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ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE SERVIÇO
DIREITO DE REGRESSO DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I.–Segundo o disposto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro civilmente responsável por acidente de viação que seja simultaneamente acidente de serviço.
II.–Para o efeito, além do mais, a CGA tem o ónus de provar a qualidade de acidente de serviço do evento em causa, sendo que para tal não basta a simples junção aos autos de uma certidão emitida pelos serviços da CGA em que estes qualifiquem o referido evento como acidente de serviço.
III.–Na estipulação do respetivo quantum indemnizatório decorrente de um acidente de viação importa seguir juízos de equidade, levando em conta o decidido pelos Tribunais Superiores em situações similares.
IV.–In casu, na sequência de recurso interposta pela R./Seguradora, tendo a lesada 55 anos à data do sinistro, sendo ela trabalhadora por conta de outrem, com vencimento de cerca de €1.000,00, tendo a mesma ficado com uma IP de 12 pontos, acrescida de 3 pontos de dano futuro, e tido dores de grau 5, dano estético de grau 2 e dano em atividades desportivas e de lazer de grau 1, justifica-se que não se tenha por excessiva a indemnização de €34.000,00 arbitrada pelo Tribunal recorrido a título de danos patrimoniais e se tenha por adequada a indemnização de € 38.000,00 arbitrada a título de danos morais.
Texto Integral
Acordam na 2.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.–
RELATÓRIO:
Neste processo comum de declaração, em que é A. CT e é R. LUSITÂNEA COMPANHIA DE SEGUROS, SA., a A. pediu a condenação da R. no pagamento da quantia de €148.817,96 (cento e quarenta e oito mil, oitocentos e dezassete euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento.
Como fundamento do seu pedido a A. alegou, em síntese, que em 11.09.2013 foi atropelada numa passadeira de peões por veículo seguro na R., termos em que requer a condenação desta no pagamento de indemnização por danos patrimoniais, e não patrimoniais nos montantes de €88.817,96 (oitenta e oito mil, oitocentos e dezassete euros e noventa e seis cêntimos) e €60.000,00 (sessenta mil euros), respetivamente, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
A ADSE, IP, veio pedir a condenação da R. no pagamento da quantia de €1.453,68 (mil, quatrocentos e cinquenta e três euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal.
Para tal alegou, em resumo, que em consequência do acidente de viação acima descrito suportou despesas de saúde acrescidas da A. no indicado valor peticionado.
A R. contestou os pedidos da A. e da ADSE, pedindo que os mesmos sejam julgados improcedentes.
Foi proferido saneador, fixou-se o objeto do processo e enunciaram-se os temas da prova.
A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES veio requerer a sua intervenção espontânea, o que foi deferido, e pediu a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €191.214,71 (cento e noventa e um mil, duzentos e catorze euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros moratórios vencidos até integral pagamento, quantia essa correspondente à importância necessária para pagar à A. a pensão por acidente de serviço referente ao aludido acidente de viação, sendo que na sequência de junta médica foi atribuída à A. uma incapacidade permanente parcial de 69,09%, corresponde a uma pensão anual vitalícia de €12.254,02 (doze mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e dois cêntimos), cifrando-se em €191.214,71 (cento e noventa e um mil, duzentos e catorze euros e setenta e um cêntimos), o montante de capital necessário para suportar o pagamento daquela pensão.
A R. contestou o pedido da Caixa Geral de Aposentações.
Em razão da alteração do montante da pensão mensal paga pela Caixa Geral de Aposentações à A., esta reduziu o pedido para €79.867,96 (setenta e nove mil, oitocentos e sessenta e sete euros e noventa e seis cêntimos), correspondendo o montante de €36.750,00 (trinta e seis mil, setecentos e cinquenta euros), a título de danos de perda da capacidade de ganho, €42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros), quanto a danos morais, e €617,96 (seiscentos e dezassete euros e noventa e seis cêntimos), relativos a despesas efetuadas pela A. e ainda não pagas.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.
O Tribunal recorrido proferiu sentença em que decidiu:
«1.–Condenar a R. Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., a pagar à A. CT: a)-€34.000,00, a título de indemnização por dano patrimonial futuro; b)-€38.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; c)-juros de mora sobre as indemnizações, desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento, à taxa legal. 2.– Absolve[r], no mais, a R. do pedido formulado pela A.. 3.–Condenar a R. Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., a pagar à ADSE, I.P.: a)-€1.453,68; b)-Juros de mora sobre a quantia aludida em a) desde a data da notificação do pedido até à presente data, à taxa de 4%, e desde a presente data até efetivo e integral pagamento, à taxa legal. 4.–Absolve[r] a R. Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., do pedido formulado pela Caixa Geral de Aposentações».
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, apresentando as seguintes conclusões:
«1ª–Existiu omissão de pronúncia relativamente ao documento que consta de fls. 4 e 5 da certidão apresentada pela CGA. 2ª–Este documento, porque emitido por uma autoridade pública, com as formalidades legais, nos limites da sua competência, a Autoridade Aduaneira e Tributária, é um documento autêntico e goza de força probatória plena que só podia ser ilidida com base em falsidade, o que não sucedeu. 3ª–Este documento consta de uma certidão administrativa apresentada pela Caixa Geral de Aposentações, emitida nos termos do artigo 383º do CC, e que tem a força probatória dos originais. 4ª–Não obstante o disposto no artigo 371º e 372º do Código Civil, o tribunal a quo desconsiderou o documento apresentado pela Caixa Geral de Aposentações (participação e qualificação de acidente em serviço – fls 4 e 5 da certidão emitida pela CGA), não se pronunciando sobre o facto que o mesmo atesta na fundamentação de facto, o que configura uma violação do artigo 607º do CPC. 5ª–Tendo em conta o documento apresentado pela CGA (participação e qualificação de acidente em serviço – fls 4 e 5 da certidão emitida pela CGA), contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, deve ser considerado provado que
Em 7 de Abril de 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu à Caixa Geral de Aposentações requerimento para que a Autora fosse, para efeitos do regime previsto no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, sujeita a uma junta médica.
Entre outros documentos, foi anexo ao referido requerimento, ofício cópia da participação e qualificação do acidente ocorrido em 11 de Setembro de 2013 e que vitimou a Autora 6ª–O artigo 38º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, determina que a confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações. Mais, no nº 5 do referido artigo 38º, o legislador expressamente consagrou que a determinação das incapacidades permanente é efectuado de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais. 7ª–O artigo 46º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, no seu nº 3, determina que, uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra direito responsável, incluindo seguradora, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial. 8ª–Ficou provado nos presentes autos, que a Autora, na sequência do acidente em serviço sofrido, foi a uma junta médica da Caixa Geral de Aposentações que, tendo em conta a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, lhe fixou um grau de desvalorização de 62,09%. 9ª–É com base neste grau de desvalorização e apenas com base neste grau de desvalorização, fixado pela entidade com competência para fazê-lo, a Junta Médica da CGA, que os serviços da CGA, aplicando as disposições da Lei nº 98/2009, fixaram o valor da prestação mensal vitalícia a que a Autora tem direito. 10ª–Para efeitos da fixação da pensão por acidente em serviço são completamente irrelevantes os relatórios clínicos apresentados no âmbito do processo, ou a prova pericial realizada a pedido da companhia de seguros pela qual se fixou à Autora um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, de acordo com a Tabela Nacional de Avaliação de Incapacidades Permanente em Direito Civil. 11ª–Foi feita a prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da Ré. Contrariamente ao que decidiu o tribunal a quo, mediante a apresentação da certidão apresentada pela CGA, foi feita a prova dos factos que integram a qualificação do acidente ocorrido em 11 de Setembro de 2013 como acidente em serviço. Foi feita igualmente a prova da fixação à Autora do direito a uma pensão anual vitalícia nos termos do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, no valor de €12.254,02, correspondente a um capital de €191 214,71. (pontos 69. e 70. dos factos provados). 12ª–A partir dos factos provados referidos na 5ª conclusão, bem como dos que já constam dos pontos 52., 68., 69. e 70. dos factos provados da fundamentação de facto da sentença impugnada, deve, com base no disposto no nº 3 do artigo 46º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, ser a Ré ser condenada a pagar à CGA a importância de € 191 214,71, correspondente à importância necessária para pagar a pensão por acidente em serviço como reparação do acidente em serviço que em 11 de Setembro de 2020 vitimou a Autora.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências».
A R. Seguradora recorreu também, tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1-A Recorrente não se conforma com o teor da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto no mesmo não houve uma apreciação correcta dos pressupostos de direito e de facto. 2-Considerou o tribunal a quo como provado o facto nº 66, contudo entende a recorrente que tal facto devia ser dado como não provado, pois, das declarações das testemunhas NR e MT (cujas declarações estão transcritas nas alegações), bem como dos documentos de fls 118 e 119, não se vislumbra que as despesas da ADSE foram por causa do atropelamento. 3-A condenação a título de dano biológico na vertente patrimonial não foi peticionada pela Recorrida na P.I, pelo que, de acordo com algumas decisões dos tribunais superiores, entende a Recorrente que o juiz a quo violou o limite da condenação imposto pelo art 609 nº 1 do C.P.C, com efeito, tal condenação deve ser indeferida. 4- No ponto 10 da sentença aplicou o juiz a quo o regime dos acidentes em serviço, quando no ponto anterior, tinha considerado que não ficou provado que o acidente foi em serviço, o que resulta numa contradição. 5-Tendo ficado provado que a Recorrida recebe desde o dia 01.10.2015 pensão anual vitalícia de €12.254,02, a qual foi evoluindo, de acordo com a informação de folhas 26 da Caixa Geral de Aposentações, ao ponto de em 01.01.2019, a pensão a considerar ser de €913,47, sendo que no total aquela caixa liquidou à recorrida o valor de €53.801,42 (pensões pagas relativas ao período de 01.10.2015 a 31.01.2020) , tal valor pago corresponde ao mesmo tipo de dano biológico na vertente patrimonial que o tribunal arbitrou, o que representaria uma cumulação indevida pela recorrida de indemnizações, a originar um enriquecimento sem causa. 7-Nunca o montante arbitrado a título de dano biológico, na vertente patrimonial, devia ser admitido, porque a Recorrida já recebeu o valor total de €53.801,42. 8-O valor arbitrado a título de dano biológico é exagerado, atentador das regras de equidade, sendo muito superior ao aplicado em algumas decisões dos tribunais superiores para casos semelhantes, como resulta de alguns exemplos elencados nas alegações, pelo que aquele valor deverá ser reduzido para menos de €15.000,00. 9-O valor da condenação a título de danos não patrimoniais é elevado tendo em conta decisões de casos semelhantes, tendo o tribunal a quo olvidado que partes das lesões reclamadas (por exemplo incontinência urinária e síndrome pos-traumatico) não ficaram provadas, e que os tratamentos a que a recorrida foi sujeita, não resultaram do acidente dos autos, pelo que aquele valor deve ser reduzido para menos de €20.000,00. 10-Pugna a ora Recorrente pela revogação da Sentença proferida pelo douto tribunal “a quo”»
A A. não contra-alegou.
A R. contra-alegou no recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações, pugnando pela sua improcedência, referindo conclusivamente que:
«Caso se venha admitir dar provimento ao pedido da Caixa Geral de Aposentações, o que só por mera hipótese se admite, o montante já recebido pela A., a título de pensões pela CGA, deverá ser subtraído ao montante a fixar a nível de dano biológico, não bastando a simples redução do pedido realizada pela A., sob pena de duplicação de recebimento de indemnizações e o consequente enriquecimento».
A ADSE também contra-alegou, referindo que o recurso da R. Seguradora quanto ao pedido da ADSE deve ser julgado inadmissível, por tal pedido ser inferior à alçada do tribunal de que se recorre.
O Tribunal recorrido indeferiu o recurso da R. Seguradora quanto ao pedido da ADSE.
A R. Seguradora reclamou para este Tribunal.
Quanto àquela reclamação, após decisão do aqui relator e reclamação para a conferência, este Tribunal da Relação, por acórdão,
Julgou «irrecorrível a decisão que condenou a R. Lusitânia «a pagar à ADSE, IP, (…) €1.453,68», acrescida de «[j]uros de mora sobre a quantia aludida (…) desde a data da notificação do pedido até à presente data, à taxa de 4%, e desde a presente data até efetivo e integral pagamento, à taxa legal».
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.–
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, no presente recurso está em causa apreciar e decidir: · Da impugnação da decisão de facto deduzida pela Interveniente e pela R., · Da pretendida condenação da R. Seguradora no pagamento à CGA, · Do quantum dos prejuízos patrimoniais da A., · Do montante dos danos morais da A. Assim.
III.–
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
«1.-Pelas 08:15 horas do dia 11.09.2013, a A. encontrava-se a atravessar, no sentido de Sul para Norte, a Avª. ..... de ..... (que liga a localidade de C____ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa de P_____à localidade de A_____), usando a passadeira para peões existente entre o nº 90 (Centro de Emprego do S_____, lado Sul) e o nº 51 (lado Norte). 2.-Nesse momento sofreu um embate do veículo automóvel que se deslocava no sentido de Oeste para Este, com a matrícula …-…-…, marca Peugeot 306. 3.-No momento da ocorrência o identificado veículo era conduzido por MFP. 4.-No dia e hora dos ditos factos a mencionada via de circulação apresentava-se com boa visibilidade em toda a sua extensão e largura, sem quaisquer obstáculos, o pavimento encontrava-se seco e limpo e o tempo estava bom, com sol. 5.-A referida passadeira de peões onde a A. sofreu o relatado embate encontrava-se devidamente demarcada e assinalada, quer horizontalmente no pavimento, quer por via de um sinal vertical azul - avisador da passadeira – posicionado imediatamente antes. 6.-A atrás identificada MFP, conduzindo o veículo …-…-…, aproximou-se da mencionada passadeira, e já no interior desta, sem o fazer parar, embateu com a parte frontal do mesmo no corpo da A., projetando-a e arrastando-a. 7.-No âmbito do Processo que correu termos na Instância Local Criminal do S_____ – J3, sob o nº …/…, foi MFP condenada pela prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, p.p. pelo art. 148º, nº 1 do CP, por Sentença transitada em julgado a 28.10.2016, respeitando esta condenação ao acidente de que se cura nos nossos autos. 8.-Por via de carta datada de 30.10.2013, assinada pela sua funcionária D. CD, a R. assumiu que “a responsabilidade do acidente pertence ao condutor do veículo por nós seguro por não ter tomado as devidas precauções ao aproximar-se da passadeira, desrespeitando o nº 2 do artigo 103º do Código da Estrada”. 9.-A responsabilidade civil atinente à circulação do veículo …-…-… estava transferida para a R. através da Apólice nº …. 10.-No momento em que sofreu o embate do veículo …-…-…, a A. sentiu dores em todo o seu corpo (17º p.i.). 11.-Dores estas provocadas pela pancada e pelo subsequente arrastamento (18º p.i.). 12.-Acabando por ficar prostrada no chão da via, agonizando e receando pela própria vida (19º p.i.). 13.-Os Bombeiros Voluntários da Amora prestaram-lhe os primeiros socorros, ao nível da imobilização do corpo e da verificação dos sinais vitais, tendo seguidamente transportado a A. para o Serviço de Urgência do Hospital Garcia de Orta, em Almada (20º p.i.). 14.-Foi transferida para o Serviço de Orto-Traumatologia do mesmo HGO, aí ficando internada de 12.09.2013 a 11.10.2013 (21º p.i.). 15.-Foram aí diagnosticadas à A., em resultado do embate, diversas fraturas: fratura subcapital do úmero esquerdo, fratura do planalto tibial esquerdo e fratura do maléolo externo da tibiotársica direita (22º p.i.). 16.-O que a obrigou a ficar permanentemente acamada (23º p.i.). 17.-E continuando a sentir permanentes dores em todo o corpo (24º p.i.). 18.-A A. nasceu em 15.06.1958 (25º p.i.). 19.-Durante o internamento no HGO, no dia 22.09.2013, a A. foi sujeita a intervenção cirúrgica, devido à aludida fratura do planalto tibial (26º p.i.). 20.-Intervenção cirúrgica essa com redução cruenta e osteossíntese com placa L em batente e parafusos compressivos (27º p.i.). 21.-A alta foi concedida com a indicação de consulta externa de traumatologia, fisiatria, fazendo Paracetamol, Metazimol e uma injeção diária de Enoxaparina (29º p.i.). 22.-Sendo aqueles para minorar as dores sentidas pela A., que na atualidade ainda continua a ter que tomar, e o último face ao potencial risco de trombo-embolismo (30º p.i.). 23.-Quer antes, quer após a referida intervenção cirúrgica, a A. sentiu dores no seu corpo, especialmente ao nível dos membros superior e inferior, mormente, na zona operada (31º p.i.). 24.-A descrita factualidade forçou a A. em todo esse período de internamento no HGO a ficar acamada, impossibilitada de se deslocar pelos seus próprios meios e inclusivamente incapaz de tratar da sua higiene pessoal (32º p.i.). 25.-Com a alta hospitalar do HGO, a A. transitou para a Clínica de S. João de Ávila, onde ficou internada de 11.10.2013 a 06.12.2013 (34º p.i.). 26.-Tendo-lhe sido aí prestados tratamentos tendo em vista a sua reabilitação física (35º p.i.). 27.-E, bem assim, tratamentos visando igualmente a recuperação das mobilidades do ombro esquerdo e do joelho esquerdo, também afetados pelo atropelamento (36º p.i.). 28.-Para tanto, foi a A. ali sujeita a inúmeras sessões de fisioterapia (37º p.i.).
29.-Em 30.04.2014, a A. regressou ao HGO para consulta externa de ortopedia com o Dr. LA, tendo este, subsequentemente, elaborado um relatório médico, no qual fez constar, nomeadamente, o seguinte:
“Está a manter fisioterapia.
A recuperar bem a mobilidade do ombro, embora ainda com défice mas consegue já realizar higiene, vestir, alcança a cabeça e as costas. (…)
Obs. Défice de flexão do joelho, (100º), dor no limite da flexão, dor a palpação da cicatriz da interlinha lateral e à rotação, no compartimento lateral.
TT dta com varo retropé e dor a mobilização subastragalina (…)
RX – joelho com interlinha mantida, irregularidade no planalto tibial lateral – artrose vs intolerância material? (…)
Plano: Faço proposta para remoção de material e artroscopia do joelho.
Posteriormente:
- eventual necessidade de artroplastia do joelho
- artrodese TT + SA” (10. factos assentes; 39º p.i.). 30.-As dores nunca desapareceram totalmente, havendo apenas períodos menos críticos e períodos mais críticos (42º p.i.). 31.-Os médicos do British Hospital, ao serviço da R., retiraram o material de osteossíntese da perna, para o efeito sujeitando a A. a nova intervenção cirúrgica (44º p.i.). 32.-Tendo essa nova intervenção cirúrgica ocorrido no dia 01.09.2014, no referido British Hospital (45º p.i.). 33.-Dessas intervenções cirúrgicas resultou, para além das inerentes dores ante e pós operatórias, uma significativa cicatriz na perna da A., com 12 centímetros de comprimento, em forma de L invertido (46º p.i.). 34.-Cicatriz essa que desfigurou a perna da A., assim como a fratura do maléolo deixou o tornozelo direito deformado (47º p.i.). 35.-Provocando-lhe grande tristeza e desgosto (48º p.i.). 36.-Além disso, ainda no British Hospital, foi a A. também sujeita a mais outra intervenção cirúrgica, designadamente, artroscopia do joelho (49º p.i.). 37.-Aquando do internamento na Clínica S. João Ávila, ao passar da situação de acamada para cadeira de rodas, e com isso, alteração de fralda para uso de cuecas, foi constatada incontinência urinária da A. (50º p.i.). 38.-Em 11.08.2014 a A. foi submetida a “Exame urodinâmico completo do aparelho urinário baixo” (53º p.i.). 39.-E em 14.08.2014 foi submetida a “Ecografia renal e supra-renal e Ecografia Vesical via supra púbica” (54º p.i.). 40.-Exames esses por prescrição do Dr. ES, na consulta de urologia de 07.08.2014 (55º p.i.). 41.-Consulta que, já com o resultado daqueles exames, repetiu em 27.08.2014 (56º p.i.). 42.-Tendo, então, o dito urologista Dr. ES diagnosticado o seguinte:
“Doente com incontinência urinária por urgência. No estudo urodinâmico comprova-se na fase de enchimento contrações não inibidas.” (57º p.i.). 43.-E porque a incontinência urinária continuou ao longo de meses, a A. consultou novamente o Dr. ES em 06.11.2014 e em 26.11.2014 (58º p.i.). 44.-A propósito do joelho esquerdo, foi efetuada, em 22.03.2015, ressonância magnética, em cujo Relatório, assinado pelo médico radiologista Dr. VM, do Hospital da Luz, consta nomeadamente o seguinte:
“Relatório
Gonartrose estabelecida com expressão tricompartimental embora maior gravidade femuro-tibial externa.
(…) depressão do planalto tibial externo estimada em aproximadamente 4 mm (…)
Osteofitose marginal bicondiliana e das espinhas tibiais.
Sequelas de material de osteossíntese tibial bem evidente na epífise e metáfise tibiais.
Condromalácia retro-patelar de grau III (…)
Condropatia troclear de grau III (…)
Moderado derrame articular com aspectos de sinovite (…) Artrofibrose da face profunda do espaço de Hoffa. (…)
Rotura parcial de grau II das fibras externas do LCA. (…)
CONCLUSÃO
Status pós-cirúrgico reconhecendo-se gonartrose tricompartimental estabelecida com particular gravidade no compartimento fémur-tibial externo onde existe depressão da superfície articular e condropatia de espessura completa. (…)
Pequena rotura focal do corno posterior do menisco interno sem sinais de instabilidade.
Moderado derrame articular com aspectos de sinovite dispersa. Artrobifrose com patela baja.
Tendinose crónica do rotuliano.” (11. Factos assentes; 60º e 61º p.i.). 45.-No Hospital da Luz a A. continuou a ser vigiada e tratada relativamente às fraturas sofridas pelo atropelamento, quer no âmbito da ortopedia, quer no âmbito da neurologia (Dra. FF (62º p.i.). 46.- Para tanto, foi submetida a diversos exames, designadamente:
- Em 21.12.2014: RX ao joelho, RX mão, RX ombro, RX pé, RX tíbio-társica Ressonância Magnética Coluna Lombo-Sagrada
- Em 08.01.2015: Eletromiografia (63º p.i.). 47.-Em face do resultado dos mencionados diversos exames clínicos e consultas no Hospital da Luz, a Dra. FF elaborou, em 26.01.2015, Relatório Clínico da A., do qual consta, nomeadamente, o seguinte:
“quadro neurológico sindromático compatível com Síndrome de Cauda Equina de natureza pós-traumática, descrito em acidentes de viação de alta energia”, e “a semiologia neurológica (dor crónica, dificuldade na marcha, anestesia em sela, disfunção urinária de novo nomeadamente incontinência urinária diurna e noturna, hiporreflexia aquiliana e disestesias nos territórios de distribuição radicular L5 bilateral e S3-S4 à esquerda) é concordante com as alterações nos exames complementares de diagnóstico efetuados (electromiograma, ressonância magnética, estudo urodinâmico)” (64º p.i.). 48.-Prossegue o Relatório da Dra. FF referindo que na avaliação neurológica funcional a A. apresenta uma pontuação de 55 em 100 na Escala de Barthel (que mede a capacidade de uma pessoa para realizar atividades da vida diária) e uma pontuação de 4 (incapacidade moderadamente grave) na Escala Modificada de Rankin (que mede o grau de incapacidade ou dependência nas atividades da vida diária de pessoas acidentadas, e que vai de 0=sem sintomas a 6=Morte) (65º p.i.). 49.-E, finalmente, o Relatório da Dra. FF conclui que
“a perda do controlo esfincteriano urinário no contexto de Síndrome da Cauda Equina representa uma incapacidade importante com um forte impacto negativo na vida social, na vida profissional e na vida de relação da doente” (66º p.i.). 50.-No Relatório da Avaliação de Dano Corporal elaborado em 07.02.2015 pelo Dr. EA, cirurgião ortopedista do Hospital da Luz, com competência em avaliação de dano corporal, após abordar as lesões sofridas pela A., o seu historial clínico, o estado atual, refere-se, nomeadamente,
“Marcha com o auxílio de uma canadiana, marcada limitação do perímetro e incapacidade de transpor obstáculos como escadas longas, degraus altos, etc.. Limitação na higiene, com impossibilidade de vestir na zona inferior, marcada clínica dolorosa, com medicação diária com analgésicos, … Mobilidade limitada do ombro esquerdo… rigidez do joelho esquerdo com artrose pós-traumática de deformação do dorso do pé direito com dor no calcanhar a carga. Incontinência urinária pós-traumática e stress pós-traumático…”, conclui, no capítulo da “Repercussão de sequelas com rebate profissional”:
-Produtividade laboral: “Prejudicado”
-Deslocações: “Grande limitação autónoma com incapacidade de utilização de transportes, devido às barreiras, mas também devido a limitação de perímetro de marcha” (67º p.i.). 51.-E o Relatório do Dr. EA sobre a avaliação do dano corporal alcança, nomeadamente, as seguintes conclusões à data da consolidação médico-legal de 08.01.2015:
-Quantum Doloris: 5 pontos em 7
-Incapacidade permanente geral: 70 pontos em 100
-Dano futuro: 5 pontos em 100
-Rebate profissional: Incapaz
-Dano Estético: 2 pontos em 7
-Prejuízo de afirmação pessoal: 4 pontos em 5
-Assistência Médica e Medicamentosa: Sim (MFR atroplastia joelho/analgésicos)
-Dependência de ajuda de 3ª pessoa: Sim (68º p.i.). 52.-Em 29.06.2015, a A., funcionária pública, foi submetida a avaliação por Junta Médica, que teve como resultado o seguinte:
“Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções.
Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho.
Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 62,09% de acordo com o Capítulo I nº 3.2.7.3 alínea b) lado e passivo, Capítulo I nº 12.1.4 alínea c), Capítulo I nº 14.2.4, Capítulo III nº 5.2.6 alínea b) e Capítulo X nº II grau IV da TNI.” (71º p.i.). 53.-A Dra. MF elaborou, em 25.07.2015, Relatório onde conclui, nomeadamente, o seguinte:
- Que a A. “actualmente sofre de perturbação de stress pós-traumático”
-Que “a despeito de a examinada ter vulnerabilidade, o leque de sintomas atuais configura outra perturbação psiquiátrica independente que diretamente mais perturba o funcionamento e o desempenho psicossociais. O atropelamento configura-se, pois, como um fenómeno etiológico de toda uma série de sintomas vivenciados subjetivamente pela própria como incapacitantes que se fixaram posteriormente ao acidente e vicissitudes subsequentes, pelo que em termos médico-legais o quadro clínico lhe é imputado”.
-Que “Em síntese:
-A examinada sofre de perturbação pós-traumático F43.1 segundo a ICD 10 na sequência de atropelamento com sequelas físicas;
-O prognóstico desta psicopatologia é em si mesmo reservado. Atendendo à evolução estamos em crer haver fixação do quadro diagnosticado;
-…pelo que se encontra psiquiatricamente totalmente e definitivamente incapacitada para a sua profissão ou qualquer outra.” (70º p.i.). 54.-A A. foi aposentada, com efeitos a partir de 03.09.2015, passando desde esta data a auferir a pensão mensal no valor de € 670,84 (73º p.i.). 55.-No ativo, a A. auferia mensalmente o vencimento base ilíquido no valor de €923,42, acrescido de um suplemento de produtividade no valor de € 270,44, o que totalizava um valor ilíquido de € 1.193,86, correspondente a um valor médio mensal ilíquido de € 1.346,00 e líquido de € 1.000,00 (12. Factos assentes; 74º p.i.). 56.-A A. desloca-se com canadianas, porquanto principalmente o joelho continua a doer sempre que é sujeito a um esforço um pouco maior, sobretudo quando se trata de subir ou descer degraus (84º e 85º p.i.). 57.-O que leva a A. a coxear e a ter grande dificuldade sempre que pretende aceder à sua residência – um segundo andar num prédio sem elevador (86º p.i.). 58.-A incontinência de que padece causa à A. grave incómodo, bem como enorme angústia e revolta (89º p.i.). 59.-A A. tem o tornozelo direito deformado, em consequência da fratura do maléolo (91º p.i.). 60.-O que igualmente lhe causa muita tristeza (92º p.i.). 61.-A A. ainda sente dores sempre que se sujeita a um esforço um pouco maior de subir ou descer degraus, caminhar ou carregar algum objeto ligeiramente pesado (96º p.i.). 62.-A D. CD, em 13.01.2015, remeteu email ao mandatário da A., com o seguinte teor:
“Junto remetemos o nosso relatório final de avaliação de dano corporal decorrente da alta ocorrida a 08-01-2015. Ficamos a aguardar que V. Exa. nos remeta o total das despesas que ainda se encontram por liquidar bem como nos formalize pedido de indemnização final para nossa apreciação e posterior acordo.” (13. factos assentes; 106º p.i.). 63.-Esse referido “Relatório final de avaliação de dano corporal decorrente da alta ocorrida a 08-01-2015”, assinado pelo Dr. JB, e datado de 12.01.2015, anexo ao email da D. CD, tem o seguinte teor:
Nexo de Causalidade: Sim
Data da consolidação: 08.01.2015
Parâmetros temporários:
- Incapacidade Temporária Profissional: de 11.09.2013 a 08.01.2015
- Incapacidade Temporária Geral Absoluta: 11.09.2013 a 16.12.2013
- Quantum Doloris: 5/7
Parâmetros permanentes:
- Incapacidade Permanente Geral: Sim – 10 pontos
- Dado Futuro: Não
- Rebate Profissional esforços acrescidos: Sim
- Dano estético: Sim – 2 pontos
- Prejuízo de Afirmação Pessoal: Não
Observações:
Do sinistro resultaram lesões sequelares passíveis de desvalorização em Direito Civil.
Ma 0207=2 pontos; Mf 1309=6 pontos; Mf 1313=2 pontos (14. Factos assentes; 107º p.i.). 64.-A R. aceitou pagar à A. € 551,73 (€ 250,00 + € 301,73), a título de indemnização pelo vestuário e outros bens estragados no acidente, mas não procedeu ainda a esse pagamento (135º p.i.). 65.-A A. é beneficiária da ADSE, com o nº 013....... SS. 66.-A ADSE suportou, por causa do atropelamento de que a A. foi vítima, despesas com consultas, exames e tratamentos, que perfazem o total de € 1.453,68 (6º pedido ADSE).
*
Mais se provou que:
67.-A situação clínica da A., resultante do acidente, é a seguinte: a)-data da consolidação: 08.01.2015; b)-défice funcional temporário total: 97 dias (desde a data do acidente até 16.12.2013) c)-défice funcional temporário parcial: 389 dias (desde 16.12.2013 até à consolidação); d)-repercussão temporária na atividade profissional total: 486 dias (desde a data do acidente até à consolidação); e)-quantum doloris: 5/7 f)-défice funcional permanente da integridade físico-psíquica: 12 pontos, com referência às seguintes sequelas:
i)- Ma0207, rigidez do ombro esquerdo, desvalorização arbitrada: 4 pontos
ii)- Mf1309, artrose pós-traumática do joelho esquerdo com 110º de flexão, desvalorização arbitrada: 4,8 pontos
iii)- Mc0646, rigidez do tornozelo direito, desvalorização arbitrada: 2,73 pontos
O que perfaz o total de 11,53 pontos; g)-dano futuro: 3 pontos (é de valorizar perante a existência de status pós-fratura articular do joelho esquerdo com gonartrose instalada, que provavelmente irá evoluir, com agravamento da dor e rigidez); h)-repercussão permanente na atividade profissional: as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade profissional que desempenhava à data do acidente, mas implicam esforços acrescidos; i)-dano estético: 2/7 (cicatrizes do membro inferior esquerdo); j)-repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer: 1/7 (designadamente, dificuldade em fazer passeios/caminhadas); k)-dependências permanentes de ajudas:
i)-tratamentos médicos regulares: seguimento clínico anual em consultas de ortopedia, com eventual necessidade de cirurgia de ortroplastia do joelho esquerdo, conforme indicação médica e radiológica;
ii)-ajudas técnicas: manutenção e substituição de canadiana ou bengala;
iii)-ajudas medicamentosas: analgésicos/anti-inflamatórios, conforme indicação médica. 68.-A A. é subscritora da Caixa Geral de Aposentações, com o nº 1126296, tendo a categoria de técnica profissional principal. 69.-Por decisão proferida em 09.01.2020, pela Caixa Geral de Aposentações, foi fixada à A. uma pensão anual vitalícia por acidente em serviço no valor de € 12.254,02, com início em 01.10.2015. 70.-A Caixa Geral de Aposentações calculou o valor de € 191.214,71 como correspondendo ao capital necessário para suportar o pagamento da pensão».
IV.– Da impugnação da decisão de facto.
1.-Da impugnação da decisão de facto deduzida pela R. Seguradora. (Conclusão 2.ª das respetivas alegações).
Insurge-se a Recorrente quanto ao facto dado como provado sob o n.º 66, entendendo a Recorrente que tal factualidade deveria ter sido considerada como não provada e, em consequência, concluiu que a sentença deve ser revogada no que respeita à condenação da R. no pagamento à ADSE da quantia de €1.453,68, acrescida de juros moratórios.
Conforme decorre do relatório do presente acórdão, o recurso da R. Seguradora não foi admitido neste ponto.
Em consequência, é absolutamente inútil a apreciação da impugnação da matéria de facto em causa, pois dela não podem decorrer efeitos quanto à condenação da R. no pagamento do indicado montante à ADSE, transitada que se mostra nessa parte a sentença recorrida.
2.–Da impugnação da decisão de facto apresentada pela CGA. (Conclusões 1.ª a 5.ª das respetivas alegações).
Neste domínio, a Interveniente, ora Recorrente, pretende que sejam dados como provados os seguintes factos: «Em 7 de Abril de 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu à Caixa Geral de Aposentações requerimento para que a Autora fosse, para efeitos do regime previsto no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, sujeita a uma junta médica. Entre outros documentos, foi anexo ao referido requerimento, ofício cópia da participação e qualificação do acidente ocorrido em 11 de Setembro de 2013 e que vitimou a Autora».
Para tal invocou o documento que consta de fls. 4 e 5 da certidão que apresentou com o pedido da sua intervenção espontânea, intitulado “Participação e Qualificação do Acidente em Serviço”.
Referiu, em suma, que o Tribunal recorrido omitiu pronúncia quanto a tal documento, o qual constitui um documento autêntico e, por isso, «goza de força probatória plena».
Vejamos, sendo que a pretensão da Recorrente Caixa Geral de Aposentações é a qualificação do acidente de viação em causa simultaneamente como um acidente de serviço.
Ora, nessa sede, na sua petição de intervenção espontânea a Interveniente/Recorrente Caixa Geral de Aposentações alegou que:
«FACTOS 5.-A Autora, CT, é subscritora da Caixa Geral de Aposentações, correspondendo-lhe o nº 1126296. Está inscrita como Assistente Técnica, sendo a sua entidade empregadora o Ministério das Finanças, aí exercendo funções na Autoridade Tributária e Aduaneira (fls. 1 da certidão emitida pela CGA) 6.-Em 7 de Abril de 2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu à Caixa Geral de Aposentações requerimento para que a Autora fosse, para efeitos do regime previsto no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, sujeita a uma junta médica (fls. 1 a 23 da certidão emitida pela CGA) 7.-Entre outros documentos, foi anexo ao referido requerimento, ofício cópia da participação e qualificação do acidente ocorrido em 11 de Setembro de 2013 e que vitimou a Autora (fls. 1 a 23 da certidão emitida pela CGA). 8.-De acordo com a informação carreada para o referido processo, na sequência de tal acidente – atropelamento – a Autora ficou com inúmeras sequelas físicas e psicológicas (fls. 1 a 23 da certidão emitida pela CGA). 9.-Por ofício de 21 de Maio de 2015, a Caixa Geral de Aposentações convocou a Autora para comparecer no dia 29 de Junho de 2015 nas instalações da CGA para a realização de junta médica para confirmação de incapacidade nos termos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro (fls. 24 da certidão emitida pela CGA). 10.-A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, realizada em 29 de Junho de 2015, considerou que, das lesões apresentadas pela sinistrada, resultava uma incapacidade permanente parcial, atribuindo um grau de incapacidade de 69,09% (fls. 25 da certidão emitida pela CGA). 11.-Por decisão proferida em 09 de Janeiro de 2020, proferida pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, ao abrigo de delegação de poderes conferida pelo Conselho Directivo e publicada no Diário da República, II Série n.º 224, de 19 de Dezembro de 2019, foi fixada a CT, uma pensão por acidente em serviço – pensão anual vitalícia no valor de €12 254,02 (fls. 26 e 27 da certidão emitida pela CGA). 12.-O montante de capital necessário para suportar o pagamento da pensão em causa é de €191 214, 71 (fls. 27 da certidão emitida pela CGA)».
Como respetivo meio de prova, a Interveniente, aqui Recorrente, juntou exclusivamente uma «certidão» emitida pela Caixa Geral de Aposentações, com «fotocópias, numeradas de 1 a 29, (…) extraídas do processo administrativo» relativas à «utente da Caixa Geral de Aposentações número 1126296».
No que respeita a tal alegada factualidade, a decisão recorrida deu como provado que:
«(…) 52.-Em 29.06.2015, a A., funcionária pública, foi submetida a avaliação por Junta Médica, que teve como resultado o seguinte:
“Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções.
Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho.
Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 62,09% de acordo com o Capítulo I nº 3.2.7.3 alínea b) lado e passivo, Capítulo I nº 12.1.4 alínea c), Capítulo I nº 14.2.4, Capítulo III nº 5.2.6 alínea b) e Capítulo X nº II grau IV da TNI.” (71º p.i.).
(…) 68.-A A. é subscritora da Caixa Geral de Aposentações, com o nº 1126296, tendo a categoria de técnica profissional principal.
69.- Por decisão proferida em 09.01.2020, pela Caixa Geral de Aposentações, foi fixada à A. uma pensão anual vitalícia por acidente em serviço no valor de € 12.254,02, com início em 01.10.2015. 70.-A Caixa Geral de Aposentações calculou o valor de € 191.214,71 como correspondendo ao capital necessário para suportar o pagamento da pensão».
Conforme decorre da decisão recorrida, o Tribunal recorrido fundou tal factualidade nos meios de prova juntos aos autos, referindo designadamente que:
«O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, da perícia neles realizada e dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência, nos termos que se irão detalhar adiante.
(…)
Quanto aos factos 52. e 54.: O Tribunal atendeu aos documentos de fls. 58-v a 59-V.
(…)
Factos 68 a 70: o Tribunal ponderou os documentos de fls. 310 a 311».
Na respetiva fundamentação de direito, a decisão recorrida refere que:
«(…) nada consta da decisão da matéria de facto provada que nos permita qualificar o acidente de viação de que a A. foi vítima como um acidente de serviço.
Sublinhe-se que a mera circunstância de constar essa qualificação da certidão emitida pela Caixa Geral de Aposentações não permite julgar provado semelhante facto, como foi afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (…):
“A classificação de acidente de serviço pela entidade empregadora e a fixação de IPP à sinistrada pela junta médica da CGA (…) apenas vinculam a entidade empregadora, o funcionário e a CGA, já não a seguradora contra quem a última instaura acção, tendo em vista o reembolso da quantia fixada a título de pensão vitalícia emergente de acidente de viação e de serviço”.
Nestes termos, diversamente do alegado pela Interveniente Caixa Geral de Aposentações, ora Recorrente, o Tribunal ponderou, enquanto meio de prova, a certidão por aquela junta aos autos. Não retirou dela, contudo, as consequências pretendidas pela Recorrente. Por outro lado, atenta a referida factualidade dada como provada sob os n.ºs 52. e 68. a 70., da matéria factual constante dos referidos artigos 5. a 12. do articulado apresentado pela Interveniente/Recorrente não decorre qualquer outro facto pertinente à decisão da causa e que não tenha sido dado como provado. A expressão «acidente de serviço» constitui uma conclusão de índole jurídica que deve decorrer de factos concretos, os quais não foram alegados no articulado apresentado pela Interveniente/Recorrente Caixa Geral de Aposentações e muito menos foram objeto de prova por ela junto. Da leitura daquele articulado apenas decorre que os serviços da Interveniente Caixa Geral de Aposentações, aqui Recorrente, consideraram o acidente de viação em causa como sendo simultaneamente um acidente de serviço, sem explicitar concretamente em que fundam tal afirmação, sem estabelecer, minimamente que seja, qualquer relação entre o atropelamento sofrido pela A. e a sua atividade profissional. Sabe-se tão-só que ao tempo daquele atropelamento a A. era funcionária pública. Desconhece, contudo, a conexão entre o atropelamento e o exercício da sua atividade profissional, sendo que nem todos os acidentes de viação são simultaneamente acidentes de serviço. É certo que a certidão junta pela Interveniente/Recorrente tem «a força probatória» do original que certifica, conforme artigo 383.º, n.º 1, do CCivil. Ou seja, tal certidão tem a força probatória que teriam os elementos do processo a que a mesma se refere e, pois, tem a força probatória que teria a intitulada “Participação e Qualificação do Acidente em Serviço” propriamente dita, pelo que tendo sido esta exarada por uma autoridade pública, com competência para tal, a respetiva força probatória revela-se plena quanto aos «factos que» refere «como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como» quanto aos «factos que» em tal Participação «são atestados com base nas perceções da entidade documentadora», sendo que «os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador», conforme disposto nos artigos 369.º, n.º 1, e 371.º, n.º 1, ambos do CCivil.
Como refere Maria dos Prazeres Beleza, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, edição de 2014, página 852 e 853, «[n]ão é sempre a mesma a força probatória material de um documento autêntico: depende da razão de ciência invocada. Assim, ficam plenamente provados os factos que nele se referem como tendo sido praticados pela entidade documentadora, autora do documento (que conferiu a identidade das partes, ou que lhes leu o documento…), ou que nele são atestados com base nas suas percepções (por ex., as declarações que ouviu ou os actos que viu serem praticados); mas os meros juízos pessoais do documentador (que a parte se encontrava no pleno uso das faculdades mentais, ou semelhante) ficam sujeitos à regra da livre apreciação». Nestes termos, a certidão junta pela Interveniente Caixa Geral de Aposentações, aqui Recorrente, não faz prova plena de que o acidente de viação em causa é também um acidente de serviço, pois, conforme já deixamos dito, este não constitui um facto propriamente dito e, mesmo que o fosse, não se pode afirmar que foi praticado ou percecionado pela autoridade pública. Como se refere na decisão recorrida, a classificação de acidente de serviço pela entidade empregadora apenas vincula a entidade empregadora, o funcionário e a Caixa Geral de Aposentações; não vincula terceiros. Vistos assim os autos, diversamente do referido pelo Recorrente, urge entender que o Tribunal recorrido não violou o disposto no artigo 607.º do CPCivil, nomeadamente os seus números 4 e 5. Improcede, pois, a pretensão da Interveniente Caixa Geral de Aposentações no domínio ora em apreço.
*
Em consequência, mantém inalterada a decisão de facto proferida pelo Tribunal recorrido. V.–
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1.-Da pretendida condenação da R. Seguradora no pagamento à CGA. (Conclusões 6.ª a 12.ª do recurso da Caixa Geral de Aposentações) A Interveniente, aqui Recorrente, pretende que a R. Seguradora seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 191,214,71, «correspondente à importância necessária para pagar a pensão por acidente em serviço (…) que (…) vitimou a Autora» em 11.09.2013.
Vejamos.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, «considera-se» como «[a]cidente em serviço - o acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da Administração Pública». Nos termos dos artigos 7.º, n.ºs 1 e 7, e 38.º, n.º 1, do mesmo diploma legal «[a]cidente em serviço é todo o que ocorre nas circunstâncias em que se verifica o acidente de trabalho, nos termos do regime geral, incluindo o ocorrido no trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho», sendo que «[a] qualificação do acidente compete à entidade empregadora (…)» e «[a] confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações (…)».
Finalmente, dispõe o artigo 46.º, n.ºs 1 e 3, ainda do Decreto-Lei n.º 503/99 que «[o]s serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas», sendo que «[u]ma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial». Do apontado regime legal decorre que o referido «direito de regresso» da Caixa Geral de Aposentações pressupõe, além do mais, a ocorrência de um acidente de serviço. Dito de outro modo, tal «direito de regresso» impõe, entre outros pressupostos, que o facto gerador de responsabilidade civil extracontratual de terceiro constitua simultaneamente um acidente de serviço. Por constitutivo do apontado «direito de regresso», o ónus da prova dos factos constitutivos daquele «direito» pertence à Caixa Geral de Aposentações, conforme disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Ora, in casu a Interveniente/Recorrente Caixa Geral de Aposentações não logrou provar que o acidente de viação em causa foi também um acidente de serviço. É certo que o apontado normativo estipula que «a qualificação do acidente [como de serviço] compete à entidade empregadora (…)» e que «[a] confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações (…)». Contudo, tal deve entender-se como referente tão-só ao processo administrativo respeitante ao referido Decreto-Lei n.º 503/99, com efeitos, pois, meramente administrativos; não judiciais. Sob pena de se postergar aspetos estruturantes do processo civil, nomeadamente o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, o princípio do contraditório e as regras do ónus da prova, cumpre entender que é no processo civil, segundo os seus princípios e regras, que a Caixa Geral de Aposentações deve provar o seu «direito de regresso», designadamente a qualidade de acidente de serviço do facto que gera a responsabilidade civil extracontratual de terceiros. Com se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.01.2016, proc. n.º 5177/12.0TBMTS.P1.S1, publicado inhttp://www.dgsi.pt/jstj, «a qualificação do acidente como sendo em serviço, feita unilateralmente pela entidade empregadora, rege de pleno no plano das relações internas entre o funcionário sinistrado e as entidades públicas envolvidas legalmente no ressarcimento dos danos por ele sofridos, na perspectiva de que se tratou efectivamente de acidente em serviço».
«Porém, quando passamos ao plano das relações externas, destinadas a satisfazer o direito de regresso da CGA sobre o terceiro causador do acidente, é evidente – desde logo, por força dos princípios fundamentais do acesso ao direito e aos tribunais e do contraditório – que o vinculado em via de regresso não pode estar privado da faculdade de discutir os factos e o direito subjacentes a tal qualificação do acidente, já que a mesma se configura como realidade constitutiva do direito de regresso contra ele invocado – afrontando inquestionavelmente aqueles princípios fundamentais e estruturantes qualquer interpretação normativa que - amarrando-o inapelavelmente à valoração feita por acto administrativo da entidade empregadora – o privasse do direito de discutir judicialmente a fisionomia e natureza do acidente, na medida em que disso dependesse, em termos constitutivos, a existência do direito de regresso contra si invocado».
Na situação presente. A Interveniente/Recorrente Caixa Geral de Aposentações não logrou provar que o acidente de viação em causa fosse também um acidente de serviço. Em consequência, sem necessidade de mais considerações, nomeadamente quanto a outros pressupostos do referido «direito de regresso», improcede o respetivo pedido de condenação da Seguradora.
2.– Do quantum dos danos patrimoniais da A.
(Conclusões 1, 3 a 8 e 10 do recurso da R. Seguradora)
Nos termos dos artigos 562.º e 564.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Civil, «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», sendo que «[o] dever de indemnização compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão» e «na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis». Por outro lado, segundo o artigo 566.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, «[a] indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível (…)» e «[s]e não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados». Ou seja, em situações como a presente, em que o evento causa um défice funcional da A., não sendo, pois, de todo em todo possível proceder à reparação natural, a indemnização deve ser fixada em dinheiro, segundo critérios de equidade, devendo tal indemnização ressarcir as consequências do referido défice funcional.
In casu.
Conforme decorre dos artigos 71.º a 78.º e 140.º da sua petição inicial, a A. reclamou nesta o pagamento pela R. Seguradora da quantia de €88.200,00 (oitenta e oito mil e duzentos euros) correspondente à «perda» da sua «capacidade de ganho», a «perdas de rendimentos salariais». Alegou, em síntese, que o acidente de viação em causa «provocou à Autora, em termos de vencimento, um prejuízo mensal, a partir de Setembro de 2015, no valor de 300,00€ em média», o que corresponde a «um prejuízo anual de 4.200€», valor este que entendeu dever ser multiplicado por 21, levando em conta que «a actual esperança de vida (…) se situa nos 78 anos e a Autora tinha em Setembro de 2015 (data da aposentação por invalidez) 57 anos de idade». Em 25.10.2020, a A. veio reduzir o pedido, cifrando em €36.750,00 (trinta e seis mil, setecentos e cinquenta euros) a perda da sua capacidade de ganho. Referiu, em suma, que a Caixa Geral de Aposentações atribuiu-lhe uma pensão mensal vitalícia no montante de «cerca de 875,00€», pelo que a sua «perda de rendimento mensal [é] de 125,00€», ou seja [(€125x14) x 21 = €36.750,00].
Na matéria, a decisão recorrida deu como provado que:
«(…) 18.-A A. nasceu em 15.06.1958 (25º da p.i).
(…) 54.-A A. foi aposentada, com efeitos a partir de 03.09.2015, passando desde esta data a auferir a pensão mensal no valor de €670,84 (73º p.i.). 55.-No ativo, a A. auferia mensalmente o vencimento base ilíquido no valor de €923,42, acrescido de um suplemento de produtividade no valor de € 270,44, o que totalizava um valor ilíquido de € 1.193,86, correspondente a um valor médio mensal ilíquido de € 1.346,00 e líquido de € 1.000,00 (12. Factos assentes; 74º p.i.).
(…) 68.-A A. é subscritora da Caixa Geral de Aposentações, com o nº 1126296, tendo a categoria de técnica profissional principal. 69.-Por decisão proferida em 09.01.2020, pela Caixa Geral de Aposentações, foi fixada à A. uma pensão anual vitalícia por acidente em serviço no valor de € 12.254,02, com início em 01.10.2015».
Quanto à «5. Incapacidade Parcial Permanente», depois de se referir à «temática do dano biológico», como «dano pessoal e corporal» que «traduz-se num dano na saúde, física e psíquica», bem como indicar diversos casos e entendimentos jurisprudenciais na matéria, assim como «ponderar a aplicação de tabelas matemáticas» e «analisar decisões judiciais relativas a casos análogos», a decisão recorrida referiu que:
«(…) considerando que no caso em apreço a incapacidade fixada à A. não é das mais altas (15 pontos, sendo 3 de dano futuro); que ficou provado que a A. não ficou totalmente incapacitada para o seu trabalho habitual ou qualquer outro, apenas tendo de desenvolver esforços acrescidos; e que tinha 56 anos de idade à data da consolidação das lesões, encontrando-se, por isso, relativamente próxima da idade da aposentação (66 anos, na função pública), consideramos ajustado o montante de €34.000,00».
No respetivo «Dispositivo», o Tribunal recorrido decidiu «condenar a R. (…) a pagar à A. (…) €34.000,00, a título de indemnização por dano patrimonial futuro». A R. Seguradora refere nas suas alegações de recurso que «a condenação a título de dano biológico na vertente patrimonial não foi peticionada pela Recorrida na P.I.». A A. pediu a título de dano patrimonial que a R. fosse condenada a pagar-lhe o que deixou de receber em virtude do acidente de viação em causa e consequente imediata aposentação do serviço público onde desempenhava funções. Ora, se não se provou que a aposentação e a diminuição do montante recebido decorreram do acidente, o que é certo é que se encontra assente que dele decorreu para a A. um défice funcional de 12%, acrescido de 3% de dano futuro. Estão, pois, em causa as consequências patrimoniais do défice funcional, pelo que a decisão limita-se ao objeto do pedido, respeitando, pois, o disposto no artigo 609.º, n.º 1, in fini, do CPCivil, o qual dispõe, no que ora releva, que «a sentença não pode condenar em (…) objeto diverso do que se pedir».
Por outro lado, estando em causa as consequências patrimoniais do défice funcional nos termos indicados, a circunstância de o sinistro sub judice ser ou não considerado um «acidente de serviço» é de todo em todo irrelevante, tal como é manifesto que o facto de assim se proceder não se confere à A. uma vantagem acrescida, um «enriquecimento sem causa» no dizer da R. Seguradora, pois apenas se pretende ressarcir a A. das consequências patrimoniais do sinistro em causa.
Vista assim a situação, temos que ao tempo do sinistro em causa a A. auferia um rendimento mensal de cerca de €1.000,00, conforme facto 55. Em consequência daquele sinistro a A. teve uma desvalorização da sua capacidade funcional de cerca de 12%, acrescido de 3% de dano futuro, conforme facto 67, f) e g), o que corresponde, pois, a um montante mensal da ordem dos €120,00 a €150,00. Tal montante acomoda-se no pedido deduzido pela A. no seu requerimento de 25.10.2020, em que procedeu à redução do seu pedido inicial: em função dessa redução a A. cifrou em €125,00 a perda do seu rendimento mensal em virtude do acidente de viação em causa. Assim sendo, considerando que a atual esperança de vida para o sexo feminino cifra-se em 83,7 anos para o sexo feminino, segundo dados da pordata.pt, e ponderando ainda que A., enquanto funcionária pública, não podia trabalhar para além dos 70 anos de idade, o recurso a juízos de equidade justifica que não se tenha por excessiva a indemnização de €34.000,00 (trinta e quatro mil euros) arbitrada a título de danos patrimoniais pelo Tribunal recorrido. Com efeito, somando as sucessivas perdas mensais em causa (€125,00), temos que o montante global cifra-se em €25.725,00, caso se considere os 70 anos de idade da A., idade da sua aposentação necessária [(125 x 14 x 14,7 anos], e €49.700,00, caso se considere a sua esperança de vida [(125 x 14 x 28,4 anos] No juízo de equidade em causa não pode deixar-se de considerar que o pagamento imediato à A. da totalidade da quantia em causa representa a antecipação imediata de um capital que só seria integralmente entregue à A. daqui a alguns anos. Tal como importa também não olvidar que o acidente em causa já decorreu há mais de oito anos e meio e que as taxas de juros têm sido quase nulas, acompanhadas de taxas de inflação de pouca expressão nos últimos anos, quase sempre inferiores a 1%, embora ora com tendência para uma subida acentuada, o que significa a depreciação do dinheiro.
A indicada indemnização arbitrada pelo Tribunal recorrido exprime também o sentido de diversa jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, assim salvaguardando a equidade enquanto expressão do princípio de igualdade, numa perspetiva de justiça relativa, conformehttp://www.dgsi.pt/jstj,:
·Acórdão de 04.06.2015, processo n.º 1166/10.7TBVCD, P1.S1, lesada de 18 anos, com IP (Incapacidade Permanente em Direito Civil) de 16,9 pontos, indemnização de €55.000,00, · Acórdão de 30.05.2019, processo n.º 576/14.5TBBGC.G1.S1l lesada de 16 anos, com IP de 16 pontos, indemnização de €60.000,00, ·Acórdão de 29.10.2020, processo n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1, lesada de 61 anos, com IP de 9,71 pontos, indemnização de €32 000,00, · Acórdão de 18.03.2021, processo n.º 1337/18.8T8PDL.L1.S1, lesada com 50 anos, com IP de 13 pontos, indemnização de €45 000,00. · Acórdão de 03.02.2022, processo n.º 24267/15.0T8SNT.L1.S1, lesado de 50 anos, com IP de 10 pontos, indemnização de €35.000,00, ·Acórdão de 24.02.2022, processo n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1, lesado de 34 anos, com IP de 9 pontos, indemnização de €50.000,00, Atento o disposto nos artigos 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 3, e 806.º, n.º 1, todos do CCivil, uma vez que a indemnização a título de danos patrimoniais encontra-se arbitrada com referência à data da decisão recorrida, os respetivos juros moratórios devem ser contados, à taxa legal, desde então, isto é, desde o dia 07.03.2021.
Em suma, a título de danos patrimoniais, deve, pois, a R. Seguradora ser condenada a pagar à A., aqui Recorrida, a quantia de €34.000,00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde o dia 7 de março até efetivo e integral pagamento. 3.–Do quantum dos danos não patrimoniais da A.
(Conclusões 1, 9 e 10 do recurso da R. Seguradora)
Em causa estão ora danos não patrimoniais e, pois, prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária, embora ressarcíveis monetariamente, como forma de compensar o sofrimento que o facto danoso provocou na vítima. Nos termos dos artigos 496.º, n.ºs 1 e 4, e 494.º, ambos do Código Civil, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que «o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso» «o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso».
Conforme refere Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil, Direitos das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição de 2018, página 359, «a gravidade do dano afere-se, no entendimento da jurisprudência e da doutrina, segundo critérios objetivos – de acordo com um padrão de valorações ético-culturais aceite numa determinada comunidade, num determinado momento histórico, e, tendo em conta o circunstancialismo do caso (…). O recurso a um critério objetivo na apreciação da gravidade do dano justifica-se para negar as pretensões ressarcitórias por meros incómodos, contrariedades ou prejuízos insignificantes, que cabe a cada um suportar na vida em sociedade, evitando-se, deste modo, uma extensão ilimitada da responsabilidade».
Na situação vertente.
Relevam os factos dados como provados, designadamente os indicados sob os n.ºs 1, 10 a 46, 56, 57, 59 a 61, e 67.
Designadamente, importa considerar que a A.
- Tinha 55 anos à data do acidente de viação em causa, ocorrido em 11.09.2013 (factos 1 e 18); - Em virtude daquele sinistro teve fratura capital do úmero esquerdo, fratura do planalto tibial esquerdo e fratura do maléolo externo da tibiotársica direita(facto 15); -Foi a submetida a três intervenções cirúrgicas, uma em razão da fratura do planalto tibial (factos 19 e 20), outra para retirar o material de osteossíntese da perna (factos 31 e 32) e ainda outra ao joelho (facto 36); -Esteve internada no Hospital Garcia da Orta de 11.09 a 11.10.2013, bem como na Clínica de S. João de Ávila de 11.10 a 06.12.2013 (factos 13, 14 e 25); - Teve e sente dores, tendo receado pela sua própria vida, esteve impossibilitada de se deslocar pelos seus próprios meios, incapaz de tratar da sua higiene pessoal e foi sujeita a consultas, exames médicos e tratamentos, nomeadamente de fisioterapia, bem como a ações medicamentosas, (factos 10, 11, 12, 17, 21 a 24, 26 a 30, 33, 44 a 46, 56 e 61)
- Em consequência do acidente de viação em causa ficou com uma cicatriz na perna, com 12 centímetros de comprimento, em forma de L invertido, assim como ficou com tornozelo direito deformado, o que lhe causa grande tristeza e desgosto, (factos 33 a 35, 56, 59 e 60);
- Desloca-se com canadianas e a coxear, assim como tem grandes dificuldades sempre que pretende aceder à sua residência, um segundo andar sem elevador (facto 57);
Tendo-se concluído que: «67.– A situação clínica da A., resultante do acidente, é a seguinte: a)-data da consolidação: 08.01.2015; b)-défice funcional temporário total: 97 dias (desde a data do acidente até 16.12.2013) c)-défice funcional temporário parcial: 389 dias (desde 16.12.2013 até à consolidação); d)-repercussão temporária na atividade profissional total: 486 dias (desde a data do acidente até à consolidação); e)-quantum doloris: 5/7 f)-défice funcional permanente da integridade físico-psíquica: 12 pontos, com referência às seguintes sequelas:
i)-Ma0207, rigidez do ombro esquerdo, desvalorização arbitrada: 4 pontos
ii)- Mf1309, artrose pós-traumática do joelho esquerdo com 110º de flexão, desvalorização arbitrada: 4,8 pontos
iii)- Mc0646, rigidez do tornozelo direito, desvalorização arbitrada: 2,73 pontos
O que perfaz o total de 11,53 pontos; g)-dano futuro: 3 pontos (é de valorizar perante a existência de status pós-fratura articular do joelho esquerdo com gonartrose instalada, que provavelmente irá evoluir, com agravamento da dor e rigidez); h)-repercussão permanente na atividade profissional: as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade profissional que desempenhava à data do acidente, mas implicam esforços acrescidos; i)-dano estético: 2/7 (cicatrizes do membro inferior esquerdo); j)-repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer: 1/7 (designadamente, dificuldade em fazer passeios/caminhadas); k)-dependências permanentes de ajudas:
i)-tratamentos médicos regulares: seguimento clínico anual em consultas de ortopedia, com eventual necessidade de cirurgia de ortroplastia do joelho esquerdo, conforme indicação médica e radiológica;
ii)-ajudas técnicas: manutenção e substituição de canadiana ou bengala;
iii)-ajudas medicamentosas: analgésicos/anti-inflamatórios, conforme indicação médica»
Atenta a natureza do bem ofendido em virtude do acidente de viação em causa, a integridade física da A., o qual tem consagração constitucional e penal, artigos 25.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 148.º, n.º 1, do CPenal, respetivamente, os apurados danos não patrimoniais revestem gravidade e, por isso, merecem a tutela do direito. A culpabilidade da causadora do acidente de viação em apreço, condutora do veículo seguro pela R., é elevada, pois atropelou a A. quando esta atravessava a via na passadeira de peões, descurando, assim, o cuidado que a circulação automóvel impõe.
No que respeita a situações similares, na jurisprudência do nosso Supremo Tribunal apontam-se os seguintes casos, todos inhttp://www.dgsi.pt/jstj: ·Acórdão de 04.06.2015, processo n.º 1166/10.7TBVCD, P1.S1, lesada de 18 anos, com IP de 16,9 pontos, sujeita a tratamentos médicos, intervenções e internamentos por período de 4 anos, com repercussões estéticas, indemnização de €40.000,00, ·Acórdão de 25.10.2018, processo 2416/16.1T8BRG.G1.S1, lesado com 48 anos, com IP de 8%, sujeito a três intervenções cirúrgicas, com um quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7 e um dano estético de grau 2 numa escala de 1 a 7, indemnização de € 40.000,00, ·Acórdão de 28.03.2019, processo n.º 1120/12.4TBPTL.G1.S1, lesado com 51 anos, com IP de 31 pontos, sujeito a intervenções cirúrgicas, com um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, numa escala de 1 a 7, indemnização de €60.000,00, ·Acórdão de 29.10.2020, processo n.º 2631/17.0T8LRA.C1.S1, lesado de 48 anos, com IP de 31 pontos, com um quantum doloris de grau 6 e um dano estético permanente de grau 5, numa escala de 1 a 7, indemnização de €75.000,00, ·Acórdão de 12.01.2021, processo n.º 1307/14.5T8PDL.L1.S1, lesado com 26 anos, com IP de 19 pontos, com um quantum doloris de grau 4 numa escala de 1 a 7 e um dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7, indemnização de € 40.000,00, ·Acórdão de 10.02.2022, processo n.º 12213/15.6T8LSB.L1.S1, lesado com 21 anos, com IP de 14 pontos, sendo expectável que aumente, e um quantum doloris de grau 7 de 7, indemnização de €60.000,00. Tudo ponderado, considerando o apontado regime legal e os apurados danos, entende-se ajustado compensar a A., aqui Recorrida, com o montante indemnizatório de € 38.000,00 a título de danos morais, como determinado na decisão recorrida. Àquela quantia acrescem juros moratórios desde a data da sentença recorrida, conforme supra referido quanto a danos patrimoniais em causa.
Improcedem, pois, os recursos interpostos pela Interveniente Caixa Geral de Aposentações e pela R. Seguradora.
VI.–DECISÃO
Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos interpostos e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas pelas Recorrentes – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil.
Lisboa, 28 de abril de 2022
Paulo Fernandes da Silva- (relator) Pedro Martins- (1.º adjunto) Inês Moura- (2.ª adjunta)