o objeto do recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas essas questões, as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (1).
A questão que se coloca à apreciação deste tribunal “ad quem” é a de apurar da admissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução (RAI), que foi parcialmente rejeitado pela Mmª J.I.C.
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Dispõe o artigo 287º do C.P.P. na parte que ora releva:

“1 - A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
a) (…)
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c).
3 - O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.
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Face ao disposto no referido artigo 283º , nº 3, alíneas b) e c) 3 a acusação contém, sob pena de nulidade a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Temos deste modo que as exigências previstas para a acusação do Ministério Público são extensíveis ao requerimento de abertura de instrução por parte do assistente, numa situação, como é a do caso em apreço, o Ministério Público, ter arquivado o inquérito sem deduzir acusação.
O requerimento da abertura de instrução vai delimitar o objeto do processo, corolário do principio do acusatório, que decorre desde logo do artigo 32.°, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que “o processo criminal tem estrutura acusatória”.
Atento o disposto no referido artigo 283º , nº 3, alíneas b) e c) 3 a acusação contém, sob pena de nulidade a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
O RAI (requerimento de abertura de instrução) deve conformar materialmente uma verdadeira acusação, dado ser do mesmo que se vai delimitar o thema probandum, na certeza de que não pode o tribunal, sob pena de nulidade, vir a pronunciar o arguido por factos diferentes daqueles que constam do mesmo, ressalvada a hipótese de alteração contemplada no artigo 303.º, do Código de Processo Penal.
Ensina Germano Marques da Silva (2) que o processo de tipo acusatório caracteriza-se, pois, essencialmente, por ser uma disputa entre duas partes, uma espécie de duelo judiciário entre a acusação e a defesa, disciplinado por um terceiro, o juiz ou tribunal, que, ocupando uma situação de supremacia e de independência relativamente ao acusador e ao acusado, não pode promover o processo (ne procedat judex ex officio), nem condenar para além da acusação (sententia debet esse conformis libello).
Também assim o entende Costa Pimenta ao referir que é igualmente a acusação do assistente ou do Ministério Público ou o requerimento daquele que traçam a vinculação temática do juiz de instrução. (3)
Como salienta o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de agosto de 2018, a acusação deve conter, ainda que de forma sintética, a descrição dos factos de que o arguido é acusado, efetuada discriminadamente em relação a cada um dos atos constitutivos do crime, pelo que se hão de mencionar todos os elementos da infração e quais os factos que o arguido realizou, sendo perante esta factualidade que este deve elaborar a sua estratégia de defesa e que a acusação define e fixa o objeto do processo, limitando a atividade cognitiva e decisória do tribunal.
Realça ainda o recente Acórdão da Relação do Porto de 10 de novembro de 2021, que “face à estrutura acusatória do processo penal português, nos termos do nº 4, do artº 288º, do CPP, o juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução, mas tendo em conta a indicação constante do requerimento de abertura de instrução, estando vinculado factualmente aos elementos que lhe são trazidos no RAI de forma a poder decidir sobre a justeza ou acerto da decisão de acusação ou arquivamento”. (4)
E assim se compreende que o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente tem de consubstanciar, materialmente, uma acusação, com a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena e com a indicação das disposições legais aplicáveis, sendo que é perante a factualidade que conste de tal acusação que o arguido irá poder alicerçar a sua defesa.

Retornando ao caso em apreço, temos que o RAI apresentado pelo assistente tem o seguinte teor:

“II. DA ABERTURA DE INSTRUÇÃO

4. Antes de tudo, cumpre, desde logo, salientar que o Ofendido, aqui Requerente, não se conforma com as razões que levaram à prolação do despacho de arquivamento nos presentes autos, quanto à matéria respeitante à prática, pelo Arguido, J. C., do crime de injúria agravada, p.e.p. pelos artigos 181.º, n.º1 e 184.º, com referência à alínea l) do n.º2 do artigo 132.º, do Código Penal,
5. Porquanto, salvo o devido respeito, o presente processo enferma de vicissitudes várias, e a factualidade constante dos autos e a prova carreada impunham decisão diversa,
6. Daí a necessidade de apresentar, como apresentam, o requerimento de abertura de instrução em questão, nos termos do disposto no artigo 287.º, do C.P.P.
7. Assim sendo, e a este propósito, sempre se importa mencionar o preceituado no n.º2, daquele preceito legal, já que o mesmo estabelece o seguinte:
“O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas.” (sublinhado nosso).
8. Termos legais esses que serão, escrupulosamente, cumpridos pelo aqui Ofendido, na redação do presente articulado,
9. Senão vejamos:

A. DO DESPACHO DE ARQUIVAMENTO E DAS RAZÕES DE DISCORDÂNCIA
· DA NULIDADE DECORRENTE DA INSUFICIÊNCIA DO INQUÉRITO – ARTIGO 120.º, N.º2, AL. D), DO C.P.P.
10. Ora, torna-se de extrema essencialidade, primeiramente, fazer referência à insuficiência do inquérito levado a cabo no âmbito dos presentes autos, traduzido na ausência de produção de prova a cargo do Ministério Público.
11. Decorre do preceituado no artigo 120.º, n.º2, al. d) que “constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”
12. Ora, a este propósito, sempre se dirá que é ponto assente na Jurisprudência atual que apenas a omissão de ato que a lei prescreva como obrigatório pode consubstanciar a nulidade de insuficiência de inquérito prevista na al. d) do nº 2 do artº 120º do CPP.
13. Assim sendo, e de acordo com o artigo 262.º, n.º1, do C.P.P. “o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação”
14. Sucede, porém, que fazendo tábua rasa disso, proferiu, o Ministério Público, o presente Despacho de Arquivamento, sem que, para tal tenha procedido, à realização, quer de prova por acareação, nos termos do artigo 146.º, do C.P.P., ou a notificação do aqui Ofendido no sentido de averiguar se a mesma ainda detinha outras testemunhas dos factos que pudessem vir a ser alvo de inquirição,
15. Diligências de prova essas imprescindíveis para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa,
16. Senão vejamos:
17. Como supra se aludiu, o despacho de acusação é, então, o resultado final do processo investigatório do Ministério Público levado a cabo no âmbito da fase de inquérito,
18. Traduzindo-se, pois, num despacho de encerramento desta fase processual, e elemento fundamenta,
19. Tendo na devida consideração a estrutura acusatória que pauta o Processo Penal Português.
20. E diz-se que o despacho de acusação proferido pelo Ministério Público assume-se como elemento fundamental, na medida em que a sua prolação assume três funções:
a. A de promoção processual, com a introdução do facto em juízo;
b. A informativa, dando a conhecer ao arguido os factos pelos quais está acusado;
c. E, por último uma função delimitativa fixando, desde logo, objecto do processo.
21. Neste contexto, e tendo por base as funções descritas, o processo criativo desta peça processual assume elevada complexidade,
22. Através da elaboração de um despacho completo, válido e regular,
23. O que, por sua vez, só é possível mediante a seleção criteriosa dos factos juridicamente relevantes levados a juízo, porque subsumíveis, quer a um comando normativo, como é de lógica assunção, mas, também, um comando factual,
24. Tendo em conta os pressupostos de natureza formal e substancial sustentadores da validade do despacho acusatório.
25. Desta feita, e tendo tudo isto em consideração, impõe-se trazer à colação que é na vigência da fase de inquérito que o Ministério Público deve levar a cabo as diligências necessárias e suficientes
26. Para, face à notícia do crime, investigar a sua existência, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e, ainda, encontrar e recolher os elementos de prova, que sustentam a decisão sobre a acusação ou arquivamento – cfr. artigo 262.º, n.º 1, do CPP.
27. E tanto assim o é que, em situações em que, atentas as diligências de prova efetuadas e os indícios recolhidos, o Ministério Público ainda se encontra em dúvida quanto à decisão de proferir despacho de arquivamento ou de acusação,
28. Mormente, e como ocorre em inúmeros casos em que é notória a contradição entre depoimentos prestados,
29. É prática corrente que este, de forma a melhor desempenhar a sua função investigatória e, assim, proferir uma decisão segura e que melhor zele pelos interesses e direitos dos interessados na prossecução de Justiça,
30. Notifique o Ofendido/Assistente para que, se tal for o caso, indique mais elementos de prova que considere ser fulcrais para a descoberta da verdade material.
31. Estatui o artigo 262.º, n.º1, do CPP, que: “o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação”,
32. Sendo que, de acordo com o preceituado no artigo 267.º, do CPP “o Ministério Público pratica os atos e assegura os meios de prova necessários à realização das finalidades referidas no n.º1, do artigo 262.º, nos termos e com as restrições constantes dos artigos seguintes”.
33. Estabelecendo, ainda, o artigo 124.º, n.º1, do Código de Processo Penal que “constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”.
34. Isto a significar que, configurando a fase de Inquérito uma fase que se destina a investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e responsabilidades dos mesmos assim como descobrir e recolher as provas para se chegar à decisão sobre uma eventual acusação pelo Ministério Público,
35. É igualmente nesta fase que é incumbido ao mesmo dirigir o Inquérito, efetuando toda e qualquer diligência de prova,
36. Até porque só através das referidas diligências de produção de prova se conseguirá auferir os factos, e a consequente fundamentação, essenciais para a descoberta da verdade material.
37. Para além disso, preceitua o artigo 146.º, n.º1 do CPP que “É admissível acareação entre co-arguidos, entre o arguido e o assistente, entre testemunhas ou entre estas, o arguido e o assistente sempre que houver contradição entre as suas declarações e a diligência se afigurar útil à descoberta da verdade”,
38. Mais acrescentando o n.º3 de tal preceito legal que “a acareação tem lugar oficiosamente ou a requerimento”.
39. Ou seja, configuram como pressupostos para aplicação da prova por acareação que existam contrariedades quanto ao declarado no âmbito do processo e deve-se demonstrar a indispensabilidade do meio de prova, ou seja, a inexistência de outros elementos capazes de sanar a divergência.
40. Com efeito, e no que diz respeito ao caso em apreço, estando em juízo a possibilidade de verificação da prática, pelo arguido, de um crime de injúria agravada, p.e.p. pelo artigo 181.º, n.º1 e 184.º, do Código Penal,
41. Essencialmente tendo na devida consideração o âmbito em que tal crime foi perpetrado, ou seja, no seio de uma fiscalização rodoviária e na pessoa de um agente de autoridade,
42. Em face dos elementos recolhidos na fase de inquérito, pelo Ministério Público,
43. A leviandade como esse se limitou, sem que, antes disso questionasse o Ofendido se existiria a possibilidade desta indicar mais elementos de prova que sustentassem a tese explanada no auto de notícia apresentado,
44. A proferir despacho de arquivamento quanto a tal crime, sem mais, não pode, nem deve ser aceite pelo Ofendido, aqui Requerente, por não corresponder, em larga medida, à função que deve ser desempenhada por esse órgão na prossecução da verdade material.
45. Vejamos, nesta senda, que foram ouvidos, na qualidade de testemunhas, o militar P. B., J. A., A. F. e C. E.,
46. As quais, no que diz respeito ao teor explicito das expressões proferidas imputação pelo Arguido ao aqui Requerente, nada presenciaram,
47. Tendo, apenas a testemunha, P. B., referido que apenas escutou o arguido a referir o seguinte: “que não tinha nada que se identificar, porque ninguém o tinha mandado parar”.
48. Ora, em face disto, impunha-se ao Ministério Público, ou lançar mão da prova por acareação e/ou notificar o Ofendido no sentido de proceder à indicação de possíveis mais testemunhas que depusessem quanto aos factos em juízo.
49. Desse modo, e perante tal leviandade, associada à ‘dormência’ por parte do Ministério Público perante a factualidade vertida no âmbito dos presentes autos de possibilidade de verificação da prática de um crime da já aludida natureza,
50. É entendimento do Ofendido, aqui Requerente, que a ausência de solicitação de mais elementos de prova que pudessem corroborar tudo o exposto pela mesma, traduz um claro exemplo da presença de uma nulidade por insuficiência do inquérito,
51. Pois, tal como se encontra previsto, para o Arguido, o princípio “in dubio pro reo”, deve igualmente existir um mecanismo de defesa para o Ofendido.
52. Logo, e na senda do decidido pelo aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 9261/2003-5, de 2 de março de 2004, “a insuficiência de inquérito a que se refere o art.º 120º, n.º2 de março de 2004, al. d) do CPP se verificará com a falta de realização de atos impostos por lei ou definidos como obrigatórios ou necessários pela entidade que dirige o inquérito, entendimento que cremos não ofender o princípio do acusatório, regulador do processo penal. Outro entendimento, deixará sem conteúdo útil a previsão legal de “insuficiência do inquérito”, constante do art.º 120º, n.º2 al. d) CPP.”
53. Em suma, pelo exposto, e nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, estamos perante uma nulidade processual por insuficiência de inquérito,
54. Nulidade essa que se argui para todos os efeitos legais.

DA ACUSAÇÃO PROPRIAMENTE DITA

55. Em estrita consonância com o resulta claro do âmbito dos presentes autos, o aqui Ofendido e Arguido, já são conhecidos de longa data, especificamente desde o pretérito ano de 2019,
56. Porquanto, sendo o aqui Requerente Cabo da Guarda Nacional Republicana, a prestar funções no Posto Territorial de Esposende, no desempenho da sua atividade profissional, especificamente nas ações de fiscalização, já por diversas vezes privou com o Denunciado,
57. Nas quais, em bom abono da verdade, sempre se viu confrontado com comportamentos pouco cordeais e sensatos por parte daquele.
58. Com efeito, numa das referidas ocasiões, o aqui Requerente, enquanto agente de autoridade, quando realizava uma operação de fiscalização junto de uma rotunda situada em Esposende, ordenou a paragem e imobilização do veiculo do aqui Denunciado,
59. Um veículo pesado de mercadorias.
60. Acontece que, de forma totalmente surpreendente e inusitada, o Arguido, perante a abordagem do aqui Requerente, que apenas e só se limitava a exercer as suas funções enquanto guarda da GNR, começou a proferir insultos e injurias dirigidas ao aqui Denunciante, 61.Insultos e injurias essas que de traduziram no seguinte: “Vai para a puta que te pariu Vai-te foder. Vai para o caralho que vos foda!”
62. Após ser advertido e depois de lhe ter sido dada ordem de detenção, o Arguido colocou-se em fuga.
63. O aqui Requerente, perante tal tentativa de fuga, iniciou, de imediato, uma perseguição ao Arguido,
64. Somente com o manifesto propósito de o deter.
65. Sucede, porém, que quando o aqui Requerente se conseguiu abeirar do Arguido, o mesmo, de modo vil, grutesco e violento, agrediu o Requerente.
66. Tais factos ilícitos, deram origem ao Inquérito n.º 17/19.1GTVCT, que se encontra a correr os seus devidos termos junto do Departamento de Investigação e Ação Penal de Esposende.
67. E mais do que prova que o Arguido praticou o comportamento acima referido, no que diz respeito a ter proferido tais injúrias, é o facto do aqui Requerente, no passado dia 24 de Maio de 2021,
68. Após mais uma noite de Serviço no Posto Territorial de Esposende da Guarda Nacional Republicana, quando regressava a casa, dirigiu-se à sua caixa de correio como faz habitualmente.
69. Acontece, porém, que para sua surpresa e espanto, quando abriu a caixa de correio deparou-se com uma carta com o seguinte teor:
“Demorou tempo, mas soube onde moras. A tua namorada foi mais fácil, ela tem amigos meus empregados. Podes multar os meus camiões à vontade já não tenho medo. Nós sabemos que a tua namorada sabe de tudo o que aconteceu na rotunda vou conseguir que ela fale tudo o que sabe já falei com o advogado. Quem vai ganhar no tribunal sou eu, vais pagar bem caro, vais perder tudo e vais ficar sem trabalhar. És um merdas, cobarde, mentiroso, vais te foder todo.”
70. O aqui Requerente, após a leitura do enunciado escrito, não teve dúvidas que aquela foi redigida e propositadamente colocada na sua caixa de correio pelo Denunciado,
71. E isto porque, fazendo tal carta referência a um processo judicial, o único processo em que o Requerente figura como parte, é no processo-crime supra elencado, onde é parte também o aqui Arguido.
72. Dessa forma, lógica é a assunção que o Arguido, com as palavras claramente intimidatórias e ameaçadoras escritas na referida carta, e dirigidas ao aqui Requerente, procurou, o que logrou, intimidar e ameaçar não só o Denunciante como a sua namorada.
73. Para além de tal atitude gravosa para o estado emocional do aqui Requerente, o Arguido, demonstrou que conhece a rotina do daquele e do casal, e que o persegue de tal forma ao ponto de saber onde residem,
74. Tudo isto com o único e exclusivo propósito de prejudicar a sua liberdade de determinação,
75. Designadamente no decurso do Processo n.º 17/19.1GTVCT, que se encontra a correr os seus devidos termos junto do Departamento de Investigação e Ação Penal de Esposende,
76. Onde figura na qualidade de Arguido.
77. Isto a significar que o Arguido sempre demonstrou uma atitude indigna para com o aqui Requerente, dado o exemplo que supra se enunciou e que, também esse, deu origem a novo processo-crime a correr os seus termos no DIAP da Póvoa do Varzim,
78. Não sendo exceção a situação em análise em que perante a decisão, por parte do aqui Requerente, em iniciar a fiscalização rodoviária ao seu veículo pesados de mercadorias e uma vez que já não era a primeira vez que tal sucedia,
79. Revoltado com a situação, não se coibiu, o Arguido, mesmo sabendo que o aqui Requerente é agente de autoridade, particularmente da GNR de Esposende,
80. De, face ao pedido dos seus documentos, quer pessoais, quer do veículo, proferir as seguintes expressões injuriosas: “Vai para a puta que te pariu. Vai-te foder. Vai para o caralho que vos foda!”
81. Assim, as expressões proferidas pelo Arguido são injustas e dolosas, inverídicas, ofensivas, injuriosas e ilegais, maiormente quando atenta para o sagrado direito de honra, tutelado na Constituição da República Portuguesa,
82. Daí resultando, como é de lógica assunção, sérios e graves constrangimentos para o aqui Requerente, merecedores da tutela do Direito.
83. Por toda a factualidade supra exposta, o Arguido, cometeu de forma ilícita, dolosa e culposa, um crime de Injúria agravada p.e.p. pelo artigo 181.º e 184.º, do Código Penal,
84. Porquanto, bem sabendo que as expressões proferidas ao aqui Requerente iriam lesar a honra e provocar inquietação ao aqui Requerente,
85. Não se absteve de o fazer, prejudicando a sua liberdade de determinação.
· DO PREENCHIMENTO DOS ELEMENTOS DO CRIME DE INJÚRIA AGRAVADA P.E.P. PELO ARTIGO 181.º, N.º1 E 184.º, DO CÓDIGO PENAL
86. Os presentes autos foram arquivados por se considerar que não se verificavam indícios suficientes que suportassem a verificação de tal crime.
87. Ora, tal entendimento vai ao total arrepio da plena convicção do Ofendido, aqui Requerente, pelo que discorda em absoluto de tal decisão.
88. Com efeito, tendo em consideração os factos vertidos no despacho de arquivamento, é considerado facto adquirido que “a versão do queixoso não é sustentada por nenhuma das testemunhas inquiridas, nomeadamente, pelo militar P. B., o qual apenas ouviu o arguido dizer: que não tinha nada que se identificar, porque ninguém o tinha mandado parar”
89. Concluindo, assim, que “(…) não nos permite sustentar, de forma consistente, uma acusação contra o arguido pelo crime referido, pois em sede de julgamento, seria, do nosso ponto de vista, mais provável a sua absolvição do que a sua condenação, já que a dúvida teria de ditar, necessariamente, a seu favor.”
90. Porém, compete afirmar que tais factos são sinologicamente inadmissíveis,
91. Pois vejamos:
92. Na verdade, importa, desde logo, ter em consideração que, de acordo com o declarado pelas Testemunha, P. B., e mencionado pelo Ofendido, aqui Requerente, ouvidas em sede de Inquérito,
93. Certo é que a situação em apreço datada de 11 de Março de 2019, configura um exemplo claro e evidente da atitude hostil e violenta com que o Arguido lidou com ambos os agentes da GNR que se encontravam a efetuar a operação de fiscalização,
94. Essencialmente a partir do momento em que o Ofendido decidiu abordá-lo e solicitar a sua identificação.
95. Nessa conformidade, não é de todo percetível os motivos com base nos quais o Ministério Público formula a convicção de que a factualidade descrita não ser suscetível de integrar a prática, pelo arguido, de um crime de injúria agravada,
96. Quando, notório é que os eventos que sucederam em tal data não mais revela do que exatamente isso.
97. Cumpre precisar:
98. Ora, o crime de injúria agravada encontra-se previsto no artigo 181.º, n.º1, do Código Penal e refere o seguinte: “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.”,
99. Mais acrescentando o artigo 184.º, do mesmo diploma legal o seguinte: “as penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.”
100. Nessa linha de raciocínio, o tipo de crime injúria tem como elementos constitutivos do respetivo tipo:
a. Tipo objetivo – imputar factos ofensivos da honra ou formular juízos ofensivos da honra; ou reproduzir tais imputações ou formulações.
b. Tipo subjetivo – também o crime de injúria é um crime doloso, bastando-se com o dolo eventual, não sendo igualmente punível a tentativa punível, podendo ser vítimas deste crime tanto pessoas singulares como pessoas coletivas.
101. Assim, do ponto de vista do tipo objetivo de ilícito, para que se verifique um crime de injúria é necessário que as expressões consistam numa imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, com um conteúdo ofensivo da honra ou consideração do visado, ou que as palavras dirigidas ao visado tivessem esse mesmo cariz ofensivo da honra ou da consideração.
102. De facto, o direito penal, e de acordo com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 06 de Janeiro de 2010, tutela a honra e reputação do indivíduo, enquanto expressão da irrenunciável dignidade pessoal.
103. Honra, no sentido pressuposto pelas normas que lhe conferem tutela penal, tanto pode ser a honra subjetiva ou interior, no sentido de juízo valorativo que cada um faz de si mesmo, como honra objetiva ou exterior, correspondente à consideração de que alguém goza entre quem o conhece, ao bom nome e reputação no contexto social envolvente - Para desenvolvimento do tema veja-se José de Faria Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, pág. 603, em anot. ao art. 180º..
104. Posto isto, e já com vista à análise da questão em juízo, importa que nos perguntemos se alguma das expressões proferidas pelo arguido tem a virtualidade de causar dano à honra do Ofendido em qualquer das vertentes penalmente tuteladas.
105. Analisada a matéria de facto já supra aludida, para efeitos de imputação da prática do crime de injúria p. p. pelo artigo 181º do Código Penal, o arguido, no seio da fiscalização rodoviária efetuada pelo aqui Requerente, dirigiu-lhe as seguintes expressões: ““Vai para a puta que te pariu. Vai-te foder. Vai para o caralho que vos foda!”
106. Para que se tivesse verificado, em função de tais afirmações, um crime de injúria, necessário seria que pelo menos uma daquelas expressões consistisse numa imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, com um conteúdo ofensivo da honra ou consideração do visado, ou que as palavras dirigidas ao visado tivessem esse mesmo cariz ofensivo da honra ou da consideração.
107. É certo que a expressão ““Vai para a puta que te pariu. Vai-te foder. Vai para o caralho que vos foda!” não é meramente indelicada; é verdadeiramente grosseira, constituindo utilização de linguagem desbragada, denotando profunda falta de educação por parte de quem a profere.
108. Mais, tal expressão contende com o conteúdo ético da personalidade moral do visado, atingindo valores ética e socialmente relevantes do ponto de vista do direito penal - Cfr. Ac. da Relação do Porto, de 19/04/2006, in www.dgsi.trp.pt., proc. nº 0515927.; não atinge aquele que é o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana - Cfr. Ac. da Relação do Porto, de 19/12/2007, in www.dgsi.trp.pt , proc. nº 0745811..
109. E isto porque, atendo todo o circunstancialismo que pautou o caso em apreço, ou seja, o facto do arguido ter dirigido tais expressões a um agente de autoridade, como o é o aqui Requerente, no seio de uma operação de fiscalização rodoviária, ou seja, no seio do desempenho das suas funções,
110. Para além de traduzirem a mera verbalização das palavras obscenas e grosseiras, põe em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação do aqui Requerente.
111. Traduzem um comportamento revelador de falta de educação e de baixeza moral, que fere as regras do civismo exigível na convivência social.
112. Em jeito de conclusão, e já no que respeita o ponto subjetivo deste tipo legal de crime, e não podendo o tipo legal de crime de injúria ser praticado com negligência, sempre se dirá que o dolo é composto por vários elementos, habitualmente designados de forma sintética como “o conhecimento e a vontade de realização do tipo objetivo de ilícito”.
113. Com efeito, e atento já tudo o supra explanado, o arguido, embora sabendo que estava a cometer um ilícito criminal, não se coibiu de praticar tal ato ilícito dirigindo o mesmo a um agente de autoridade, daí o crime em questão ser objeto de agravação, prevista no artigo 184.º, do Código Penal,
114. Almejando e ofendendo a honra do aqui Requerente.
115. Posto isto, sempre se impõe concluir que se encontram preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime de injúria agravada, p. e .p. pelo artigo 181.º, n.º1 e 184.º, do Código Penal.
116. Logo, e atento em consideração tudo o até aqui elucidado, e sem necessidade de mais amplas considerações, estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 287.º do Código de Processo Penal para reabertura de instrução.
117. Reabertura essa que expressamente se requer a V/Exa.

Termos em que, e nos melhores de direito doutamente supridos, requer V.ª Ex.ª se digne ordenar a abertura da instrução:

a. Verificando a presença de nulidade por insuficiência do inquérito, nos termos do artigo 120.º, n.º2, al. d), do CPP;
b. Produzindo a prova infra indicada, e a final, proferido despacho de pronúncia contra o aqui Arguido”.
***
É verdade que a “acusação alternativa” apresentada pelo Assistente, se mostra algo confusa, o que aliás como bem realça o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu douto Parecer, “não se compreende em face da notória falta de complexidade que o mesmo reveste”, incluído até matéria (artigos 62 a 65, factos que estão a ser investigados nos autos 17/19.1GTVCT, e artigos 67 a 77, relata circunstâncias posteriores, uma carta depositada na sua caixa do correio, que quanto muito poderia servir como elemento probatório mas nunca para constar da acusação alternativa).
Porém, ainda assim, entendemos que o assistente acaba por descrever todos os elementos objetivos e subjetivos que imputa ao arguido e que são consubstanciadores da prática do crime de injúria agravada prevista nos artigos 181º e 184º, ambos do Código Penal.
Tal “acusação alternativa” incluída na peça processual de requerimento de abertura de instrução, engloba toda a matéria alegada nos artigos 55º a 116º (com exceção dos artigos supra mencionados) e ainda que existam factos constantes na parte do RAI denominado pelo Assistente “DO PREENCHIMENTO DOS ELEMENTOS DO CRIME DE INJÚRIA AGRAVADA P.E.P. PELO ARTIGO 181.º, N.º1 E 184.º, DO CÓDIGO PENAL”.
Tal matéria que consta do requerimento de abertura de instrução não pode assim ser desconsiderada.
Na douta resposta ao recurso o Ministério Público na primeira instância refere “Perscrutando o RAI, encontrámos no ponto 93.º uma referência à data (11 de Março de 2019), mas não ao local”.
Ora, compulsado o RAI verifica-se quanto à invocada ausência de indicação temporal ou local dos factos, consta que as expressões que terão sido dirigidas pelo arguido ao ofendido ocorreram junto de uma rotunda situada em Esposende (5) (artigo 58º do RAI) e que “a situação em apreço datada de 11 de Março de 2019” (artigo 93º do RAI), levam a considerar que tal elemento espaço temporal está minimamente concretizado.
No que respeita aos elementos intelectual e volitivo do dolo, o próprio ilustre Magistrado do Ministério Público na 1ª Instância considera “ainda que de forma algo imperfeitamente expressa, nos parece de considerar que os elementos intelectual e volitivo do dolo se encontram alegados”.
E de facto assim é.
O Assistente alega respetivamente nos pontos 109, 110 e 114 : “atendo todo o circunstancialismo que pautou o caso em apreço, ou seja, o facto do arguido ter dirigido tais expressões a um agente de autoridade, como o é o aqui Requerente, no seio de uma operação de fiscalização rodoviária, ou seja, no seio do desempenho das suas funções”, “Para além de traduzirem a mera verbalização das palavras obscenas e grosseiras, põe em causa o carácter, o bom-nome ou a reputação do aqui Requerente” (…) “Almejando e ofendendo a honra do aqui Requerente”.
Refere ainda o Ministério Público que “Já no que toca à consciência da ilicitude, ou seja, ao conhecimento da proibição, nos parece não ter sido feita qualquer referência”.
O Assistente entende na resposta dada ao douto Parecer do Senhor Procurador Geral Adjunto que a consciência da ilicitude não tem de constar da acusação, pois não respeita ao tipo objetivo ou subjetivo.
Ora, tal questão no caso em apreço nem sequer se coloca, pois que da “acusação alternativa” consta no seu ponto 113º: “O arguido, embora sabendo que estava a cometer um ilícito criminal, não se coibiu de praticar tal ato ilícito dirigindo o mesmo a um agente de autoridade”, pelo que também a consciência da ilicitude se mostra presente.
Concorda-se com a jurisprudência que entende que não cabe, nem pode, o JIC andar a perscrutar no processo, seja no auto de notícia, seja em depoimentos prestados no processo, os elementos que faltam à acusação alternativa e colmatá-la.
Mas não é isso que sucede no caso em apreço.
Melhor ou pior alegados, mais ou menos desalinhados, eles estão todos presentes no RAI elaborado pelo Assistente e como tal não se pode concluir pela ineptidão do mesmo.
***
III – Decisão.

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo Assistente e assim revogam a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que admita o Requerimento de Abertura de Instrução, na sua totalidade.
*
Sem tributação.
*
Notifique.
Guimarães, 23 de maio de 2022.
(Decisão elaborada com recurso a meios informáticos e integralmente revista pelos subscritores, que assinam digitalmente).

Pedro Freitas Pinto
(Juiz Desembargador Relator)
Fátima Sanches
(Juíza Desembargadora Adjunta)
Fernando Chaves
(Juiz Desembargador Presidente da Secção Criminal)


1. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª Edição Atualizada, Universidade Católica Editora, 2009, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1027/1028; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995.,
2. Curso de Processo Penal. vol. I, ed. Verbo, pág. 59.
3. Introdução ao Processo Penal, Almedina, pág. 137.
4. Consultável como os demais citados, sem outra menção de origem no site www.dgsi.pt
5. Sublinhado nosso.