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DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA
RÉU
CITAÇÃO EDITAL
MINISTÉRIO PÚBLICO
OPOSIÇÃO
Sumário
I - Não deve ser considerada válida e operante a desistência da instância, requerida pela Autora, após o julgamento, e imediatamente antes da decisão sobre a matéria de facto, se o Ministério Público, que intervém em representação da Ré, citada editalmente, também não contestou – e se opôs a tal desistência. II - A desistência da instância tem como pressuposto elementar que o Réu haja sido pessoalmente citado, o que não ocorre em caso de citação edital, apesar da sua representação pelo Ministério Público.
Texto Integral
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório:
No .º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, sob o nº ..../03..TBLSD, foi instaurada uma acção declarativa de condenação, com processo sumário, por B.........., Ldª, contra C.........., Ldª, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 6.392,03, acrescida de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta o seu pedido, alegando, em essência e síntese, que:
- A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica com intuito lucrativo à prestação de serviços e fornecimentos de materiais na área da electricidade;
- A R. é uma sociedade comercial por quota que se dedica com intuito lucrativo à construção civil;
- A A., a pedido da Ré, prestou-lhe serviços da sua especialidade, no edifício sito na .........., .........., constantes da factura nº ...., de 29.10.2001, no valor de € 5.252,34, a pagar nos 30 dias posteriores à sua emissão;
- A Ré não procedeu, ainda, ao pagamento da dita factura já vencida.
Conclui pela procedência da acção.
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A Ré foi citada editalmente, por ausente em parte incerta.
O Mº Pº foi citado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.15º do CPCivil, não tendo, todavia, deduzido contestação.
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Face ao disposto no art. 490º, nº 4 do CPCivil, foi designado dia para a audiência de discussão e julgamento.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, finda a qual se proferiu decisão sobre a matéria de facto.
Elaborou-se sentença em que se proferiu a seguinte decisão:
«Pelo exposto, julgo improcedente por não provada a acção e, em consequência, absolvo a Ré C.........., Ldª, do pedido formulado pela autora B.........., Ldª.»
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Antes que fosse proferida decisão sobre a matéria de facto, a A. declarou desistir da instância.
O Mº Pº, ouvido, opôs-se à apresentada desistência da instância.
A desistência da instância apresentada pela A. foi indeferida por despacho de fls. 79, do seguinte teor:
«Atenta a posição assumida pelo M.P., e considerando que a referência à ‘contestação’ no art. 296º, do CPC, apenas faz sentido quando o R. tenha sido citado pessoalmente, e já não quando a citação tenha sido edital, declaro inoperante a desistência apresentada».
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Não se conformando com esta decisão, nem, consequentemente, com a sentença que veio a ser proferida, interpôs, respectivamente, recurso de agravo e de apelação e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
A. – Quanto ao agravo:
1ª - O autor pode desistir da instância, sem anuência do réu, depois de findo o prazo para o oferecimento da contestação sem que esta tenha sido apresentada;
2ª - A citação edital é uma verdadeira citação para o efeito do que acaba de se dizer, se o ausente não deduzir oposição e o MºPº não contestar em sua representação, nos termos do art. 15º, nº 1 do CPCivil;
3ª - Não tendo o MºPº apresentado contestação em representação do réu, é irrelevante o facto de se ter oposto à desistência da instância na ‘vista’ que lhe foi dada no processo para se pronunciar sobre o requerimento dessa desistência;
4ª - Não tendo havido contestação, o autor pode desistir da instância em qualquer momento, enquanto não houver decisão que ponha termo à causa, podendo assim, essa decisão ter lugar depois de no respectivo processo ter sido produzida prova na audiência de julgamento;
5ª - Ao decidir-se doutro modo, declarando-se inoperante a desistência da instância apresentada, violou-se na douta decisão recorrida, por erro de interpretação e (ou) aplicação, o disposto nos artigos 295º, nº 2, 296º, nº 1 e 300º, nº 3 do citado Código entre si conjugados.
B. – Quanto à apelação:
1ª - A douta sentença recorrida tem como pressuposto necessário que seja confirmada a douta decisão de que se interpôs o referido recurso de agravo, por ser ineficaz a desistência da instância apresentada pela A., ora recorrente, antes de ser proferida sentença;
2ª - Dando-se provimento ao recurso de agravo e declarando-se, consequentemente, válida tal desistência da instância, esta como efeito a extinção da instância (art. 287, d) do CPCivil), o que, evidentemente, obsta a que o tribunal recorrido conhecesse, como conheceu, do mérito da causa e absolvesse, como absolveu, a R. do pedido, devendo esta ser simplesmente absolvida da instância (art. 493º, nº 2 do citado código);
3ª - Deverá, pois, ser revogada a douta sentença apelada, declarando-se a mesma sem efeito;
4ª - Na douta sentença recorrida violou-se indirectamente (por efeito do despacho que julgou inoperante a desistência da instância), entre outros, o disposto nos mencionados arts. 287, d), e 493º, nº 2 do CPCivil.
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O Digno Magistrado do Mº Pº apresentou contra-alegações em que, em essência e síntese, pugna pela manutenção do decidido.
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Mostram-se colhidos os vistos legais, cumprindo decidir.
Assim:
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2. Conhecendo dos recursos (agravo e apelação):
2.1 – Dos factos assentes:
Com relevância para o conhecimento dos recursos, mostram-se assentes os seguintes factos:
a) – O R. foi citado editalmente;
b) – O Mº Pº foi citado em sua representação;
c) – O MºPº não apresentou contestação;
d) – A A., antes de ser proferida decisão sobre a matéria de facto e a sentença, apresentou declaração de ‘desistência da instância’;
e) – O Mº Pº opôs-se à desistência da instância apresentada;
f) – A autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica com intuito lucrativo à prestação de serviços e fornecimento de materiais na área de electricidade;
g) – Com data de 29.10.2001, a autora emitiu a factura nº ...., no valor de € 5.252,00, na qual consta como devedora C.........., Ldª.
2.2 – Dos fundamentos dos recursos:
De acordo com as conclusões formuladas (cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º do CPCivil), a questão a resolver é, essencialmente, saber se a desistência da instância apresentada pela A era ou não operante, já que a apelação apenas tem como fundamento não dever ter sido proferida a sentença face à desistência da instância apresentada pela A.
Vejamos.
A A. veio apresentar desistência da instância depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, mas antes que fosse proferida decisão sobre a matéria de facto e, consequentemente, proferida sentença.
O Mº Pº, enquanto representante da Ré ausente em parte incerta (cfr. art. 15º do CPCivil), opôs-se à apresentada desistência da instância.
A decisão sob recurso considerou, por isso e porque não havia a Ré sido citada pessoalmente, inoperante tal desistência.
Será que, como pretende a agravante, a desistência da instância por si apresentada não poderia deixar de ser considerada válida e, no seguimento da sua apresentação, devia o juiz limitar-se a julgá-la válida e, consequentemente, declarar finda a instância?
Ora, como resulta do disposto no art. 287º, al. d) do CPCivil, a instância extingue-se por desistência, sendo que esta é uma das consequências do princípio dispositivo (cfr. art. 264º do CPCivil), segundo o qual, no dizer de Manuel A. Domingues de Andrade [Noções Elementares do Processo Civil, pág. 373 e 374], «As partes dispõem do processo, como da relação jurídica material. O processo é coisa ou negócio das partes (concepção privatística, contratualista ou quase-contratualista do processo). É uma luta, um duelo entre partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas. O juiz arbitra a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado (concepção duelística ou «guerresca» do processo). …»; precisando, no que concerne à desistência da instância, afirma Lebre de Freitas [CPC Anotado, vol. 1º, pág. 524] que «A desistência da instância é uma manifestação do princípio dispositivo, na vertente da disponibilidade da tutela jurisdicional, constituindo o inverso do acto de proposição da acção … Constitui um negócio jurídico processual».
Tal desistência, como resulta do disposto no art. 295º do CPCivil, tanto pode ser do pedido, como da instância, sendo que da primeira resulta a extinção do direito que se pretendia fazer valer, enquanto a segunda apenas faz cessar o processo que se instaurara.
A diferença entre ambas não se confina apenas ao seu efeito, mas também ao seu regime; na realidade, enquanto a desistência do pedido é livre, ainda que não prejudicando a reconvenção, já a desistência da instância depende de aceitação do réu quando tenha sido concretizada após o oferecimento da contestação – cfr. art. 296º do CPCivil.
A razão de ser de tal distinção, sem curarmos de saber se, após a contestação, se trata de um acto unilateral (sujeito a condição) ou bilateral [Cfr., quanto à unilateralidade, Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. I, pág. 525, e, quanto à bilateralidade (após a contestação), J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. II, pág. 69], encontra-se, segundo J. Rodrigues Bastos [Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 72], «…na natureza da relação jurídica processual, na qual ocupam a posição de sujeitos tanto o autor como o réu, interessando a ambos a obtenção de uma sentença de mérito. O que parece, de harmonia com o disposto no nº 2 do art. 267º, é que a exigência da aceitação devia fazer-se logo a partir da citação do réu. O nosso legislador deve-se ter deixado influenciar por razões de ordem prática, que todavia não parecem inteiramente atendíveis. …».
Porém, nos termos do disposto no artº 296º, nº 1 do CPCivil, certo é que a desistência da instância, quando apresentada após o oferecimento da contestação, só é válida e, consequentemente, operante, se tiver sido aceite pelo réu.
No caso ‘sub judice’, de facto não foi oferecida contestação, pelo que, à primeira vista, a desistência da instância não estaria dependente da aceitação da Ré, e, em consequência, o juiz não poderia deixar de a validar.
Sucede que, em face da factualidade informadora do caso concreto, a questão não é de solução tão linear quanto parece resultar da afirmação que antecede.
A solução da questão passa, necessariamente, pela consideração do efeito da desistência da instância vertido no nº 2 do art. 295º do CPCivil e, bem assim, dos interesses que com a exigência da aceitação por parte do réu quis o legislador acautelar.
Ora, como ressalta do referido nº 2 do art. 295º do CPCivil, a desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara, sem colocar, portanto, em crise o direito que se pretendia fazer valer, ficando, desse modo, o demandante com a possibilidade de accionar, em novo processo, o demandado para acautelar o mesmo direito e com base nos mesmos factos, sem que, por isso, os interesses deste (demandado) fiquem minimamente acautelados, já que, apesar de se ver livre do processo, inexiste decisão de mérito sobre a relação jurídica controvertida.
Sucede que, até que haja oferecimento da contestação, terá o legislador entendido (ainda que em dissonância com o disposto no nº 2 do art. 267º do CPCivil, como refere J. Rodrigues Bastos na citação supra efectuada, e, bem assim, acrescentamos nós, com o princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 268º do CPCivil) que, salvaguardado o interesse quanto a uma decisão de mérito, ainda se não poderá falar da existência de justificados interesses do demandado a acautelar, pois, não tendo ainda assumido qualquer posição quanto aos factos articulados, se não poderia falar da aquisição processual de qualquer vantagem que não pudesse dispor em nova acção, pelo que se justificaria a inexistência de qualquer obstáculo razoável à livre desistência da instância.
Tal razão justificaria, também, que, ultrapassado o prazo para oferecimento da contestação e sem que o tivesse sido, se pudesse continuar a afirmar que inexistisse qualquer razão válida que impedisse a admissibilidade da livre desistência da instância, porquanto dela não resultaria uma situação, pelo menos em regra, agravada relativamente à que ocorria anteriormente ao decurso do prazo e sem oferecimento da contestação, antes pelo contrário, como desde logo se pode inferir do disposto nos arts.490º, nº 2, 463º, nº 1, 464º e 784º do CPCivil.
Porém, no caso em apreço, a Ré não foi citada pessoalmente, por ausente em parte incerta, mas sim editalmente, sendo que, não tendo apresentado oposição no prazo para tanto concedido na citação edital, veio a ser citado o Mº Pº em sua representação, ao abrigo do disposto no art. 15º do CPCivil.
Tal situação determina, face ao disposto no nº 4 do art. 490º do CPCivil, a inaplicabilidade do disposto nos nº 1, 2 e 3 do mesmo normativo, isto é, afastada fica a aplicabilidade do ónus de impugnação e, bem assim, da possibilidade de confissão relativamente a factos pessoais ou que o demandado devesse conhecer, o que equivale por dizer que a ausência obsta a qualquer reconhecimento da matéria de facto alegada pelo demandante, funcionando como se tivesse sido oferecida contestação com impugnação total, obrigando ao prosseguimento da acção com a realização de audiência de discussão e julgamento com vista à produção de prova sobre a factualidade alegada em sede de petição inicial.
Assim, em tal caso, crê-se que se não poderá afirmar que estamos perante uma ausência ou falta de contestação, pelo menos com eficácia jurídico-processual, ainda que esta possa ser considerada efeito (ficção) de mera determinação legal, sendo sempre certo que esta visa acautelar a defesa do ausente, criando, consequentemente, uma situação de interesses que cumpre salvaguardar, tal como se tivesse oferecido contestação em articulado e em que se impugnassem todos os factos vertidos na petição inicial.
Daí que a eficácia jurídica da desistência da instância apresentada pela A./agravante, atento o momento processual em que o foi, isto é, já depois de produzida a prova oferecida e discutida a causa em audiência de julgamento, ainda que antes de proferida a decisão sobre a matéria de facto controvertida e elaborada a sentença final, estava dependente da aceitação do réu, no caso, do seu representante – o MºPº, por ausente em parte incerta.
Aliás, a entender-se de outro modo, seria assumir posição contraditória relativamente à eficácia da intervenção processual do MºPº, como defensor dos interesses do ausente, porquanto por um lado aceitar-se-ia esta intervenção para valer como obstáculo a que se pudessem considerar assentes os factos alegados pelo demandante e, depois, negava-se-lhe legitimidade para, no prosseguimento dos autos, continuar a representar os interesses deste, reduzindo-se os poderes da sua representação ao negar-lhe a possibilidade de se pronunciar quanto à aceitação da desistência da instância apresentada após a sua intervenção.
Afigura-se-nos, assim, que o agravo não merece provimento.
Atento tudo quanto se deixou afirmado em sede de conhecimento do agravo, a apelação da A. encontra-se votada ao insucesso, já que o fundamento desta consistia em que a desistência da instância, no caso concreto, era livre e não estava, portanto, sujeita à aceitação da Ré ausente, representada pelo Mº Pº.
Aliás, como a própria A/apelante admite nas respectivas alegações de recurso, esta apelação foi interposta para acautelar a subida do agravo de cujo provimento estava dependente o êxito daquela.
Concluindo, improcede, também, a apelação.
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3. Decisão:
Nos termos supra expostos, acorda-se em:
a) – negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida;
b) – julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença;
c) – condenar a A. nas custas dos recursos interpostos.
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Porto, 14 de Novembro de 2005
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale
António Manuel Martins Lopes