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CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
CADUCIDADE DO CONTRATO
SUSPENSÃO DO CONTRATO
Sumário
i) a comunicação de caducidade do contrato de trabalho a termo certo constitui um despedimento ilícito, quando é efetuada fora dos prazos previstos na lei. ii) a suspensão do contrato de trabalho a termo certo não suspende ou interrompe o decurso do respetivo prazo de celebração ou de renovação que esteja a decorrer. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora.
1. A A. intentou a presente ação sob a forma de processo comum contra a R., pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento e, em consequência, que a ré seja condenada no pagamento da quantia global de € 7 672, a título de indemnização pelos danos sofridos em virtude do referido despedimento.
Alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo pelo período de 6 meses, em 24 de junho de 2019, o qual cessou em 30 de agosto de 2020, por iniciativa desta, mediante a entrega de uma carta a comunicar a intenção de não renovar o contrato celebrado e, bem assim, a respetiva caducidade.
Regularmente citada, a R. apresentou contestação, pugnando pela improcedência da presente ação, atenta a legalidade e tempestividade da comunicação realizada, tendo em vista a não renovação do contrato de trabalho celebrado com a autora.
Realizou-se a audiência final como consta da ata respetiva.
Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Em face do exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
1- Declara-se ilícito o despedimento da autora pela ré.
2- Condena-se a ré a pagar à autora a quantia global de € 2 980,88 (dois mil novecentos e oitenta euros e oitenta e oito cêntimos), a título de indemnização devida pelo despedimento ilícito.
3- Absolve-se a R. do demais peticionado pela autora nos presentes autos.
4- Condena-se a autora e a ré no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 60% e 40%, respetivamente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e/ou da isenção de que as mesmas eventualmente beneficiem.
2. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem:
1. Entende a recorrente que a sentença encontra-se ferida de nulidade por omissão de pronúncia quanto a factos alegados, nucleares à matéria em litígio, e imprescindíveis à correta aplicação do direito e consequente boa decisão da causa, de acordo com o artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPP ex vi do artigo 77.º do CPT.
2. Embora seja inequívoca a desnecessidade de o Tribunal se pronunciar sobre todos os argumentos, este deve, no entanto, pronunciar-se sobre todas as questões relevantes submetidas pelas partes ao seu escrutínio, sob pena de clara violação do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC.
3. Pelo que fica o Tribunal obrigado ao conhecimento de todas as questões que sejam alegadas pelas partes e por que centrais e imprescindíveis possam influir na decisão final, obrigação que a recorrente considera não ter sido cumprida.
4. Em concreto, por não ter considerado, nem tão pouco se pronunciado sobre factos essenciais à adequada resolução do litígio, factos alegados pela recorrente nos articulados 21.º e 22.º da contestação, sobre uma inspeção pela ACT aos contratos de trabalho da recorrente (contratos esses onde se incluía o da autora) que concluiu pela ausência de qualquer ilegalidade (cfr. documento 3 junto com a contestação).
5. Ora, não pode o Tribunal a quo ignorar que a ACT é a entidade responsável por garantir o controlo do cumprimento normativo laboral no âmbito das relações laborais privadas, com as suas vastas atribuições definidas no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 326-B/2007, de 28 de setembro.
6. E que, tendo o completo escrutínio do contrato de trabalho aqui em litígio por parte dessa mesma entidade, concluiu pela legalidade dos procedimentos encetados pela recorrente, onde naturalmente se incluiu a tempestividade da comunicação da oposição à renovação, o que sempre seria de relevar e influir na decisão final.
Não obstante,
7. Mesmo que o Tribunal a quo tenha considerado irrelevante esse facto, sempre haveria de pelo menos se pronunciar sobre o mesmo, indagando, ainda assim, se num outro entendimento juridicamente plausível aquele facto se mostra ou não relevante.
8. É que em sede de impugnação por via de recurso pode vir a ser considerada pelo Tribunal ad quem a relevância do facto sobre o qual o Tribunal a quo especificamente deixou de se pronunciar por entender irrelevante.
9. É que sem qualquer tipo de menção ao facto, a parte recorrente jamais conseguirá compreender o que motivou a não pronuncia, e face ao silêncio do Tribunal todas as interrogações são legítimas.
10. Assim, para obstar à nulidade sempre haveria de se ter manifestado sobre a irrelevância do facto (declarando-o expressamente e fundamentando sucintamente), ou pela relevância do mesmo, enumerando-o nos factos provados ou não provados, sob pena da nulidade de sentença que ora se argui, por violação do disposto no artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC ex vi do artigo 77.º do CPT.
11. Sendo insuficiente para sanar a existência da nulidade a consideração genérica efetuada pelo Tribunal a quo mediante a qual afirma não se ter considerado “a matéria meramente conclusiva e de cariz normativo e os factos desprovidos de interesse e relevância para a decisão da causa”, pois que tal enunciação genérica jamais permitirá aferir com segurança se o Tribunal se debruçou ou não especificamente sobre factos que poderão ser considerados essenciais para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
12. Pelo que deveria ter considerado o facto “Foi a ré, em momento posterior ao terminus do contrato de trabalho com a autora, alvo de uma inspeção pela ACT que, analisados os contratos, inclusivamente o da autora, concluiu pela inexistência de qualquer ilegalidade”, e tê-lo valorado devidamente.
13. O que não fez, omitindo assim uma das maiores garantias processuais concedidas às partes, que assegura que o Tribunal, num processo equitativo, atribuiu igual atenção aos factos, provas e argumentos de ambas.
Sem prescindir
14. Considera o Tribunal a quo que o Lay-Off Simplificado não suspendeu os efeitos do contrato de trabalho no que à caducidade diz respeito, e que, portanto, a oposição à renovação foi intempestiva.
15. Ora, efetivamente a autora iniciou as suas funções a 19 de junho de 2019 com um contrato de trabalho a termo certo motivado pelo acréscimo excecional de trabalho na empresa (artigo 140.º n.ºs 1 e 2, alínea f) CT).
16. O qual decorreu com normalidade até ao aparecimento do vírus SARS-COV-2 que forçou ao decretamento de sucessivos Estados de Emergência e à implementação de inúmeras alterações legislativas com foco na contenção da propagação do vírus, mas também no apoio à manutenção dos postos de trabalho e mitigação de crise empresarial (Cfr. preâmbulo do DL n.º 10-G/2020, de 26 de março).
17. Dispondo sobre a possibilidade de suspender contratos de trabalho e que essa suspensão manteria os direitos, deveres e garantias que não dependessem da efetiva prestação do trabalho (artigo 6.º, n.º 3 do DL n.º 10-G/2020, de 26 de março).
18. Neste seguimento, cumpre perceber então se a oposição à renovação dependeria ou não dessa prestação, não bastando para o efeito a mera interpretação legislativa alheada da realidade fáctica da altura e da permanente instabilidade vivenciada no setor do turismo que tentava sobreviver com fronteiras fechadas e proibições de circulação.
19. O que resultou numa drástica diminuição de 72% da ocupação na unidade hoteleira da recorrente face ao período homólogo do ano anterior (Cfr. Documentos 1 e 2 juntos com a contestação).
20. Assim, cumpre perceber que para que um contrato a termo possa existir é necessária a verificação de circunstâncias que se enquadrem nas alíneas do artigo 140.º do CT e que a não renovação seja motivada por factos concretos que permitam concluir que essas circunstâncias deixaram, entretanto, de existir.
21. Conclusão que a recorrente jamais poderia retirar de um panorama absolutamente atípico, motivo pelo qual não detinha as informações necessárias para perceber se as condições da empresa permitiam ou não a continuidade ou não do motivo justificativo que permitiu contratar a autora; não o sabia aquando do término do Lay-Off Simplificado, nem tão pouco aquando do momento “normal” de renovação do contrato.
22. Pelo que, numa atitude de boa-fé (com intenção de manter o posto de trabalho da autora e evitar cometer ilegalidades, como seja terminar o contrato de trabalho sem fundamento para o efeito, ou até opor-se intempestivamente à renovação já que acreditava que o prazo de caducidade se encontrava suspenso), optou por não se opor à renovação na data que seria “normal” fazê-lo.
23. Pois que só a abertura das unidades hoteleiras e consequentemente a prestação efetiva do trabalho permitiria à recorrente compreender a duração dos efeitos pandémicos e qual o impacto no contrato de trabalho em litígio.
Sem prescindir,
24. Não obstante o descrito no artigo 295.º, n.º 3 do CT, não pode o Tribunal ignorar que a pandemia veio não só causar o caos no nosso quotidiano, mas também uma absoluta desordem no ordenamento jurídico, abalando a sua estabilidade com alterações sucessivas das leis, muitas vezes em curtos espaços temporais e efetuadas à pressão, com grande impacto na esfera jurídico-laboral.
25. Alterações que face à necessidade interminável de constante atualização provocou uma menor cautela e atenção na elaboração das novas leis, facto que muitas vezes dificultou a descoberta do verdadeiro intuito e alcance legislativo, criando um alvoroço tal que o homem médio não conseguiu acompanhar.
26. E se assim foi para os profissionais da área, imagine-se para quem não são... para aqueles que além de terem que se deparar com a árdua tarefa de não deixar os seus negócios (aqueles que sustentam muitas famílias e não apenas as famílias dos trabalhadores, mas também as famílias dos empregadores) afundar, falir, endividar-se, tiveram que ser autênticos alunos de Direito a tentar acompanhar o descalabro jurídico que presenciámos.
27. E num momento em que as empresas, como o caso da recorrente, se encontravam sem solvibilidade para contratar o devido aconselhamento jurídico, pois que para isso teriam que optar entre deixar de pagar aos trabalhadores, ou deixar de pagar os impostos, deixar de pagar aos fornecedores ou deixar de alimentar a própria família.
28. De facto, a recorrente agiu de boa-fé com o intuito de manter o posto de trabalho da autora o mais possível, e convicta de que o prazo de caducidade se encontrou suspenso durante o Lay-Off Simplificado, e convencida de que jamais poderia pôr termo ao contrato de trabalho sem efetivamente perceber se os motivos que permitiram uma contratação a termo tinham ou não deixado de existir, o que sempre pressuporia a abertura do estabelecimento.
29. Caso contrário, a recorrente sempre se teria oposto à renovação no prazo “normal”, e não só não teria que ter feito o esforço financeiro de ter que pagar o salário de julho e agosto à autora, como também jamais se colocaria a existência de um eventual despedimento ilícito.
30. Reitera-se, pois, que a interpretação das normas jurídicas em causa não pode ser efetuada sem atender às circunstâncias extraordinárias que se faziam sentir, sob pena de se cair na aplicação de um Direito meramente formal, alheio às necessidades e circunstâncias do caso concreto, e que sempre resultará em inevitáveis injustiças.
31. Pelo que em situações extremas deveremos optar pela aplicação de um Direito Alternativo, como aliás defende José de Oliveira de Ascensão: “Num novo entendimento, diferente de qualquer destes, fala-se em Direito Alternativo para qualificar as soluções jurídicas que são impostas por circunstâncias excecionais. Cfr. em Portugal Paulo Otero, Lições, I, 2.º tomo, § 15, mas para designar a bidimensionalidade do Direito, pois se impõe o afastamento da legalidade normal perante circunstâncias extraordinárias. Distingue uma legalidade alternativa incorporada, quando o próprio sistema dá abertura a essa intervenção (seja o caso do estado de necessidade, de que já falámos), e a não incorporada, que seria a que particularmente interessaria. A salvaguarda de valores, bens e interesses de toda a comunidade, perante situações de exceção a que a lei não ocorre, permitiria o afastamento da legalidade normal.”
32. O que permitirá afastar a aplicação do Direito Formal na busca de uma decisão mais justa, ainda que contrária à lei: “A lei deve ser rejeitada quando conduzir a um resultado desfavorável às classes dominadas (e sustentada no caso contrário). Admite-se assim a decisão contra legem.”
33. Pelo exposto, pugnando-se por uma decisão que não se limite a aplicar a lei, mas antes a fazer justiça, deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada e a recorrente absolvida de todos os pedidos, ou, sem prescindir e apenas por mera cautela de patrocínio, ser o valor de indemnização atribuído ser substancialmente reduzido, adequando-se às concretas e excecionais circunstâncias do caso, numa verdadeira realização da justiça.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, requer-se que se dignem conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente, e em consequência seja:
a) A recorrente absolvida de todos os pedidos, ou
b) A indemnização atribuída substancialmente reduzida, adequando-se às concretas e excecionais circunstâncias do caso.
3. A autora respondeu e concluiu:
1. Não tem procedência a afirmação da recorrente de que existiu omissão de pronúncia relativamente ao parecer da ACT.
2. O Tribunal não tem de se pronunciar quanto a provas;
3. Decorre da independência dos órgãos judiciais que as suas decisões não se sujeitem a pareceres de entidade administrativa.
4. E que prossigam o principio da livre apreciação da prova;
5. O Tribunal pronunciou-se e decidiu, de acordo com a Lei, sobre a matéria fundamental do litigio, ou seja, a ilicitude do despedimento,
6. Porquanto as suspensões do contrato não afetam, por via do Lay off, os aspetos relacionados com a manutenção, ou não, do vinculo laboral.
7. O Tribunal a quo, aplicando a Lei, declarou da ilicitude do despedimento por a caducidade ter sido comunicada extemporaneamente.
Termos em que deverá ser mantida por V.Exas,, Venerandos Desembargadores, a decisão recorrida.
4. O MinistérioPúblicojunto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida. Entende que os factos que a ré refere não têm qualquer relevo para a decisão da causa, tendo havido pronúncia na parte em que o tribunal recorrido refere que não responde a outros factos por serem conclusivos, de direito ou inúteis para a decisão da causa.
As partes foram notificadas e não responderam.
5. Dispensados os vistos, por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.
6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
2. Validade da declaração de caducidade do contrato de trabalho a termo e montante da indemnização.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A sentença recorrida considerou provada a matéria de facto seguinte:
1- Entre a autora e a ré foi celebrado escrito denominado de “contrato de trabalho a termo certo”, em 24 de junho de 2019, mediante o qual declararam que a segunda admitia a primeira ao seu serviço para exercer as funções inerentes à categoria de empregada de mesa no estabelecimento hoteleiro denominado ‘The Noble House Hotel’, sito em Évora, a partir de 19 de junho de 2019 e pelo período de 6 meses, mediante o pagamento da quantia de € 632, a título de retribuição, e de € 6, a título de subsídio de alimentação.
2- Na ‘cláusula segunda’ do referido escrito contratual consta que:
«1. O presente contrato tem início em 19/06/2019 e é celebrado a termo certo, pelo período de 6 meses, verificando-se o mesmo no dia 18/12/2019, com um período experimental de 30 dias.
2. O presente contrato é celebrado a termo certo, ao abrigo do disposto no artigo 140.º, n.º 1 e n.º 2, alínea f) do Código do Trabalho, em virtude de um acréscimo excecional de trabalho na empresa, consubstanciado no crescimento da sua atividade por via do aumento temporário do investimento dos sócios da empresa em estabelecimentos hoteleiros, nomeadamente o estabelecimento The Noble House Hotel, que graças ao aumento temporário de investimento em publicidade, divulgação e parcerias com entidades terceiras, tem verificado um aumento no número de dormidas e contratação de serviços desde o início do ano civil de 2019, sendo previsível que este incremento se mantenha, pelo menos, até ao final do ano, o que implica o reforço da equipa de trabalho da entidade empregadora.
3. O presente contrato renova-se, no final do termo estipulado, por igual período, salvo se a entidade empregadora ou o trabalhador comunicarem, por escrito, com a antecedência respetiva de 15 (quinze) ou 8 (oito) dias sobre a verificação do termo, que não desejam a sua renovação.
4. Qualquer renovação do contrato por período diferente do inicialmente estipulado deverá constar de aditamento ao presente contrato, reduzido a escrito, datado e assinado por ambas as partes».
3- A partir de data não concretamente apurada, mas não posterior a janeiro de 2020, a ré começou a pagar à autora a quantia de € 635, a título de retribuição mensal.
4- A autora exerceu as suas funções por conta sob a autoridade, direção e fiscalização da ré, de forma ininterrupta, desde 19 de junho de 2019 e 1 de abril de 2020.
5- Por carta datada de 30 de março de 2020, entregue pela ré à autora, e por esta recebida na mesma data, a primeira comunicou à segunda que:
«(…) 1. A URBAN SAFARI, LDA vai suspender o contrato de trabalho;
2. Esta medida tem o seu início em 01 de abril de 2020, inclusive e terá duração de 1 mês, eventualmente prorrogável por igual período (cfr. Art. 4º, nº3 do citado Decreto-Lei n.º 10-G/2020).
3. No seu caso concreto, aplicar-se-á a suspensão do contrato de trabalho mantendo-se, todavia, os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho nos termos previsto no Código do Trabalho.
4. A compensação retributiva a que terá direito será a decorrente da aplicação do nº 3 do artigo 305º do Código do Trabalho e ser-lhe-á paga pela URBAN SAFARI, LDA pelos meios normais. (…)».
6- A suspensão do contrato de trabalho comunicada pela ré à autora, nos termos descritos no ponto 5., foi renovada até ao final do mês de maio de 2020.
7- Em 1 de junho de 2020, a autora regressou ao seu local de trabalho, passando a desempenhar funções como rececionista.
8- A ré comunicou à autora a data para a realização de uma formação online, tendo em vista o cumprimento das novas funções acima referidas. 9- A autora não recebeu qualquer formação, por se ter equivocado na data da formação.
10- Por carta entregue pela ré à autora, e por esta recebida em 31 de julho de 2020, a primeira comunicou à segunda que:
«(…) 1. A URBAN SAFARI, LDA vai reduzir temporariamente o seu período normal de trabalho para 35 horas por semana, ocorrendo uma redução de 10% conforme horário de trabalho que lhe será, oportunamente, comunicado, podendo tal redução ser aferida em termos médios mensais.
2. Esta medida tem o seu início em 04 de agosto de 2020, inclusive, e terá duração de 1 mês, eventualmente prorrogável mensalmente, até no máximo, 31 de dezembro de 2020 (cfr. Art.ºs 4.º, n.º 3 e 19.º do citado Decreto-Lei n.º 46-A/2020);
3. Durante esse período mantém todos os direitos, deveres e garantias das partes, nos termos previstos no Código do Trabalho.
4. Terá direito à retribuição correspondente às horas de trabalho prestadas, calculada em função da sua retribuição hora normal e à compensação retributiva pelas horas não prestadas, as quais serão, ambas, pagas pela URBAN SAFARI, LDA pelos meios habituais (cfr. Art.ºs 6.º, n.ºs 1 e 2 do DL 46-A/2020. (…)».
11- Por carta datada de 3 de agosto de 2020, entregue pela ré à autora, e por esta recebida na mesma data, a primeira comunicou à segunda que:
«(…) Fica V. Exa., por este meio, expressamente notificado, de que, nos termos do nº 1 do art.º 344.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, é vontade da empresa não renovar o contrato a termo certo de seis meses, renovado por igual período em 18 de dezembro de 2019, pelo que o mesmo caducará, por força da suspensão do presente contrato de trabalho justificado pelo lay-off de 60 dias, no próximo dia 30 de agosto de 2020, data a partir da qual deixará de estar vinculado à nossa empresa.
Nos termos do n.º 2 do art.º 344.º do citado diploma legal, com a caducidade do contrato, ser-lhe-á paga uma compensação correspondente a dezoito dias de remuneração de base por cada ano completo de duração do contrato, para além da retribuição e demais complementos a que tiver direito, nomeadamente subsídio de férias e parte proporcional ao 13º mês (…)».
12- Entre 6 de agosto de 2020 e 19 de agosto de 2020, a autora esteve de baixa médica.
13- Em 1 de setembro de 2020, a ré entregou à autora um documento de ‘declaração de situação de desemprego’, no qual consta indicado como motivo de cessação do contrato de trabalho a ‘caducidade de contrato de trabalho a termo’.
14- À Autora foi atribuído subsídio de desemprego no montante diário de € 17, pelo período de 810 dias e início a 7 de setembro de 2020.
B) APRECIAÇÃO
B1) A nulidade da sentença
Aquando da admissão do recurso o tribunal recorrido pronunciou-se sobre esta matéria e sustentou a inexistência da nulidade invocada.
A apelante alega que a sentença é nula em virtude de não se ter pronunciado sobre os factos alegados nos art.º 21.º e 22.º da contestação.
Os factos são os seguintes: “21.º Aliás a postura da R. sempre foi de retidão e legalidade, aliás, teve imediatamente a seguir à notificação da A. da não renovação do contrato de trabalho a termo certo, a R. uma inspeção por parte do ACT – conforme Doc. 3 que se junta para os devidos e legais efeitos 22.º Em que o contrato de trabalho a termo certo da ora A. e sua cessação foi também objeto da inspeção e nenhuma infração foi apurada pelo ACT.”
Na motivação consta da sentença o seguinte: “Consigna-se que não foi considerada a matéria meramente conclusiva e de cariz normativo e os factos desprovidos de interesse e relevância para a decisão da causa”.
Está em causa apurar a validade da declaração de caducidade do contrato de trabalho a termo certo. Os factos referidos pela ré têm a ver com a intervenção da ACT. Em face dos factos, verifica-se que a inspeção da ACT não tem qualquer relevância para a decisão da causa. Estes factos não influenciam a decisão sobre o objeto do processo.
A sentença esteve bem ao não se pronunciar sobre estes factos por entender que são desprovidos de interesse e relevância para a decisão da causa.
Termos em que improcede a nulidade invocada pela ré apelante.
B2) Validade da declaração de caducidade do contrato de trabalho a termo e montante da indemnização
A apelante conclui, além do mais que: “A recorrente agiu de boa-fé com o intuito de manter o posto de trabalho da autora o mais possível, e convicta de que o prazo de caducidade se encontrou suspenso durante o Lay-Off Simplificado, e convencida de que jamais poderia pôr termo ao contrato de trabalho sem efetivamente perceber se os motivos que permitiram uma contratação a termo tinham ou não deixado de existir, o que sempre pressuporia a abertura do estabelecimento”.
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida: “Ora, de acordo com o próprio escrito de contrato de trabalho celebrado entre as partes (cf. ponto 2. dos factos provados), o contrato em causa renovou-se por igual período de 6 meses em 19 de dezembro de 2019, passando o correspondente termo para 18 de junho de 2020. De igual modo, não tendo sido feita qualquer comunicação tendente à respetiva caducidade, nos termos previstos nos artigos 149.º n.º 2 e 344.º n.º 1 do Código do Trabalho, o mesmo renovou-se por novo período de 6 meses, passando o seu termo para 18 de dezembro de 2020. De acordo com a ré, a suspensão do contrato de trabalho da autora, promovido pela primeira ao abrigo do regime de lay-off simplificado, no âmbito do programa de apoio extraordinário à manutenção dos postos de trabalho, previsto no Decreto-lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, teria como efeito a suspensão do prazo para a comunicação da não renovação do respetivo contrato de trabalho. Sendo, nessa medida, tempestiva a comunicação feita à autora, no dia 3 de agosto de 2020, tendo em vista a caducidade do mesmo, Sucede, porém, que não assiste razão à ré. Com efeito, durante a respetiva suspensão o contrato de trabalho continua ‘vivo’, mantendo-se todos os direitos e deveres entre as partes que não dependam da efetiva prestação de trabalho, como seja, por exemplo, a própria antiguidade do trabalhador (cf. artigo 295.º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho e artigo 6.º n.º 3 do Decreto-lei n.º 10-G/2020, de 26 de março). De igual modo, o período de suspensão do contrato de trabalho não ‘suspende’ os prazos de caducidade e/ou de renovação dos contratos de trabalho a termo; conforme resulta, aliás, expressamente previsto no artigo 295.º n.º 3 do Código do Trabalho, segundo o qual «a redução ou suspensão não teme efeitos no decurso de prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais». Nestes termos, e em face do exposto, conclui-se que a ré comunicou de forma intempestiva a caducidade do contrato de trabalho celebrado com a autora (…), tendo, nessa medida, procedido ao despedimento ilícito desta última, por falta de observância do procedimento legal adrede previsto (cf. artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho)”.
Concordamos integralmente com o trecho da sentença que acabamos de citar.
Nos termos do art.º 295.º n.º 3 do Código do Trabalho, a redução ou suspensão não tem efeitos no decurso de prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais.
Em face desta norma jurídica, o prazo de seis meses do contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a autora e a empregadora, que se iniciou após a primeira renovação em 19 de dezembro 2020, não se suspendeu ou interrompeu. De igual modo, o contrato de trabalho a termo certo renovou-se pela segunda vez em 19.06.2020 e o prazo de seis meses continuou a correr normalmente até ao seu termo, que ocorreria em 18.12.2020.
A empregadora ao fazer cessar o contrato de trabalho a termo certo antes do fim do seu termo com invocação de caducidade intempestiva atuou ilicitamente. A caducidade do contrato de trabalho a termo só é legal se visar a sua não renovação no final do prazo em curso e não antes.
As circunstâncias adversas decorrentes da pandemia afetaram toda a sociedade, incluindo os empregadores e trabalhadores. A legislação produzida para fazer face à pandemia visou a proteção de todos. No caso concreto, não suspendeu ou interrompeu o prazo dos contratos de trabalho a termo em vigor.
Assim, a declaração de caducidade produzida pela empregadora constituiu um despedimento ilícito, tal como foi decidido na sentença recorrida.
A apelante conclui que a indemnização deve ser reduzida em face das circunstâncias excecionais.
O art.º 393.º do CT prescreve:
1 - As regras gerais de cessação do contrato aplicam-se a contrato de trabalho a termo, com as alterações constantes do número seguinte.
2 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) No pagamento de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, que não deve ser inferior às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente;
b) Caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão judicial, na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
O CT contém uma norma jurídica específica para o caso de cessação ilícita do contrato de trabalho a termo.
A indemnização tem como mínimo as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente.
No caso, a sentença recorrida condenou a empregadora a pagar à autora as retribuições que deixou de auferir desde a data do respetivo despedimento (1 de setembro de 2020), até à data do termo do respetivo contrato de trabalho (que se fixava, à data, em 18 de dezembro de 2020).
A indemnização fixada na sentença mostra-se totalmente conforme às normas jurídicas que referimos, pelo mínimo, uma vez que se considerou que não se provaram outros danos.
As circunstâncias excecionais afetaram a empregadora e a trabalhadora pelo que entendemos que não ocorre fundamento legal para reduzir a indemnização fixada.
Termos em que improcede na totalidade a apelação e se confirma a sentença recorrida.
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo ré apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 12 de maio de 2022.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço