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ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
EXIBICIONISMO
PENAS ACESSÓRIAS
EFEITOS AUTOMÁTICOS DAS PENAS
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário
I–As penas acessórias previstas nos artigos 69º-B, nº 2 e 69º-C, nº 2, ambos do Código Penal são de aplicação obrigatória, quando o arguido tenha cometido crime previsto nos artigos 163º a 176º-A do Código Penal e a vítima seja menor.
II–A aplicação de tais penas acessórias, tal como da pena principal, constitui consequência da prática do crime, cabendo ao juiz a respetiva graduação – e, nesse sentido, a privação de direitos civis que as mesmas importam não corresponde a um «efeito automático da pena».
III–A moldura legalmente fixada para tais penas acessórias – entre 5 e 20 anos – impede que o julgador possa graduá-las de forma proporcional, justa e adequada, nos casos de crimes punidos com penas significativamente mais baixas, em situações em que não se verifica acentuada necessidade de pena.
IV–Estando manifestamente posta em causa a «justa medida» da reação penal, as normas em questão mostram-se contrárias à Constituição da República, por violação do princípio da proporcionalidade contido no artigo 18º, nº 2 da CRP, devendo ser recusada a respetiva aplicação.
(Sumariado pela relatora)
Texto Integral
Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–Relatório:
No processo comum singular nº 3007/16.2T9CSC do Juízo Local Criminal de Cascais (Juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi julgado o arguido D. , tendo sido condenado, por sentença datada de 18.11.2021, “pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art. 171º, n.º 3, al. a) do Cód. Penal, por referência ao art. 170º do Cód. Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano e sujeita a regime de prova, nos termos conjugados dos arts. 50º, n.º 1, 2 e 5 e 53º, n.º 1, 2 do Cód. Penal”.
Na sentença foi ainda decidido não aplicar ao arguido as “penas acessórias previstas nos arts. 69º-B, n.º 2 e 69º-C, n.º 2, ambos do Cód. de Processo Penal” e não condenar o arguido “no pagamento de uma indemnização à vítima, nos termos do art. 82º-A do Cód. de Processo Penal”.
Por não concordar com o teor da decisão, veio o Ministério Público interpor recurso, restrito à questão da não aplicação das penas acessórias ao arguido, formulando as seguintes conclusões:
“1.–Nos presentes autos, o arguido D. foi acusado e sujeito a julgamento, findo o qual veio a ser condenado, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea a) do Código Penal (por referência ao artigo 170.º do Código Penal), na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, com sujeição a regime de prova. 2.–Pese embora as penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B e 69.º-C do Código Penal constassem ao mesmo imputadas na acusação proferida, entendeu o tribunal que, em face da factualidade dada como provada, a mesma não exigia a sua aplicação e, consequentemente, conclui no sentido de o arguido ser apenas condenado na pena principal. 3.–Visa-se, assim, através do presente recurso a análise apenas da questão referente à não aplicação das penas acessórias ao arguido, ainda que se conclua que o mesmo praticou um dos crimes constantes dos normativos identificados nos artigos 69.ºB e 69.º-C e que o fez contra vítima menor. 4.–Em primeiro lugar, não poderá deixar de se considerar o elemento literal da norma, na qual o legislador faz distinguir, por entender que as situações não podem ser aferidas de forma idêntica, as situações de vítimas menores – em cuja pena acessória faz constar o vocábulo ‘é condenado’ – das situações de vítimas não menores – onde se lê ‘pode ser condenado’. 5.–Em segundo lugar, não poderá deixar de se atender à alteração que produziu o aditamento das referidas normas constantes nos artigos 69.º-B e 69.º-C, que não poderá ser desprendida das finalidades visadas, de protecção da vítima e reforço das exigências de prevenção geral que os ilícitos em causa impõem. 6.–Por último, ainda que se possa afirmar, como o fez a sentença, de que as circunstâncias factuais dadas como provadas não demonstram a necessidade de aplicação das penas acessórias – situação isolada, falta de antecedentes do arguido, acto dado como provado consubstancia uma situação de carácter exibicionista -, sempre se dirá que, ainda assim, caso se entenda ser de aplicar uma pena, terá também de se aplicar as consonantes penas acessórias. 7.–A determinação de tais penas acessórias e, nomeadamente, o período durante o qual as mesmas vigoram deverá ser fixado em consonância com os critérios legais previstos nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal. 8.–Concluindo-se no sentido da aplicação das penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B, n.º 2 e 69.º-C, n.º 2, ambos do Código Penal, atendendo às circunstâncias factuais dos autos e aos critérios estabelecidos nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, devem tais penas ser fixadas no seu limite mínimo, pelo período de 5 anos. 9.–Assim, em face do exposto, deve a sentença de que ora se recorre ser revogada, na parte em que afasta a aplicação das penas acessórias à situação concreta dos presentes autos, por se mostrar violadora dos artigos 69.º-B e 69.º-C do Código Penal e substituída por outra que condene o arguido pelas referidas penas acessórias, num período fixado em 5 anos.”
O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.
Notificado em conformidade com o disposto no artigo 411º, nº 6 do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.
Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
Colhidos os «vistos» e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
II–QUESTÕES A DECIDIR
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ªed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ,www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença proferida nos autos – a única questão a examinar e decidir prende-se com a invocada obrigatoriedade da aplicação das penas acessórias previstas nos artigos 69º-B e 69º-C do Código Penal.
*
III–DA DECISÃO RECORRIDA
Com interesse para a decisão do presente recurso, consta da sentença recorrida (transcrição):
“Factos Provados
Apreciada a prova produzida em audiência de julgamento, resultaram como provados os seguintes factos com interesse para a decisão: 1)–No dia 7 de Setembro de 2016, pelas 17H30, o arguido encontrava-se no areal da praia de Carcavelos, área deste município. 2)–Em tais circunstâncias, a vítima E.M. , nascida em 20 de Janeiro de 2006, encontrava-se a praticar surf nas águas daquele areal. 3)–O arguido entrou então na água, e abeirou-se da vítima, declarando-lhe, em português, “boa onda”. 4)–Então, dirigindo-se à vítima, o arguido baixou os calções que envergava, e expôs o seu pénis, assim pretendendo que a vítima presenciasse tal conduta do arguido e olhasse o pénis do arguido, o que de pronto sucedeu. 5)–Ao proceder da forma descrita, exibindo o seu pénis à vítima E.M. , o arguido bem sabia e não podia ignorar que perturbava e importunava a vítima na esfera da sua autodeterminação sexual, o que quis e logrou, pondo em crise o seu direito a circular na via pública sem que seja exposta à exibição indesejada de órgão sexuais de terceiros. 6)–O arguido previu e não podia deixar de ter previsto que a vítima podia ter idade inferior a 14 anos, atendendo à sua morfologia corporal e apresentação, o que lhe foi indiferente, não o coibindo de proceder da forma descrita. 7)–Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei. Provou-se ainda que: 8)–O arguido tem o 12º ano de escolaridade. 9)–Exerce a profissão de empresário na área da agricultura em Santarém e aufere o rendimento mensal de €600,00. 10)–Reside sozinho, em habitação arrendada, da qual despende o valor mensal de €400,00 e cerca de €35,00 nas despesas mensais correntes de água e electricidade. 11)–Não tem filhos. 12)–O arguido não regista quaisquer antecedentes criminais.
Factos Não Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar.”
*
IV–FUNDAMENTAÇÃO
Como acima se referiu, a única questão suscitada perante este Tribunal de recurso prende-se com a obrigatoriedade de aplicação das penas acessórias de proibição do exercício de funções (artigo 69º-B do Código Penal) e de proibição de confiança de menores e inibição do exercício de responsabilidades parentais (artigo 69º-C do Código Penal) – cuja imposição fora pedida na acusação deduzida pelo Ministério Público e que o Tribunal recorrido recusou – estando fora de dúvida que o arguido foi condenado por crime previsto nos artigos 163º a 176º-A do Código Penal (no caso, o crime de abuso sexual de crianças previsto no artigo 171º, nº 3, alínea a), que remete para a descrição típica do crime de importunação sexual, previsto no artigo 170º) e que a vítima era menor.
Cumpre apreciar.
De acordo com o disposto no artigo 69º-B, nº 2 do Código Penal, “É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163º a 176º-A, quando a vítima seja menor”.
Por seu turno, o artigo 69º-C, nº 2 do Código Penal, estabelece que “É condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163º a 176º-A, quando a vítima seja menor”.
Ambas as disposições foram aditadas pela Lei nº 103/2015, de 04 de agosto.
Como se pode ler na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 305/XII[1], que esteve na origem das alterações legislativas de 2015, a referida lei destinou-se a transpor «para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/93/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão-Quadro n.º 2004/68/JAI do Conselho, de 22 de dezembro de 2003. Dá ainda cumprimento às obrigações assumidas por Portugal com a ratificação da Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, assinada em Lanzarote, em 25 de outubro de 2007».
No enquadramento das referidas penas acessórias, há que ter em conta, como se refere ainda na exposição de motivos da mencionada Proposta de Lei, que «Quer a Diretiva n.º 2011/93/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, quer a Convenção de Lanzarote, exigem sanções elevadas, criminalizando formas graves de abuso e de exploração sexual de crianças, a maioria das quais já previstas pelo ordenamento jurídico interno. Ambos os instrumentos graduam o nível das penas, ampliando-o para que sejam proporcionais, eficazes e dissuasivas».
Por seu turno, «A inibição de uma pessoa condenada pela prática de crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor do exercício de atividades profissionais ou voluntárias que impliquem contatos diretos e regulares com crianças resulta da necessidade de transposição do artigo 10.º[2] da Diretiva n.º 2011/93/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças, e de assegurar o cumprimento das obrigações que resultam do artigo 5.º da Convenção de Lanzarote, que obriga os Estados Parte a tomar medidas que garantam que candidatos a profissões cujo exercício implique, de forma habitual, contatos com crianças não tenham sido anteriormente condenados por atos de exploração sexual ou abusos sexuais de crianças.»
Como referem José Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro[3], “deve recordar-se que a justificação para a aplicação de penas acessórias no âmbito dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual assenta essencialmente em razões de defesa dos interesses dos menores, enquanto possíveis vítimas do crime. Ou seja, razões de prevenção criminal de caráter geral.”
Assim, importa ter em conta que a imposição de tais penas acessórias tem como escopo prevenir o perigo representado pelos autores de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e eventuais riscos de reincidência. Por outro lado, é consabido que o cometimento deste tipo de crime tem, na sua génese, parafilias, deficiências na formação da personalidade e total desconsideração da pessoa que deles é vítima, o que vem sendo entendido, do ponto de vista da prevenção especial, como justificação bastante para a necessidade de aplicação destas penas acessórias (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2020[4]).
Note-se que a aplicação das penas acessórias em questão não visa apenas proteger a vítima direta do crime cometido pelo arguido, mas afastá-lo de potenciais vítimas, salvaguardando o bem-estar das crianças a que pudesse ter acesso, atenta a significativa gravidade dos crimes em questão – não exigindo a lei que o crime pelo qual o arguido tenha sido condenado tenha sido cometido contra o menor ou menores sob a respetiva responsabilidade profissional ou parental.
Não obstante, “[a]s penas acessórias são, em regra, entendidas como uma mera faculdade e não como uma consequência direta do crime, na linha da doutrina aceite de que inexistem efeitos automáticos das penas[5].
As penas acessórias têm uma função coadjuvante das penas principais, dependendo de razões de prevenção geral e especial e da culpa a determinação da medida concreta. A pena acessória deve revelar-se necessária, adequada, proporcional e não excessiva.
A sua aplicabilidade, em termos processuais, deve estar sustentada em factualidade própria (e demonstrada) e o pedido de aplicação destas penas acessórias deve constar na acusação. (…)
As razões que sustentam a jurisprudência do acórdão uniformizador nº 7/2008[6], do STJ assim o impõem.”[7]
[Também neste sentido, vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2016[8]]
A propósito da aplicação das penas acessórias enquanto efeito decorrente da condenação na pena principal e da conformidade constitucional de tal determinação (ainda que, maioritariamente, no âmbito da imposição da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, mas em termos inteiramente transponíveis para a situação em apreço), o Tribunal Constitucional tem produzido jurisprudência sustentada, no sentido da não inconstitucionalidade de tais normas, podendo resumir-se os respetivos argumentos na fundamentação constante do Acórdão nº 53/2011[9], do qual citamos:
«Idêntico juízo no sentido da não inconstitucionalidade da referida norma foi sustentado em diversos outros acórdãos do Tribunal Constitucional, designadamente, no acórdão n.º 143/95 (in ATC, 30.º, pág. 717), para cuja fundamentação remetem os Acórdãos n.ºs 292/95, 354/95, 382/95, 422/95, 439/95, 440/95 e 624/95 (todos acessíveis na Internet em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu:
[…]
Como é sabido, são extremamente controvertidos, em termos de política criminal, quer os efeitos das penas, quer os efeitos dos crimes, quer ainda a concepção tradicional de penas acessórias, noções que historicamente correspondem a diferentes tentativas da dogmática penal no sentido de eliminar (com maior ou menor sucesso) os vestígios das penas infamantes do direito penal anterior à época iluminista.
As actuais concepções ressocializadoras da intervenção penal apontam para “retirar aos instrumentos sancionatórios jurídico-penais qualquer efeito jurídico infamante ou estigmatizante - inevitavelmente dessocializador e, portanto, criminógeno - que acresça ao efeito de desqualificação social que já por sua mera existência lhes cabe” (Figueiredo Dias, ob. cit., § 88).
É neste contexto doutrinal que se veda a possibilidade de fazer decorrer da aplicação de quaisquer penas, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos. Princípio geral que encontrou expressão legal no artigo 65º do Código Penal de 1982 e foi consagrado até no artigo 30º, nº 4, da Constituição, após a revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro: “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos”.
Entende-se também, porém, que a previsão de certos efeitos jurídicos limitadores daqueles direitos é legítima, pela função adjuvante da pena principal que podem desempenhar - desde que tais efeitos concretos sejam judicialmente estabelecidos na sentença condenatória em função da ponderação concreta da culpa do agente, não podendo a lei fazê-los resultar automaticamente da condenação como seu efeito necessário. E a Constituição não veda todo e qualquer efeito necessário das penas, mas apenas aqueles que se traduzam na perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
O relatório do Decreto-Lei nº 124/90 refere-se à inibição da faculdade de conduzir expressamente enquanto “pena acessória” e o próprio artigo 4º a designa como “sanção acessória” (nº 1) e mesmo “pena” (nº 4). Pode, porém, perguntar-se se ela não será melhor qualificada como um efeito da pena.
Figueiredo Dias nota que o Código Penal vigente considerou como sendo “penas acessórias” alguns dos tradicionalmente chamados “efeitos das penas” (ou efeitos penais da condenação), retirando-lhes porém o seu também tradicional carácter de produção automática. Esta “assumida confusão” (assim se exprime aquele autor, ob. cit., § 197) está expressa no artigo 65º do Código Penal, como no artigo 30º, nº 4, da Constituição, quando dispõem que nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais e políticos.
Mas, independentemente da correcta qualificação doutrinal da inibição de conduzir (que não dependerá da designação que o legislador lhe dá, mas desde logo da efectiva conformação legal que o intérprete aí encontra), o certo é que, neste diploma, ela não surge como um efeito automático da pena de prisão ou da pena de multa previstas no artigo 2º do diploma.
Na verdade, essa perda de direitos não é prevista na lei como um efeito necessário da aplicação de uma pena, mas sim como uma medida acessória que o juiz aplica e gradua dentro de determinados limites mínimo e máximo também aí previstos (naturalmente, e conforme adiante melhor se verá, em função da culpa do agente, segundo as regras gerais).
Sendo assim, já não se poderá dizer que ela contraria o disposto no artigo 30º, nº 4, da Constituição, mesmo quando se entenda que a “faculdade de conduzir” deva ser qualificada como um dos direitos civis a que se reporta aquela disposição, o que se não afigura, aliás, inteiramente líquido.
Só há perda de direitos como efeito automático da pena quando tal perda se produz ope legis, isto é, quando resulta directamente da lei. É um efeito deste tipo que o artigo 30º, nº 4, da Constituição proíbe terminantemente, ao dispor que “nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.
É que, conforme se reafirmou no citado Acórdão nº 224/90, com aquele preceito constitucional pretendeu-se proibir que, em resultado de certas condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente, ope legis efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos. Mas não se pretendeu impedir que a sentença condenatória pudesse decretar essa perda de direitos em função de uma graduação da culpa, feita casuisticamente pelo juiz.
[…]”
Posteriormente, o Acórdão n.º 53/97 (in ATC, 36.º vol., pág. 227) julgou não inconstitucional a norma do artigo 12.º, n.º 2, do mesmo Decreto-Lei n.º 124/90, igualmente relativa à inibição de faculdade de conduzir, com os seguintes fundamentos:
“Admitindo que a faculdade de conduzir veículos automóveis é um direito civil, é certo que a perda desse direito é uma medida que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os critérios do artigo 71º do Código Penal. Poder-se-á, assim, dizer que o juiz não se limita a declarar a inibição como medida decorrente de forma automática da aplicação da pena, com mero fundamento na lei (...).
A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa medida, ainda que pelo mínimo da medida legal da pena, desde que seja aplicada a pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, neste caso, colisão com a proibição de automaticidade. A adequação da inibição de conduzir a este tipo de ilícitos revela que a medida de inibição de conduzir se configura como uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada à pena de prisão se tratasse, em relação à qual valem os mesmos critérios de graduação previstos para esta última.
Com efeito, a aplicação da inibição de conduzir fundamenta-se, tal como a aplicação da pena de prisão ou multa, na prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem necessidade de se provarem quaisquer factos adicionais.
Atenta a natureza da infracção, com a inerente perigosidade decorrente dessa conduta, surge como adequada e proporcional a sanção de inibição de conduzir.”
Mais recentemente, os Acórdãos n.ºs 149/01, 586/04 e 79/09 (todos acessíveis na Internet em www.tribunalconstitucional.pt), vieram julgar não inconstitucional a própria norma do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do CP, remetendo para a fundamentação do citado Acórdão n.º 53/97.
A argumentação expendida nos arestos citados, com a qual concordamos, é aplicável mutatis mutandis ao caso em apreço, em que se interpretou o disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do CP, no sentido segundo o qual, com a condenação pela prática do crime previsto no artigo 291.º, n.º 1, alínea a), do CP, tem lugar, sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito, a aplicação da sanção acessória consistente na inibição de conduzir.
(…)
No que respeita à sua natureza jurídica estamos perante uma verdadeira pena e não perante o mero efeito duma pena, embora a sua aplicação seja feita cumulativamente com uma pena principal de prisão ou multa.
A sanção de inibição de condução não é o efeito de qualquer condenação anterior, integrando ela própria a condenação pela prática de um crime.
É uma sanção de estrita aplicação judicial, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dotada de uma moldura penal própria, permitindo e impondo a tarefa judicial de determinação da sua medida concreta em cada caso (vide, efectuando esta caracterização, João Casebre Latas, em “A pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis”, em Sub Iudice, n.º 17, pág. 77).
O facto de não se exigir a demonstração de qualquer outro requisito adicional, além dos elementos do tipo legal de crime para o qual está prevista a aplicação desta sanção, só acentua que estamos perante uma verdadeira pena a não perante um mero efeito automático da aplicação duma pena.
Ora, o artigo 30.º, n.º 4, da C.R.P., não proíbe a consagração de penas que se traduzam na perda de direitos civis, mas sim que da simples condenação anterior o legislador retire automaticamente esse efeito, sem mediação do julgador.
Por estas razões, também aqui se conclui pela não inconstitucionalidade do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do CP, interpretado com o sentido segundo o qual, com a condenação pela prática do crime previsto no artigo 291.º, n.º 1, alínea a), do CP, tem lugar, sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito, a aplicação da sanção acessória consistente na inibição de conduzir.
Conclui-se, assim, que a norma em causa não viola o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição (…)».
Retomando os argumentos expostos, vd., ainda, o Acórdão nº 256/2020[10], no qual se escreveu:
«Com o preceito em análise o legislador constituinte visou impedir que à condenação em certas penas acresça, de modo automático ou mecânico, por efeito direto da lei, uma outra sanção da mesma natureza, independente de decisão judicial.
Como se refere no Acórdão n.º 376/2018:
«[Exclui-se] que a perda de direitos civis, profissionais ou políticos seja configurada, pelo legislador infraconstitucional, como um efeito ope legis aquando da aplicação de uma dada pena, em detrimento de uma decisão que pondere as circunstâncias concretas de cada caso. Só neste quadro a pena é contida na sua exata base de legitimação constitucional, e só assim, algum tipo de projeção dessa circunstância (a aplicação de uma pena) é constitucionalmente tolerada, porque deixa de envolver, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos. Assim se observa autonomamente o princípio da culpa e da proporcionalidade na produção de qualquer efeito desvalioso, ou de pendor sancionatório, conexionado com a anterior aplicação de uma pena (cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 284/89, 442/93 e 748/93, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) ou condenação pela prática de um crime, a esta incidência estendendo teleologicamente o âmbito protetivo do artigo 30.º, n.º 4 (cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 91/84, 282/86, 284/89, 522/95, 327/99, 76/00, 87/00, 405/01 e 562/03, 239/2008, 368/2008)» (n.º 11)
Está em causa prevenir o que poderia ser perspetivado como uma morte civil, profissional ou política do cidadão condenado, impeditiva da sua reinserção social após o cumprimento da pena (no mesmo sentido, v. também os Acórdãos n.ºs 16/84, 310/85, 75/86, 94/86, 284/89, 748/93, 522/95, 327/99, 202/2000 e 262/2003).
Com efeito, a proibição da automaticidade dos efeitos das penas pretende obviar a que, por mero efeito da lei, se produzam efeitos que, sem atender aos princípios da culpa e da proporcionalidade, envolvam a perda de direitos civis, profissionais e políticos.
Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão n.º 239/2008:
«Na verdade, ao estabelecer-se um nexo consequencial entre a aplicação duma pena e a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, alguns dos princípios que presidem à aplicação das penas devem também estar presentes na aplicação daquelas medidas, nomeadamente os princípios da culpa, da necessidade e da proporcionalidade, pelo que é imprescindível a mediação de um juízo que avalie os factos praticados e pondere a adequação e a necessidade de sujeição do condenado a essas medidas, não podendo as mesmas resultarem ope legis da simples condenação penal (vide, neste sentido, Damião da Cunha, em Constituição Portuguêsa anotada, dirigida por Jorge Miranda e Rui Medeiros, tomo I, pág. 337-338, da ed. de 2005, da Coimbra Editora).» (n.º 2 da Fundamentação)
Do mesmo modo, refere-se no Acórdão n.º 748/2014:
«Ora, tal proibição, como é consabido, pretende impedir que haja um efeito automático de condenação penal nos direitos civis, profissionais e políticos do arguido. A sua justificação é simultaneamente a de obviar ao efeito estigmatizante e criminógeno das penas e de impedir a violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade, que impõem uma ponderação, em concreto, da adequação do efeito em causa à gravidade do ilícito, afastando a possibilidade de penas fixas (cfr. o acórdão n.º 461/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt)» (n.º 4)
E, ainda, no Acórdão n.º 132/2018:
«É este o sentido em que deve ser lido o artigo 30.º, n.º 4, da CRP. Ou seja, e em síntese, ele […] não proíbe a consagração de penas que se traduzam na perda de direitos civis, mas sim que da simples condenação anterior o legislador retire automaticamente esse efeito, sem mediação do julgador (Acórdão n.º 53/2011; v. ainda o Acórdão n.º 239/2008), […] com tal preceito constitucional pretendeu-se proibir que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, princípios esses de todo inafastáveis de uma lei fundamental como a Constituição da República Portuguesa que tem por referente imediato a dignidade da pessoa humana (Acórdão n.º 284/89).» (n.º 2.2 da Fundamentação)
Assim, para efeitos do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, constitui efeito necessário ou automático da pena todo aquele que decorre diretamente da lei (efeito ope legis), todo aquele que não pressupõe que se façam quaisquer juízos de valoração ou de ponderação face à situação concreta e todo aquele que, consequentemente, não permite a aferição da culpa face à gravidade do ilícito praticado.
A par destes aspetos, deve dar-se conta de que, em concretização do alcance do preceito, a jurisprudência constitucional tem entendido que os efeitos necessários das penas se estendem também, por identidade de razão, aos efeitos automáticos ligados à condenação pela prática de certos crimes.
Nesse sentido, afirma-se no Acórdão n.º 376/2018:
«Ora, neste âmbito, o Tribunal Constitucional tem reiteradamente admitido a aplicação do n.º 4 do artigo 30.º da CRP a casos nos quais a perda de direitos é configurada, pelo legislador, como um efeito necessário da condenação pela prática de um crime, aderindo, pois, ao entendimento de que esse parâmetro normativo não se encontra limitado às normas que preveem um efeito automático decorrente da aplicação de uma pena (cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 91/84, 282/86, 284/89, 522/95, 327/99, 76/00, 87/00, 405/01 e 562/03, 239/2008, 368/2008).» (n.º 11)»
Como se disse, tais considerações são, por inteiro, transponíveis para a situação dos autos, em que está em causa a aplicação das penas acessórias de «proibição do exercício de funções» e «proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais», na medida em que resulta do disposto nos artigos 69º-B, nº 2 e 69º-C, nº 2 do Código Penal, que tais penas acessórias devem ser necessariamente aplicadas quando a vítima do(s) crime(s) cometido(s) pelo agente seja menor[11].
Daqui decorre, de acordo com a interpretação conforme à Constituição consistentemente fornecida pelo Tribunal Constitucional, que a obrigatoriedade da imposição de tais penas acessórias constitui consequência da prática do crime (tal como a pena principal), cabendo ao julgador a respetiva graduação, em conformidade com a culpa demonstrada pelo agente e segundo parâmetros de adequação, necessidade e proporcionalidade (nos mesmos termos em que procede à determinação da medida da pena, uma vez apurada a prática dos factos integradores do ilícito criminal).
Não obstante, previnem Mouraz Lopes e Tiago Milheiro[12], “a aplicabilidade automática das penas acessórias, mesmo quando a vítima é menor, suscita as maiores reservas sobre a sua compatibilização constitucional.
A sedimentação do princípio da proibição do efeito automático das penas a que se alude no artigo 30º, nº 4 da CRP, tem sido efetuada, de forma inequívoca pelo TC em variadíssima jurisprudência, sustentada exatamente na afirmação de que nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos. O princípio e a sua sedimentação estabelece assim que o que deve sobressair é «retirar às penas efeitos estigmatizantes, impossibilitadores de readaptação social do delinquente e impedir que, de forma mecânica, sem se atender ao princípio de culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, se decrete a morte civil, profissional ou política do cidadão»[13].
No caso dos artigos 69º-B e 69º-C, estabelece-se um efeito automático da condenação em relação a crimes, cujos contornos concretos podem demonstrar a desnecessidade de aplicação da pena acessória e, inclusive, a sua flagrante desproporcionalidade e excesso na reação sancionatória, face à diversidade de crimes (…). Ou seja, a impossibilidade de o juiz ponderar a necessidade da aplicação da pena acessória atenta a gravidade dos factos, ademais considerando os limites mínimos das mesmas – 5 anos – colide com os princípios da proporcionalidade e da culpa. Ressalte-se igualmente, que essa impossibilidade de ponderação determina que a condenação penal tenha como efeito automático, ope legis, a perda de direitos civis e profissionais em violação do artigo 30º, nº 4 da CRP. Entende-se, assim, que existirão situações em que, nomeadamente considerando o crime em causa e as circunstâncias em que o mesmo ocorreu, se impõe recusar a aplicação do normativo por inconstitucionalidade.”
Também Paulo Pinto de Albuquerque[14] anota que “Quando a vítima seja menor, a pena acessória é obrigatória. (…) Esta obrigatoriedade não é problemática do ponto de vista constitucional, valendo por identidade razão os argumentos dos acórdãos do TC nº 149/2001 e nº 53/2001 (mas contra, Mouraz Lopes e Tiago Milheiro, 2019: 265).
A determinação da duração das penas acessórias depende dos critérios gerais de determinação das penas, ponderando-se a prevenção especial em particular (Maria João Antunes, anotação 6.ª ao artigo 179.º, in CCCP, 1999, e anotação 6.ª ao artigo 179.º, in CCCP, 2012). O limite mínimo de cinco anos é manifestamente desproporcional e, por isso, inconstitucional (artigo 18.º, n.º 2 da CRP), atenta a disparidade gritante entre os mínimos das molduras penais dos crimes previstos nos artigos 163.º a 176.º-A (por exemplo, 6 meses nos artigos 165.º e 166.º) e o mínimo de cinco anos da pena acessória (concordam, Mouraz Lopes e Tiago Milheiro, 2019: 266)”.
Como se nota dos textos citados, as objeções suscitadas pelos seus autores – que se nos afiguram de subscrever – mais do que à obrigatoriedade de aplicação de tais penas acessórias, dirigem-se à medida em que a mesma inevitavelmente será fixada, posto que o respetivo limite mínimo legal é de cinco anos, tendo como efeito impedir o julgador de proceder a um balanceamento entre a gravidade do crime praticado e a medida da pena acessória imposta. É, obviamente, este o aspeto chocante de tais disposições, na medida em que as mesmas abrangem crimes de gravidade não uniforme.
Não pode, naturalmente, escamotear-se a gravidade intrínseca de todos os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, mas é igualmente verdade que neste âmbito foram visadas pelo legislador condutas de intensidade diversa e cujo desvalor axiológico é evidentemente distinto[15], a demandar da parte do julgador uma avaliação diferenciada, que permita ajustar as sanções penais às necessidades de prevenção impostas por cada caso concreto.
O próprio Tribunal Constitucional, de resto, faz eco de tal amplitude valorativa, no Acórdão nº 105/2013[16], no qual, a propósito da incriminação prevista na segunda parte do artigo 170º do Código Penal, considerou estarmos «perante uma opção de política criminal, por parte do legislador, que entendeu que os referidos comportamentos ainda eram dotados de dignidade punitiva, sendo que a criminalização da conduta em causa não teve na sua base razões ligadas ao domínio da moral social ou da moralidade sexual, mas sim apenas a proteção da liberdade pessoal, num dos domínios em que essa liberdade se projeta.
Assim, no caso concreto, o bem jurídico tutelado pelo tipo legal de crime em causa é inquestionavelmente dotado de dignidade bastante para ser merecedor de tutela penal. Por outro, lado, embora as condutas objeto de criminalização no referido tipo legal possam estar próximas do limiar mínimo no que respeita à carência de tutela penal, não se pode esquecer que essa “menor” dignidade penal ou menor danosidade de tais condutas encontra-se refletida na sanção prevista (pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias).»
Ora, se para as penas principais aplicáveis aos diversos tipos criminais abrangidos sob a designação de «crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual» é possível – por via das diferentes molduras penais legalmente consagradas – a modelação da reação penal face aos diferentes comportamentos suscetíveis de integrar tais ilícitos, ajustando-a à concreta gravidade dos factos praticados e permitindo uma resposta que se mostre adequada face à necessidade de reafirmação comunitária da validade das normas violadas, e que constitua um eficaz instrumento de prevenção da reincidência – impõe-se que também as penas acessórias destinadas a acompanhar tal reação penal permitam tal adequação ao caso concreto e à efetiva necessidade da pena [acessória], nomeadamente na vertente da proteção das vítimas potenciais do agente em causa.
Se atentarmos no que sucede, por exemplo, com a pena acessória prevista no artigo 69º do Código Penal (a aplicar, v.g., nos casos em que o agente é condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 291º e 292º), vemos que para a mesma foi legalmente estabelecida uma moldura de 3 meses a 3 anos [de proibição de conduzir veículos com motor], estando associada a crimes para os quais estão previstas penas de prisão até 3 anos ou até 5 anos (nos casos mais graves). Tal estatuição permite, sem dúvida, assegurar uma adequação entre a gravidade dos factos praticados e a culpa evidenciada nos mesmos, por um lado, e o significado da reação penal correspondente, por outro.
Tal proporcionalidade não pode, todavia, ser assegurada quando o limite inferior da pena acessória está legalmente fixado em 5 anos (mesmo que a pena principal em concreto aplicada seja inferior a 1 ano de prisão, como aliás sucede no caso em apreço).
Nestas circunstâncias, é de considerar a desconformidade constitucional de tal norma, por manifesta violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
O Tribunal Constitucional tem vindo a densificar tal conceito em variada jurisprudência, designadamente, no Acórdão nº 632/2008[17], no qual se escreveu: «O que seja o conteúdo rigoroso da proporcionalidade, textualmente referida na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, é questão suficientemente tratada pela jurisprudência do Tribunal.
Com efeito, e como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 634/93 (referido também no Acórdão n.º 187/2001), a ideia de proporção ou proibição do excesso – que, em Estado de direito, vincula as acções de todos os poderes públicos – refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as acções estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos . Dizer isto é, no entanto, dizer pouco. Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93): (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).
A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exacto a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentidoestrito ou critério da justaedida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coactiva decorrente da medida adoptada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «[t]rata-se…de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação “calibrada” – de justa medida – com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitose das medidaspossíveis».
A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos três subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstracto perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se aprecia. Quer isto dizer, exactamente, o seguinte: o testeda proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípioda adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstracto e enquanto meio típico,idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno.É este um exame mais ‘fino’, ou mais próximo das especificidades do caso concreto: através dele se avalia a existência – ou inexistência –, na situação da vida, de várias possibilidades (igualmente idóneas) para a realização do fim pretendido, de forma a que se saiba se, in casu,foi escolhida, como devia, a possibilidade mais benigna ou menos onerosa para os particulares. Caso se chegue à conclusão de que tal não sucedeu – o que é sempre possível, já que pode haver medidas que, embora tidas por adequadas, se não venham a revelar no entanto necessáriasou exigíveis –, fica logicamente prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último teste de proporcionalidade.
A terceira precisão a acrescentar relaciona-se com a particular dimensãoque não pode deixar de ter o juízo de proporcionalidade (na sua acepção ampla), quando aplicado às decisões do legislador. Afirmou-se atrás que o princípio em causa vale, em Estado de direito, para as acções de todos os poderes públicos. Quer isto dizer que ele se aplicará tanto aos actos da função administrativa quanto aos actos da função legislativa, pois que, em qualquer caso, não pode o Estado (actuando através dos seus diferentes poderes) empregar meios que se revelem inadequados, desnecessários ou não ‘proporcionais’ face aos fins que pretende prosseguir. Certo é, porém, que o poder legislativo se distingue do poder administrativo precisamente pela liberdadeque tem para, no quadro da Constituição, eleger as finalidades que hão-de orientar as suas escolhas: disto mesmo aliás se fala, quando se fala em liberdade de conformação do legislador.Daqui decorre que o juízo de invalidade de uma certa medida legislativa, com fundamento em inobservância de qualquer um dos testesque compõem a proporcionalidade, se há-de estribar sempre – como se disse no Acórdão n.º 187/2001 – em manifesto incumprimento, por parte do legislador, dos deveres que sobre ele impendem por força do princípio constitucional da proibição do excesso.»
E, ainda no Acórdão nº 187/2001[18], «não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – diversamente da administração –, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma “prerrogativa de avaliação”, como que um “crédito de confiança”, na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). Tal prerrogativa da competência do legislador na definição dos objectivos e nessa avaliação (com o referido “crédito de confiança” – falando de um “Vertrauensvorsprung”, v. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14ªed., Heidelberg, 1998, n.ºs 282 e 287) afigura-se importante sobretudo em casos duvidosos, ou em que a relação medida-objectivo é social ou economicamente complexa, e a objectividade dos juízos que se podem fazer (ou suas hipotéticas alternativas) difícil de estabelecer.
Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio o Tribunal não deve substituiruma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas, à que é efectuada pelo legislador, e que as controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro manifestode apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as medidas não serem sequer compatíveiscom a finalidade prosseguida –, ser resolvidas contra a posição do legislador.
Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação – e a decisão deve ser de inconstitucionalidade – ou não existe – e a norma é constitucionalmente conforme. Tal objecção, segundo a qual apenas poderia existir “uma resposta certa” do legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detectar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.
A diferenciação, nestes termos, da vinculação do legislador e da administração é, aliás, salientada na doutrina nacional e estrangeira (v., para esta, por todos, a obra por último citada) e acolhida na jurisprudência. Assim, escreveu-se recentemente no Acórdão n.º 484/00, citando doutrina nacional:
“O princípio do excesso [ou princípio da proporcionalidade] aplica-se a todas as espécies de actos dos poderes públicos. Vincula o legislador, a administração e a jurisdição. Observar-se-á apenas que o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes consoante se trate de actos legislativos, de actos da administração ou de actos de jurisdição. Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que perante o espaço de conformação do legislador, os tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada." (assim, Gomes Canotilho Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra, 1998, p. 264),
Ora, estando em causa a constitucionalidade de uma norma, é apenas a intervenção do legislador que tem de ser aferida – com os limites assinalados.
(...)” (itálico aditado)»
Em vista do que se deixa dito quanto ao conteúdo do princípio da proporcionalidade contido no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e das observações já acima alinhadas quanto à identificada manifesta desproporcionalidade das reações previstas nos artigos 69º-B e 69º-C do Código Penal, em face dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual que o mesmo legislador puniu com penas significativamente menos severas, é de considerar, tal como sustentam Mouraz Lopes e Tiago Milheiro[19], a recusa da aplicação de tais disposições, com fundamento na respetiva inconstitucionalidade, embora não exatamente por violação do artigo 30º, nº 4, mas sim por violação do referido princípio da proporcionalidade, tal como propõe Paulo Pinto de Albuquerque[20].
A este respeito, no caso que temos em mãos, o Tribunal a quo, depois de tecer adequadas considerações sobre a natureza das penas acessórias em apreço, fundamentou a sua não aplicação no caso concreto nos seguintes termos: “a impossibilidade de o Juiz ponderar a necessidade da aplicação da pena acessória atenta a gravidade dos factos, ademais considerando os limites mínimos das penas (5 anos), colide com os princípios da proporcionalidade e da culpa. Ressalte-se igualmente, que essa impossibilidade de ponderação determina que a condenação penal tenha como efeito automático, ope legis, a perda de direitos civis e profissionais em violação do art. 30º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Assim, no entendimento deste Tribunal, existirão situações em que, considerando o crime em causa e as circunstâncias em que o mesmo ocorreu, se impõe recusar a aplicação do normativo por inconstitucionalidade.
No caso em apreço, o arguido não desempenha funções que envolvam contactos com menores, assim como, não tem filhos menores a seu cargo, não se prevendo que num futuro próximo possa assumir a confiança de menor, no âmbito de uma adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, ou apadrinhamento civil, pelo que, face à contextualização dos factos (caso isolado e diminuta gravidade do mesmo – acto exibicionista), conclui-se, que não é imperativo aplicar as penas acessórias aqui previstas.”
Embora nos pareçam de acolher as considerações tecidas quanto à situação dos autos – designadamente, no que se reporta à reduzida gravidade[21] dos factos (quando ponderados em confronto com todas as possibilidades em abstrato subsumíveis aos crimes em apreço), ao facto de se tratar, ao menos aparentemente, de uma situação isolada, não contando o arguido antecedentes criminais e mostrando-se social e profissionalmente enquadrado, a que acrescem as também mencionadas circunstâncias de não ter filhos, nem desenvolver atividade que importe contacto próximo com crianças, que apontam de forma segura para a desnecessidade de imposição de tais penas acessórias, sobretudo tendo em conta que não poderiam ser aplicadas por período inferior a cinco anos. Ainda assim, afigura-se-nos que o Tribunal a quo se escusou a dar o passo que enunciou na sua fundamentação, ou seja, a desaplicação da norma com fundamento na respetiva inconstitucionalidade.
Com efeito, se aceitamos, como decorre do que acima se deixou exposto, que a formulação legal impõe a aplicação «automática» de tais penas acessórias quando estejam em causa crimes cometidos contra menores (ao invés da mera «possibilidade» de aplicação, quando a vítima não seja menor), então a recusa da respetiva aplicação tem necessariamente de importar um juízo sobre a (in)constitucionalidade da norma.
Em coerência com tudo o que se deixou exposto, caberá, pois, a este Tribunal ad quem concluir pela inconstitucionalidade material da norma em questão, na medida em que não permite uma graduação proporcional – não excessiva – das penas acessórias aqui em causa, recusando-se, por isso, a sua aplicação com tal fundamento.
Nestes termos, reformulando-se a fundamentação da decisão recorrida, cabe concluir pela improcedência do recurso.
*
V.–DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, recusando a aplicação das penas acessórias previstas nos artigos 69º-B e 69º-C do Código Penal, com fundamento na respetiva inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade contido no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, e, com tal fundamento, manter a decisão recorrida.
Sem custas.
*
Lisboa, 19 de abril de 2022
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto José Manuel Simões de Carvalho
[1]Que pode ser acedida em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=39169 [2]Cujo nº 1 prevê: «A fim de evitar o risco de reincidência, os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para garantir que uma pessoa singular condenada por um dos crimes referidos nos artigos 3.º a 7.º seja impedida, temporária ou permanentemente, de exercer actividades pelo menos profissionais que impliquem contactos directos e regulares com crianças.» [3]Crimes Sexuais – Análise Substantiva e Processual, 3ª ed., Almedina, 2021, pág. 316. [4]No processo nº 114/18.2TELSB.S1, Relator: Conselheiro António Clemente Lima, acessível em www.dgsi.pt [5]Figueiredo Dias, Direito Penal – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1994, pág. 158. [6]De 25.06.2008, publicado no Diário da República, Iª série, Nº 146, de 30.07.2008, Relator: Conselheiro Oliveira Mendes, do qual citamos: «[a] pena acessória é, evidentemente, uma verdadeira pena. Efectivamente, conquanto seja uma sanção dependente da aplicação da pena principal (como a própria denominação indica), não resulta directa e imediatamente da cominação desta, no sentido de que não é seu efeito automático, o que, aliás, constitui imposição constitucional, decorrente do n.º 4 do artigo 30º da Constituição, que estabelece, tal qual o faz o n.º 1 do artigo 65º do Código Penal, que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, constituindo uma sanção autónoma.» [7]Mouraz Lopes, Tiago Milheiro, Ob. cit., pág. 317. [8]No processo nº 459/14.9PBEVR.S1, Relator: Conselheiro Francisco Caetano, acessível em www.dgsi.pt. [9]De 01.02.2011, Processo nº 528/10, Relator: Conselheiro João Cura Mariano, acessível em www.tribunalconstitucional.pt [10]De 29.04.2020, Processo nº 999/19, Relator: Conselheiro Pedro Machete, em www.tribunalconstitucional.pt [11]Com este exato sentido, vd. o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25.01.2022, no processo nº 208/18.2JACBR.E1, Relator: Desembargador Nuno Garcia, acessível em www.dgsi.pt, do qual citamos: «No caso em que a vítima seja menor, a proibição da pena acessória prevista no artº 69º-B, nº 2, do Cód. Penal (proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores) é de aplicação automática, no sentido de que é mera decorrência da condenação pela prática de um dos crimes aí referidos, não sendo necessária a verificação de qualquer outro requisito, nomeadamente qualquer juízo de necessidade ou adequação».
Vd., ainda, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06.05.2020, no processo nº 1109/17.7T9VIS.C1, Relator: Desembargador Belmiro Andrade, acessível no mesmo endereço eletrónico. [12]Mouraz Lopes, Tiago Milheiro, Ob. cit., pág. 320. [13]Assim, Vital Moreira, Gomes Canotilho, CRP Anotada, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra 2007. [14]Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, págs.384-396. [15]Expressivamente traduzido na diversidade das penas abstratamente estabelecidas para os crimes previstos nos artigos 163º a 176º-A do Código Penal, sendo a mais baixa de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias (artigo 170º) e as mais elevadas de 3 a 10 anos de prisão (artigos 164º, nº 2 e 171º, nº 2). [16]De 20.02.2013, Processo nº 716/12, Relator: Conselheiro João Cura Mariano, acessível em www.tribunalconstitucional.pt [17]De 23.12.2008, Processo nº 997/2008, Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral, em www.tribunalconstitucional.pt [18]De 02.05.2001, Processo nº 120/95, Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto, em www.tribunalconstitucional.pt [19]Ob. e loc. cit. [20]Ob. e loc. cit. [21]Mouraz Lopes e Tiago Milheiro (ob. cit, pág. 173) anotam, ainda, que «Importará referir que às condutas exibicionistas está normalmente associada uma personalidade do agente com problemas de natureza psiquiátrica, devido a perturbações sexuais, médica e normalmente designadas de «parafilias» ou atrações desviantes.
O exibicionismo, como perturbação sexual é também uma forma de «parafilia».
No Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais, da American Psychiatric Association, 3ª edição (D.S.M.III), descreve-se esta situação clínica nos seguintes termos: «a característica essencial deste distúrbio consiste em atos repetitivos de exibir os órgãos genitais, face a um estranho desprevenido, com o fim de obter excitação sexual, sem tentativa de ulterior atividade sexual com esse estranho. O desejo de surpreender ou chocar o observador, é, frequentemente, sentido de uma forma consciente ou quase consciente, mas tais indivíduos não são, habitualmente, fisicamente perigosos para a vítima». São condutas porventura a necessitarem, mais do que uma pena, um tratamento médico adequado. Estas situações são aliás comuns noutros ordenamentos jurídicos, como é o caso da Alemanha e Suíça, como se referiu na anotação nº 5, onde se disponibiliza ao agente do crime um tratamento clínico eventualmente alternativo ao cumprimento de uma pena.» - o que constitui mais um elemento no sentido de que a imposição de severas penas acessórias poderá mostrar-se desadequado e/ou pouco eficaz.