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ADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS
INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
COMPENSAÇÃO COM CONTRACRÉDITO
Sumário
I. Nos embargos deduzidos pelo dono de obra à execução movida pelo empreiteiro baseada em injunção na qual este exigiu àquele o pagamento do preço contratado e a que o mesmo, oportunamente, não deduziu qualquer oposição, não pode o devedor, cumulativamente com outros (maxime a compensação com um contracrédito) invocar, como fundamento autónomo, a inexigibilidade da obrigação exequenda, a pretexto da alínea e), dos artºs 729º e 857º, do CPC, e 14º-A, do DL 269/98, e alegando que, entretanto, desembolsou certa quantia com o custo de reparação de defeitos e com a execução de trabalhos em falta que o empreiteiro se recusou fazer e a pagar-lhe, pois que a existência desta e daqueles consubstancia incumprimento que deveria ter sido invocado em oposição à injunção e que, por o não ter sido sido, se considera-se precludido e abrangido no respectivo efeito cominatório daí resultante. II Tal situação não preenche o conceito de inexigibilidade previsto na alínea e), do artº 729º, CPC.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO[1]
A Sociedade X, Ldª, instaurou procedimento de injunção – nº 75131/21.2YIPRT – através do qual pediu a notificação de Y, Construção, Ldª, para lhe pagar a quantia de 11.410,00€, de capital, juros e acréscimos, invocando, como fundamento, o fornecimento a esta, mediante contrato, de bens e serviços, no âmbito da sua actividade (construção civil), conforme facturas alegadamente vencidas.
Apesar de ali constar como notificada, a requerida não deduziu qualquer oposição a tal requerimento.
Com base nele e em lhe ter sido atribuída a força inerente mediante aposição da “fórmula executória”, a requerente instaurou a respectiva acção executiva.
Nesta, a requerida, em 14-12-2021, deduziu embargos, pedindo a extinção da execução ou, caso assim se não entenda, a sua suspensão até decisão da questão da notificação do requerimento injuntivo.
Alegou, como fundamentos da sua oposição, além da falta de entrega e de conhecimento do expediente relativo ao acto de notificação da injunção, sem prescindir, mais o seguinte:
“C. Da inexigibilidade da obrigação
23. Aceita-se apenas como verdadeira a matéria constante dos pontos 1 e 2 dos factos alegados no requerimento de injunção, impugnando-se tudo o mais.
24. No âmbito da sua atividade, a Exequente realizou trabalhos para a ora Executada numa única obra, denominada “….-Escritórios da …”.
25. Do orçamento inicial, o valor total dos trabalhos executados foi de 18.984,72€ – Cfr. Documento 1.
26. Posteriormente foi acordado entre as partes a execução de mais trabalhos para além dos contratados, no valor de 5.243,90€ – Cfr. Documento 2.
27. No entanto, a Exequente não executou a totalidade dos trabalhos contratados, nomeadamente o fornecimento e aplicação de isolamento térmico entre pisos da fachada e parte do teto falso interior em sistema continuo de placa de gesso cartonado Standard da "KNAUF" ou equivalente – cfr. Documento 1.
28. Para além destes trabalhos não executados, a Exequente executou defeituosamente vários trabalhos contratados - Cfr. Documento 3.
29. A ora Executada interpelou a Exequente para proceder à execução e reparação dos trabalhos suprarreferidos – cfr. Documentos 4 e 5.
30. No entanto, a Exequente nada fez, o que levou à necessidade da sua execução/reparação por parte da Executada, com o dispêndio da quantia de 4.124,14€ - Cfr. Documento 3.
31. Assim, a Exequente incumpriu as suas obrigações contratualmente definidas.
32. O que gera responsabilidade da Exequente pelos danos que causou à Executada.
33. Consequentemente, a Executada informou a Exequente do valor de 4.124,14€ respeitante a trabalhos a deduzir ao valor acordado, pelo seu não cumprimento – cfr. Documento 3.
34. Posto isto, o valor total devido à Exequente seria de 21.728,62€, correspondente à soma dos valores constantes dos documentos 1 e 2, deduzida do valor dos pontos 2 a 5 do documento 3.
35. A Executada já pagou à Exequente o montante de 19.682,56€ - Cfr. Documentos 6 a 11.
36. Pelo que se encontra apenas em dívida o montante de 2.046,06€.
37. Assim, a Executada impugna o valor do capital alegadamente em dívida indicado no requerimento executivo, por já ter sido liquidado grande parte do mesmo.
38. Ora, não só não é devido pela Executada o valor peticionado pela Exequente, como existe um contracrédito da Executada que deriva dos trabalhos não executados e executados defeituosamente.
39. Nos termos dos artigos 857.º e da alínea h) do artigo 729º do CPC, é possível à Executada fundamentar a presente oposição à execução na existência de um “contracrédito sobre a exequente, com vista a obter a compensação de créditos”.
40. Acresce que não é admissível que sejam contabilizados juros no presente requerimento executivo sobre o valor de 11.410,50€, visto que este valor inclui juros desde a falta de pagamento do requerimento de injunção apresentado, ao qual não foi deduzida oposição por facto não imputável à Executada.
Continuando sem prescindir,
41. Para uma ação executiva é necessário existir uma obrigação certa, líquida e exigível, o que não se verifica neste caso.
42. Como foi referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 4, “Num contrato de empreitada perante a existência de um defeito na obra, o direito imediato que a lei concede ao dono dela é o de exigir a sua eliminação pelo próprio empreiteiro ou, se não poder ser eliminado (o que, em primeira linha, compete ao empreiteiro aferir), uma nova construção (art. 1221º nº 1 do CCivil).
Não acedendo a tanto o empreiteiro, poderá ainda o dono da obra exigir ou a redução do preço ou a resolução do contrato (posto que, e neste último caso, o defeito torne inadequada a obra para o fim a que se destina). Tem ainda o dono da obra o direito a ser indemnizado, na medida em que o seu dano não se mostrar expurgado pelos descritos meios, ou não tenha sido possível efectivar tais meios.VI- Após o credor/dono da obra ter indicado por qual ou quais dos direitos opta, é que nasce o crédito à pretensão e, só a partir desse momento, se pode deduzir a exceptio”.
4 Acórdão de 10 de Janeiro de 2012, proferido no processo nº 528/10.0TBCMN-A.G1, disponível em www.dgsi.pt.
43. Tratando-se de um contrato sinalagmático, a obrigação de pagamento da Executada está dependente do cumprimento da obrigação por parte da Exequente.
44. Tendo em conta que a Exequente violou o nexo sinalagmático ao não cumprir a prestação contratualmente assumida, não executando parte dos trabalhos acordados e recusando a reparação dos defeitos dos que executou, como lhe foi solicitado pela Executada, tem esta a faculdade de se eximir da respetiva contraprestação, neste caso o pagamento dos trabalhos não executados e executados defeituosamente.
45. Por existir um incumprimento por parte da Exequente da prestação contratualmente definida e tendo essa prestação prejudicado integralmente a satisfação do interesse da credora (Executada), é possível a esta recorrer à exceção de não cumprimento, prevista no n.º 1 do artigo 428º do Código Civil.
46. Conforme realça Lebre de Freitas, “No caso das obrigações sinalagmáticas, a lei processual equipara a falta de realização ou oferta da prestação a efectuar pelo exequente a uma situação de inexigibilidade”. 5
5 Autor citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14 de Dezembro de 2004, proferido no processo nº 1238/04-3, disponível em www.dgsi.pt.
47. Assim sendo, a obrigação exequenda é inexigível nos termos peticionados e, conforme estipulam os artigos 857.º e a alínea e) do artigo 729º do CPC, é possível à Executada fundamentar a presente oposição à execução na inexigibilidade da obrigação exequente.”.
Em 19-01-2022, foi proferido o seguinte despacho liminar, que é o recorrido:
“Consigna-se que procedi, através da funcionalidade permitida pelo sistema citius, à consulta do procedimento de injunção n.º75131/21.2YIPRT, verificando que a notificação da aqui embargante, requerida naquele procedimento, foi efetuada por via postal registada, com aviso de receção, assinado por “A. R.”, com a expressa advertência para o efeito cominatório estabelecido no artigo 14.-ºA, n.ºs1 e 2, do regime anexo do Decreto-lei n.º269/98, de 01.09 [«Se não pagar nem responder dentro do prazo: • Não poderá dizer mais tarde por que motivos considera não ter a obrigação de pagar o valor que é exigido, com exceção dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro»].
Extraia-se da referida funcionalidade cópia da notificação/citação da embargante – ref.ª26072130 - e respetivo aviso de receção – ref.ª26120806 - e junte aos presentes autos.
*
Pelos elementos existentes nos autos, a presente oposição à execução por embargos foi deduzida tempestivamente (cf. artigo 732.º, n. º1, alínea a), a contrario, do Cód. Proc. Civil e artigo 856.º, n. º1, do mesmo diploma legal).
*
Y CONSTRUÇÃO, LDA., melhor identificada nos autos, deduziu a presente oposição à execução, mediante embargos de executado, contra X, LDA., melhor identificada nos autos, alegando, em síntese:
- a nulidade da citação/notificação no procedimento de injunção onde se formou o título dado à execução;
- o incumprimento parcial da exequente/embargada do contrato de empreitada subjacente ao crédito reclamado;
- o cumprimento defeituoso, pela exequente/embargada, de vários trabalhos contratados;
- a existência de um contracrédito sobre a exequente/embargada, decorrente do custo que suportou para a execução/reparação dos trabalhos não executados e dos executados defeituosamente, com vista a obter a compensação de créditos;
- a exceção de não cumprimento.
*
A questão que importa, desde já, apreciar é a da admissibilidade dos fundamentos da oposição à execução, nos termos previstos no artigo 732.º, n. º1, do Cód. Proc. Civil.
A exequente/embargada deu à execução um título executivo formado a partir de um requerimento injuntivo, que deu entrada no BNI em 05.08.2021, não foi objeto de oposição e ao qual foi atribuída força executiva em 22.10.2021. Trata-se do título executivo emergente do disposto no artigo 14.º, n. º1 do Anexo ao DL 269/98, de 01.09, reconhecido pelo artigo 703.º, n.º1, alínea d) Cód. Proc. Civil, ou seja, um dos denominados por Lebre de Freitas1 como “títulos parajudiciais” e por outros autores por “títulos judiciais impróprios”2.
É um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, mas que não pode, todavia, ser equiparado a uma sentença, uma vez que se perfectibiliza sem qualquer decisão judicial e sem análise e conhecimento das razões de facto ou de direito, dos fundamentos invocados ou da verdadeira existência da obrigação, antes assentando na ausência de oposição expressa que faz presumir a existência da dívida que se executa.
A Lei n. º117/2019 alterou quer o regime anexo do Decreto-lei n.º269/98, de 01.09, quer o disposto no artigo 857.º, do Cód. Proc. Civil, quanto aos fundamentos da oposição à execução baseada em requerimento de injunção. Assim, estipula o artigo 857.º, n.º1, Cód. Proc. Civil, na redação que resulta da Lei n.º117/2019, de 13.09, que entrou em vigor a 01.01.2020 e, por isso, vigente ao tempo dos embargos (e, bem assim da entrada no BNI do requerimento de injunção oferecido à execução), que «se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual» (sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 que, para o caso dos autos, são irrelevantes). O artigo 729.º, do Cód. Proc. Civil, por seu turno, estabelece os fundamentos da oposição baseada em sentença, os quais não incluem aqueles que poderiam ter sido alegados no processo declarativo que culminou na sentença exequenda.
Tais fundamentos podem agrupar-se em três categorias:
a) oposição por falta de pressupostos processuais gerais da ação (e que correspondem àqueles que se encontram referidos nas als. c) e f));
b) oposição por falta de pressupostos específicos da ação executiva (e que correspondem àqueles que se encontram referidos nas alíneas a), b), d) e e)); e
c) oposição por motivos substanciais (e que correspondem àqueles que se encontram referidos na al. g))3.
1 In Ação Executiva, 3.ª Edição, pág.43.
2 Cf. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Executivo, 2016, Almedina, pág.57.
O artigo 14.º-A do anexo do Decreto-lei n.º269/98, de 01.09, prevê o seguinte:
«1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange: a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente».
No caso em apreço, como verificamos, através da consulta do procedimento de injunção, a requerida naquele procedimento foi citada/notificada nos moldes da citação pessoal, mediante via postal registada, com aviso de receção, com a expressa advertência para o efeito cominatório estabelecido no artigo 14.-ºA, n.ºs1 e 2, do regime anexo do Decreto-lei n.º269/98, de 01.09[«Se não pagar nem responder dentro do prazo: • Não poderá dizer mais tarde por que motivos considera não ter a obrigação de pagar o valor que é exigido, com exceção dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro»].
3 Cf. Anselmo de Castro, in Ação Executiva, p. 279, Lebre de Freitas, in Ação Executiva, p. 172 e Amâncio Ferreira, ob. cit., p. 154
Daí que, com o devido respeito por opinião diversa, se entenda não ser aplicável, no caso, a jurisprudência do acórdão do Tribunal Constitucional n.º274/2015, de 12.05, que se fundou na ideia de que, não tendo sido empregue um procedimento justo – como sucede quando o requerido é chamado à injunção por meio diferente da citação pessoal e não lhe é transmitida a consequência da revelia operante em moldes semelhantes ao processo de execução – de modo que, quando assim suceda, não pode operar a regra preclusiva do n.º1 do artigo 857.º, do Cód. Proc. Civil.
Assim sendo, somos a concluir que, com exceção da nulidade da citação/notificação e da existência de um contracrédito, com vista a obter a compensação de créditos, os demais fundamentos aduzidos pela embargante [incumprimento parcial do contrato de empreitada, cumprimento defeituoso de vários trabalhos contratados e exceção de não cumprimento] para sustentar a oposição à execução não se enquadram em nenhuma das situações previstas nos artigos 729.º, do Cód. Proc. Civil e 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, ex vi artigo 857.º, n.º1, do Cód. Proc. Civil.
Não se ajustam, pois, os fundamentos invocados, com exceção da nulidade da citação/notificação e da existência de um contracrédito, com vista a operar a compensação de créditos, ao disposto nos artigos 729.º, 857.º, n.ºs1 e 3, do Cód. Proc. Civil e 14.º-A, n.º2, do regime do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, daí que, indeferindo-se liminarmente os demais fundamentos, só se recebe a presente oposição com base na nulidade da citação/notificação (alínea d) do artigo 729.º, do Cód. Proc. Civil) e na existência de um contracrédito, com vista a obter a compensação de créditos (alínea h) do artigo 729.º, do Cód. Proc. Civil).
Decisão
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 696.º, alínea e), 729.º, alíneas d) e h) e 732.º, n.º1, alínea b), do Cód. Proc. Civil, decide-se:
§ Admitir liminarmente a presente oposição à execução, mediante embargos de executado, apenas com base nos fundamentos da nulidade, por falta, de citação/notificação, no procedimento de injunção, da embargante e da existência de um contracrédito, com vista a obter a compensação de créditos.
§ Indeferir liminarmente a presente oposição à execução, mediante embargos de executado, quanto aos demais fundamentos invocados.
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Dê cumprimento ao disposto no artigo 732.º, nº.2, 1.ª parte, ex vi artigo 551.º, n. º3, do Cód. Proc. Civil.
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Notifique, sendo a embargante/executada com cópia dos elementos cuja junção aos autos acima se determinou e a embargada/exequente também nos termos e para os efeitos previstos no artigo 733.º, n. º1, alínea d), ex vi o artigo 551.º, n.º3, do Cód. Proc. Civil.
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Dê conhecimento ao/à Sr./a AE para efeitos do disposto no artigo 733.º, n. º4, ex vi do artigo 551.º, n.º3, do Cód. Proc. Civil.
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Notifique.”.
A embargante Y não se conformou e apelou a esta Relação no sentido de que seja revogado tal despacho, na parte relativa a alguns dos referidos fundamentos dos embargos, em que foi indeferida liminarmente tal oposição.
Concluiu assim as suas alegações:
“A. Errou o despacho saneador ao indeferir liminarmente a oposição à execução deduzida pela Recorrente relativamente aos fundamentos respeitantes à exceção do não cumprimento do contrato.
B. A exceção de não cumprimento do contrato prevista no artigo 428º, n.º 1, do CC e invocada pela Recorrente nos Embargos de Executado, tem consequências ao nível da exigibilidade da obrigação exequenda.
C. Isto porque, a Recorrida violou a sua obrigação contratual, não cumprindo a prestação a que estava adstrita e tal factualidade releva para efeitos de saber se a obrigação aqui em causa reúne os requisitos previstos no artigo 713º do CPC, entre os quais a exigibilidade.
D. Ao contrário do que considerou o douto despacho saneador, a invocação deste fundamento pela Recorrida integra-se no disposto no artigo 729º, al. e), do CPC – inexigibilidade da obrigação exequenda.
E. Consequentemente, pode este fundamento ser invocado pela Recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 857º, n.º 1, e 729º, al. e), do CPC e artigo 14º A do anexo ao DL n.º 269/98 de 1 de Setembro.
F. Assim, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, os Embargos de Executado devem ser admitidos in totum.
Nestes termos e, sobretudo, nos que serão objeto do douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se o douto despacho saneador de 19-01-2022 no que respeita à parte em que indefere liminarmente os Embargos de Executado deduzidos, assim se fazendo JUSTIÇA!”.
Não houve resposta.
O recurso foi admitido, mediante despacho-formulário exarado em 28-04-2022, como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo.
Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.
Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
O ponto de partida do recurso, por princípio, é sempre a própria decisão recorrida.
Com efeito, no nosso modelo (de reponderação e não de reexame da causa), por meio daquele reapreciam-se questões já julgadas na instância inferior e visa-se alterar o decidido, se e na medida em que afectado por invalidade ou por erro de julgamento.
As que, apesar de invocadas, aí não tenham sido apreciadas permanecerão fora do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem [2]. Tal como as que sejam suscitadas como novidade. [3]
Ora, in casu, importa decidir se os embargos devem também ser admitidos com fundamento na inexigibilidade da obrigação exequenda referida na alínea e), do artº 729º, do CPC, se a tal se equipara a excepção de não cumprimento do contrato prevista no artº 428º, do CC, e se, enfim, tendo a executada realizado, à sua custa, a parte da obra em falta e reparado os defeitos na outra parte executada pela exequente que esta recusou fazer, com a existência do contracrédito correspondente ao valor que despendeu para tal cuja compensação invoca – fundamento este admitido – concorre ainda aquele outro.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida não apresenta uma discriminação esquematizada dos factos relevantes – artº 607º, nºs 3 e 4, CPC. Alude, porém, a alguns dispersamente. Consideram-se assentes esses e os referidos no relatório supra, não discutidos e emergentes dos autos consultáveis na plataforma Citius.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O artigo 857º, do CPC, na redacção conferida pela Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro, relativamente aos fundamentos de oposição admissíveis à execução baseada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, dispõe, no seu nº 1, que o são, em primeiro lugar, os previstos no artigo 729º, aplicados com as devidas adaptações.
Esta norma, também alterada por aquele diploma, relativa à execução baseada em sentença, admite (apenas) os seguintes:
“a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”
Estabelece, ainda, o mesmo nº 1, do artº 857º, que, em tal caso (execução com origem em injunção incontestada), além daqueles, “podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.”
Este artigo 14º-A (na sua actual redacção também fixada pela já referida Lei nº 117/2019), estipula, quanto ao efeito cominatório da falta de dedução da oposição ao procedimento injuntivo, que:
“1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange: a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.”
É, pois, fora de dúvida que, em tais embargos, podem ser invocados:
-os fundamentos previstos no artº 729º, como se de uma sentença judicial transitada em julgado se tratasse, mas devidamente adaptados ao procedimento injuntivo de que promana o título, assim se estendendo a este as vantagens daquela e a força que lhe advém do caso julgado; e, ainda,
-outros fundamentos defensivos que poderiam ter sido invocados mediante oposição no procedimento injuntivo, mas desde que não devam considerar-se precludidos pelo efeito cominatório implicado pela falta daquela e, portanto, compreendidos no alcance deste (ressalvados alguns dos especificados no nº 2, do citado artigo 14º-A), com esta limitação, decorrente do princípio analogamente estabelecido para a contestação da acção declarativa no artº 573º, se reduzindo, neste campo específico, as hipóteses de embargar em geral as execuções baseadas em títulos diversos de sentença e de requerimento de injunção em cujos embargos, não fora isso, e conforme resulta do artº 731º, “podem ser alegados quaisquer outros [fundamentos] que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”
Procurou assim o legislador equilibrar e conformar – justamente – a princípios constitucionalmente indeclináveis, os ganhos procurados, com o regime do procedimento injuntivo, em celeridade, simplicidade, eficácia e descongestionamento do sistema de justiça quando chamado a impor o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais não pontualmente satisfeitas pelo devedor, cujo regime especial poderia não acautelar suficientemente as garantias de defesa, por deixar de fora a análise e apreciação de múltiplas questões de facto e de direito, se o campo da oposição por embargos a tal título se equiparasse ao permitido na execução baseada em sentença ou poderia até conduzir à frustração dos respectivos objectivos se aquela fosse franqueada a todos os admitidos em “outros títulos” diversos.
No caso aqui em apreço, a decisão recorrida, de acordo com o respectivo relatório, considerou que, além da nulidade da notificação do requerimento injuntivo que originou o título, a apelante executada se defendeu, nos embargos, invocando, como fundamentos, aparentemente distintos:
-o não cumprimento (por falta de realização de uma parcela) da prestação derivada do contrato subjacente ao crédito exigido a que apelada exequente se vinculou (trabalhos não executados na totalidade ou só executados em parte – cfr. item 27 da petição de embargos);
-o cumprimento defeituoso dessa mesma prestação (execução defeituosa daqueles que foram realizados – item 28 da mesma peça);
-compensação com um seu contracrédito existente relativo ao custo suportado pela executada/apelada para, por si, realizar os trabalhos em falta e reparar os executados pela exequente/apelante mas com defeito;
-excepção de não cumprimento (que a executada enquadra em inexigibilidade).
Nessa linha, concluiu o Mº Juiz a quo que, para além da nulidade da notificação e da “existência de um contracrédito, com vista a obter a compensação”, todos “os demais fundamentos”, ou seja, o “incumprimento parcial do contrato de empreitada, cumprimento defeituoso de vários trabalhos contratados e excepção de não cumprimento”, todos, como se disse acima considerados fundamentos autónomos, “não se enquadram em nenhuma das situações previstas” no aludido regime de embargos a execução baseada em requerimento injuntivo.
A apelante, como decorre das suas conclusões recursivas e que delimitam o objecto da sua impugnação, defende que o tribunal a quo errou “relativamente aos fundamentos respeitantes à exceção do não cumprimento do contrato”, pois que esta “tem consequências ao nível da exigibilidade da obrigação exequenda”, e que “tal factualidade releva” para a verificação do requisito da exigibilidade da obrigação exequenda previsto no artº 713º, pelo que se integra na previsão da alínea e), do artº 729º, logo trata-se de um fundamento que pode ser invocado e cabe no âmbito das possibilidades abertas pelos artºs 14º-A do DL 269/98 e do artº 857º, nº 1, CPC.
Será assim?
Na verdade, de harmonia com o artº 713º, para a acção executiva respectiva poder prosseguir, a obrigação exequenda carece de ser “exigível” e, se o não for em face do título, pelas respectivas diligências necessárias tem ela de principiar.
É na chamada “fase introdutória” da execução que tal falha deve ser colmatada, pois que, se o não for, constituir-se-á, então, fundamento para o executado a embargar, isto mesmo se ela não se apresentar como manifesta e passível de ser indeferida in limine, como permite o artº 726º.
Importa é precisar conceitualmente do que se trata quando se fala em exigibilidade/inexigibilidade, para os aludidos efeitos e não confundir a exigibilidade da prestação contratual com a exigibilidade da obrigação exequenda.
Como refere F. Amâncio Ferreira [4], a exigibilidade, enquanto requisito da obrigação exequenda, tem a ver, em primeiro lugar, com o tempo de vencimento dela. É exigível a obrigação vencida.
A esse propósito fala-se de obrigações puras quando o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento. Nesse caso, não se põe a questão do vencimento (artº 777º, nº 1, CC).
Ainda assim, carecendo de interpelação ao devedor, a falta desta constitui inexigibilidade.
Fala-se também de obrigações a prazo ou a termo. Havendo um prazo até ao dia do vencimento, caso este não seja atingido ou, tendo-o sido, se não for exigido o cumprimento no domicílio (legal ou convencionado) do devedor, em ambas as situações se está ante inexigibilidade.
Em segundo lugar, a exigibilidade tem a ver com obrigações sujeitas a condição suspensiva. A obrigação só é exigível depois de a condição se verificar.
Em terceiro lugar, a exigibilidade pode depender da satisfação duma prestação por parte do credor ou de terceiro. É o caso dos contratos bilaterais ou sinalagmáticos em que as obrigações de ambas as partes são correspectivas, interdependentes.
Menciona-se frequentemente como exemplo o contrato de empreitada, em que, de um lado, existe o dever de executar a obraem conformidade com o convencionado e sem vícios e, do outro, o de pagar o preço (artºs 1207º, 1208º e 1211º, CC).
Distingue-se, porém, o sinalagma genético do sinalagma funcional.
“O sinalagma é genético quando a correspectividade se refere ao momento constitutivo das obrigações, surgindo uma quando surge a outra; não podendo surgir uma sem a outra e não podendo a nulidade do contrato atingir só uma delas. É funcional quando a correspectividade se refere às obrigações já constituídas, significando que se vão desenvolver solidariamente. Traduz-se no facto de nenhum dos contratantes ter de cumprir enquanto o outro não cumprir, visto que cada uma das obrigações é a causa da outra.” – Acórdão da Relação de Lisboa, de 09-05-1996 [5].
Nesta última hipótese, a ligação permanece durante toda a execução do contrato. É aí e em consequência desta conexão que se coloca a excepção de não cumprimento do contrato.
Como se refere naquele acórdão, “A excepção de inadimplência apresenta-se, assim, como o primeiro reflexo do sinalagma funcional.”.
Tal acontece sempre que a reciprocidade ou interdependência das prestações se manifesta durante todo o período de execução do negócio, designadamente quanto à simultaneidade do cumprimento da obrigação.
Com efeito, as obrigações compreendidas no sinalagma devem, em princípio, ser cumpridas simultaneamente, pois, como refere o nº 1, do artº 428º, CC, “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.”. Tal faculdade redunda numa forma de coerção de uma parte sobre a outra.
Segundo Baptista Machado, a justificação desta excepção está em que “dada a particular natureza destes contratos, as prestações das duas partes podem apresentar-se (e apresentam-se em regra) como acopladas aos pares, tendo cada um dos pares uma relativa autonomia económica e jurídica” [6].
Na empreitada, o preço deve ser pago no acto de aceitação da obra, se não houver cláusula ou uso em contrário (artºs 1218º e 1211º, nº 2).
Apesar de, por isso, não se verificar a aludida conexão ao longo da execução entre a prestação do empreiteiro (obra) e a do dono (preço), a Doutrina e a Jurisprudência admitem também, em certos casos, que a excepção “pode igualmente ser utilizada quando a outra parte cumpre a obrigação, mas defeituosamente (exceptio non rite adimpleti contractus), desde que os defeitos de que a prestação padeça prejudiquem a integral satisfação do interesse do credor”, cabendo à parte que a invoca provar que “os defeitos existentes tornam inadequada a prestação”. [7]
É, pois, quando a obrigação exequenda estiver “dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro” que “incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efectuou ou ofereceu a prestação” – artº 715º, nºs 1 a 6.
Enquanto tal não ocorrer, haverá inexigibilidade.
Será nessa hipótese – na de uma prestação por parte do credor (v.g., pagamento do preço pelo dono da obra) estar dependente do cumprimento da obrigação do devedor (v.g., realização da obra pelo empreiteiro), ou vice-versa – que se manifestará tipicamente o sinalagma funcional e se justificará, sem dúvida, a exceptio non adimpleti contractus, não tanto naquelas em que o pagamento, por lei ou convenção, há-de suceder-se à execução da obra e no momento da aceitação, embora esta possa não ter lugar se, apesar de o empreiteiro “colocar o dono da obra em condições de a poder fazer “ [a verificação], o dono invocar que ela não “se encontra nas condições convencionadas e sem vícios” – artº 1218º, nºs 1 e 2.
Por isso é que, como refere o já citado Acórdão desta Relação, “A exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem.” (danos relacionados com o próprio vício da obra, ainda de natureza contratual).
Sucede que, no nosso caso, à exigência do preço pela empreiteira, agora na execução, não opõe directamente a dona da obra e com vista a paralisar aquele procedimento coercivo a exigência do cumprimento completo e da reparação dos defeitos.
Na verdade, apesar de a executada/embargante/dona da obra/devedora do preço acordado alegar, nos embargos, a falta de cumprimento em parte e o defeituoso cumprimento noutra parte, pela exequente/embargada/empreiteira/credora do preço, da prestação a cargo desta (realização da obra) a propósito do contrato geneticamente sinalagmático e no contexto da execução contra ela instaurada para cobrança coerciva daquele, ela, em bom rigor, não está a socorrer-se da faculdade prevista no artº 428º, do CC, para recusar o seu pagamento e coagir a outra parte ao cumprimento perfeito, completo e simultâneo da respectiva prestação originária típica em termos de desencadear o sinalagma funcional.
É que, segundo o seu articulado, em lugar da devedora e por motivo de alegada recusa desta quando interpelada para tal, já a própria dona da obra procedeu “à execução/reparação” do que faltava fazer ou do que estava mal feito e, portanto, obteve, por essa via, a satisfação da prestação integral pactuada (cfr. itens 27, 28, 29 e 30 da petição de embargos).
Por isso que, em vez do cumprimento da mesma, o que exige é que aquela (a empreiteira) responda pelo dano por si causado à dona e por esta sofrido no seu património em consequência do desembolso que teve de fazer para pagamento do custo dos trabalhos necessários no montante de 4.124,14€, e que pretende reaver por via da dedução no preço desse alegado contracrédito (cfr. itens 30, 32, 33).
E daí que, em suma, a executada invoque, para fundamentar os embargos a existência desse seu contracrédito que explicitamente, segundo ela, “deriva dos trabalhos não executados e executados defeituosamente” e que enquadra na alínea h), do artº 729º (cfr. itens 38 e 39).
Apesar da alusão à inexigibilidade, o certo é que esta nada tem a ver com o não decurso do prazo, nem com a pendência de qualquer condição suspensiva nem, ainda, com a dependência e correspectividade, para pagamento do preço, da satisfação de qualquer prestação da contraparte que com aquele se possa dizer funcional e sinalagmaticamente conexa e, portanto, que justifique a invocação da exceptio non adimplenti contractus prevista no artº 428º, CC, pois que a prestação creditícia (obra) se mostra já satisfeita e não pode, por isso, a recusa da prestação debitória (preço) servir para exigir/coagir a outra parte ao cumprimento simultâneo daquela uma vez que a mesma agora se mostra inadequada e inoportuna e, portanto, sem interesse actual e sem qualquer eficácia constrangedora.
É que nem sequer, agora, a exceptio non rite adimpleti contractus está em causa, por – repete-se – já não estar em causa o cumprimento defeituoso, imperfeito ou parcial, mas sim a prestação indemnizatória sucedânea invocada como contracrédito.
O não cumprimento agora em causa é o relativo ao valor desembolsado – os alegados 4.124,14€. Não é o da prestação originária (execução da obra) nem sequer o da prestação sucedânea (reparação dos respectivos defeitos e sua completação).
O pagamento em falta da prestação correspondente ao custo destes não pode ser exigido a troco ou em contrapartida da entrega simultânea do preço da obra, pois que aquele incumprimento, se bem que susceptível de ser reintegrado pela compensação com o contracrédito, não pode funcionalmente ser removido e revertido mediante a simples negação do preço.
A inexigibilidade do preço da obra invocada pela embargante, nos termos e circunstâncias em que o foi, não se enquadra, portanto, na inexigibilidade prevista na alínea e), do artº 729º, nada tem a ver com o requisito do artº 713º, nesse sentido não concorrendo, salvo o devido respeito, quaisquer das referências doutrinais ou jurisprudenciais por ela brandidas.
O contracrédito a compensar, no fundo, consome o incumprimento parcial e defeituoso, naquele fundamento – em relação ao qual os embargos foram admitidos – radicando, afinal, a alegada inexigibilidade.
De resto, se em causa estivesse a falta de cumprimento de parte da prestação ou o cumprimento defeituoso de outra parte, era no âmbito da injunção, como teria sido no âmbito de acção declarativa, que, ao ser exigido o pagamento do preço pela empreiteira, podia e devia ter sido invocada aquela excepção, nos termos do artº 14º-A, do Decreto-Lei 269/98, sob pena de preclusão de tal meio de defesa.
Era aí que podiam e deviam ter sido invocadas e opostas as vicissitudes relativas às obrigações derivadas do contrato de empreitada.
Não o tendo sido – não foi apresentada qualquer oposição, como se viu – e, por isso, considerando-se aquele precludido, não pode agora sê-lo por via dos embargos, por a tal obstar o artº 857º, nº 1, CPC, ainda que sob pretexto da alegada (indevidamente, como se viu) inexigibilidade da alínea e), do artº 729º.
Na sequência da passividade da dona da obra face ao procedimento injuntivo e do consequente efeito cominatório que levou à aposição da fórmula executória e formação do título executivo accionado, a obrigação contratual incorporou-se na obrigação exequenda e, por isso, como se de uma sentença transitada em julgado se tratasse, à execução assim baseada só podem ser opostos nos embargos os fundamentos admitidos na lei e não quaisquer outros que o poderiam ter sido antes (no procedimento injuntivo ou em acção declarativa) como sucederia se a formação do título não fosse precedida destes procedimentos.
Na verdade, ao efeito preclusivo decorrente da não oposição ao requerimento injuntivo faz a lei corresponder, pressupondo a sua voluntária concordância, aceitação e renúncia à discussão da subjacente factualidade, a definição e estabilização do direito de crédito, como se sobre aquela e pronúncia deste passasse em julgado uma decisão judicial transitada, motivo por que, salvo as excepções consignadas, não pode a respectiva realização coerciva da prestação exequenda ser embargada pelo devedor.
Como se explica no Acórdão da Relação de Lisboa, de 31-05-2005 [8], a propósito de caso em que a uma execução de sentença condenatória da dona da obra no pagamento do preço proferida em acção declarativa foram deduzidos embargos à respectiva execução (deduzida pela empreiteira) também invocando como fundamento a excepção de não cumprimento com base na não realização de uma parte da obra contratada:
“A excepção de não cumprimento do contrato, prevista no art. 428, nº1, do C.C., pode definir-se como: - "uma verdadeira forma de defesa por excepção, que consiste na invocação de um direito ao cumprimento simultâneo, direito esse que permite ao demandado paralisar o direito à prestação, alegado pelo outro contraente, mas que se não for invocado pelo primeiro, deixa a este o caminho aberto para obter a sua prestação (ainda que não tenha cumprido ou oferecido o cumprimento simultâneo); - uma excepção material (ou de direito material), que se funda em razões de direito substantivo (o princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas) e não de direito adjectivo ou processual; - uma excepção dilatória, uma vez que corresponde a uma forma de defesa meramente temporária, somente subordinada à execução simultânea da contra-obrigação" (José João Abrantes, A Excepção do não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, pág. 154). Enquanto excepção de direito material que é, a excepção de não cumprimento do contrato deduzida pela embargante não se reconduz a qualquer inexigibilidade da obrigação exequenda, como esta alega, mas antes se enquadra na previsão do art. 813, al. g) do C.P.C., conjugado com o art. 933, nº2, do mesmo diploma. O que significa que a excepção do não cumprimento do contrato já devia ter sido deduzida no processo declarativo, para lá ser apreciada e poder ser eventualmente considerada, pois não respeita a factualidade que só tenha ocorrido após o encerramento da discussão no processo de declaração. Não se trata, presentemente, de cumprir um contrato bilateral, mas antes de executar uma sentença judicial, transitada em julgado, que já declarou e definiu o direito, impondo obrigações para ambas as partes. A imperatividade do cumprimento dessas obrigações resulta, directamente, da própria decisão judicial e não depende de qualquer condição, designadamente do cumprimento da outra parte. Não existe qualquer reciprocidade ou interdependência na condenação das partes nos pedidos supra referidos. A exequente e a executada não foram condenadas no cumprimento simultâneo das respectivas prestações.”.
Bem andou, pois, o tribunal recorrido ao decidir indeferir liminarmente os embargos em relação ao alegado incumprimento parcial do contrato e cumprimento defeituoso do mesmo e inerente exceptio non adimpleti contractus nessas faltas consubstanciada e ao intuir que tais fundamentos não se enquadram em nenhuma das hipóteses contempladas nos artºs 729º, 857º, nº 1, do CPC, e 14º-A, do Decreto-Lei 269/98.
Carecendo, pois, de razão as alegações e conclusões da recorrente, deve a apelação improceder e confirmar-se, assim, a decisão recorrida.
V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 19 de Maio de 2022
Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:
Relator: José Fernando Cardoso Amaral;
Adjuntos: Eduardo José Oliveira Azevedo;
Maria João Marques Pinto de Matos.
1. Por opção do relator, o texto próprio não segue as regras do novo acordo ortográfico.
2. Caso não seja arguida a nulidade com base em tal omissão de pronúncia e se não trate de matéria de conhecimento oficioso.
3. Isto mesmo foi lembrado no recentíssimo Acórdão desta Relação de 07-10-2021, proferido no processo nº 886/19.5T8BRG.G1.
4. Curso de Processo de Execução, 1999, páginas 67 a 70 e 72 a 74, aqui seguidas de perto.
5. Processo nº 0001446 (Silva Salazar).
6. Estudos de Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, II, página 356.
7. Acórdão da Relação de Guimarães, de 04-10-2017, processo nº 372/11.1TBPTL.G1 (António Penha).
8. Processo nº 05A1420 (Azevedo Ramos).