PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
AUDIÇÃO DO CONDENADO
PRESENÇA DO TÉCNICO DA DGRSP
IMPOSSIBILIDADE PERMANENTE OU PROLONGADA
Sumário


I – O trabalho desenvolvido pelo técnico de Reinserção Social encarregado de acompanhar o cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade por parte do condenado deve ser revelado ao tribunal, presencialmente, perante o arguido para que, querendo, o possa contraditar.
II – No caso de impossibilidade permanente ou prolongada nada obsta a que o técnico que acompanhou a execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade seja substituído por outro técnico, munido dos elementos recolhidos por aquele aquando do acompanhamento da execução da pena.

Texto Integral


Acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo abreviado, com o NUIPC 747/15.7GBVLN, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, no Juízo de competência Genérica de Valença, foi proferida decisão, em 14-09-2021, com o seguinte teor (transcrição):

«Em face do exposto e ao abrigo do disposto no artigo 59.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, decide-se revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e determinar o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença, que no caso, descontadas as 16 (dezasseis) horas prestadas até ao momento, se fixa em 5 (cinco) meses e 14 (catorze) dias, atendendo ao disposto no artigo 58.º, n.º 3, e 59.º, n.º 4, do citado diploma legal.
Notifique (sendo o condenado pessoalmente) e, após trânsito, emitam-se mandados de detenção e condução do condenado ao Estabelecimento Prisional competente para cumprimento da referida pena.
Autue o presente despacho.»

2. Inconformado com a decisão, interpôs recurso o arguido B. M..

Na sequência das respetivas alegações termina apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
«CONCLUSÕES

Da invalidade da tomada de declarações do arguido por violação do direito de audição

1º - O arguido foi condenado por douta sentença proferida em 14/7/2016, transitada em julgado na pena de seis meses de prisão, que foi substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade.
2º - Por decisão de 19/04/2018 foi revogada a pena de prestação a favor da comunidade e determinar o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença
3º - O arguido recorreu do douto despacho, tendo o mesmo sido julgado parcialmente procedente e em consequência este Venerando Tribunal determinou “que o tribunal de 1ª instancia designe data para audião do arguido/condenado na presença do técnico da DGRSP que acompanhou a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, após o que deverá ser tomada a decisão que se impuser em função do que aí se apurar”.
4º - Em 28/06/2021 foi o arguido novamente ouvido, no tribunal da 1ª instância com a finalidade prevista no artigo 495º nº 2 do CPP.
5º - Sucede, porém, que na diligência supra referida não esteve presente o Técnico da DGRSP que apoio, fiscalizou e acompanhou a prestação a favor da comunidade, mas sim outro técnico que jamais tinha acompanhado o arguido.
6º - Na verdade e conforme decorre da acta datada de 28/06/2021 esteve presente a Técnica Dra. “A. C., Coordenadora da Equipa ... da DGRSP, Rua …, Viana do Castelo. Pela mesma foi dito que está em substituição do técnico F. G. que está de baixa medica”.
7º - Ou seja, quem acompanhou e elaborou todos os relatórios técnicos reportados aos autos referente ao arguido foi o técnico Dr. F. G..
8º - A própria técnica ouvida aquando da audição do arguido, disse desconhecer a situação em concreto e que apenas tinha conhecimento da situação daquilo que constava nos relatórios elaborados pelo colega.
9º - Ora, salvo melhor entendimento, mais uma vez, a tomada de declarações do arguido foi realizada de forma invalida e clara contradição com aquilo que decorre do conteúdo do douto acórdão proferido nos presentes autos.
10º - Ora determina o artigo 495º nº 2 do Código Processo Penal que “O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente”. (negrito e sublinhado nosso).
11º - O facto de o arguido ter sido ouvido na presença de um técnico que não conhecia a situação em causa, que não reuniu com o arguido, que nunca com este manteve qualquer contacto e que desconhecia os contornos exactos do presente processo, faz com que, mais uma vez a audição não tenha sido realizada em conformidade com as normas legais exigidas, o que, salvo melhor entendimento, acarreta uma nulidade processual.
12º - Ora o técnico neste caso em particular é a pessoa física que acompanha o arguido, que com ele mantem relação, que faz o elo de ligação entre a instituição e o condenado e entre este e o Tribunal, pelo que não é um sujeito processual que possa ser substituído por outros.
13º - Atenta a mencionada exigência legal, impositiva, decorrente do disposto no Artº 495 nº2 do CPP, ter-se-ia de considerar que a audição do condenado, nos termos agora realizados, carenciada da assistência do técnico de reinserção social é um vício que afecta o valor do respectivo acto, pelo que, para além de poder ser agora conhecida por este tribunal de recurso, nos termos do Artº 123 nº2 do CPP, a sua reparação implica, necessariamente, a invalidade dos actos posteriores à tomada de declarações do arguido datada de 28/06/2021 e consequentemente, ao despacho recorrido, em que se determinou a revogação da pena de substituição em que aquele foi condenado.

Sem prescindir…
b) Da falta de elementos probatórios
14º - Foi agora a pena de trabalho a favor da comunidade revogada com base no relatório social junto aos autos, com base na audição do arguido e a com a audição do técnico, que nem sequer estava directamente com o caso em apreço.
15º - Contudo, salvo melhor entendimento, para tomar a decisão de revogar uma pena e aplicar-se ao arguido uma pena privativa da liberdade, os referidos elementos não são suficientes.
16º - Na verdade não foi solicitado pelo tribunal um relatório acerca da situação social, económica e familiar do arguido, o que, entendemos era de extrema importância, nomeadamente para perceber se o arguido se encontra integrado na sociedade, e que efeitos o cumprimento de uma pena de prisão efectiva pode ter neste momento na vida do arguido.
17º - Pelo que a falta de elementos de prova determina a insuficiência da matéria dos factos provados, o que origina uma nulidade, que se deixa desde já invocada para os devidos efeitos legais.
b) Da falta de justificação para a revogação da pena de trabalho a favor da comunidade
18º - Salvo o devido respeito, entende o recorrente que o Tribunal a quo deveria ter sopesado de forma diferente, todo o circunstancialismo atinente à factualidade do caso concreto alegado pelo arguido, o que a ser feito, não levaria à determinação da revogação da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade e, por conseguinte, à determinação do cumprimento pelo arguido da pena de prisão.
19º - O arguido foi condenado, em primeira instância, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal por douta sentença datada de 14/06/2016.
20º - Entretanto pela ocorrência de várias circunstâncias pessoais, do foro profissional e familiar do arguido este não conseguiu iniciar logo de imediato o cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade conforme foi condenado.
21º - O arguido no período temporal que decorreu desde a douta sentença que o condenou na prestação de trabalho a favor da comunidade foi tendo vários empregos, umas vezes a trabalhar ao sábado e outras não, o que o impossibilitava muitas vezes de comparecer nos bombeiros Voluntários aos sábados conforme se havia comprometido.
22º - Contudo, sempre que não o pudesse fazer comunicava com o Técnico de Reinserção Social o motivo porque não o conseguia fazer.
23º - A verdade é que o arguido contactou novamente os bombeiros voluntários de ..., na pessoa do seu comandante, na tentativa de efectuar o trabalho a favor da comunidade aos domingos, contudo o Sr. Comandante disse que não o aceitaria ali a efectuar o trabalho a favor da comunidade (conforme alias consta do relatório da DRGS datado de 14/09/2018).
24º - No caso em apreço, o Tribunal a quo deveria ter concluído que foi a envolvência do foro pessoal, familiar e económica do recorrente que lhe dificultou o cumprimento da pena substitutiva de prestação a favor da comunidade.
25º - Ora, existindo como existiu um desentendimento entre o condenado e a entidade que recebia o Trabalho comunitário, como são os Bombeiros Voluntários de ..., o que ficou provado tanto pelas declarações do arguido como pelo teor do relatório da DGRS, esperava-se que ao arguido fosse dada a possibilidade de realizar as restantes horas de trabalho a favor da comunidade noutra entidade que aceitasse recebe-lo.
26º - O arguido não desprezou ou infringiu grosseiramente a mesma pena de substituição que lhe foi aplicada, sendo notório que não se colocou dolosa ou intencionalmente em condições de não cumprir a pena.
27º - O certo é que, havendo uma violação do plano de reinserção social que lhe foi aplicado, é imprescindível aferir da culpa do arguido nessa atuação, ou seja, cabe ao Tribunal aferir se o incumprimento foi de facto grosseiro e por culpa do arguido/condenado.
28º - Com a referência a uma actuação grosseira do condenado, os termos do art. 59º, nº 2, do C. Penal – que regula os casos em que o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença – pressupõem que apenas relevam condutas violadoras dos deveres e obrigações merecedoras de grave censura, ou em grau particularmente elevado, em que o comum dos cidadãos não incorre, assumindo-se como indesculpáveis ou intoleráveis, face aos fins que determinaram a aplicação da pena substitutiva, indiciando, por isso, a falência, irremediável, do juízo de prognose inicial que fundamentou a sua aplicação e a anulação infalível da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade. (Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 18/06/2018)
29º - Ao invés o Tribunal a quo, e apesar de já ter dado outras possibilidades ao arguido, não o permitiu fazer, revogando assim a pena substitutiva condenando o arguido no cumprimento de uma pena privativa da liberdade, quando esta deveria ser aplicada sempre em última instancia, e quando não existisse qualquer outra pena que pudesse ser aplicada Acontece que, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo não procedeu a uma valoração correta das circunstâncias do caso concreto, pois que, dada a situação pessoal do recorrente, o Tribunal a quo deveria ter concluído que não estão, de forma alguma, comprometidas as finalidades que estiveram na base da decisão de aplicação da pena substitutiva de prestação a favor da comunidade, em conformidade com o disposto na alínea c), n.º 2 do artigo 59.º do Código Penal.
30º - Para além disso, o recorrente colaborou com o tribunal a quo na descoberta da verdade material, não efetuou quaisquer manobras dilatórias ou apresentou subterfúgios para tentar justificar os seus atos, tendo comparecido sempre que foi notificada para o efeito.
31º - Verifica-se, portanto, que o recorrente não prestou o trabalho a favor da comunidade por causa que não lhe foi imputável, mas sim por motivos externos e que não dependeram unicamente da sua vontade.
32º - Com efeito, não há notícia que o arguido tenha praticado qualquer outro crime após condenação nos presentes autos.
33º - O arguido tem pautado a sua conduta posterior à condenação por valores sociais, está bem integrado na comunidade e apresenta hábitos de trabalho, pelos que as exigências de prevenção especial são diminutas.
34º - Não foram trazidos aos autos factos concretos subsequentes que permitam sustentar um juízo de prognose desfavorável ao arguido e, que permitam, com segurança, concluir que se mostra inviável o cumprimento da pena de substituição aplicada, volvidos mais de cinco anos sobre a prática dos factos.
35º - Ainda de referir que o tribunal considerou que o arguido “não interiorizou a pena que lhe foi aplicada nem a gravidade dos comportamentos que adoptou de seguida, revelando o mais absoluto desrespeito pela solene advertência naquela contida”, já que, em declarações solicitou para “pagar a multa”.
36º - Ora o arguido mais não fez do que solicitar a aplicação do disposto no artigo 59º nº 6 al. a) do código penal, que permite a substituição da pena de prisão por multa, o que aliás já tinha requerido por requerimento junto aos autos datado de 02/10/2018, o que demonstrou precisamente que o arguido sempre esteve na disponibilidade de cumprir a pena perante a sociedade.
37º - Não podemos ainda deixar de referir que o cumprimento da pena de prisão de 5 meses e 16 dias que lhe foram determinados de mostra desajustado às finalidades de punição, tendo em conta o tipo de crime em causa, o lapso temporal que decorreu desde o momento em que o arguido praticou os factos, em que foi condenado ou mesmo desde que a pena lhe foi revogada.
38º - Nesta conformidade, ponderando todas as circunstâncias concretas e salvo melhor opinião, e atendendo que o não cumprimento da pena aplicada não foi imputável ao recorrente, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 59.º do supra referido diploma legal, deverá o tribunal revogar o despacho recorrido e determinar, conforme o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição, a substituição da pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias; ou a suspensão da execução da pena de prisão determinada a sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51.º e 52.º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados.
39º - Ao não decidir assim, violou o despacho recorrido o disposto no artigo 59.º n.º 6 do CP, pelo que deverá ser revogada, no que à aplicação da pena de prisão concerne, devendo ser substituída por outra nos termos supra expostos.
40º - Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, consequentemente, deve ser alterada o despacho recorrido em conformidade, com as legais consequências.»

3. Ao recurso interposto pelo arguido, respondeu o Ministério Público, concluindo pela seguinte forma (transcrição):
«CONCLUSÕES

1.ª Dispõe o artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, aplicável ao caso de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, por força do artigo 498.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, que “o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente”.
2.ªPara os referidos efeitos, o condenado foi ouvido na presença da Sr.ª Coordenadora da Equipa ... da DGRSP, A. C..
3.ª A Sr.ª Técnica A. C. interveio em substituição do técnico que apoiou e fiscalizou o cumprimento das condições da suspensão, o Sr. Técnico F. G., por este se encontrar em situação de baixa médica prolongada e, por isso, impossibilitado de comparecer.
4.ª Perante a ausência do Sr. Técnico F. G., o arguido nada requereu.
5.ª Neste caso, a falta do técnico da DGRSP só poderá constituir uma nulidade sanável ou uma mera irregularidade, que deveria ter sido invocada pelo arguido no próprio acto de audição, o que não sucedeu no caso concreto.
6.ª Assim sendo, a ter ocorrido nulidade ou irregularidade, a mesma já se encontra sanada.
7.ª Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 59.º do Código Penal, o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação “Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado”.
8.ª Resulta evidente dos autos que o arguido se mais não trabalhou foi porque não quis, já que foram sendo concedidas consecutivamente várias oportunidades ao arguido para cumprir a pena de substituição, as quais não foram aproveitadas sem justificação compreensível.
9.ª Nestes termos, nenhuma censura merece a douta decisão que decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 59.º, n.º 2, al. b) do CPP, revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
10.ª A douta decisão recorrida não violou qualquer preceito legal devendo, consequentemente, a mesma ser mantida na sua íntegra.»

4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido de que o recurso deve improceder, em síntese, porque:

- A ausência na diligência de audição do arguido do Técnico da DGRSP que acompanhou a execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido, não constitui qualquer nulidade ou irregularidade, uma vez que, na mesma diligência esteve presente, em sua substituição, outra técnica, coordenadora da equipa a que pertencia o técnico responsável pelo processo, sendo que tal substituição se deveu ao facto de este último se encontrar em situação de baixa médica prolongada.
- Considerando o comportamento do arguido em face de todas as oportunidades que lhe foram dadas para cumprir a pena, o respetivo incumprimento é da sua inteira responsabilidade, tendo infringido grosseiramente os deveres decorrentes da execução da pena, tendo-se frustrado o juízo de prognose que esteve na base da substituição da pena de prisão.
- Por que o incumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é imputável ao arguido, não tem aplicação o disposto no artigo 59º nº6 do código Penal.

Assim, o parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto vai no sentido de o recurso interposto pelo arguido dever ser julgado improcedente.

5. Não foi apresentada resposta a esse parecer.

6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Segundo jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como seja a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto resultantes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal (1), e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412º, n.º 1, do referido diploma), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior.

Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, são as seguintes, as questões a decidir:

1. Invalidade da tomada de declarações ao arguido, por violação do direito de audição, tendo sido violado o disposto no artigo 495º nº2 do Código de Processo Penal [conclusões 1. a 13.].
2. Nulidade de insuficiência da matéria de facto para a decisão recorrida [conclusões 14. a 17.].
3. Falta de justificação para a revogação da pena de trabalho a favor da comunidade, com violação do disposto no artigo 59º nº6 do Código Penal e substituição da mesma por multa ou suspensão da pena de prisão fixada, nos termos do disposto no artigo 59º nº6 do Código Penal [conclusões 18. a 39.].

2. DA DECISÃO RECORRIDA.

Importa ter em conta o teor do despacho recorrido que se transcreve:

«Por sentença transitada em julgado no dia 14.07.2016, B. M. foi condenado na pena de seis meses de prisão, que se substituiu por cento e oitenta horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
O Ministério Público, tendo em consideração que o condenado se tem recusado, sem justa causa, a prestar trabalho, promoveu se revogue a pena de prestação de trabalho a favor da comunicada e se ordene o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, de harmonia com o disposto no artigo 59.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal.
Notificado para se pronunciar sobre a dita promoção, o condenado veio reconhecer que não cumpriu todas as horas de trabalho a favor da comunidade a que foi condenado mas que tal omissão se deveu ao facto de se encontrar impedido por força do seu trabalho, sendo que desde que foi condenado foi tendo vários empregos, umas vezes a trabalhar ao Sábado e outras não, o que o impossibilitava muitas vezes de comparecer nos bombeiros Voluntários aos Sábados conforme se havia comprometido, e que, tendo pedido para efetuar o trabalho a favor da comunidade aos Domingos, tal lhe foi negado pelo Sr. Comandante dos Bombeiros Voluntários de ..., que lhe disse que não o aceitaria ali a efetuar o trabalho a favor da comunidade, pelo que o incumprimento não lhe é imputável a si, mas sim à instituição que se recusou, sem lhe dar qualquer justificação, a aceitá-lo.
Procedeu-se à audição presencial do condenado, como consta da ata de fls. 128 e reverso.
Por decisão de 19.11.2018 foi revogada a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e determinar o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença.
Foi interposto recurso pelo arguido da referida decisão, o qual foi admitido, tendo sido proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.04.2021, que julgou parcialmente procedente o recurso e, determinou “que o tribunal de 1ª instância designe data para audição do arguido/condenado na presença do técnico da DGRSP que acompanhou a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, após o que deverá ser tomada a decisão que se impuser em função do que aí se apurar”.
Foi designada data para a audição do condenado, na presença do técnico da DGRSP, conforme decorre da ata de 28.06.2021.
A Digna Magistrada do Ministério Público promoveu a renovação da sua promoção de 18/09/2018.
A Ilustre Defensora do arguido pronunciou-se no sentido da não revogação da pena de trabalho a favor da comunidade e em consequência a não substituição pela pena de prisão correspondente.

Cumpre decidir.

Dispõe o n.º 2 do artigo 59.º do Código Penal que “O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:

a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;
b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou
c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”

No caso relevam as seguintes circunstâncias:
- Em 10.02.2017 a DGRS informou que ainda não foi possível elaborar /relatório/plano de prestação de trabalho a favor da comunidade dado que, não obstante as diligências efetuadas, não conseguiu aquela entidade apurar informação sobre o condenado que o permitisse, informando se ainda que foi enviada a este último uma convocatória para entrevista à qual o mesmo não compareceu (apesar de a carta não ter sido devolvida) – fls. 74;
- Em 27.02.2017, a DGRS informou que convocou o condenado para nova entrevista (agora nas instalações deste Tribunal) a decorrer no dia 23.02.2017, à qual o mesmo não compareceu – fls. 77;
- Por despacho proferido em 7.03.2017 (fls. 79), ordenou-se a notificação do condenado por OPC para, em cinco dias, informar e justificar por que motivo não compareceu às supra referidas entrevistas com a advertência de que o não cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade poderia determinar o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sendo que tal notificação não se efetuou por força dos motivos exarados na informação policial junta a fls. 83;
- Em 24.03.2017 a Ilustre Defensora do condenado veio informar que este último se encontrava a residir há cerca de 8 meses na cidade de Tui, passando a semana, de Segunda a Sexta-feira, a trabalhar naquela localidade, pelo que não pôde comparecer nas entrevistas agendadas pela DGRS, propondo-se prestar o trabalho a favor da comunidade aos Sábados e Domingos e ainda em dias a combinar, nomeadamente quando estivesse de folga ou de férias – fls. 84 e 85;
- Em 29 de Junho de 2017, a DGRS elaborou o plano de prestação de trabalho a favor da comunidade junto a fls. 92 e reverso, sendo que, ponderada a situação sócio-profissional do condenado, ficou estipulado que este último cumprisse a pena aos Sábados e Domingos, entre as 8h00m e as 12h00m e entre as 13h00m e as 17h00m, nas instalações dos Bombeiros Voluntários de ..., plano esse que foi homologado por despacho proferido em 5.07.2017 e àquele notificado no dia 14.07.2017 – cfr. fls. 94 e 99;
- Em 20 de Dezembro de 2017, a DGRS veio informar que o condenado cumpriu, até àquela data, 16 horas de trabalho a favor da comunidade (4 horas no dia 29 de Julho, 8 horas no dia 30 de Julho e 4 horas no dia 18 de Agosto) e que não mais compareceu nas instalações dos Bombeiros Voluntários de ... sem que tivesse apresentado motivos para tais ausências, sendo que não respondeu às ligações telefónicas daquela entidade nem à convocatória por via postal que lhe foi remitida para que comparecesse para entrevista no dia 26.10.2017 – cfr. fls. 100, reverso;
- Por despacho proferido em 12.01.2018 o condenado foi notificado para, no prazo de cinco dias, retomar a prestação de trabalho a favor da comunidade e justificar as suas ausências, sob pena de, não o fazendo, poder vir a ser determinado o cumprimento da pena de prisão, sendo que a sua Ilustre Defensora, por requerimento datado de 18.01.2018, solicitou lhe fosse permitido retomar o cumprimento da pena, pedido que o Tribunal deferiu por despacho proferido em 24.01.2018 –cfr. fls. 105 a 107 e 109;
- Em 8 de Março de 2018 a Associação Humanitária Bombeiros Voluntários de ... veio informar que o condenado deveria ter comparecido para retomar a prestação e trabalho a favor da comunidade em 3.02.2018, mas não o fez nesta data nem nas seguintes – cfr. fls. 116;
- Em 20 de Março de 2018, a Ilustre Defensora do condenado veio informar que este último passara a residir em ... e que, porque também se encontra a trabalhar naquele concelho, não consegue cumprir o trabalho a favor da comunidade nos Bombeiros Voluntários de ..., requerendo por isso autorização para prestar as restantes horas de trabalho a favor da comunidade nos Bombeiros Voluntários de ..., pretensão que foi deferida por despacho proferido em 6.04.2018 (cfr. ref.ªs 1877859 e 42359972);
- Em 3 de Julho de 2018, a DGRS elaborou novo plano de plano de prestação de trabalho a favor da comunidade nos termos do qual, tendo em consideração a ocupação profissional do condenado, este cumpria o mesmo aos fins-de-semana (Sábados e Domingos), durante 8 horas por dia, nos Bombeiros Voluntários de ..., plano que o Tribunal homologou por despacho proferido em 12.07.2018 (cfr. ref.ªs 2005992 e 42796774);
- Em 14 de Setembro de 2018, a DGRS veio informar que, para além das 16 horas de trabalho a favor da comunidade já prestadas, o condenado não voltou a prestar qualquer hora de trabalho, apesar de até ter sido contactado telefonicamente para o efeito em 13.07.2018 e de se ter comprometido a reiniciar o cumprimento da pena no Sábado seguinte – o que não sucedeu –, sendo que no dia 5.09.2018, o condenado, enquanto aguardava que lhe fossem distribuídas as respetivas tarefas, disse que não estava ali para trabalhar e foi-se embora, tendo os Bombeiros Voluntários de ... informado, perante tal postura, que não estariam disponíveis para receber o condenado; no mesmo ofício informa-se ainda que este último contactou telefonicamente a DGRS e foi instruído para se dirigir às instalações daquela corporação de Bombeiros e apresentar um pedido de desculpas ao Sr. Comandante, mas que não o fez.
- Ouvida em 28.06.2021, a técnica A. C., conforma ata que antecede, que se encontra em substituição do técnico F. G. que se encontrava de baixa médica, tendo consigo o processo do arguido elaborado pelo seu colega, refere que o mesmo foi notificado para retomar o trabalho e que não o fez, não compareceu, nem justificou a sua ausência.
- Ouvido em 28.06.2021, o arguido, este refere ter existido um incidente com o Comandante dos bombeiros, no entanto, não sabe o nome de Comandante, nem sabe a data em que tal terá ocorrido.

A instâncias da Digna Magistrada do Ministério Público o condenado referiu que optou por trabalhar por sua conta em vez de prestar trabalho a favor da comunidade.
Referiu ainda “Não tenho de andar a rachar lenha e de limpar ambulâncias”.
Ora, perante a factualidade descrita, releva o inciso legal constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 59.º do Código Penal: o Tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação “Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado”.
A revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade pressupõe sempre uma atuação, no mínimo, culposa do condenado, por nela se fazer referência a uma atuação grosseira, expressão que, naturalmente, denuncia a intenção do legislador de fazer relevar apenas condutas merecedoras de grave censura, não bastando, por isso, uma qualquer violação destes deveres e obrigações, exigindo-se antes que ela ocorra em grau particularmente elevado.

Como se refere no Ac. do TRG de 20.03.2017 (processo 333/10.8GTBRG.G1, acessível em www.dgsi.pt), “a violação grosseira de que fala a norma, há-de traduzir uma indesculpável atuação, em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo assim ser tolerada. As causas de revogação da medida não deverão, deste modo, ser entendidas formalmente, antes deverão indiciar a falência, irremediável, do juízo de prognose inicial que fundamentou a sua aplicação e a anulação infalível da esperança de, por meio daquela manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade. Assim, só será legítimo concluir pela revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade e aplicação da pena de prisão se existirem, efetivamente e em concreto, elementos de facto para concluir que o condenado não só atuou de forma grosseira (com culpa) mas também não oferece as condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade nem revela, enfim, a motivação para tanto necessária”.
Cremos que a postura do condenado entre a data em que foi notificado do plano de prestação de trabalho a favor da comunidade e os tempos mais recentes é altamente censurável e atinge aquele grau de intolerabilidade que a norma do artigo 59.º, n.º 2, do Código Penal, exige.
De feito, àquele foram sendo concedidas consecutivamente várias oportunidades para cumprir a pena de substituição e a verdade é que não as aproveitou.
Não apresentou qualquer justificação para as suas omissões e quando o fez, fê-lo já bastante tardiamente, sendo certo que os motivos invocados para fundamentar os sucessivos incumprimentos não podem considerar-se razoáveis: a circunstância de ter uma vida profissional – que de resto nem sequer comprova, diga-se, já que não apresentou qualquer prova documental que ateste que nos períodos em que devia estar a cumprir a pena não podia fazê-lo porque estava a trabalhar, sendo que nunca teve o cuidado, a ser verdade tal justificação, de comunicar antecipadamente ao Tribunal, à DGRS ou à instituição onde deveria prestar trabalho tal impedimento – nunca seria suficiente, sem mais, para justificar a sua conduta ao longo de todo este tempo.
Note-se que mesmo estando ciente de que, muito certamente, não teria nova oportunidade para cumprir a pena substitutiva e que poderia vir a ter de cumprir a pena de prisão, o condenado, no dia 5.09.2018, enquanto aguardava que lhe fossem distribuídas as respetivas tarefas, disse que não estava ali para trabalhar e foi-se embora das instalações dos Bombeiros Voluntários de ..., o que evidencia o seu completo alheamento perante as graves consequências que do seu comportamento poderiam decorrer, ainda mais quando lhe tinham já sido concedidas várias oportunidades para, de uma vez por todas, adotar uma conduta consentânea com o que dele – e de qualquer cidadão na mesma situação – era esperado. Mesmo quando foi ouvido em declarações pediu, repare-se, para “pagar a multa”, o que denuncia, uma vez, mais, que não interiorizou a pena que lhe foi aplicada nem a gravidade dos comportamentos que adotou de seguida, revelando o mais absoluto desrespeito pela solene advertência naquela contida.
O seu desrespeito é manifesto pois na realidade o mesmo recusou-se a prestar trabalho a favor da comunidade porque não pretende andar a rachar lenha ou limpar ambulâncias, como o próprio referiu aquando da sua audição.
Questionado se teria justificação para só ter prestado 16h de trabalho, o mesmo nada disse.
É, assim, nosso entendimento que resulta evidente dos autos que o condenado não só se recusou de forma injustificada a prestar trabalho, mas mais relevante ainda, que violou grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado, impedindo a sua execução.
Na verdade, constatamos que decorreram mais de 5 anos desde o trânsito da sentença condenatória, e o condenado, de cento e oitenta, apenas cumpriu dezasseis horas de trabalho a favor da comunidade, sendo que o incumprimento do remanescente apenas lhe é a si imputável, como acima deixámos plasmado, pelo que o juízo de prognose que esteve na base da substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade se viu completamente infirmado por mor da conduta do condenado ao longo do período de tempo assinalado.
Em face do exposto e ao abrigo do disposto no artigo 59.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, decide-se revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e determinar o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença, que no caso, descontadas as 16 (dezasseis) horas prestadas até ao momento, se fixa em 5 (cinco) meses e 14 (catorze) dias, atendendo ao disposto no artigo 58.º, n.º 3, e 59.º, n.º 4, do citado diploma legal.
Notifique (sendo o condenado pessoalmente) e, após trânsito, emitam-se mandados de detenção e condução do condenado ao Estabelecimento Prisional competente para cumprimento da referida pena».

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO.

3.1 – Da Invalidade da tomada de declarações ao arguido, por violação do direito de audição, tendo sido violado o disposto no artigo 495º nº2 do Código de Processo Penal.

Nas conclusões 1. a 13., o recorrente sustenta que a diligência de audição do arguido nos termos do disposto no artigo 495º nº2 do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 498º nº3 do mesmo código, está ferida de invalidade na medida em que o técnico da DGRSP que esteve presente na mesma não foi o técnico que apoiou e fiscalizou o cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe foi aplicada, mas sim um outro que compareceu em sua substituição.
Entende que, nessas circunstâncias, não sendo o técnico que esteve presente na diligência conhecedor da sua situação, porque nunca com ele reuniu ou manteve qualquer contacto pessoal, a sua audição, determinada pelo Tribunal da Relação no acórdão prolatado nos autos, se encontra ferida de nulidade ou, pelo menos, de irregularidade que afeta o valor do ato e que, nos termos do disposto no artigo 123º nº2 do Código de Processo Penal, deve ser conhecida por este Tribunal de recurso, tendo como consequência a invalidade de todos os atos subsequentes, incluindo o despacho em recurso.

Apreciando.
Consta, efetivamente, da ata datada de 28-06-2021 que pela técnica da DGRSP, Dr.ª A. C., ali presente, foi dito que se encontra em substituição do técnico F. G. que está de baixa médica.
Por outro lado, importa considerar que, por despacho datado de 07-05-2021, a Mmº Juiz a quo, designou data para audição do condenado “na presença do/a técnico/a da DGRSP que acompanhou a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade”.
Nessa sequência, a DGRSP remeteu aos autos ofício datado de 25-05-2021, onde dava conta de que o técnico em causa (F. G.), “se encontra de baixa médica prolongada, pelo que, se solicita a V. Exa. a possibilidade da sua substituição pela Coordenadora da Equipa ... da DGRSP, A. C.”.
Ouvida a gravação da diligência em causa, verifica-se que a técnica ali presente deu todos os esclarecimentos solicitados, com recurso aos elementos documentais que o respetivo técnico responsável fez constar do processo de que se fez acompanhar, não tendo sido manifestado pelo recorrente qualquer oposição a essa intervenção ou sequer desagrado por a mesma não ser conhecedora da sua real situação, como invoca agora e muito menos arguiu qualquer irregularidade ou nulidade.
Conforme consta do acórdão deste Tribunal da Relação prolatado nos autos, o artigo 495º nº2 do Código de Processo Penal deve ser interpretado no sentido de que “(…) o trabalho desenvolvido pelo técnico de Reinserção Social encarregado de acompanhar o cumprimento da pena de substituição por parte do condenado, deve ser revelado ao tribunal, presencialmente, perante o arguido, para que, querendo, o posso contraditar”.
Está em causa garantir o contraditório por parte do arguido no que concerne às razões do incumprimento da prestação do trabalho, por forma a que o Tribunal possa formar a sua convicção sobre se tal incumprimento lhe é imputável e decidir em conformidade com o disposto no artigo 59º do Código Penal.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 9º nº1 do Decreto-lei nº375/97 de 24-12: “Os serviços de reinserção social comunicam ao tribunal todas as circunstâncias ou anomalias graves suscetíveis de determinar a suspensão provisória, a revogação e a substituição da PTFC, nos termos previstos no artigo 59.º do Código Penal e no artigo 498.º do Código de Processo Penal”.
Assim, em face do relatório apresentado pelos serviços de reinserção social, importa garantir que o arguido, aquando da sua audição, acompanhado do respetivo defensor, possa questionar a pessoa responsável pela elaboração de tal relatório e que será, por razões óbvias, o técnico que vem acompanhando a execução da pena, por ser ele quem se encontra na posse não só dos elementos objetivos constantes do processo individual do arguido, como terá especial conhecimento da forma como a execução da medida decorre, atento o facto de contactar, quer com o arguido, quer com a entidade ou entidades beneficiárias de trabalho, sendo certo que, também será da sua lavra, em princípio, o parecer final que consta do mesmo relatório.
Assim, parece não suscitar dúvidas que, a ausência de técnico da DGRSP na diligência de audição pessoal do condenado para efeitos do disposto no artigo 495º nº2 do Código de Processo Penal, afeta de forma intolerável o direito ao contraditório e o pleno exercício do direito de defesa do arguido, determinando a invalidade da diligência.

A jurisprudência divide-se quanto a saber se tal invalidade configura uma nulidade ou uma irregularidade, conforme pode ler-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-04-2016 (2):

“Em ambos os casos e tratando-se de situações em que se coloque a possibilidade do tribunal revogar, quer a suspensão da execução da pena, quer a prestação de trabalho a favor da comunidade, a lei exige, por via do nº2 do Artº 495, que a decisão judicial seja previamente antecedida de audição do condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza, quer o cumprimento das condições da suspensão (no caso da suspensão da execução da pena), quer a realização da prestação de trabalho (no caso da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade).
(…)
Seja no caso de uma suspensão da execução da pena sujeita a regime de prova ou a condições, seja nas situações de prestação de trabalho a favor da comunidade, o condenado é apoiado pelos serviços de reinserção social, que elaboraram o plano de reinserção social ou o plano de execução das horas de trabalho, serviços estes, que vão fiscalizando a execução da medida ao longo do tempo, reportando ao tribunal as respectivas vicissitudes.
Daí que o legislador, compreensivelmente, exija que uma decisão sobre a eventual revogação dessas medidas, pelas implicações que pode ter sobre a liberdade dos condenados, seja obrigatoriamente precedida de audição daqueles, prescrevendo, contudo, que essa audição decorra na presença do técnico de reinserção social encarregado do processo do arguido.
Com efeito, poderá ser essa presença e os esclarecimentos que dela se poderão produzir, que melhor poderão esclarecer o tribunal sobre a importância de uma decisão que, muitas vezes, leva o arguido à prisão, preceituando-se assim que a mesma seja levada a cabo com sensatez, equilíbrio e sentido de responsabilidade, ponderados que sejam todos os factores em jogo, como a natureza do crime, o lapso temporal já decorrido desde o seu cometimento, a dimensão da pena, a personalidade do agente e o seu sentido de interiorização do desvalor social da conduta e do juízo de censura que lhe é imanente.
(…)
Ora, tendo em conta a letra do nº2 do Artº 495 do CPP - alterada por força da Lei 48/07 de 29/08 - ter-se-á de concluir que a presença deste técnico é obrigatória aquando da audição presencial do arguido para efeitos da eventual revogação da suspensão da execução da pena ou da prestação de trabalho a favor da comunidade.
Será assim sempre ilegal a decisão de um tribunal de revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade quando a mesma for precedida de audição do condenado que decorra sem a presença do técnico dos serviços de reinserção social que fiscalizou a aplicação de tal medida.
Tratando-se de uma decisão que pode contender com a liberdade do arguido, é a mesma nessa medida, e em si própria, um prolongamento da própria decisão condenatória e daí que a lei não prescinda das inerentes garantias do contraditório, com a obrigatória audição presencial do condenado acompanhado do respectivo técnico de reinserção social.
Inexiste assim nos presentes autos o cumprimento de uma exigência - formal e substancial - da decisão recorrida, tal como o exige o nº2 do Artº 374 do CPP, deficiência que sendo parcial em relação ao todo da decisão, assenta sobre um pressuposto relevante para aquilo que se determinou, a revogação da pena de substituição aplicada ao arguido.
O não cumprimento, nos termos expostos, do estatuído no Artº 374 nº2 do CPP, por parte da decisão recorrida, faz com que a mesma seja ferida de nulidade, por força do disposto no Artº 379 nº1 al. a) do mesmo diploma legal.
Caberá assim ao tribunal recorrido, suprir esta nulidade, designando-se nova data para a audição do arguido, nos termos exigidos pelo nº2 do Artº 495 do CPP, com a presença do técnico que fiscalizava o cumprimento da medida, sendo que após a realização dessa diligência nesses moldes e tendo em conta o que aí for apurado, deverá então ser proferida nova decisão sobre a substituição, ou revogação, da prestação de trabalho a favor da comunidade em que o agora recorrente foi condenado.
Ainda que tenha sido alegada, como se disse, pelo recorrente, trata-se de uma nulidade de conhecimento oficioso, na medida em que, tratando-se de um vício reportado ao Artº 374 do CPP, a sua tramitação é própria e diferenciada do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais, nulidade esta, que não fazendo embora parte do elenco das descritas nas als. a) a f) do Artº 119 do CPP, não pode deixar de ter-se como insanável (Cfr., entre outros, Ac. da RL de 25/10/11, e jurisprudência citada na nota 12 do Ac. da RP de 01/02/12, ambos disponíveis em www.dgsi.pt)
Diga-se ainda, que mesmo que se configure o vício aludido como uma irregularidade e não como uma nulidade – por não constar da lista das previstas nos Artsº 119 e 120, ambos do CPP – o destino do presente recurso seria idêntico.
Na verdade, nesta tese, atenta a mencionada exigência legal, impositiva, decorrente do Artº 495 nº2 do CPP, ter-se-ia de considerar que a audição do condenado carenciada da assistência do técnico de reinserção social é um vício que afecta o valor do respectivo acto, pelo que, para além de poder ser agora conhecida por este tribunal de recurso, nos termos do Artº 123 nº2 do CPP, a sua reparação implica, necessariamente, a invalidade dos actos posteriores à tomada de declarações do arguido de Fls. 148 e consequentemente, à decisão recorrida, em que se determinou a revogação da pena de substituição em que aquele foi condenado.
Como se vê, seja uma, ou outra, a opção dogmática sobre a natureza do vício, idêntica é a solução em sede de recurso.” (3)

Mas voltemos ao caso dos autos.
Na verdade, em face das circunstâncias em que decorreu e diligência de audição do arguido, não temos dúvidas de que não se coloca a questão da invalidade do ato. Isto porque tem de considerar-se que foi dado cumprimento à exigência legal constante do nº2 do artigo 495º do Código de Processo Pena, por um lado, e que ao arguido foi dada a possibilidade de exercer o contraditório, não tendo sido cerceados, de nenhuma forma, os seus direitos de defesa, por outro.
O técnico que acompanhou a execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não esteve presente, mas esteve presente outro técnico em sua substituição (especialmente qualificada por ser coordenadora da equipa a que pertencia aquele), munido dos elementos recolhidos por aquele aquando do acompanhamento da execução da pena.
O motivo da substituição, conforme consta dos autos, foi o facto de o técnico em causa se encontrar impossibilitado, por motivos de saúde, de comparecer à diligência. No caso, a impossibilidade é duradoura, na medida em que a situação da pessoa em causa é a de baixa médica prolongada.
Ora, nestas circunstâncias não pode considerar-se que não está cumprida a exigência legal, sob pena de tal entendimento conduzir a situações intoleráveis do ponto de vista da pretensão punitiva do Estado. É que, a ser assim, no caso de impossibilidade permanente (por falecimento ou incapacidade permanente) ou prolongada (doença grave que pode conduzir à impossibilidade de comparecer por largos meses ou anos), teria de concluir-se pela impossibilidade de realização da diligência ou pela impossibilidade da sua realização em tempo útil, e, nessa sequência, pela impossibilidade de prolação do despacho a que alude o dispositivo em causa.
Não foi essa, seguramente, a intenção do legislador ao impor a presença do técnico que acompanhou a execução da pena.
Citamos, nesta parte o douto parecer que antecede quando ali se afirma: “Efetivamente, a seguir-se o raciocínio do arguido, se o Técnico que acompanhasse a execução de uma pena falecesse, o destino do processo estaria traçado, já que nenhum outro poderia substitui-lo no acompanhamento da audição do arguido. A par desta situação poderiam configurar-se muitas outras: ter-se o Técnico reformado, ter-se desvinculado do serviço e ter ido residir para o estrangeiro, ter sofrido uma doença impeditiva, ter ficado incapacitado por acidente, etc., etc. etc.
Ora, as normas jurídicas não podem ser interpretadas de tal forma que conduzam a resultados aberrantes. O que o legislador quis dizer foi que, preferencialmente, a audição do arguido deveria ser acompanhada pelo técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de execução da pena, o que bem se compreende. Porém, na sua impossibilidade, nada impede que seja substituído por outro Técnico habilitado para o efeito.
Ora, no caso dos autos, compareceu a própria Coordenadora da Equipa em substituição do Técnico que se encontrava impedido devido a baixa médica prolongada.
Em suma, nenhuma ofensa à lei foi praticada.”
Diga-se, ainda, que para além de se considerar cumprido o preceito legal, do ponto de vista estritamente formal, também não podemos deixar de considerar que, igualmente, os objetivos pretendidos com a presença daquele técnico no que tange ao exercício do contraditório por parte do arguido, se mostram plenamente cumpridos, ouvida a gravação da diligência. Com efeito, a técnica que compareceu deu todos os esclarecimentos solicitados, socorrendo-se dos elementos que constavam do respetivo processo e coligidos pelo técnico que acompanhou a execução da pena.
Sublinhe-se, aliás, que o arguido não contraditou, pelo menos de forma consistente, as informações prestadas. Na verdade, limitou-se a dizer que não é verdade que junto dos Bombeiros de ..., tenha dito que não estava ali para trabalhar, escudando-se na afirmação de que alguém (que não identifica) lhe disse que, ali não prestava trabalho, sem qualquer justificação.
Em suma, não resulta da gravação em causa que o arguido tenha solicitado qualquer informação ou questionado factos que não tenha sido possível esclarecer em virtude de não estar presente o técnico que acompanhou a execução da pena.
Concluindo, não se verifica qualquer violação do direito de audição do arguido ou do disposto no artigo 495º nº2 do Código de Processo Penal, soçobrando o recurso nesta parte.


3.2. – Da nulidade de insuficiência da matéria de facto para a decisão recorrida.

Nas conclusões 14. a 17., o recorrente insurge-se contra o facto de a decisão em recurso ter sido tomada sem que o Tribunal a quo tivesse previamente solicitado a elaboração de relatório acerca da sua situação social, económica e familiar, o que reputa de extrema importância para perceber se se encontra integrado na sociedade e que efeitos o cumprimento de uma pena de prisão efetiva pode ter neste momento da sua vida.
Não indica qualquer norma legal que, por via do alegado, tenha sido violada, o que era seu ónus.
Não obstante, tendo em consideração a expressão “insuficiência da matéria de facto para a decisão”, pensamos ter o recorrente em mente o vício a que alude o artigo 410º nº2 alínea a) do Código de Processo Penal.
Nos termos do disposto no artigo 410º nº2 alínea a) do Código de Processo Penal, "mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; (…)”.
Como uniformemente tem sido decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (4), o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão.

Voltemos ao caso concreto.

Compulsado o despacho em crise, dele consta a descrição de toda a matéria de facto relevante para a decisão, isto é, a descrição da conduta do recorrente no âmbito do cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que lhe foi aplicada, desde o seu início até ao presente.
Nos termos do disposto no artigo 498º nº2 do Código de processo Penal, “Finda a prestação de trabalho, ou sempre que no seu decurso se verificarem anomalias graves, os serviços de reinserção social enviam ao Tribunal o relatório respetivo”.
No caso dos autos, longe de estarem cumpridas as horas de trabalho impostas, a DGRSP remeteu aos autos relatório em que conclui que: “Face ao exposto, o comportamento do arguido tem vindo repetidamente a inviabilizar a execução da medida de trabalho a favor da comunidade, aplicada nos presentes autos, ficando esta Equipa a aguardar o despacho que vier a recair nos presentes autos”.
Em face do mesmo, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 498º nºs 2 e 3 e 495º nºs 2 e 3 do Código de processo penal e 59º do Código Penal, cabe ao Tribunal, avaliar se o incumprimento do trabalho em que se traduz a pena aplicada lhe é, ou não, imputável, decidindo pela sua revogação ou substituição.
O Tribunal a quo fez constar, de forma exaustiva, todos os elementos factuais recolhidos relativos à conduta do condenado e bem assim o que resultou da diligência de audição do mesmo na presença do técnico da DGRSP, conforme resulta da transcrição supra.
Concluiu, em face dos mesmos, que a decisão que se impunha, fundamentando-a naqueles factos e nas normas legais aplicáveis, era a de revogação da pena de trabalho a favor da comunidade por considerar verificado o circunstancialismo descrito no artigo 59º nº2 alínea b) do Código Penal.
Aqui chegado, isto é, concluindo como concluiu o Tribunal a quo, que a impossibilidade de prestação de trabalho é imputável ao condenado [nos termos do disposto no artigo 59º nº2 alínea b) do Código Penal], não se coloca qualquer questão no sentido de apurar se a pena de prisão determinada na sentença e cujo cumprimento se ordena é, ou não, a melhor opção do ponto de vista das finalidades da punição.
Tal relatório não é exigido pela lei, nem teria qualquer sentido nestas circunstâncias, uma vez que o cumprimento da pena de prisão é consequência imediata imposta pelo artigo 59º nº2 do Código Penal, verificada que se mostre alguma das hipóteses previstas nas suas alíneas.
Assim, e sem necessidade de outras considerações, por inúteis, julga-se improcedente o recurso, também nesta parte.

3.3. – Da falta de justificação para a revogação da pena de trabalho a favor da comunidade, com violação do disposto no artigo 59º nº6 do Código Penal e substituição da mesma por multa ou suspensão da pena de prisão fixada, nos termos do disposto no artigo 59º nº6 do Código Penal.

Das conclusões 18. a 39. resulta que o recorrente coloca duas questões distintas e que aponta como erradamente decididas pelo despacho em recurso.
Aceitando (como não pode deixar de aceitar) que o trabalho a favor da comunidade em que foi condenado por sentença transitada em julgado em 14-07-2016 não se mostra cumprido, pois que apenas foram executadas 16 das 180 horas fixadas na sentença, considera que, em primeiro lugar, em face dos factos apurados tal incumprimento não lhe é imputável, pelo que, a decisão não deveria ser a de revogação e, em segundo lugar, que a decisão acertada seria a de substituir a pena por pena de multa ou suspender a pena de prisão aplicada, nos termos do disposto no artigo 59º nº6 do Código Pena.
Sem razão, desde já adiantamos.
Relativamente à primeira questão.

Estabelece o artigo 59º nº2 do Código Penal:

“2 - O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:
a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;
b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou
c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”

No despacho em recurso, considerada a matéria de facto apurada, concluiu-se que “(…) resulta evidente dos autos que o condenado não só se recusou de forma injustificada a prestar trabalho, mas, mais relevante ainda, que violou grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado, impedindo a sua execução. (…). Em face do exposto e ao abrigo do disposto no artigo 59.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, decide-se revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e determinar o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença, que no caso, descontadas as 16 (dezasseis) horas prestadas até ao momento, se fixa em 5 (cinco) meses e 14 (catorze) dias, atendendo ao disposto no artigo 58.º, n.º 3, e 59.º, n.º 4, do citado diploma legal.»
Já era este o entendimento do Ministério Público quando emitiu parecer após realização da diligência de audição do arguido.
Em resposta a esse parecer o arguido juntou requerimento aos autos em que manifestava o entendimento de que não se mostrava demonstrado que a não realização do trabalho fosse da sua responsabilidade, requerendo que fosse proferida decisão de não revogação da pena.
Invoca nesse requerimento que a técnica que esteve presente na diligência realizada para sua audição “demonstrou total desconhecimento acerca dos alegados motivos que fizeram com que o arguido não cumprisse as horas de trabalho” e que, não lhe foi dada a possibilidade de continuar a prestação de trabalho, entretanto interrompido.
Ouvida a gravação da diligência, embora a técnica presente reconheça, como não podia deixar de ser, que não contactou diretamente com o arguido ou com as entidades beneficiárias da prestação de trabalho, prestou todos os esclarecimentos solicitados.
Bem ao contrário, o recorrente não prestou esclarecimentos que lhe foram expressamente solicitados acerca de questões fundamentais como sejam: a razão pela qual não prestou trabalho nas instalações dos Bombeiros de ... no dia previamente acordado, limitando-se a dizer que foi alguém, que não identifica por nenhuma forma, que, naquela instituição, lhe disse que ali não prestava trabalho; não deu nenhuma explicação, embora lhe tenha sido expressamente solicitada, para o facto de não ter seguido a orientação da DGRSP no sentido de apresentar um pedido de desculpas ao comandante da instituição; não deu nenhuma explicação para o facto de, decorridos cerca de 5 anos, ainda só ter prestado o total de 16 horas de trabalho.
Aliás, das suas declarações resulta, conforme assinalado no despacho em recurso, que efetivamente, a sua postura é a de recusa em prestar o trabalho, afirmando “Não tenho de andar a rachar lenha e a limpar ambulâncias” e “andei a trabalhar por minha conta”.

Estabelece o artigo 7.º do Decreto-lei nº 375/97, de 24 de dezembro, sob a epigrafe Obrigações e deveres do prestador de trabalho:

“1 - O prestador de trabalho deve cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações do supervisor quanto à forma como as tarefas devem ser executadas.
2 - Para além das obrigações referidas no número anterior, o prestador de trabalho deve:
a) Responder às convocações do tribunal competente para a execução da pena e dos serviços de reinserção social;
b) Informar os serviços de reinserção social sobre quaisquer alterações de emprego, de local de trabalho ou de residência, bem como sobre outros factos relevantes para o cumprimento da pena;
c) Obter autorização prévia do tribunal competente para a execução da pena para efeito de interrupção da prestação de trabalho por tempo superior a dois dias de trabalho consecutivos;
d) Informar a entidade beneficiária sempre que estiver impossibilitado de comparecer no local de trabalho conforme o horário previsto;
e) Justificar as faltas ao trabalho nos termos previstos na legislação aplicável à entidade beneficiária;
f) Não consumir bebidas alcoólicas, estupefacientes, psicotrópicos ou produtos com efeito análogo no local de trabalho, bem como não se apresentar sob a influência daquelas substâncias, de modo a prejudicar a execução das tarefas que lhe sejam distribuídas.”

Ainda nos termos do diploma legal citado, concretamente do seu artigo 13º - “Os serviços de reinserção social comunicam ao tribunal todas as circunstâncias ou anomalias graves suscetíveis de determinar a suspensão provisória, a revogação e a substituição da PTFC, nos termos previstos no artigo 59.º do Código Penal e no artigo 498.º do Código de Processo Penal (nº1) (...) Para efeitos de comunicação ao tribunal, consideram-se como anomalias graves, entre outros, os seguintes factos (nº3): (…) b) Falta de assiduidade; c) Desrespeito grosseiro e repetido pelas orientações do supervisor e do técnico de reinserção social; (…) h) Recusa ou interrupção da prestação de trabalho”.

Em face da factualidade que consta do despacho em recurso, relativa ao percurso do recorrente enquanto prestador do trabalho em que foi condenado por decisão judicial, são múltiplas as violações dos deveres em causa e são tão manifestas que nos dispensamos de referir cada uma delas, sendo, por outro lado, incontornável que se trata de anomalias graves, nos termos previstos na lei.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-03-2019 (5):

I – A falta de comparência do arguido nos locais em que devia prestar trabalho a favor da comunidade, nunca iniciando a execução, apesar de aceitar previamente que ali os prestaria, e a inexistência nas várias informações juntas aos autos de obstáculos insuperáveis que a justifiquem, configuram uma inequívoca recusa tácita, sem justa causa, de prestar trabalho a favor da comunidade, integrando a primeira causa de revogação daquela pena a que alude o alínea b), n.º 1 do art.59.º do Código Penal.”

Também no acórdão do Tribunal da relação de Évora de 12-03-2019 (6):

“I – Deve ser revogada a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade se o condenado, apesar das oportunidades que lhe foram concedidas, apenas cumpriu, decorridos mais de 2 anos sobre a homologação do plano, 9h30 das 180 horas a que foi condenado, tendo apresentado como razão do seu comportamento, vagos problemas de índole laboral, não demonstrados, por ser de concluir, no caso concreto, que a pena de substituição não pode já alcançar os fins que estiveram na origem do seu decretamento.”

Em suma, o despacho recorrido leva a cabo uma apreciação correta, equilibrada e sensata dos factos que os autos evidenciam relativamente ao comportamento do recorrente no que tange ao cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, interpretando-os à luz das disposições legais aplicáveis, pelo que, nenhuma censura nos merece (7).
Improcede, pois, o recurso, também nesta parte, não tendo sido violado o disposto no artigo 59º nº6 do código Penal.
Finalmente e no que toca à requerida substituição da pena nos termos do disposto no artigo 59º nº6 do Código Penal.
Porque entendemos ser de confirmar a decisão recorrida, a qual é no sentido de revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e determinar o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença, nos termos do disposto no artigo 59º nº2 alínea b) do Código Penal, tem-se como adquirido que a impossibilidade de prestação de trabalho é imputável ao recorrente.

Estabelece o artigo 59º nº6 alínea a) do Código Penal:

«Suspensão provisória, revogação, extinção e substituição
(…)
6 - Se o agente não puder prestar o trabalho a que foi condenado por causa que lhe não seja imputável, o tribunal, conforme o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição:
a) Substitui a pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias, aplicando-se correspondentemente o disposto no n.º 2 do artigo 45.º; ou
b) Suspende a execução da pena de prisão determinada na sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51.º e 52.º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados.»
Conforme resulta claro da letra da lei, os pressupostos da substituição da pena de prisão fixada na sentença (e que foi substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade) por multa ou a sua suspensão condicionada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta são: a) que se verifique a impossibilidade de prestação do trabalho a que o agente foi condenado; b) que essa impossibilidade seja devida a causa não imputável ao mesmo.
Verificados estes pressupostos e, tendo em conta aquilo que melhor se adequa à realização das finalidades da punição, o Tribunal pode optar por uma das duas soluções previstas nas alíneas a) e b) do preceito (substituição da pena de prisão fixada na sentença, por multa ou suspensão da mesma pena de prisão por um período entre 1 e 3 anos e subordinando-a ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequadas).
Ora, no caso dos autos, os pressupostos em causa não se verificam, pois que, se concluiu que a impossibilidade de prestação de trabalho é imputável ao recorrente (8).

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B. M. e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.

Por ter decaído totalmente no recurso que interpôs, o arguido suportará as custas do respetivo recurso, fixando-se em 3 (três) UCs a taxa de justiça – artigos 513º nºs 1e 3 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).

(Texto elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

Guimarães, 09-05-2022

Os Juízes Desembargadores
Fátima Sanches (relatora)
Anabela Martins (adjunta)
Fernando Chaves (Presidente da Secção)

(data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas)



1. Neste sentido, vd. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de dezembro de 1995, que fixou jurisprudência no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.
2. Disponível para consulta em www.dgsi.pt
3. A este propósito veja-se, também, entre outros, o acórdão do tribunal da Relação de Guimarães de 20-03-2017, disponível para consulta em www.dgsi.pt
4. - Cf., nomeadamente, o acórdão de 20-04-2006 (processo n.º 06P363), disponível em http://www.dgsi.pt.
5. Disponível para consulta em www.dgsi.pt
6. Disponível para consulta em www.dgsi.pt
7. Ainda a propósito da questão de saber o que deve entender-se por violação de deveres do condenado no cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-03-2019, in www.dgsi.pt
8. Vide, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07-03-2017, in www.dgsi.pt