PROVA DE UM FACTO
RETRIBUIÇÃO
PRESUNÇÃO
IRREDUTABILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
QUESTÃO NOVA
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
FALTA CULPOSA DO PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
Sumário

I - Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.
II - Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
III - Não basta o mero recebimento regular e periódico de uma dada prestação para lhe atribuir a natureza de retribuição, por força da presunção (ilidível) estabelecida na lei (n.º3, do art.º 258º do CT/03), impondo-se, concomitantemente, num trabalho de interpretação sobre a sua fonte legal ou convencional, indagar sobre a razão de ser da sua atribuição.
IV - A irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
V - O princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso, a título de mero exemplo, da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar), ou quando se tratam dos referidos prémios ou incentivos abrangidos pela previsão do art.º 260.º/1/al. c).
VI - Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu”.
VII - No âmbito da justa causa com fundamento na falta culposa do pagamento pontual da retribuição, a lei consagra um critério de distinção por contrapondo à falta de pagamento da retribuição não culposa - este fundamento constante no n.º3, al. c), do mesmo artigo 394.º. - vindo dispor o n.º 5, também do mesmo artigo, considerar-se “(..) culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”.
VIII - Não basta o mero atraso no pagamento de qualquer prestação retributiva, mesmo que por mais de 60 dias, para concluir que o comportamento do empregador – sendo embora culposo, dada a presunção decorrente do artigo 394.º 5 – constitui necessariamente justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, sendo também necessário, concomitantemente, que a sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.

Texto Integral

APELAÇÃO n.º 1166/20.9T8MTS.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Matosinhos -, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra X..., S.A., a qual foi distribuída ao Juiz 3, formulando os pedidos de condenação da Ré seguintes:
- ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €66007,78 a título de diferenças entre o que foi acordado pelo autor e ré e efetivamente pago por esta última, como alegado em E. da petição inicial;
-OU caso se entenda que o bónus anual/complemento de desempenho integra o salário anual inicialmente acordado ser a ré condenada a pagar a quantia de €25927,62 correspondente às diminuições de retribuição efetuadas, tal como alegado H.
- ser a ré condenada a reconhecer o bónus anual/complemento de desempenho como sendo retribuição;
- ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €10605,43 a título de diferenças referentes às diminuições do bónus anual ou complemento de desempenho pago em violação do montante acordado, tal como alegado em F. do presente articulado;
- ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €5766,59 a título de diferenças do bónus anual/complemento de desempenho no subsídio de férias tal como alegado em G. do presente articulado;
- ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €120,00/mês num total de €11400,00 a título de equivalente pecuniário pela não atribuição da viatura para uso pessoal desde a data de admissão até à data da cessação como alegado em I.a) do presente articulado;
- Ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €1500,00/ano num total de €12.000,00 a título do valor acordado para pagamento de combustível e via verde na viatura para uso pessoal desde a data de admissão até à data da cessação tal como alegado em I.b) do presente;
- ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €3964,40 a título de diferenças do subsídio de alimentação como alegado em J) do presente articulado - ser reconhecida judicialmente a resolução com justa causa do contrato de trabalho por iniciativa do autor e ser a ré condenada ao pagamento da quantia de €19732,79 a título de indemnização como alegado em L-a);
- ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €7601,33 a título de créditos laborais tal como alegados em L. B).
Alegou, para tanto em suma, que trabalhou por conta da ré desde 12/8/2010 e na sequência de uma proposta que incluía um salário anual de €50.000,00, um bónus anual de desempenho, telefone fixo, telemóvel, plano de saúde, atribuição de veículo de utilização pessoal e €1.500,00 por ano de combustível e portagens. Porém, ao longo dos anos a ré não cumpriu com o valor da retribuição anual acordada; a partir do ano de 2017 reduziu o valor anual do bónus de desempenho; nunca integrou este bónus no subsídio de férias, apesar de se tratar de retribuição; nunca lhe atribuiu veículo para utilização pessoal nem disponibilizou a quantia anual de €1.500 de combustível e portagens para uso pessoal; a partir de julho de 2013 foi reduzindo o valor do subsídio de alimentação. Por tal, e perante este invocado incumprimento, o autor resolveu o contrato de trabalho mediante invocação de justa causa.
Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, foi designada data para a realização da audiência de julgamento e notificada a ré para contestar.
A Ré contestou, impugnando o alegado, nomeadamente o acordado quanto à retribuição e atribuição de veículo e afirmando ter sempre cumprido com o que se obrigou perante o autor. Mais alegou a ré que a diminuição do subsídio de alimentação correspondeu a um igual aumento da retribuição base e que nunca acordou em entregar um veículo ao autor para uso pessoal irrestrito, mas apenas com essa possibilidade de uso, por mera tolerância, e que o plafond anual de €1.500,00 era um plafond de despesas naquela utilização do veículo e não de atribuição patrimonial.
Defendendo a ilicitude da resolução deduziu a ré pedido reconvencional, mediante o qual pediu a condenação do autor na quantia de €511,12, qua ainda se encontra em divida após ter descontado 60 dias de retribuição aos créditos salariais do autor decorrentes da cessação do contrato de trabalho.
O Autor apresentou resposta.
Foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e dispensou-se a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova.
Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, encerrada com o dispositivo seguinte:
-“Nestes termos e por todo o exposto, e parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré, pelo que:
a) julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelo autor, pelo que condeno a ré a pagar-lhe a quantia global de €8.830,74 a título de diferenças de retribuição dos anos de 2011, 2017 e 2018 e absolvo-a do demais peticionado;
b) reconheço o direito da ré em operar a compensação para satisfazer seu crédito de €4.573,72, absolvendo o autor do pedido de condenação no pagamento da quantia peticionada;
Custas da lide principal a cargo do autor e ré na proporção dos respetivos decaimentos.
Custas da lide reconvencional a cargo da ré.
(..)».
I.3 Inconformado com a sentença o trabalhador autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados. As alegações de recurso foram finalizadas com as conclusões seguintes:
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………………………………
………………………………
I.4 A recorrida Ré apresentou contra-alegações, as quais sintetizou nas conclusões seguintes:
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………………………………
I.5 O Digno Magistrado do Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da procedência parcial do recurso, referindo, no essencial, o seguinte:
-«[..]
2. Quanto a estes “outros créditos”, salvo melhor opinião cremos que assiste razão ao Recorrente.
Com efeito deu-se como provado que “62. A ré pagou ao autor a totalidade da retribuição base (€2.286,86) e do IHT (€480,24) referente ao mês de agosto de 2019. 63. Com data de 20/9/2019 a ré emitiu ao autor o último recibo de vencimento, com resultado líquido de nenhum valor a ser pago, no qual foi atribuído ao autor o proporcional de subsídio de natal e de férias, no valor cada um de €1.811,88, as férias vencidas e não gozadas no valor de €4.276,43 e o complemento de desempenho no valor de €511,12; e foi descontado ao autor (para além dos valores referentes aos encargos fiscais) o valor de €281,46 de retribuição base, o valor de €59,11 de IHT, o valor de €89,65 de subs. alimentação cartão e o valor de €4.573,72 a título de indemnização aviso prévio.”
A final refere que “Em setembro de 2019 a ré emitiu um último recibo de vencimento no qual contabilizou os créditos salariais que o autor tinha direito e deduziu já aquele valor a título de indemnização, tendo então apurado um saldo nulo, de nenhuma quantia a pagar ou a receber.
E decidiu a douta sentença:
“b) reconheço o direito da ré em operar a compensação para satisfazer seu crédito de €4.573,72, absolvendo o autor do pedido de condenação no pagamento da quantia Peticionada.”
Mas, se bem entendemos esta compensação, os valores deduzidos e os valores creditados não são de igual valor, havendo um crédito a favor do Recorrente de 1.595,49€ ((1.811,88 + 4.276,43 + 511,12) = 6.599,43€ - (281,46+59,11+ ,65+4.573,72)= 5.003,94€)).
3. Entende-se, também, que assiste razão ao Recorrente quanto ao uso do veículo.
Efectivamente, salvo melhor opinião, esse uso pessoal foi acordado entre Recorrente e Recorrida, e só se fixa, salvo melhor opinião, um valor máximo a utilizar quando se trata de utilização pessoal (não profissional) do mesmo.
Assim, deveria ser a Ré condenada no pagamento de quantia a apurar em incidente de liquidação de sentença (ou no valor peticionado)».
I.5.1 Respondeu a Recorrida, contrapondo, no essencial, que o Senhor Procurador Geral Adjunto não levou em consideração todos os valores inscritos no recibo de vencimento junto aos autos. Considerou o valor do complemento de desempenho como um crédito, quando os 511,12€ se traduziram num desconto, bastando para tanto atentar que esse montante está colocado na coluna dos descontos. Não considerou, também, nem a retenção de IRS – 1.750,00€, nem as retenções de IRS relativas a subsídio de férias e de natal – 720,00€ e 331,00€, tão pouco o valor das contribuições para a Segurança Social, no valor de 830,93€.
Considerando todos os montantes insertos na coluna “descontos” e os montantes constantes da coluna “abonos” resulta, ao contrário da conclusão obtida, ser o Autor devedor do saldo de 969,58€.
Quanto ao uso do veículo automóvel, para além de não haver argumento jurídico ou de facto para sustentar que tal foi acordado entre Autor e Ré, essa consideração colide com os factos provados nos Pontos 51 a 55 e 58, não se entendendo como poderia ser reconhecido ao Autor uma indemnização pelo não uso de uma viatura automóvel, quando ficou assente que à data da cessação do contrato de trabalho lhe estava atribuída uma viatura para uso exclusivo.
I.5.2 Respondeu igualmente o Recorrido, desde logo, reiterando a posição assumida no recurso, mas sustentando que a ser acolhida a posição referida no parecer, existindo revogação da decisão da primeira instância quanto a esta parte -como defende obviamente o recorrente e o Ministério Público no seu parecer- terá que ser feita nova apreciação da justa causa invocada.
I.6 Cumpridos os vistos legais, remeteu-se o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se a inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação e decisão da prova, ao considerar provados os factos 48, 49 e 50 e não provada a matéria sob a alínea b) [conclusões 1 a 25];
ii) Na aplicação do direito aos factos: ao ter concluído que o Complemento de Desempenho não se enquadra no conceito de retribuição [Conclusões 26 a 42[; ao calcular o valor devido ao Autor, por inferior ao acordado [Conclusões 43 a 47]; ao ter concluído pela inexistência de acordo de atribuição de viatura para uso pessoal e 1 500,00 € ano de combustível e via verde [Conclusões 48 a 58]; ao ter concluído pela inexistência de justa causa de resolução do contrato de trabalho [Conclusões 59 a 70]; por não ter condenado a R. no pagamento de créditos laborais pela cessação do contrato de trabalho [conclusões 71 a 75].
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que segue:
1. O autor foi convidado para trabalhar ao serviço da P..., S.A. - empresa que é atualmente a ré - a 12 de agosto de 2010.
2. Com essa data de 12/8/2010 a ré emitiu documento dirigido ao autor, que o subscreveu no qual declara “propor-lhe a sua admissão na empresa nas seguintes condições”:

Salário Anual: As componentes do salário anual bruto perfazem o valor de 47.500,00 Euros, que serão actualizados anualmente em conformidade com a política do Grupo P1....
Bónus Anual: Será aplicado o modelo em vigor na Empresa. Na eventualidade de melhoria deste sistema, o novo modelo aplicar-se-lhe-á de forma automática.
Fringe Benefits: Ser-lhe-ão atribuídos telefone fixo, telemóvel e plano de saúde de acordo com o modelo existente no Grupo P1....
H. Bónus: Será atribuído de forma excepcional um bónus de contratação no montante de 2.500,00, pagos de uma só vez, no mês de admissão. No final de doze meses, o valor de 2.500,00 será integrado no seu total pecuniário.

3. No ano de 2010 e até maio de 2013 o autor auferiu uma retribuição base de €2.200,00, acrescida da quantia de €462,00 a título de isenção de horário de trabalho (IHT).
4. Em junho de 2013 a auferiu a retribuição base de €2.217,49 e a IHT de €465,67.
5. De julho a dezembro de 2013 a retribuição base de €2.241,88 e a IHT de €470,79.
6. De janeiro a novembro de 2014 o autor auferiu a retribuição base de €2.259,37 e a IHT de €474,47.
7. De dezembro de 2014 a junho de 2018 o autor auferiu a retribuição base de €2.276,86 e a IHT de €478,14.
8. De julho de 2018 a agosto de 2019 o autor auferiu a retribuição base de €2.286,86 e a IHT de €480,24.
9. Em novembro de 2010, e por referência ao mês de outubro, a ré pagou ao autor a quantia de €1.872,50 a título de “complemento de desempenho”.
10. Em janeiro, abril, julho e outubro de 2011 a ré pagou ao autor, em cada um desses meses, a quantia de €1.872,50 a título de “complemento de desempenho” (num total de €7.490,00).
11. Em janeiro, abril, julho e outubro de 2012 a ré pagou ao autor, em cada um desses meses, a quantia de €2.497,50 a título de “complemento de desempenho” (num total de €9.990,00).
12. Em janeiro, abril, julho e outubro de 2013 a ré pagou ao autor, em cada um desses meses, a quantia de €2.497,50 a título de “complemento de desempenho” (num total de €9.990,00).
13. Em janeiro, abril, julho e outubro de 2014 a ré pagou ao autor, em cada um desses meses, a quantia de €2.497,50 a título de “complemento de desempenho” (num total de €9.990,00).
14. Em janeiro, abril, julho e outubro de 2015 a ré pagou ao autor, em cada um desses meses, a quantia de €2.497,50 a título de “complemento de desempenho” (num total de €9.990,00).
15. Em janeiro, abril, julho e outubro de 2016 a ré pagou ao autor, em cada um desses meses, a quantia de €2.497,50 a título de “complemento de desempenho” (num total de €9.990,00).
16. Em janeiro, abril, julho e outubro de 2017 a ré pagou ao autor, em cada um desses meses, a quantia de €1.533,37 a título de “complemento de desempenho” (num total de €6.133,48).
17. Em janeiro, abril, julho e outubro de 2018 a ré pagou ao autor, em cada um desses meses, a quantia de €1.533,37 a título de “complemento de desempenho” (num total de €6.133,48).
18. Em janeiro, abril e julho de 2019 a ré pagou ao autor, em cada um desses meses, a quantia de €1.533,37 a título de “complemento de desempenho” (num total de €4.600,11).
19. Entre outubro de 2010 e junho de 2013 o autor auferiu a quantia de €11,33/dia a título de subsídio de alimentação (no ano de 2011 pagou esse valor em 250 dias; .
20. A partir de julho de 2013 o autor passou a auferir a quantia de €8,15/dia a título de subsídio de refeição.
21. Entre julho e dezembro de 2013 o autor auferiu ainda o valor diário de €2,12 a título de complemento de subsídio de refeição; e entre janeiro e novembro de 2014 esse valor diário foi de €1,04.
22. Em dezembro de 2010 a ré pago ao autor a quantia de €1.200,00 a título de “compensação extraordinária”
23. Em maio de 2012, e por referência ao mês de dezembro de 2011, a ré pagou ao autor a quantia de €1.053,02 a título de “prémio por objetivos”.
24. Em julho de 2012 a ré pagou ao autor a quantia de €245,00 a título de “prémio de desempenho”
25. Em setembro de 2012, e por referência ao mês de junho de 2012, a ré pagou ao autor a quantia de €466,56 a título de “prémio por objetivos”.
26. Em agosto de 2013, e por referência ao mês de dezembro de 2012, a ré pagou ao autor a quantia de €586,45 a título de “prémio por objetivos”.
27. Em julho de 2014, e por referência ao mês de dezembro de 2013 a ré pagou ao autor a quantia de €1465,79 a título de “prémio por objetivos”.
28. Em setembro de 2014, e por referência ao mês de junho de 2014, a ré pagou ao autor a quantia de €710,00 a título de “prémio por objetivos”.
29. Em fevereiro de 2015, e por referência ao mês de dezembro de 2014 a ré pagou ao autor a quantia de €530,00 a título de “prémio por objetivos”.
30. Em maio de 2015 a rá pagou ao autor a quantia de €2.185,26 a título de “prémio por objetivos” referente ao mês de abril de 2015 e a quantia de €16,56 também a título de “prémio por objetivos” referente ao mês de dezembro de 2014.
31. Em junho de 2016, e por referência ao mês de dezembro de 2015, a ré pagou ao autor a quantia de €317,53 a título de “comissões”.
32. Em dezembro de 2016, e por referência ao mês de junho de 2016, a ré pagou ao autor a quantia de €540,48 a título de “comissões”.
33. Em abril de 2017, e por referência ao mês de dezembro de 2016, a ré pagou ao autor a quantia de €1.241,63 a título de “comissões”.
34. Em julho de 2017, e por referência ao mês de abril de 2017, a ré pagou ao autor a quantia de €183,50 a título de “incentivo à venda”.
35. Em abril de 2018, e por referência ao mês de dezembro de 2017, a ré pagou ao autor a quantia de €6,08 a título de “incentivo à venda”.
36. Em junho de 2019, e por referência ao mês de dezembro de 2018, a ré pagou ao autor a quantia de €16,00 a título de “incentivo à venda”.
37. A ré nunca atribuiu ao autor um veículo para livre utilização na sua vida pessoal.
38. A ré alugava viaturas que entregava ao autor referindo-lhe serem as mesmas para seu uso profissional, suportando a ré todas as despesas com aquelas.
39. Com data de 23 de agosto de 2019, e rececionada pela ré a 29 desse mesmo mês, o autor remeteu à ré carta sob o assunto de “resolução com justa causa”, com o seguinte teor:
Serve a presente para vos comunicar a resolução com justa causa do contrato de trabalho com efeitos imediatos que mantenho com a vossa empresa desde 11 de outubro de 2010.
Com efeito, como solicitado já por diversas vezes, e a última das quais no início do presente mês, V. Exas não procederam ao apuramento e pagamento dos valores que entendo ter direito por força do contrato de trabalho celebrado.
Na verdade, na altura da minha admissão foi por V.Exas proposto e aceite por mim a atribuição de uma verba de e1.500,00/ano para pagamento de combustível e via verde e outros de utilização pessoal. Valor esse que nunca me foi pago, totalizando no momento €13.500,00.
Da mesma forma e no mesmo momento, foi acordada a atribuição de uma viatura para utilização pessoal, nomeadamente fins de semana e férias, atribuição essa que nunca chegou a ser concretizada, tendo tal sido um dos benefícios importantes que me levou a aceitar a v/ proposta.
Acresce ainda que V. Exas têm efetuado deduções irregulares, ao longo dos anos de relação laboral, no âmbito do subsídio de alimentação a que tenho direito. Com efeito, desde a data de admissão e até junho de 2013, recebia a importância de €11,33 por cada dia de trabalho, sendo que a partir de tal data e até hoje o valor foi reduzido unilateralmente para €8,15 a que corresponde uma diferença de €3,18/dia de trabalho, totalizando uma diferença até ao momento nunca inferior a €4.474,26.
Por outro lado, na altura da admissão foi acordado um pacote salarial de €50.000,00/ano tendo V. Exas decidido colocar parte desse valor num “complemento de desempenho”, ao invés de retribuição base. A verdade é que tal nem sempre me foi pago (no respeito do que havia sido acordado) sem o mesmo estar assente no cumprimento de objetivos ou quaisquer critérios, consubstanciando tal na qualificação como retribuição.
Ora, desde a altura da minha admissão (e como ficou acordado) o valor pago por V.Exas era de €2497,50 x 4 = €9990 por cada ano de trabalho e de forma a completar os tais €50.000,00/ano acordados que é o limite mínimo do valor da retribuição a que tenha direito por força do acordado na admissão.
Por razões que desconheço, o valor pago a partir de janeiro de 2017 é de 1533,37 x 4 = €6133,48 ou seja corresponde a uma diferença de €3856,52/ano e que totaliza até ao momento um crédito a meu favor de €9541,30.
Assim, quer a diminuição do subsídio de alimentação e do “complemento de desempenho” não são mais do que reduções irregulares unilaterais de v/ parte.
Acresce ainda que tendo em conta o acordado por mm e a V/ empresa na altura da admissão, qualquer alteração ao modelo remuneratório em vigor na empresa só me seria aplicável se mais vantajoso que o acordado na altura pelo que não pode colher a explicitação “sumária” de GG recebida por email a 14 de Agosto de 2019 onde consta (ter existido) uma alteração global da política de compensação da Empresa, uma vez que tal alteração significa uma perda de €14.115,58 até ao momento, no que se refere ao “complemento de desempenho” e subsídio de alimentação.
Assim sendo, a factualidade ora descrita consubstancia uma violação culposa dos direitos que me assistem em virtude do contrato de trabalho que mantenho com essa empresa, não sendo exigível a manutenção da relação laboral, nos termos do disposto no art. 394º, n.º 1 e n.º 2 alíneas b), e) do Código do Trabalho.
Pelo exposto, agradeço que procedam ao apuramento e pagamento dos valores:
- €13500,00 referentes aos €1500,00/ano desde a data de admissão até à presente para combustível, via verde, etc… de utilização pessoal;
- apuramento do valor equiparado à utilização da viatura que deveria ter sido atribuída para utilização pessoal aos fins de semana e férias;
- €4474,26 referentes à diferença de subsídio de alimentação devido desde Julho de 2013 até ao presente;
- €9641,30 referentes às diferenças do por vós denominado “complemento de desempenho.
Acresce a tais valores os referentes aos créditos de incentivo às vendas, a prémios não regularizados, créditos salariais exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho, bem como a indemnização legal a que tenho direito nos termos do disposto no art. 396º do Código do Trabalho”.
40. Autor e ré, então denominada P..., S.A., partes subscreveram documento escrito, datado de 11 de outubro de 2010, intitulado “Contrato de Trabalho sem Termo”, no âmbito do qual a ré declarou contratar o autor para, sob sua autoridade e orientação, desempenhar, entre outras, as funções correspondentes à categoria profissional de Licenciado (cláusula 1ª), mediante a retribuição líquida de €2.200,00, acrescida do subsídio de refeição em vigor na empresa (cláusula 5ª), com direito a férias, subsídio de férias, subsídio de natal e demais direitos de acordo com as disposições legais e/ou convencionais (cláusula 8ª). Consta ainda desse documento que os demais direitos e obrigações das partes emergentes do contrato se regeriam, “nos termos gerais de direito, pelas disposições constantes do Código do Trabalho e demais legislação aplicável, bem como pelo IRCT aplicável e/ou pela regulamentação interna”. (cláusula 12ª).
41. No valor global referido na carta descrita em 2., a título de salário anual, a ré incluía (para além da retribuição base) o subsídio de isenção de horário de trabalho (IHT), o complemento de desempenho (CD) e o subsídio de refeição.
42. Com data de 11 de outubro de 2010 autor e ré, então denominada P..., assinaram documento identificado como “Despacho/Acordo”, no qual declararam acordar que o autor, trabalhador da ré com a categoria de Licenciado e exercendo as funções de Gestor de Cliente, exerceria tais funções em regime de isenção de horário de trabalho mediante o pagamento de uma retribuição especial mensal no valor de 21% da retribuição base e diuturnidades.
43. Com data de 11 de outubro de 2010 autor e ré, então denominada P..., assinaram documento identificado como “Despacho”, com o seguinte teor:
Na sequência do actua! desempenho das funções de GESTOR DE CLIENTE pelo trabalhador AA, n° ..., da categoria … são-lhe atribuídos por conveniência de serviço e enquanto esta se mantiver os seguintes meios de trabalho:
al Telefone residencial de serviço, até ao limite anual de £200,00 ;
b) Veículo de serviço com possibilidade de Utilização Pessoal no valor de -£15.000,00;
c) Estacionamento;
d) Serviços (combustível e via verde) com o plafond anual de €1.500,00;
e) Telemóvel de serviço com o plafond anua; de €300,00.: o valor que ultrapasse o limite anual será descontado, nos termos legais, no vencimento do trabalhador seguinte ou seguintes à ultrapassagem
Os meios atribuídos destinam-se ao bom desempenho das funções cometidas, na actual organização, conjuntura e conveniência de serviço, sendo o trabalhador responsável por os utilizar com zelo e diligência, A presente atribuição podem cessar a todo o momento por iniciativa da Empresa, mediante comunicação com aviso prévio de 15 dias, cessando ainda automaticamente com a cessação das funções, caso em que devera entregar todos os bens materiais na sua Direcção. 
44. Por “Despacho” datado de 8/10/2010, e com a menção de que entraria em vigor a 11/10/2010, o autor foi nomeado pela ré, em comissão de serviço, para as funções de gestor de cliente.
45. Por força do acordo de empresa subscrito entre a ré (então P2..., S.A.) e o SINDELTECO e outros (publicado no BTE n.º 20 de 2013) a ré reduziu o subsídio de refeição dos seus trabalhadores (incluindo o autor) de €11,33 para €8,15, mediante integração progressiva da diferença na retribuição base.
46. Com data de 27/10/2016 a ré emitiu e assinou o documento, junto aos autos a fls. 49, identificado como “Despacho”, que foi também assinado pelo autor sob a menção de “Tomei conhecimento” no qual consta ter sido determinada a atribuição ao autor de um valor máximo de €6.133,48 a título de complemento de desempenho, pago em prestações trimestrais “condicionado à confirmação de nível de desempenho” e à permanência do autor na empresa pelo período em referência. Consta ainda que esse “Despacho revoga todos os anteriores sobre a matéria e produz efeitos à data de 1/1/2017, podendo ser feito cessar por iniciativa da empresa”.
47. Na mesma data de 27/10/2016 o autor assina documento (já assinado pela ré a 14/9/2016) as partes assinam documento identificado como “Despacho/Acordo”, no qual declararam acordar que o autor, trabalhador da ré com a categoria de “...” e exercendo as funções de Consultor Comercial, exerceria tais funções em regime de isenção de horário de trabalho mediante o pagamento de uma retribuição especial mensal no valor de 21% da retribuição base e diuturnidades a ser incluída também no subsídio de férias e de natal.
48. Pelo menos em regra, o Complemento de Desempenho pago pela ré a seus trabalhadores destina-se a premiar o desempenho, sendo atribuído anualmente e pago antecipada e trimestralmente, segundo critérios de gestão, definidos todos os anos de forma casuística, pelo Responsável máximo do Departamento a que pertence o trabalhador e em face das disponibilidades existentes.
49. E é tendencialmente atribuído em face do desempenho evidenciados por cada trabalhador no âmbito do grau de responsabilidade das funções que lhes estão cometidas, não existindo critérios ou montantes parametrizado para efeito da sua atribuição, nem por referência a categoria profissional.
50. O seu valor pode ser alterado em cada ano e mesmo reduzido por necessidade de redução dos custos do Departamento a que o trabalhador está afeto.
51. A atribuição de viatura para uso irrestrito, pessoal ou profissional, só se verificava relativamente aos trabalhadores que desempenhavam funções de coordenação ou de chefia, o que não era o caso do autor.
52. Por tal, o plafond do valor da viatura era inferior ao das viaturas atribuídas aos colaboradores nomeados em cargos de gestão e, contrariamente a estes, o autor não gozaria da possibilidade de proceder à sua aquisição pelo valor residual, findo o seu prazo de financiamento.
53. A par dos demais trabalhadores da área comercial, a ré autorizava que o autor utilizasse o veículo de serviço para se deslocar de e para sua casa.
54. Nos períodos em que o Autor utilizou viatura alugada, ficava com ela na sua posse durante o período contratado, sem ter obrigatoriedade de a ir entregar e levantar diariamente.
55. E quando utilizou viatura cedida pela Empresa, não era obrigado a parqueá-la nas instalações da Empresa findo o período de trabalho.
56. O Autor era Gestor Comercial adstrito ao Departamento de Clientes Corporate da zona …, razão pela qual o Autor prestava quase totalmente a sua atividade fora do local de trabalho, em visita a clientes.
57. Por isso, e em regra, o Autor não registava os seus tempos de trabalho no pontógrafo.
58. Em agosto de 2019 estava atribuída ao Autor, em regime de utilização exclusiva, um veículo automóvel e cuja entrega foi feita pessoalmente pelo Autor, aquando da cessação do contrato de trabalho, ao Consultor HH.
59. O plafond anual de combustível trata-se de um plafond anual de despesa e não de uma atribuição patrimonial, ou seja, se o colaborador não utilizar todo esse montante, a ré não o reembolsa desse valor que restou.
60. Ao invés, se exceder o plafond anual, sujeita-se a ter de suportar o excesso, por débito em vencimento.
61. O autor só deu conhecimento ao seu superior hierárquico da sua decisão em resolver o contrato de trabalho no mês de agosto de 2019.
62. A ré pagou ao autor a totalidade da retribuição base (€2.286,86) e do IHT (€480,24) referente ao mês de agosto de 2019.
63. Com data de 20/9/2019 a ré emitiu ao autor o último recibo de vencimento, com resultado líquido de nenhum valor a ser pago, no qual foi atribuído ao autor o proporcional de subsídio de natal e de férias, no valor cada um de €1.811,88, as férias vencidas e não gozadas no valor de €4.276,43 e o complemento de desempenho no valor de €511,12; e foi descontado ao autor (para além dos valores referentes aos encargos fiscais) o valor de €281,46 de retribuição base, o valor de €59,11 de IHT, o valor de €89,65 de subs. alimentação cartão e o valor de €4.573,72 a título de indemnização aviso prévio.

*
De resto não se provaram outros factos, nomeadamente:
a) que o “Bónus Anual” referido em 2. não estivesse dependente de quaisquer objetivos, cumprimento de quaisquer tarefas ou de sistemas de avaliação e fosse apenas contrapartida pela disponibilidade do trabalho;
b) que no início da relação laboral as partes tenham acordados a atribuição por parte da ré ao autor de veículo para utilização pessoal e a quantia de €1500,00/ano para combustível e via verde de consumo pessoal:
c) que o autor, logo no início da relação laboral e depois mais tarde vinha sistematicamente questionando os seus superiores hierárquicos a razão pela qual não lhe era entregue a viatura para utilização pessoal e a quantia de €1500,00 referente ao combustível e via verde;
d) que a resposta que obtinha inicialmente era a que deveria esperar mais um pouco e mais tarde apenas obtinha silêncio;
e) que o autor tivesse aceite a redução do valor anual do complemento de desempenho para €6.133,48;
f) que o veículo que em agosto de 2019 estava atribuído ao Autor tivesse a matricula ..-SE-..;
g) que o cartão ... frota possua a matricula da viatura a que respeita e só pode, nos termos regulamentares internos, ser utilizado para abastecimento dessa viatura.
II.2 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente discorda da decisão sobre a matéria de facto, impugnando-a quanto aos factos provados 48, 49 e 50 e alínea b) dos pontos onde consta elencada a matéria alegada e não provada [conclusões 1 a 25].
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no mais recente acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt)], consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
I - O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
Contudo, como também é entendimento do STJ, casos há em que apesar da impugnação da matéria de facto se dirigir a um bloco de factos, ainda assim deverá ser admitida, nomeadamente, quando aqueles respeitem à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados sejam comuns a esses factos. Nesse sentido, o recente acórdão do STJ de 19-05-2021 [Proc.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1, Conselheiro Chambel Mourisco], em cujo sumário pode ler-se:
1. A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º1,al. b), do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registos de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens de gavação em que se funda o recurso.
2. Quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos em bloco não obstaculiza a perceção que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação.
No mesmo sentido pronunciou-se o recente Acórdão de 14-07-2021, do mesmo Tribunal [Proc.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1; Conselheiro Júlio Gomes, disponível em dgsi.pt], lendo-se no respectivo sumário: [III] “É excessiva a rejeição da impugnação da matéria de facto feita em “blocos” quando tais blocos são constituídos por um pequeno número de factos ligados entre si, tendo o Recorrente indicado com precisão os meios de prova e as formulações alternativas que pretendia ver adotadas”.
A este propósito, Abrantes Geraldes, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124].
Por último, cabe ter presente que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)].
Atentos os princípios enunciados, considera-se que se mostram cumpridos os ónus de impugnação. Nas conclusões encontram-se indicados os pontos impugnados e o sentido das respostas pretendidas; e, nas alegações constam indicados os meios de prova - no caso dos testemunhos com a especificação das passagens invocadas de cada um deles e a sua localização na gravação-, bem assim estando formulados juízos críticos para justificar as alterações pretendidas.
II.2.1 Nos factos provados impugnados lê-se o seguinte:
48. Pelo menos em regra, o Complemento de Desempenho pago pela ré a seus trabalhadores destina-se a premiar o desempenho, sendo atribuído anualmente e pago antecipada e trimestralmente, segundo critérios de gestão, definidos todos os anos de forma casuística, pelo Responsável máximo do Departamento a que pertence o trabalhador e em face das disponibilidades existentes.
49. E é tendencialmente atribuído em face do desempenho evidenciados por cada trabalhador no âmbito do grau de responsabilidade das funções que lhes estão cometidas, não existindo critérios ou montantes parametrizado para efeito da sua atribuição, nem por referência a categoria profissional.
50. O seu valor pode ser alterado em cada ano e mesmo reduzido por necessidade de redução dos custos do Departamento a que o trabalhador está afeto.
Na fundamentação da decisão recorrida, quanto a estes factos o Tribunal a quo consignou o seguinte:
-«[..]
No que respeita aos factos constantes dos pontos 48. a 50. relativo ao complemento de desempenho, os mesmos resultaram provados por corresponder à maioria dos depoimentos prestados em audiência (pelas testemunhas II, JJ, KK, CC, DD e BB). Na verdade, das testemunhas que depuseram sobre tais factos, apenas as testemunhas EE (que afirmou achar que não havia um pressuposto para a sua atribuição, que seria um incentivo) e FF (que afirmou que a sua atribuição não estava vinculada ao cumprimento de objetivos) afastaram por completo a atribuição deste complemento de uma avaliação de desempenho do trabalhador, quando é certo que houve testemunhas (como as testemunhas DD e BB) que foram perentórios em afirmar a estreita conexão entre a sua atribuição e o desempenho do trabalhador.
[..]»
Pretende o recorrente que se eliminem aqueles factos e se substituam pelos seguintes:
48. O complemento de desempenho é atribuído anualmente, sendo pago trimestralmente, não existindo quaisquer critérios para a sua atribuição, sendo contrapartida da disponibilidade para o trabalho.
49. O complemento de desempenho é por vezes diminuído ou retirado por ordens da Direcção ou do responsável máximo do departamento a que o trabalhador pertence, não estando tal diminuição ou retirada indexada a qualquer critério de desempenho ou produtividade.
Defende que a prova testemunhal produzida vai no sentido contrário ao entendido pelo Tribunal a quo e que a versão aceite contraria as regras da experiência. Invoca o testemunho de CC, na sua perspectiva “perfeitamente esclarecedor quanto à natureza e forma como era utilizado o complemento de desempenho”, por contraponto ao depoimento de BB, que considera uma “tentativa de demonstrar que o complemento de desempenho é um prémio, não conseguindo identificar apesar de instado a tal quais os critérios que são atendidos para a sua atribuição, acrescendo que contraria “frontalmente o documento a fls. 14. denominado carta conforto”.
Alega, ainda, que só alguém ingénuo acreditaria no pagamento de um prémio variável indexado a um desempenho mas que era pago de forma antecipada e que o Tribunal a quo não se preocupou com
a inclusão das palavras – da versão que acolheu - na realidade que se vive ou experiência de vida. Mais refere, que “nem o depoimento da testemunha DD também usado para suportar o entendimento do Tribunal foge à regra”.
Contrapõe a recorrida, no essencial, que de acordo com o princípio da imediação, a convicção do Tribunal subjacente à resposta aos artigos 48 a 50, fundou-se e tem suporte bastante no depoimento de cinco das testemunhas inquiridas.
A testemunha CC, no extracto invocado pelo recorrente, referiu, no essencial, que o complemento de desempenho “É um complemento fixo que tem a ver com mecanismos da empresa (…) que serve para diferenciar trabalhadores.(…), “são prestações fixas que não estavam indexadas ao cumprimento de objectivos.”. Contudo, logo de seguida admitiu que a assiduidade e o desempenho “Podiam ter influencia (…) se o trabalhador não estivesse a cumprir o que se esperava…”, para depois procurar dar uma explicação mais completa, dizendo que “ Em termos práticos, a grande diferença é que no caso da retribuição base não podia ser diminuída, aqui neste complemento -eu não sou jurista- havia a possibilidade de diminuir em função de decisões de gestão que podiam ter várias origens sem ter a ver com o desempenho”.
No essencial, o que dele se retira é o referido pelo Tribunal a quo na fundamentação, em concreto, a testemunha afirma que a atribuição do complemento de função não estavam vinculadas ao cumprimento de objectivos. No entanto, note-se, admite que “se o trabalhador não estivesse a cumprir o que se esperava”, designadamente, em termos de assiduidade e cumprimento de objectivos, tal podia ter influência na atribuição do complemento de desempenho, acrescentando depois que “havia a possibilidade de diminuir em função de decisões de gestão que podiam ter várias origens sem ter a ver com o desempenho”.
Atento esse conteúdo, constata-se que o recorrente não tem razão quando afirma que este testemunho é “perfeitamente esclarecedor”, pelo menos, ao pretender que se o considere com a relevância que lhe quer ver atribuída, ou seja, determinante para por em causa a convicção formada pelo julgador relativamente ao mesmo, na sua conjugação com os demais testemunhos.
Na demanda desse propósito, ou seja, o de por em causa a convicção do julgador, agora por ter considerado relevante o testemunho de BB, o recorrente invoca-o, mas para procurar desvalorizá-lo, alegando que a versão desta testemunha contraria as regras da experiência.
No extracto invocado, a testemunha referiu, no essencial, o seguinte: “ O complemento de desempenho é pago antecipadamente porque a empresa parte do princípio que (o trabalhador) vai cumprir a função”; “o complemento de desempenho integra os 50.000 euros que constam na carta conforto que serve para dar conforto aos candidatos que pretendemos contratar”; [sobre se está sujeito a critérios] “O complemento de desempenho tem (imperceptível) que o regula”; Pode” [ser diminuído ou aumentado].
Na perspectiva do recorrente, não teria lógica o complemento de desempenho constar da carta de conforto incluído no montante de salário anual de €50.000, para ser pago antes de uma avaliação do trabalho produzido, sem aferição por critérios objectivos e podendo ser diminuído, retirado ou alterado. Nesses pressupostos, defende que este testemunho contraria o conteúdo da carta de conforto.
O conteúdo da “carta de conforto” é o que consta provado no facto 2, de onde resulta que a recorrida propôs ao recorrente, com visa à sua contratação, assegurar-lhe um “salário anual bruto” que na soma das suas componentes seria de € 50.000,00 anuais. No primeiro ano esse valor seria atingido com o pagamento de “excepcional de um bónus de contratação no montante de 2.500,00, pagos de uma só vez, no mês de admissão” em acréscimo ao valor de 47.500.00 €. Mas subsequentemente, “No final de 12 meses, o valor de 2.500, será integrado no seu total pecuniário”.
No facto provado 41 esclarece-se que o “[N]o valor global referido na carta descrita em 2., a título de salário anual, a ré incluía (para além da retribuição base) o subsídio de isenção de horário de trabalho (IHT), o complemento de desempenho (CD) e o subsídio de refeição”.
Pois bem, não reconhecemos razão ao recorrente. O afirmado pela testemunha não colide, em termos de lógica, com o conteúdo da “carta de conforto”. O compromisso assumido pela recorrida foi o de assegurar ao recorrente autor um salário anual bruto, obtido pelo conjunto das várias componentes, em valor não inferior a € 50.000,00, mas já não resulta daquele documento qualquer compromisso em manter imutáveis o valor do componente de desempenho ou de qualquer das outras prestações, nada obstando a que aquele seja aumentado ou diminuído, segundo critérios definidos no âmbito da politica de gestão da empresa, pois o que releva é o comprometimento quanto àquele valor global.
Do mesmo modo, não vimos que haja algo de ilógico no pagamento trimestral e antecipado do complemento de desempenho, ou seja, sem prévia avaliação de desempenho. Nada obsta a que a recorrente tenha essa política, assente, desde logo, numa expectativa de normalidade na dedicação e desempenho profissional. Aliás, se o recorrente tivesse razão, então pela mesma ordem de razões também seria de questionar o pagamento inicial de 2.500,00 €, pago como bónus de contratação antes da prestação de trabalho, que depois passou a integrar o “total pecuniário” de € 50.000, que a recorrida assumiu vir a ser proporcionado anualmente ao recorrente como “salário anual bruto”.
Por último, sempre com o propósito de pôr em causa a convicção do Tribunal na livre apreciação a prova, a recorrente vem invocar o testemunho de DD, referindo, como se disse, que “nem o depoimento da testemunha DD também usado para suportar o entendimento do Tribunal foge à regra”.
Do extracto invocado resulta que a testemunha referi, no essencial, o seguinte: “Ora, parte do salário é o complemento de desempenho (…)”; “Não. Nem todos [os trabalhadores] têm o complemento de desempenho (…) devido às funções que exercem”; [O complemento de desempenho tem a ver com o quê? Com a quantidade do trabalho ou com a qualidade do trabalho? Com alguns critérios, é isso?] “ É isso! É isso!”; sim pode-se chamar isso” [instrumento de flexibilidade retributiva].
Defende o recorrente, que a testemunha não tem qualquer dúvida em referir-se ao complemento de desempenho como parte do salário, não refere quais os critérios em que esse complemento assenta, concordando com a qualificação de “instrumento de flexibilidade retributiva”, para concluir que “dúvidas não poderão subsistir o complemento de desempenho é retribuição”, porque dos depoimentos referidos como suporte para tal conclusão apenas se infere exactamente o contrário, acabando por corroborar os depoimentos das testemunhas EE e FF
Com o devido respeito, não logramos perceber esta construção. Ademais, saber se o complemento de desempenho integra a noção de retribuição, ou não, é uma questão de direito a ser resolvida a jusante da fixação da matéria de facto.
No rigor das coisas, o que o recorrente põe em causa é a correcção do juízo de livre convicção formado pelo julgador ao valorizar determinada prova em detrimento de outra.
Como regra, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art.º 607.º n.º 5, CPC). Pode dizer-se ser pacificamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Esse resultado não pressupõe uma certeza absoluta, que seria praticamente inatingível na demanda pela reconstituição de uma determinada realidade passada, objectivo da produção e julgamento da prova. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436].
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
Se o recorrente entende que o Tribunal a quo valorou indevidamente meios de prova e, em contraponto, atendeu indevidamente a outros que não mereciam credibilidade, errando assim na formação da sua livre convicção, não lhe basta esgrimir a sua própria convicção para procurar descredibilizar os meios de prova que foram valorados pelo julgador, antes lhe cumprido evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regras da experiência, ou por contrariar princípios de racionalidade lógica, ou por ter descurado quaisquer circunstâncias com influência relevante naquele processo de valoração da prova.
Como se vem dizendo, esse foi o propósito do recorrente, mas não o logrou concretizar dado não ter resultado evidenciado o alegado erro do julgador na formação da sua convicção.
Por conseguinte, nesta parte improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.2.2 Prosseguimos para a parte da impugnação dirigida à matéria não provada da alínea b). onde se lê o seguinte:
- b) que no início da relação laboral as partes tenham acordados a atribuição por parte da ré ao autor de veículo para utilização pessoal e a quantia de €1500,00/ano para combustível e via verde de consumo pessoal:
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a este propósito lê o seguinte:
«[..]
Os demais factos resultaram não provados por deles não ter sido feita qualquer prova. Será apenas de referir que este Tribunal deu como não provado o constante da alínea b) dos factos não provados pois tal não consta nem resulta da carta referida em 2. dos factos provados e nenhuma das testemunhas inquiridas o afirmou.
[..]».
Defende o recorrente que há prova bastante para aquela matéria ser considerada provada. No documento 1 (verso) - carta conforto - está referida a atribuição de VUP ao recorrente, sendo aquelas as iniciais de Veículo para Utilização Pessoal, o que faz sentido tendo em conta a atribuição de combustível e via verde para utilização pessoal por conta da empresa.
Contrapõe a recorrida que do convite à contratação do Recorrente, plasmado no documento junto sob o nº 1 e vertido no facto 2, não consta, nem mesmo de forma implícita ou imperfeita, o reconhecimento da atribuição de viatura para uso pessoal ou a um plafond anual para combustivel e via verde de 1.500,00€. Esse documento encontra-se totalmente transposto para o Ponto 2, e nisso se traduz a subversão feita pelo Recorrente não tem verso, apenas uma página, com a agravante de, estando o documento 1 datado de 12/08/2010, não se entender, que se sustente como poderia o documento 4 ser o verso daquele, quando se acha datado de 11/10/2010. E, do documento 4, apenas resulta a atribuição de uma viatura de serviço, com possibilidade de utilização pessoal, beneficio atribuído ao Recorrente, como decorre dos factos 51 a 55 e 58.
A recorrida tem razão nas objeções que levanta. De facto, e por isso não pode deixar de nos causar perplexidade, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, o documento junto como doc 1, não tem verso e o essencial do seu conteúdo encontra-se transcrito no facto provado 2, resultando à evidência que não contém qualquer referência à atribuição de veículo ou de combustível e via verde.
O documento onde surge referida a atribuição de veículo “por conveniência de serviço e enquanto esta se mantiver”, é o que consta transcrito no facto 43, cujo conteúdo, por comodidade, se repete:
43. Com data de 11 de outubro de 2010 autor e ré, então denominada P..., assinaram documento identificado como “Despacho”, com o seguinte teor:

Na sequência do actuai desempenho das funções de GESTOR DE CLIENTE pelo trabalhador AA, ..., da categoria são-lhe atribuídos por conveniência de serviço e enquanto esta se mantiver os seguintes meios de trabalho:
a) Telefone residencial de serviço, até ao limite anual de £200,00;
b) Veículo de serviço com possibilidade de Utilização Pessoal no valor de - G 15.000,00;
c) Estacionamento;
d) Serviços (combustível e via verde) com o plafond anua; de €1.500,00;
e) Telemóvel de serviço com o plafond anual de €300,00.: o valor que ultrapasse o limite anual será descontado, nos termos legais, no vencimento do trabalhador seguinte ou seguintes à ultrapassagem
Os meios atribuídos destinam-se ao bom desempenho das funções cometidas, na actual organização, conjuntura e conveniência de serviço, sendo o trabalhador responsável por os utilizar com zelo e diligência, A presente atribuição podem cessar a todo o momento por iniciativa da Empresa, mediante comunicação com aviso prévio de 15 dias, cessando ainda automaticamente com a cessação das funções, caso em que deverá entregar todos os bens materiais na sua Direcção
E, como bem assinala a recorrida, é datado de 11 de Outubro de 2010, não sendo manifestamente o “verso” do documento 1, este datado de 12 de Agosto de 2010.
Acresce referir que há um conjunto de factos provados relativos a esta matéria que não foram impugnados, cuja prova resultou de vários testemunhos, os quais contradizem a pretensão do recorrente, nomeadamente os seguintes:
37. A ré nunca atribuiu ao autor um veículo para livre utilização na sua vida pessoal.
38. A ré alugava viaturas que entregava ao autor referindo-lhe serem as mesmas para seu uso profissional, suportando a ré todas as despesas com aquelas.
51. A atribuição de viatura para uso irrestrito, pessoal ou profissional, só se verificava relativamente aos trabalhadores que desempenhavam funções de coordenação ou de chefia, o que não era o caso do autor.
52. Por tal, o plafond do valor da viatura era inferior ao das viaturas atribuídas aos colaboradores nomeados em cargos de gestão e, contrariamente a estes, o autor não gozaria da possibilidade de proceder à sua aquisição pelo valor residual, findo o seu prazo de financiamento.
53. A par dos demais trabalhadores da área comercial, a ré autorizava que o autor utilizasse o veículo de serviço para se deslocar de e para sua casa.
54. Nos períodos em que o Autor utilizou viatura alugada, ficava com ela na sua posse durante o período contratado, sem ter obrigatoriedade de a ir entregar e levantar diariamente.
55. E quando utilizou viatura cedida pela Empresa, não era obrigado a parqueá-la nas instalações da Empresa findo o período de trabalho.
58. Em agosto de 2019 estava atribuída ao Autor, em regime de utilização exclusiva, um veículo automóvel e cuja entrega foi feita pessoalmente pelo Autor, aquando da cessação do contrato de trabalho, ao Consultor HH.
59. O plafond anual de combustível trata-se de um plafond anual de despesa e não de uma atribuição patrimonial, ou seja, se o colaborador não utilizar todo esse montante, a ré não o reembolsa desse valor que restou.
60. Ao invés, se exceder o plafond anual, sujeita-se a ter de suportar o excesso, por débito em vencimento.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, sore esta matéria provada, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue:
-«Os pontos 37. e 38. dos factos provados resultam do que ambas as partes aceitam foram confirmados pelas testemunhas inquiridas.
[..]».
Refira-se, ainda, que sobre a atribuição de veículo, âmbito de utilização permitida, plafond de combustível e via verde, versam os factos provados 51, 52, 53, 54, 55, 58, 59 e 60, relativamente aos quais o Tribunal a quo consignou na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o seguinte:
De igual modo, os factos constantes dos pontos 51. a 55., e 58. a 60. resultam da maioria dos depoimentos das testemunhas inquiridas sobre os mesmos (II, JJ, EE, CC, DD, HH, e BB).
Apenas as testemunhas KK e FF referiram que em tempos os gestores de clientes tinham veículo para uso pessoal ilimitado e que tal era negociado no pacote salarial da contratação. No entanto, considerando que a primeira das testemunhas referidas também afirmou que esse acordo inicial não aconteceu consigo e nenhuma afirmou, sequer, que tal tenha acontecido com o autor, a verdade é que os seus depoimentos, quanto ao conhecimento direto que têm, não contrariam de sobremaneira os depoimentos das testemunhas referidas (pois todos admitiram que, há cinco ou mais anos, havia uma maior tolerância no uso pessoal dado ao veículo).
No que respeita aos factos constantes dos pontos 56. e 58. nenhuma das testemunhas o contrariou, sendo certo que os mesmos foram expressamente referidos pelo menos pelas testemunhas II e LL».
Neste quadro, conclui-se que o recorrente não só não tem razão, como para além disso veio fazer uso de uma construção enviesada, dado que suportada num meio de prova que quer fazer crer ser a continuação do doc 1 – o seu verso - quando de facto não o é, numa conduta processual que deixa sérias dúvidas quanto à sua adequação ou, pelo menos, quanto à diligência na sua estruturação.
Assim a impugnação improcede também nesta parte.
II.2.3 Constata-se que o facto provado 63 não é muito claro, dado referir que a Ré procedeu aos descontos dos encargos legais, na parte em que se lê ” (para além dos valores referentes aos encargos fiscais)”, mas sem os especificar, pelo menos quanto ao seu valor total.
Analisado o recibo de vencimento de 20-09-2019, a que alude o facto 63 - junto pela Ré em requerimento de 13-01-2021 – verifica-se, tal como aquela veio alegar na resposta ao parecer do Ministério Público, que constam mencionados na coluna mais à direita, com o título Descontos, os valores que o Tribunal a quo genericamente referiu na expressão (para além dos valores referentes aos encargos fiscais), os quais, em concreto são os seguintes: Dedução fiscal SF /€ 720,00; Dedução Fiscal SN / € 331,00; Ded. Imposto rend. /€ 1750,00; Contrib. Empregado p/SS / € 830.93.
Assim, salientando-se que nem o recibo nem o seu conteúdo foi impugnado pelo recorrente, no âmbito dos poderes oficiosos deste Tribunal de recurso, estabelecidos no art.º 662.º 1, do CPC, altera-se a redacção do facto 63, para se incluir a indicação discriminada dos descontos legais efectuados, passando a ser a seguinte:
[63] Com data de 20/9/2019 a ré emitiu ao autor o último recibo de vencimento, com resultado líquido de nenhum valor a ser pago, no qual foi atribuído ao autor o proporcional de subsídio de natal e de férias, no valor cada um de €1.811,88, as férias vencidas e não gozadas no valor de €4.276,43 e o complemento de desempenho no valor de €511,12; e foi descontado ao autor, para além dos valores referentes aos encargos fiscais - Dedução fiscal SF /€ 720,00; Dedução Fiscal SN / € 331,00; Ded. Imposto rend. /€ 1750,00; Contrib. Empregado p/SS / € 830,93 -, o valor de €281,46 de retribuição base, o valor de €59,11 de IHT, o valor de €89,65 de subs. alimentação cartão e o valor de €4.573,72 a título de indemnização aviso prévio.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
O Recorrente insurge-se contra a sentença por alegado erro na aplicação do direito aos factos, em razão do seguinte:
- Ao ter concluído que o Complemento de Desempenho não se enquadra no conceito de retribuição [Conclusões 26 a 42];
- Ao calcular o valor devido ao Autor, por inferior ao acordado [Conclusões 43 a 47];
- Ao ter concluído pela inexistência de acordo de atribuição de viatura para uso pessoal e 1 500,00 € ano de combustível e via verde [Conclusões 48 a 58];
- Ao ter concluído pela inexistência de justa causa de resolução do contrato de trabalho [Conclusões 59 a 77];
- Por não ter condenado a R. no pagamento de créditos laborais pela cessação do contrato de trabalho [conclusões 71 a 75].
II.3.1 No que concerne ao Complemento de Desempenho, discorda o autor da sentença recorrida, em razão do Tribunal a quo não ter considerado que essa prestação integra o conceito de retribuição, em consequência tendo indeferido os pedidos de condenação da Ré no seguinte:
- “a pagar ao autor a quantia de €10605,43 a título de diferenças referentes às diminuições do bónus anual ou complemento de desempenho pago em violação do montante acordado, tal como alegado em F. do presente articulado”;
- “ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €5766,59 a título de diferenças do bónus anual/complemento de desempenho no subsídio de férias tal como alegado em G. do presente articulado”;
Na fundamentação da sentença, no que a estes pedidos concerne, lê-se o seguinte:
-«[..]
Pede também o autor a condenação da ré no pagamento da quantia de €10.605,43 a título de diferenças referentes às diminuições do bónus anual ou complemento de desempenho. Alega para tanto o autor que tal bónus anual correspondia ao denominado “complemento de desempenho”.
Da audiência de julgamento, e como já se referiu, resultou provado que referido “complemento de desempenho”, pago trimestralmente, estava já integrado na quantia anual global de €50.000,00, pelo que não seria a este complemento que a ré se referia na carta descrita em 2., quando menciona a atribuição de um “Bónus Anual”.
Dos factos provados resulta ao longo dos anos que durou o contrato de trabalho a ré foi pagando ao autor outras quantias (não ponderadas nos cálculos supra efetuados), que foram tendo várias denominações – como prémio por objetivos, comissões e incentivos à venda.
Deste modo, e porque não se pode considerar que o valor peticionado referente ao complemento de desempenho corresponda ao “Bónus Anual”, é de improceder nesta parte o peticionado.
Pede também o autor que seja a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €5.766,59 a título de diferenças do complemento de desempenho no subsídio de férias.
Esta pretensão do autor também não pode colher. Na verdade, do que resultou provado, as partes acordaram uma retribuição anual global de €50.000,00, aceitando o autor que a distribuição desse valor por as parcelas que o poderiam compor ficasse ao critério da ré. Não alegou o autor, nem resultou da prova, que nesse valor não estivessem incluídos os subsídios de férias e de natal ou mesmo a retribuição de férias.
Assim, aceitando as partes que o complemento de desempenho serviria para “compor” aquele valor anual global, estando este garantido, nenhuma outra quantia deve, a esse título, a ré pagar».
Defende o recorrente que o Complemento de Desempenho encontra-se englobado no acordo estabelecido dos €50.000/ano, como consta do facto 48 que impugnou. No seu entender, o Complemento de Desempenho é retribuição e goza da protecção que lhe é dada. A ausência de prova no sentido da descaracterização como retribuição e prova no sentido contrário faz operar a presunção legal do art.º 258.º 3, do CT, por isso tendo direito “em referência aos anos de 2017 (€6133,48) e 2018 (€6133,48) à diferença para os €9900 auferidos nos anos anteriores, no total de €7533,04”.
Mais alega, que caracterizando o complemento de desempenho como retribuição, tem direito ao seu pagamento nos subsídios de férias, por força do art.º 264 n.º2 na medida em que o mesmo não é mais do que um complemento à retribuição, devendo a recorrida ser condenada no pagamento do complemento de desempenho nos subsídios de férias, no valor de €5766,59;
Contrapõe a recorrida, no essencial, que a redução do CD, e sua não inclusão no subsídio de férias, acham-se prejudicadas pelo facto 41, ou seja, pela garantia do salário anual de 50.000,00.
II.3.1.1 O fulcro da questão prende-se com a noção de retribuição e o princípio da irredutibilidade da retribuição, para apurar se a prestação que era paga pela recorrida trimestralmente ao autor, sob a designação “Complemento de Desempenho” integra a sua retribuição e, como este defende, não podia ser diminuída e deveria ter integrado os subsídios de férias que lhe foram pagos.
O artigo 258.º do CT, com a epígrafe “Princípios gerais sobre a retribuição”, estabelece o seguinte:
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.
Desta noção legal de retribuição retira-se que a mesma compreende o conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da actividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
Tratando-se de uma presunção ilidível recai sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos necessários para a afastar (art.º 350.º CC).
Como melhor elucida Monteiro Fernandes, reportando-se ao actual art.º 258.º do CT/09, a noção legal de retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 479].
A Lei não diz quando se deve considerar que uma prestação é regular e periódica.
Como assinala aquele mesmo autor, “O problema da qualificação jurídica de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daqueles atribuições, na contratação colectiva e na prática das empresas. (…). Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de vencimento base). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades – a das necessidades correntes, do dia a dia – do trabalhador e da sua família” [Op. cit. pp. 476/477].
No mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, reportando-se igualmente ao CT/09, sobre o conceito de retribuição escreve o seguinte: “Reportando-nos agora especificamente ao conceito de retribuição a sua noção legal, (…) permite isolar os seguintes elementos essenciais: a retribuição constituiu um direito do trabalhador; (…) que decorre do próprio contrato; (…) é a contrapartida da actividade laboral; (…) é regular e periódica; (…) é uma prestação patrimonial”. Mais adiante, prossegue para observar que “Para além da retribuição base, o trabalhador pode ter direito a determinados complementos remuneratórios, os quais integram ou não o conceito de retribuição, consoante partilhem os respectivos elementos essenciais. No caso afirmativo, estes complementos beneficiam da tutela da irredutibilidade e do regime de tutela dos créditos retributivos; no caso negativo poderão ser retirados ao trabalhador, se a razão pela qual foram atribuídos deixar de existir. A multiplicidade e diversidade dos complementos remuneratórios auferidos pelo trabalhador em execução do contrato de trabalho, tornam difícil a sua enumeração e, sobretudo a sua qualificação, que só pode ser feita no caso concreto, aferindo da presença, em cada um deles das características que permitem a sua recondução ao conceito de retribuição” [Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, p. 571 e 574].
Essas prestações complementares, embora não possa dizer-se que seja a regra, em muitos casos estão ligadas a particularidades da prestação do trabalho. Assim acontece, com mais evidência, entre outros, nos casos da prestação de trabalho suplementar, da prestação de trabalho nocturno, da deslocação em trabalho, do trabalho com penosidade ou com perigo ou, ainda, com determinados níveis de produtividade.
Nesses casos, em que são pagas como contrapartida da prestação de trabalho em determinadas condições, por regra, essas prestações complementares apenas são devidas quando se verifique uma efectiva prestação de trabalho no condicionalismo que justificou o seu estabelecimento e apenas integrarão o conceito de retribuição se forem percebidas com uma regularidade e periodicidade tal que criem no trabalhador uma legítima expectativa quanto ao seu recebimento.
Nesse pressuposto, de acordo com o entendimento pacífico dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça consistem em “(..) prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio nocturno, isenção de horário e outros subsídios) [que] apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição“ [Acórdão de 22-09-2011, proc.º 913/08.1TTPNF.P1.S1, Conselheiro SAMPAIO GOMES, disponível em www.dgsi.pt].
Estes ensinamentos permitem retirar uma ideia fulcral, em suma, não basta o mero recebimento regular e periódico de uma dada prestação para lhe atribuir a natureza de retribuição, por força da presunção (ilidível) estabelecida na lei (n.º3, do art.º 258º do CT/03), impondo-se, concomitantemente, num trabalho de interpretação sobre a sua fonte legal ou convencional, indagar sobre a razão de ser da sua atribuição.
Ciente das dificuldades que se levantam quanto à questão de saber se determinadas prestações devem ser incluídas na noção de retribuição, como tal havendo obrigatoriedade do empregador as manter, o legislador entendeu tomar posição, no art.º 260.º do CT, quanto a algumas situações mais comuns. Entre elas, no que aqui releva, decorre da alínea c), do n.º1, do aludido artigo, decorre que a lei exclui o carácter retributivo quanto às “prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador”, ou seja, em sentido mais amplo, a prestações que consistem em incentivos ou prémios de motivação, as quais podem estar regulamentadas pelo empregador e a sua atribuição surge relacionada, pela sua natureza, com a prestação de trabalho.
Esses prémios ou incentivos, destinados a estimular os trabalhadores a uma execução particularmente interessada e produtiva de sua prestação, existem sob uma multiplicidade de designações, designadamente “prémios de desempenho, de produtividade, de antiguidade, de assiduidade, de tecnicidade, de economia, de detecção de falhas” e “[..] muito embora seja evidente o seu carácter sinalagmático - não devem considerar-se como retribuição porque envolvem um encorajamento a uma qualidade particularmente relevante e que exige um suplementar que a própria integração na retribuição (entendida como irreversível e irredutível poderia destruir. [..] a previsão em norma ou em contrato, ou o carácter regular, permanente, estável e usual não faz conferir aos incentivos carácter retributivo” [Bernardo da Gama Lobo Xavier - com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida – Manual de Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, 2014, p. 597/598].
Contudo, cabe ter presente, há excepções, prevendo ainda a mesma norma, que ficam de fora desse enquadramento as prestações “cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido”, ou seja, recorrendo de novo às palavras de Monteiro Fernandes, “O mecanismo de exclusão assenta no facto de a atribuição desses prémios não estar antecipadamente garantida - justamente por depender de factores a considerar – e não constituir, por conseguinte, fundamento de qualquer expectativa legítima de ganho, não sendo, nesse sentido especifico, obrigatória” [Op. cit. p. 480].
Dando agora a palavra a Bernardo da Gama Lobo Xavier, refere este autor que “Esta fórmula legal, um tanto enigmática, tem de ser um pouco relativizada, já que à letra envolveria um contra-senso (nem a retribuição está antecipadamente garantida!) e um prémio, na medida que incentiva, nunca pode estar antecipadamente garantido. [..] O verdadeiro prémio de incentivo não retributivo supõe a avaliação do desempenho (árduo e aleatório), pelo que a sua atribuição nunca poderá estar a priori garantida, dependendo de uma condição (por natureza incerta), o que exclui qualquer ideia de garantia. [..] não se podem considerar como «garantidos à partida» e integrados na retribuição os prémios de incentivo quando regulamentados e quando excluem uma apreciação discricionária do empregador. Tal entendimento (de parte da doutrina) envolveria que nas empresas modernas praticamente todos os prémios seriam afinal retribuição, o que não se coadunaria com o carácter generalizante da al. b) do n.º 1 do art.º 61.º” [Op. cit., p. 599/600].
O princípio da irredutibilidade da retribuição consta actualmente consagrado no art.º 129.º/1 al. d), do CT, ao estabelecer: (1) É proibido ao empregador: [d)] Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Porém, como flui do que já ficou exposto, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
Com efeito, o princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso, a título de mero exemplo, da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar), ou quando se tratam dos referidos prémios ou incentivos abrangidos pela previsão do art.º 260.º/1/al. c).
Como observado no aresto do STJ acima citado, essas prestações remuneratórias não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, por essa razão apenas sendo devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, sendo permitido à entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Como já o dissemos, não oferece a lei um critério legal sobre o que deve entender-se por regular e periódico, cabendo ao intérprete e aplicador da lei determiná-lo.
Nas palavras de Monteiro Fernandes, «(..) prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa “medida” da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades – a das necessidades correntes, do dia-a-dia – do trabalhador e da sua família”»[Op. cit. pp. 476/477].
Com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E ao exigir o carácter “periódico” para que a prestação se integre na retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes [Cfr. Ac. do STJ de 13.01.93 CJ/STJ, Ano I, Tomo 1º, pág. 226; e, Acórdão da Relação de Lisboa, de 08-11-2006, proc.º n.º 7257/2006-4 FERREIRA MARQUES, disponível em www.dgsi.].
À luz desse entendimento, admitia-se, p. ex. que uma prestação paga, pelo menos, 6 vezes ao ano fosse susceptível de ser considerada regular e periódica, integrando o conceito de retribuição.
Mas como é sabido, acontece que o entendimento da jurisprudência divergiu quanto a saber quando deve considerar-se, atentos os pagamentos efectuados ao longo de um ano, que determinada prestação é regular e periódica.
O Acórdão de 1 de Outubro de 2015, do STJ, com o valor do proferido em julgamento ampliado da revista, em processo civil, que fixou a interpretação da cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE entre a T..., S. A. e o SNPVA, para chegar a essa interpretação acabou por “estabelecer um critério orientador que permita aferir o que é e o que não é regular e periódico”, em concreto: “considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos em causa, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorre todos os meses de atividade do ano”.
Dito por outras palavras, há luz deste critério, que vem sendo seguido pela jurisprudência, segundo cremos quase unanimemente, considera-se regular e periódica uma prestação pecuniária que seja paga ao trabalhador pelo menos 11 meses no período de um ano de trabalho.
II.3.1.2 Revertendo à questão, importa atentar nos factos relevantes.
O conteúdo da “carta de conforto” consta provado no facto 2, de onde resulta que a recorrida propôs ao recorrente, com visa à sua contratação, assegurar-lhe um “salário anual bruto” que na soma das suas componentes seria de € 50 000,00 anuais. No primeiro ano esse valor seria atingido com o pagamento de “excepcional de um bónus de contratação no montante de 2 500,00, pagos de uma só vez, no mês de admissão” em acréscimo ao valor de 47 500.00 €. Mas subsequentemente, “No final de 12 meses, o valor de 2 500, será integrado no seu total pecuniário”.
No facto provado 41 esclarece-se que o “[N]o valor global referido na carta descrita em 2., a título de salário anual, a ré incluía (para além da retribuição base) o subsídio de isenção de horário de trabalho (IHT), o complemento de desempenho (CD) e o subsídio de refeição”.
No que concerne ao que foi acordado no contrato de trabalho, consta do facto 40 o seguinte [destaque a negrito introduzido por nós]:
-«Autor e ré, então denominada P..., S.A., partes subscreveram documento escrito, datado de 11 de outubro de 2010, intitulado “Contrato de Trabalho sem Termo”, no âmbito do qual a ré declarou contratar o autor para, sob sua autoridade e orientação, desempenhar, entre outras, as funções correspondentes à categoria profissional de Licenciado (cláusula 1ª), mediante a retribuição líquida de €2.200,00, acrescida do subsídio de refeição em vigor na empresa (cláusula 5ª), com direito a férias, subsídio de férias, subsídio de natal e demais direitos de acordo com as disposições legais e/ou convencionais (cláusula 8ª). Consta ainda desse documento que os demais direitos e obrigações das partes emergentes do contrato se regeriam, “nos termos gerais de direito, pelas disposições constantes do Código do Trabalho e demais legislação aplicável, bem como pelo IRCT aplicável e/ou pela regulamentação interna”. (cláusula 12ª).
Por último, no que respeita ao “Complemento de desempenho”, relevam os factos 48, 49 e 50, onde se lê:
48. Pelo menos em regra, o Complemento de Desempenho pago pela ré a seus trabalhadores destina-se a premiar o desempenho, sendo atribuído anualmente e pago antecipada e trimestralmente, segundo critérios de gestão, definidos todos os anos de forma casuística, pelo Responsável máximo do Departamento a que pertence o trabalhador e em face das disponibilidades existentes.
49. E é tendencialmente atribuído em face do desempenho evidenciados por cada trabalhador no âmbito do grau de responsabilidade das funções que lhes estão cometidas, não existindo critérios ou montantes parametrizado para efeito da sua atribuição, nem por referência a categoria profissional.
50. O seu valor pode ser alterado em cada ano e mesmo reduzido por necessidade de redução dos custos do Departamento a que o trabalhador está afeto.
Antes de mais, deve deixar-se claro que o compromisso assumido pela Recorrida na denominada “Carta de Conforto” consistiu em assegurar ao trabalhador autor um “salário anual bruto”, expressão que pode traduzir-se por rendimento anual bruto, no valor de € 50.000,00, incluindo esse valor global, para além da retribuição base – fixada no contrato de trabalho no valor líquido de €2.200,00 - o subsídio de isenção de horário de trabalho (IHT), o complemento de desempenho (CD) e o subsídio de refeição.
O facto de aí estar integrado o “Complemento de Desempenho”, não significa, só por si, que deva considerar-se como integrando o conceito de retribuição e, logo, que a sujeição ao princípio da irredutibilidade da retribuição. O compromisso que ali está assumido é bem claro, ou seja, o de garantir que anualmente o autor, por via daquelas prestações remuneratórias ou outras que lhe sejam atribuídas, obtenha um rendimento ilíquido não inferior a € 50.000,00. De resto, foi nesse pressuposto que o Autor formulou pedido de condenação da Ré no pagamento de diferenças salariais - a quantia de €66007,78 - em todos os anos da relação laboral por não lhe ter sido pago o aludido valor e global, tendo o Tribunal a quo concluído que “Dos factos apurados resulta, então, que nos anos de 2011, 2017 e 2018 a ré pagou ao autor quantia inferior aos €50.000,00 a que se obrigou, pelo que deve repor ao autor essa quantia em falta num total de €8.830,74”.
A resposta à questão de saber se o “Complemento de Desempenho” integra a noção de retribuição, com os efeitos daí decorrentes, só pode encontrar-se mediante a sujeição dos factos acima transcritos aos critérios legais que deixámos enunciados.
Ora, da conjugação desses factos, máxime atento os que constam dos sob os números 48 a 50, afigura-se-nos ser de concluir que estamos perante um incentivo ao desempenho profissional, enquadrável na previsão do art.º 260.º n.º1, al. c), do CT, como tal excluído por lei da noção de retribuição e, logo, não sujeito ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
Não colide com esta consideração o facto de ser pago antecipada e trimestralmente, visto tratar-se apenas de um procedimento de gestão da empregadora, sem que signifique que esteja garantido à partida ou que os trabalhadores, como é o caso do Autor, tenham uma base para sustentar qualquer expectativa legítima de ganho independentemente do seu desempenho satisfazer os critérios que forem definidos pela empresa para a sua atribuição, a qual está dependente de “critérios de gestão, definidos todos os anos de forma casuística, pelo Responsável máximo do Departamento a que pertence o trabalhador e em face das disponibilidades existentes”, “é tendencialmente atribuído em face do desempenho evidenciados por cada trabalhador no âmbito do grau de responsabilidade das funções que lhes estão cometidas” e o “seu valor pode ser alterado em cada ano e mesmo reduzido por necessidade de redução dos custos do Departamento a que o trabalhador está afeto”.
Por conseguinte, nada obstava a que a recorrida Ré diminuísse o valor do complemento de desempenho, como fez em determinados períodos, visto não consistir uma prestação remuneratória sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
No que respeita aos subsídios de férias, estabelece o n.º2, do art.º 264.º do CT, que “[..] o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias”.
Pelas razões enunciadas, o Complemento de Desempenho não é uma prestação paga ao trabalhador autor em “contrapartida do modo específico da execução do trabalho”, não integrando a noção de retribuição, inclusive em razão de não ser regular e periódica. Assim, também não era exigível à Ré que integrasse no valor dos subsídios qualquer proporção decorrente dos valores pagos trimestralmente a título daquela prestação.
Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso quanto a esta questão.
II.3.2 A segunda questão colocada pelo recorrente respeita à condenação da Ré no pagamento de €8830,74, pelo facto do recorrente ter recebido durante 3 anos um valor inferior ao acordado (€50.000) [Conclusões 43 a 47].
Defende que o tribunal a quo aferiu as diferenças em relação a € 50.000,00, apurando o que foi recebido a menos, mas deveria ter ido mais longe, pois sendo ultrapassado o limite dos €50.000 num determinado ano, não pode no seguinte reduzir-se novamente para os €50.000
Na sua perspectiva falta o valor entre os €50.000 e o valor mais alto da retribuição entretanto atingido €50621,95 (2015) ou seja 621,95 x 2 = €1243.
Contrapõe a recorrente que esta questão “a do valor do salário anual, fixo ou actualizado, constitui uma questão nova, não alegada no articulado inicial e não abordada na Decisão em crise, pelo que não pode ser analisada, como constitui jurisprudência unânime e pacífica”.
A recorrida Ré tem razão na objecção que levanta. Percorrida a petição inicial não resulta dos seus fundamentos nem dos pedidos que o Recorrente tenha pedido que o cálculo das diferenças salariais entre o que foi garantido por aquela e o que efectivamente nos anos da relação de trabalho subordinado, fosse efectuado por valor superior aos € 50 000,00 em razão de no ano de em determinado ano ter-lhe disso pago mais do que aquele montante. Justamente por isso, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questão que não lhe foi colocada.
Constata-se, pois, que o recorrente está a procurar introduzir uma questão de direito que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância, logo, uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Rejeita-se, pois, a apreciação desta questão.
II.3.3 Prosseguindo, o recorrente questiona a sentença, em razão do Tribunal a quo ter concluído pela inexistência de acordo de atribuição de viatura para uso pessoal e 1 500,00 € ano de combustível e via verde [Conclusões 48 a 58].
Na fundamentação da sentença, a este propósito, após considerações de ordem jurídica, refere-se o seguinte:
-«[..]
No que ao presente caso concerne, resulta dos factos que no documento em que a ré elenca as condições em que se propõe contratar o autor nada refere quanto à atribuição de veículo e plafond de combustível e via verde (cfr. ponto 2. dos factos.)
Aquando do início da relação laboral, e com data de 11/10/20210, as partes assinaram documento intitulado de “despacho”, no qual a ré declara que são atribuídos ao autor “por conveniência de serviço e enquanto esta se mantiver os seguintes meios de trabalho”, dos quais consta, entre outros “veículo de serviço com possibilidade de Utilização Pessoal no valor de €15.000,00” e “serviços (combustível e via verde) com plafond anual de €1.500,00” (cfr. ponto 43. dos factos).
É ainda certo que da audiência de julgamento provou-se que aquando contratação do autor pela aqui Ré, foi por esta disponibilizada ou atribuída àquele, uma viatura para uso profissional. A ré autorizava que o autor dispusesse desses veículos para se deslocar de e para sua casa (cfr. pontos 53. e 54. dos factos).
Ora, os factos assim apurados nos autos não permitem concluir que o uso do veículo pelo autor, nas circunstâncias em que o fazia, integrava a sua retribuição. Por um lado, essa atribuição de veículo não consta nas condições propostas pela ré para a contratação do autor, foi antecedida de declaração emitida por aquela de que tinha por base a conveniência de serviço e que o veículo se destinava a esse fim, com possibilidade de utilização pessoal (o que se veio a verificar).
Deste modo, e porque os factos apurados não permitem concluir mais do que a natureza de instrumento de trabalho do veículo e valor anual, e que a sua utilização pessoal pelo autor ocorreria com a mera tolerância da ré, é de improceder nesta parte o peticionado pelo autor».
Alega o recorrente que um acordo entre si e recorrida para a atribuição de uma viatura para utilização pessoal, que não foi cumprido. A utilização de viatura na vida pessoal configura retribuição e nos autos existe documento que atesta o acordo na atribuição de VUP (Viatura para Utilização Pessoal).
Ficando demonstrado que o trabalhador não beneficiou da mesma, tem que proceder o seu pedido a um valor não inferior a €120,00/mês, a que corresponde €11.400,00 desde a sua admissão (10/2010) até à cessação (8/2019) num total de 95 meses.
Ficou também acordado nos mesmos documentos que o trabalhador, aqui recorrente teria direito a €1500,00/ano a título de combustível e via verde, pelo que tem também que proceder o pedido do recorrente da condenação da recorrida desde a data de admissão e data de acordo na atribuição até à data da cessação que se cifra em €12.000,00.
Responde a recorrida que ficou demonstrado não ter sido contratualmente reconhecida a atribuição de viatura automóvel ao Recorrente. De qualquer modo, não logrou o Recorrente provar ter despendido qualquer valor respeitante ao benefício de atribuição de veículo automóvel e era impossível poder tê-lo feito, dado que quando pôs termo à relação de trabalho, era utilizador, em regime de exclusividade, de uma viatura automóvel, como ficou assente no facto 58. O mesmo se diga relativamente ao plafond de combustível e via verde, que não só não se provou lhe estar contratualmente atribuído, como não constituía um incremento monetário (facto 59). Aliás, jamais seria devido, pela razão simples do Recorrente nem sequer ter alegado ter despendido alguma importância a esse título.
Com bem se percebe, o recorrente parte do pressuposto de ter sucesso na impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativamente à matéria não provada sob a alínea b).
Acontece que a impugnação sucumbiu e, logo, não tem fundamento de facto para sustentar a alegada atribuição de veículo para uso pessoal, bem assim do plafond de combustível e via verde, e o eventual incumprimento.
Por outro lado, como já se referiu, o recorrente parece esquecer que nem sequer impugnou outros factos relevantes para esta questão, designadamente, no que concerne ao plafond de combustível e via verde, estar provado que [59] O plafond anual de combustível trata-se de um plafond anual de despesa e não de uma atribuição patrimonial, ou seja, se o colaborador não utilizar todo esse montante, a ré não o reembolsa desse valor que restou.
Assim, sem necessidade de mais considerações, improcede também este ponto do recurso por falta de fundamento de facto.
II.3.4 Avançando para a questão seguinte, discorda o recorrente da sentença em razão do Tribunal a quo ter concluído pela inexistência de justa causa de resolução do contrato de trabalho [Conclusões 59 a 70].
Na fundamentação da sentença, quanto a esta questão, no que aqui interessa, encontra-se o seguinte:
-« Por entender que a ré violou de forma grave os seus direitos, o autor procedeu à resolução do contrato de trabalho, mediante a invocação de justa causa e, como consequência, pede que este Tribunal reconheça a licitude dessa resolução com justa causa do contrato de trabalho por sua iniciativa e que seja a ré condenada ao pagamento da quantia de €19732,79 a título de indemnização. Cumpre, assim, apreciar da licitude da resolução do contrato de trabalho operada pelo autor. O artigo 394.º, n.º 1 do Código do Trabalho possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador sem necessidade de observar o período de aviso prévio previsto no art. 400.º do Código do Trabalho em situações que considera serem anormais e particularmente graves, em que deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio. O preceito abarca duas espécies de justa causa de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador: a justa causa subjetiva (n.º 2) e a justa causa objetiva (n.º 3).
Na comunicação escrita que dirigiu à ré, e como fundamento dessa resolução, invoca o autor:
- a falta de pagamento do valor anual de €1.500/ano para pagamento de combustível e via verde;
- a falta de atribuição de viatura para utilização pessoal (nomeadamente fin de semana e férias);
- deduções no subsídio de alimentação que qualifica como irregulares;
- e a falta de pagamento da quantia anual de €50.000,00, decorrente da diminuição do complemento de desempenho que nele estava incluído.
Estabelece o n.º 2 do artigo 394.º do Código do Trabalho, que “constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante legítimo.” O n.º 5 deste mesmo art. 394º dispõe que “considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”.
Nos termos do artigo 351º, nº 3, ex vi artigo 394º, nº 4, ambos do Código do Trabalho, para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Com efeito, nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confere ao trabalhador o direito de resolver o contrato sendo necessário que o comportamento seja ilícito, culposo e que, em razão da sua gravidade, implique a insubsistência da relação laboral.
No que concerne à culpa do empregador, nos termos do artigo 799º, do Código Civil, a mesma presume-se, pelo que cabe àquele demonstrar que a situação de justa causa não procedeu de um comportamento culposo. A este propósito, explicita Maria do Rosário Ramalho (in “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, 2ª Ed., págs. 928 e 929) que a «jurisprudência tem acentuado a necessidade da presença de três requisitos para que se configure uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato: i) um requisito objectivo, que é o comportamento do empregador, violador dos direitos e garantias do trabalhador, ii) um requisito subjetivo, que é a atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa (…); iii) um terceiro requisito, que relaciona aquele comportamento com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo (…)». Contudo, aquela Autora adverte para a necessidade de «não se apreciar os elementos acima referidos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar, designadamente no que se refere ao terceiro elemento», o que resultará da «fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador».
De todos os direitos a que o autor se arrogou titular na carta remetida para resolução do contrato de trabalho, apenas lhe são efetivamente devidos pela ré os pagamentos referentes a diferenças salarias anuais entre o €50.000,00 acordados e os valores que lhe foram efetivamente pagos.
Dos factos provados resulta que o valor anual pago pela ré ao autor ficou aquém daquele montante de €50.000,00 nos anos de 2011, 2017 e 2018. Resultando da comunicação de resolução que o autor imputa esse incumprimento à redução unilateral do complemento de desempenho, é de considerar que o mesmo se refere aos anos em que tal redução se verificou, ou seja aos anos de 2017 e 2018.
Alega a ré que o autor aceitou de forma livre e espontânea a redução do valor anual do complemento de desempenho. No entanto, tal não logrou a ré provar, e nem essa conclusão se pode extrair da assinatura que o autor apôs no documento descrito em 46. do factos – trata-se de documento elaborado pela ré que o intitulou de “despacho” e sobre o lugar destinado à assinatura do autor (que aí a apôs) fez constar a menção de “tomei conhecimento”. Deste modo, é de considerar que a redução dessa parcela que compunha a retribuição do autor ocorreu por decisão unilateral da ré e teve como resultado a falta de pagamento ao autor da quantia global anual de €50.000,00 contratualmente acordada pelas partes, pelo que incorreu a ré num incumprimento ilícito da sua obrigação de pagamento integral da retribuição do autor.
[..]
Sendo, assim, de considerar tempestivo o exercício do direito de resolução, cumpre determinar da sua licitude.
Nesta ponderação o n.º 4 do art. 394º do Código do Trabalho, determina que a justa causa há de ser apreciada nos termos do n.º 3 do art. 351º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações. Dispõe esse preceito (no âmbito do despedimento com justa causa) que na “apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
Assim, é necessário que, além da verificação dos elementos objetivo e subjetivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral.
Só que nesta apreciação nunca poderá ser esquecido que enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reação alternativos à rescisão (ou executa o contrato ou rescinde). Neste contexto, o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a trabalhador a justa causa invocada pelo trabalhador. Neste sentido (e no mesmo seguimento de Maria do Rosário Ramalho, supra citada), Júlio Manuel Vieira Gomes (in Direito do Trabalho, Vol. I, pág. 1044) propugna pela falta de absoluta simetria ou identidade entre a noção de justa causa enunciada no nº 1 do art. 396º do Código de Trabalho (de 2003), que corresponde hoje ao n.º 1 do art. 351º do Código do Trabalho, e a noção de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, defendendo que, nalgumas situações, seja defensável que «o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo limiar do incumprimento do trabalhador que justifica o despedimento».
Na apreciação do presente, é pacífica a conclusão já afirmada anteriormente de que houve um incumprimento contratual por parte da empregadora do autor ao deixar de lhe pagar pontualmente quantias que lhe eram devidas, e que esse incumprimento é de considerar como culposo face ao estatuído no n.º 5 do art. 394º do Código do Trabalho. A questão é a de saber se esse incumprimento, no caso concreto, justifica a resolução do contrato pelo autor. E conforme se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/5/2016 (processo 337/13.9TTFUN.L1.S1, in www.gde.mj.pt), “nesta ponderação tem particular relevo o circunstancialismo que rodeou o não pagamento dos salários, bem como o reflexo desse não pagamento na situação concreta do trabalhador, devendo ser ponderado se o não pagamento colocou o trabalhador numa situação de absoluta carência de meios económicos e se gerou transtornos sérios ou consequências nefastas para a sua vida pessoal e familiar, de forma a que tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Nos autos apurou-se que nos anos de 2017 e 2018 a ré não pagou ao autor a quantia total ilíquida de €50.000,00 (como estava contratualmente obrigada), faltando para esse valor anual a quantia de €3.267,17 e no ano de 2018 a quantia de €3.154,07. Esta redução foi motivada pela redução da componente que a ré denomina de “complemento de desempenho” (a qual passou do valor anual de €9.990,00 para €6.133,48 a partir desse ano de 2017). Para além do carácter culposo deste incumprimento da ré nenhum outro facto ou circunstância resultou provado que auxilie na ponderação da existência efetiva de justa causa para a resolução do contrato.
Na verdade, o autor não demonstrou ter-se insurgido perante a ré quanto à redução da retribuição em momento anterior à resolução do contrato, nem alegou nem demonstrou o impacto que tal diminuição teve na sua vida económica e familiar. O quantitativo não pago, atento o seu valor, constitui uma parte não muito significativa da retribuição global ilíquida do autor (cerca de 6,5% da sua retribuição anual) e não é conhecido o seu impacto na retribuição líquida, pelo que o seu valor não permite concluir (só por si e na ausência de outros factos) que tal redução tenha afetado de forma significativa as condições de vida do autor. Neste cenário, pode considerar-se que comportamento da ré não assumiu gravidade bastante para tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as partes.
Nestes termos, e por não ter sido demonstrada pelo autor (conforme lhe competia) a justa causa para a resolução do contrato de trabalho que operou, a mesma tem de se considerar como ilícita, improcedendo também nesta parte o peticionado».
O recorrente afirma discordar do entendimento do Tribunal a quo ao considerar que as faltas de pagamento verificadas não são suficientemente graves para se considerar existir justa causa, defendendo que num “paralelismo rápido e simples, verifica-se que a actual legislação laboral considera justa causa de resolução do contrato (automática, no sentido de não ser necessário demonstrar a culpa) o não pagamento de retribuições que se prolongue por mais de 60 dias ou seja com 60 dias de mora a que correspondem 3 retribuições”. Segue, dizendo que auferindo a título de retribuição base a quantia de €2286,86, a três retribuições base corresponderia a importância de €6860,58, inferior aos €8830,74 que o Tribunal a quo considerou ter sido ilicitamente deduzido e mal ao não considerar que não é suficiente para invocar a justa causa.
Na sua perspectiva, “Mal andou o Tribunal a quo ao entender não existir justa causa de resolução pelo facto da conduta da recorrida não ser suficientemente grave, quando o legislador laboral considera uma situação análoga de montante global inferior como apta a fazer funcionar a justa causa”.
Alega, ainda, que face à matéria de facto que deveria ter sido dada como provada, o comportamento da recorrida vai-se tornando cada vez mais grave e mais gravoso para o trabalhador aqui recorrente, existindo justa causa numa situação em que o empregador: a) diminui a retribuição acordada em quase €9000,00; b) não cumpre o estabelecido em acordo escrito quanto à atribuição de Viatura para Utilização Pessoal; c) bem como respectivo plafond de combustível e via verde e que importa um prejuízo global quase €24.000,00.
Respondeu a recorrida contrapondo que a redução da retribuição, de 6,8%, do valor da retribuição mensal, no entender do Tribunal a quo e de 5,8%, pelas contas da Ré, não constituiu grave lesão dos interesses patrimoniais do Recorrente, que não demonstrou o impacto que a mesma pudesse ter tido na sua situação económica, familiar e social. Sendo salientado na jurisprudência citada, que só uma violação grave pode justificar a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, a prova dessa gravidade não foi feita pelo Recorrente.
Como bem se compreenderá, o último argumento invocado pelo recorrente está prejudicado, dado que a impugnação da matéria de facto improcedeu. Assim, sem que se justifique qualquer outra consideração, apenas há que concluir não poder ser atendido.
II.3.4.1 Quanto ao primeiro argumento, ainda que não se logrando evitar repetir alguma da fundamentação da sentença, importa começar por deixar algumas considerações.
O trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho imediatamente, isto é, sem necessidade de aviso prévio, sempre que se verifique uma situação de justa causa [n.º1 do art.º 394.º do CT/09].
A justa causa para a resolução do contrato de trabalho pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objectivas, estas relacionadas com o trabalhador ou com a prática de actos lícitos pelo empregador [respectivamente, n.º2 e n.º3 do art.º 394]. No primeiro caso diz-se que a resolução é fundada em justa causa subjectiva; e, no segundo, que é fundada em justa causa objectiva.
Interessa-nos aqui a primeira dessas duas espécies, que tem na sua base um comportamento do empregador que se reconduza a um acto ilícito, nomeadamente, uma das situações referidas nas alíneas do n.º2, do art.º 394.º do CT/09, entre elas [a)] “Falta culposa de pagamento pontual da retribuição”.
Da conjugação do art.º 394.º com o art.º 396.º, decorre que o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso e com direito a indemnização, quando se verifique um comportamento do empregador que constitua justa causa de resolução, sendo “a justa causa apreciada nos termos do n.º3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” [n.º 4 do art.º 394.º]. isto é, atendendo “ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e a todas as circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
A resolução tem de ser comunicada ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam (n.º1 do art.º 395.º, CT/09), o que se compagina como artigo 329.º do Código Civil, onde se estabelece que o «(..) prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido».
Para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa, ou seja, que alegue os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, bem assim que deles faça prova [art.º 342.º 1, do Código Civil].
Feita aquela prova pelo trabalhador, a culpa do empregador presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º do CC. Assim, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta [artigos 344.º 1 e 350.º 1 e 2, do Código Civil].
Como se deixou dito, entre os comportamentos que a lei considera constituírem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, consta a “Falta culposa de pagamento pontual da retribuição” [art.º 394.º/2/al.a]. Estamos perante uma situação de justa causa subjetiva que se reporta a um comportamento do empregador que consubstancia uma violação culposa dos seus deveres contratuais, nomeadamente, o de pagar pontualmente a retribuição [art.º 127.º n.º1, al. b), do CT], elemento essencial do contrato de trabalho, devida pelo empregador ao trabalhador como contrapartida da prestação por este da sua actividade ao serviço daquele (art.º 11.º, CT].
Presumindo-se a culpa do empregador nos termos do regime geral (art.º 799.º CC), recai sobre o empregador o ónus de alegar e provar que a falta de cumprimento daquela obrigação não procede de culpa sua, ou seja cabe-lhe ilidir a presunção de culpa.
Acontece, porém, que em sede de justa causa com fundamento na falta culposa do pagamento pontual da retribuição, a lei consagra um critério de distinção por contrapondo à falta de pagamento da retribuição não culposa - este fundamento constante no n.º3, al. c), do mesmo artigo 394.º. - vindo dispor o n.º 5, também do mesmo artigo, considerar-se “(..) culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”.
Conforme elucida Pedro Furtado Martins, trata-se “de uma presunção juris et de jure, portanto não afastável por prova em contrário, mas que não exclui a possibilidade de qualificar como culposas outras situações de incumprimento da obrigação retributiva, ainda qua a falta de pagamento não perdure por 60 dias”, acrescentando mais adiante, parecer-lhe “que não basta o mero atraso no pagamento de qualquer prestação retributiva, mesmo que por mais de 60 dias, para concluir que o comportamento do empregador – sendo embora culposo, dada a presunção decorrente do artigo 394.º 5 – constitui necessariamente justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador”. Justifica esta última asserção, observando que “a lei não exige que a falta de pagamento atinja toda a retribuição, pelo que dificilmente se aceitará que o atraso no pagamento de uma parcela insignificante da retribuição conduza fatalmente a uma situação de impossibilidade de prossecução da relação de trabalho. (..) A lei terá certamente partido do pressuposto de que a falta de pagamento afeta a retribuição na sua totalidade ou pelo menos uma parte significativa da mesma” [A cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3.ª edição, 2012, Cascais, p. 537].
Acompanhamos este entendimento, não sendo despiciendo assinalar que o mesmo tem sido acolhido na jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça [cfr. Ac. STJ de 16-03-2017, proc.º 244/14.8TTALM.L1.S1, Conselheiro CHAMBEL MOURISCO, disponível em www.dgsi.pt]; Ac. TRC de 10-02-2011, proc.º 1022/09.1TTCBR.C1, Desembargador AZEVEDO MENDES, disponível em www.dgsi.pt].
II.3.4.2 No caso conceto, dos fundamentos invocados pelo recorrente na carta remetida à Ré, em 23 de Agosto de 2019, para justificar a resolução do contrato de trabalho com justa causa, apenas resultou provada a falta de pagamento da quantia anual de €50.000,00, que ficou abaixo desse montante nos anos de 2017 e 2018. Como refere o Tribunal a quo apurou-se que nos anos de 2017 e 2018 a ré não pagou ao autor a quantia total ilíquida de €50.000,00 (como estava contratualmente obrigada), faltando para esse valor anual a quantia de €3.267,17 e no ano de 2018 a quantia de €3.154,07.”
Significa isto, que essa falta de pagamento pontual se manteve por período superior a 60 dias, considerando-se a mesma culposa, por força da presunção legal do n.º5, do art.º 394.º, não sendo admissível à ré ilidir essa presunção.
Não basta, porém, a verificação desse comportamento culposo por parte do empregador para que assista ao autor o direito à indemnização prevista no art.º 396.º do CT. É também necessário que se verifique a característica essencial do conceito de justa causa, ou seja, é preciso que esse comportamento da entidade empregadora lhe seja imputável a título de culpa, mas concomitantemente que a sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral [Cfr. Furtado Martins, Op. cit., pp. 534].
Vale isto por dizer, que tal como no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciada na perspectiva do trabalhador [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp.644].
Mas como elucida o Ac. do STJ de 16-03-2017, acima invocado, “Apesar de as circunstâncias que têm de ser apreciadas para que se considere verificada a justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador terem de ser reportadas às estabelecidas para as situações de despedimento por facto imputável ao trabalhador (art.º 351.º), a doutrina e jurisprudência têm vindo a considerar que o juízo de inexigibilidade para a manutenção do contrato de trabalho terá de ser menos exigente do que nas situações em que a cessação é desencadeada pelo empregador», para depois justificar essa asserção nos termos seguintes
-«O Professor João Leal Amado[4] sustenta que “a tese segundo a qual a noção legal de justa causa de despedimento deve ser exportada para o domínio da rescisão do contrato pelo trabalhador parece-me, com efeito, de rejeitar: a ideia de configurar a justa causa como uma categoria genérica, aplicável, nos mesmos termos, para o trabalhador e entidade patronal (a chamada conceção bilateral e recíproca de justa causa) era de facto acolhida pela Lei do Contrato de Trabalho, mas foi completamente aniquilada pela Constituição da República Portuguesa; esta, acentuando a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão, tornou nítido que os valores e interesses em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou outra das partes.”
O Professor Júlio Manuel Vieira Gomes[5] defende que é duvidoso que deva existir uma simetria entre a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador e a justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador, argumentando, desde logo, que, no primeiro caso, o art.º 441.º, n.º 4, remete para o n.º 2 do art.º 396.º e não para o n.º 1. Termina o seu raciocínio afirmando que “Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação (resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador), o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica o despedimento”.
O Mestre Albino Mendes Baptista[6] defendeu:
“Como se sabe, a jurisprudência proferida ao abrigo da LCCT vincou sistematicamente a ideia de que a justa causa de rescisão do contrato devia ser analisada nos termos da justa causa de despedimento, invocando para o efeito o disposto no n.º 4, do art.º 35.º, da LCCT.
Deste modo, é necessário que, além da verificação dos elementos objetivo e subjetivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral.
Só que nesta apreciação nunca poderá ser esquecido que enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reação alternativos à rescisão (ou executa o contrato ou rescinde). Neste contexto, o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa quando invocada pelo trabalhador.”
A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho[7] também se pronuncia no sentido de “a fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador impor uma apreciação dos requisitos exigidos para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador em moldes não tão estritos e exigentes como no caso de justa causa disciplinar, designadamente na apreciação da relação entre o comportamento ilícito e culposo do empregador com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo”.
Também a jurisprudência tem trilhado os mesmos caminhos da doutrina, salientando que nos casos de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2015, proferido no processo n.º 2881/07.8TTLSB.L1.S1 - 4.ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Melo Lima, concluiu-se: “Não obstante as circunstâncias a apreciar para a verificação da justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador serem reportadas às estabelecidas para os casos da justa causa de despedimento levado a cabo pelo empregador, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador, uma vez que este, ao contrário do trabalhador, tem outros meios legais de reação à violação dos deveres laborais.”
Na verdade, a Constituição da República Portuguesa ao elevar o princípio da estabilidade do emprego no que respeita ao despedimento e a liberdade de trabalho no que respeita à rescisão pelo trabalhador, acentuou que os valores e interesses em causa são profundamente diferentes, caso o contrato venha a cessar por iniciativa do trabalhador ou do empregador.
Por outro lado, não deixa de ser impressivo o argumento de que o trabalhador não dispõe de meios alternativos de reação que lhe permitissem conservar a relação laboral, ao contrário do empregador que dispõe de um leque de sanções disciplinares conservatórias.
Poderemos pois concluir que, em matéria de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, apesar de reconduzidos ao núcleo essencial da noção de justa causa, tal como se encontra definida no art.º 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, para o despedimento promovido pelo empregador, temos de considerar a particularidade, derivada da ponderação dos diferentes valores e interesses em causa, de que a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não poder ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento promovido pelo empregador».
Aqui chegados coloca-se então a questão de saber se deve reconhecer-se ao autor a justa causa de resolução e, consequentemente, o direito à indemnização a que alude o art.º 396.º, CT, sendo que nessa ponderação cabe atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes, tendo sempre presente o quadro de gestão da empresa, como impõe o art.º 394.º, n.º 4 do Código do Trabalho, ao remeter para o n.º 3, do art.º 351.º, do mesmo diploma legal.
Concluiu o Tribunal a quo, que “Para além do carácter culposo deste incumprimento da ré nenhum outro facto ou circunstância resultou provado que auxilie na ponderação da existência efetiva de justa causa para a resolução do contrato”, depois justificando essa asserção referindo que “o autor não demonstrou ter se insurgido perante a ré quanto à redução da retribuição em momento anterior à resolução do contrato, nem alegou nem demonstrou o impacto que tal diminuição teve na sua vida económica e familiar. O quantitativo não pago, atento o seu valor, constitui uma parte não muito significativa da retribuição global ilíquida do autor (cerca de 6,5% da sua retribuição anual) e não é conhecido o seu impacto na retribuição líquida, pelo que o seu valor não permite concluir (só por si e na ausência de outros factos) que tal redução tenha afetado de forma significativa as condições de vida do autor. Neste cenário, pode considerar-se que comportamento da ré não assumiu gravidade bastante para tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as partes».
Concorda-se, sem qualquer reserva, com este juízo. Como bem entendeu o Tribunal a quo o recorrente autor “nem alegou nem demonstrou o impacto que tal diminuição teve na sua vida económica e familiar”, o que vale por dizer que não pode de todo saber-se em que medida o não recebimento daquelas quantias nos anos de 2017 e 2018, respectivamente, €3.267,17 e €3.154,07, se repercutiram na sua economia pessoal e familiar. Certo é, que se porventura essa diminuição no rendimento anual do Autor e do seu agregado familiar foi causa de algum distúrbio sério, pondo em causa a sua subsistência ou desequilibrando de forma relevante a organização da vida familiar, cabia-lhe ter feito a alegação e a prova dos factos necessários para fazer essa demonstração.
Note-se, desde já, que em rigor esses são os valores relevantes para a apreciação a fazer, neles não se incluindo, como agora vem pretender o recorrente, a diferença relativa ao ano de 2011. Como refere a sentença, “Resultando da comunicação de resolução que o autor imputa esse incumprimento à redução unilateral do complemento de desempenho, é de considerar que o mesmo se refere aos anos em que tal redução se verificou, ou seja aos anos de 2017 e 2018”. Melhor explicando, os montantes em causa, se bem que sejam significativos, resultam do somatório das diferenças totais nos anos de 2017 e 2018, respectivamente, de €3.267,17 e €3.154,07, sendo que estas, por sua vez, traduzem a soma dos valores pagos a menos a título de Complemento de Desempenho nos 4 trimestres de cada um daqueles anos.
O recorrente, para estruturar, nas suas palavras, o “paralelismo rápido e simples” que invoca para pôr em causa a correcção do decidido, parte do pressuposto de “[..]que a actual legislação laboral considera justa causa de resolução do contrato (automática, no sentido de não ser necessário demonstrar a culpa) o não pagamento de retribuições que se prolongue por mais de 60 dias ou seja com 60 dias de mora a que correspondem 3 retribuições”.
Com o devido respeito, não é exactamente assim. Como se deixou explicado e, sublinha-se, também resulta com clareza da sentença, não basta a verificação do comportamento culposo por parte do empregador – nestes casos estabelecido pela presunção inilidível do n.º5, do art.º 394.º /CT - para que se considere existir justa causa de resolução do contrato “automática”. É também necessário que se verifique a característica essencial do conceito de justa causa, ou seja, é preciso que esse comportamento da entidade empregadora lhe seja imputável a título de culpa, mas concomitantemente que a sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral [Cfr. Furtado Martins, Op. cit., pp. 534].
Se bem percebemos a situação exemplificada pelo recorrente, admite-se que num caso em que o trabalhador não receba integralmente a sua retribuição nos três meses imediatamente anteriores à comunicação da resolução do contrato, que nenhumas dúvidas haverá, pelo menos em regra, quanto a concluir-se pela existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho, mas precisamente por nessa hipótese ficar verificado que a gravidade e consequências da conduta do empregador, torna inexigível a manutenção do vínculo laboral. Com efeito, em regra, qualquer trabalhador depende da sua retribuição mensal para assegurar a sua própria subsistência ou, também, para contribuir para a do agregado familiar, organizando a sua vida em função desse ganho mensal, relativamente ao qual tem a legitima expectativa de ser pago pontualmente. Não recebendo a retribuição ao final do mês e prolongando-se essa situação por mais de dois meses, qualquer trabalhador irá inevitavelmente enfrentar dificuldades relevantes, visto que as despesas normais mais elementares, designadamente, com alimentação, habitação, água, electricidade, gaz e outras obrigações a que esteja vinculado, continuarão a surgir ao mesmo ritmo de sempre.
Mas, como é bem evidente, essa não é a situação em presença, não podendo estabelecer-se qualquer comparação entre aquela hipotética situação e o caso presente, estribada no simples facto de aritmeticamente o valor total de que o autor é credor ser superior a três vezes a sua retribuição base. No caso vertente, como se explicou, aqueles valores totais resultam do somatório de diferenças trimestrais ao longo de 2 anos, o que naturalmente teve um impacto diverso, entenda-se, significativamente mais atenuado quanto aos efeitos no equilíbrio da capacidade económica corrente do Autor e, eventualmente, do seu agregado familiar.
O que aqui releva, como bem entendeu o tribunal a quo, é bem diferente, ou seja, nas palavras da sentença, “[O] quantitativo não pago, atento o seu valor, constitui uma parte não muito significativa da retribuição global ilíquida do autor (cerca de 6,5% da sua retribuição anual) e não é conhecido o seu impacto na retribuição líquida, pelo que o seu valor não permite concluir (só por si e na ausência de outros factos) que tal redução tenha afetado de forma significativa as condições de vida do autor”.
Nesse quadro, bem decidiu o Tribunal a quo ao concluir não poder considerar-se que o comportamento da ré assumiu gravidade bastante para tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as partes, logo, não reconhecendo a alegada justa causa de resolução.
Concluindo, também nesta parte improcede o recurso.
II.3.5 A derradeira questão a apreciar consiste em saber se o Tribunal a quo errou, por não ter condenado a R. no pagamento de créditos laborais pela cessação do contrato de trabalho [conclusões 71 a 75].
No que esta matéria respeita, o Tribunal a quo consignou na fundamentação da sentença o seguinte:
-«Por fim, pede o autor a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €7.601,33 a título de créditos laborais tal como alegados em L. B) da petição inicial, decorrentes da cessação do contrato de trabalho que não lhe foram pagos, ou seja:
- a quantia de €287,91 relativa a dois dias de férias que não gozou;
- a quantia de €4.158,67 a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias;
- a quantia de €1.524,33 a título de proporcionais de subsídio de natal; e
- a quantia de €758,95 (retribuição base) e de €159,38 (IHT) referente a 10 dias do mês de agosto de 2019.
No último recibo de vencimento que emitiu a ré contabilizou como crédito do autor:
- o valor de €1.811,88 a título de proporcional de subsídio de natal;
- o valor de €1.811,88 a título de proporcional de subsídio de férias;
- o valor de €4.276,43 a título de férias vencidas e não gozadas.
Por outro lado, é certo que descontou ao autor o montante de €281,46 de retribuição base e o montante de €59,11 de IHT, mas é também certo que no mês de agosto havia-lhe pago, por inteiro, a retribuição desse mês, quando é certo que o contrato findou antes do fim do mês.
Do exposto resulta que os créditos salariais decorrentes da cessação do contrato de trabalho foram integralmente ponderados pela ré, que não procedeu a seu pagamento por ter descontado a quantia de €4.573,72 a título de indemnização por (falta) de aviso prévio, conforme pedido reconvencional que deduz e cumpre de seguida apreciar.
*
Na contestação que deduziu, formulou a ré pedido reconvencional no sentido da condenação do autor no pagamento da quantia de €511,12, a título de indemnização perante a resolução ilícita do contrato de trabalho, alegando corresponder ao saldo a seu favor entre a diferença do montante que o autor tem a auferir dos créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho e o valor da indemnização que lhe é devida por ter o autor desrespeitado o aviso prévio para a denúncia do contrato de trabalho.
De acordo com o disposto no art. 399º do Código do Trabalho, “não se provando a justa causa de resolução do contrato de trabalho, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados não inferior ao montante calculado nos termos do art. 401º”; a qual corresponde ao valor da retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta do aviso prévio em caso de denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador. Por força do disposto no n.º 1 do art. 400º do Código do Trabalho o prazo do aviso prévio no contrato de trabalho em causa seria de 60 dias.
Assim, não tendo o autor provado a justa causa na resolução de seu contrato de trabalho, está obrigado a indemnizar a ré pela quantia peticionada de €4.573,72.
Em setembro de 2019 a ré emitiu um último recibo de vencimento no qual contabilizou os créditos salariais que o autor tinha direito e deduziu já aquele valor a título de indemnização, tendo então apurado um saldo nulo, de nenhuma quantia a pagar ou a receber. Deste modo, tendo já a autora operado a compensação integral de seu crédito, e não justificando agora o valor de €511,12 de que ainda se arroga credora, improcede a sua pretensão de ver o autor condenado no pagamento de qualquer outra quantia.».
Na consideração do concluído na parte da fundamentação acabada de transcrever, o Tribunal a quo decidiu o seguinte:
-«[..]
b) reconheço o direito da ré em operar a compensação para satisfazer seu crédito de €4.573,72, absolvendo o autor do pedido de condenação no pagamento da quantia peticionada;
[..]».
Alega o recorrente, no essencial, que a Ré não foi condenada no pagamento de créditos laborais pela cessação do contrato de trabalho. A darem-se como bons os números apresentados pela R. e assumindo as deduções próprias da cessação ter ocorrido no dia 27 quando a retribuição desse mês já estaria integralmente paga o resultado nunca poderia ser o anunciado pela R. e subscrito pelo Tribunal a quo, aqui desatento. Da matéria de facto dada como provada n.º62, resulta que crédito foi processado um total de € 8 411,31 e feitas deduções no valor de €5003,94, pelo que “Contas feitas existe um crédito (ainda que deduzindo o aviso prévio pela não verificação da justa causa) de pelo menos €3407,37, pelo que é inexplicável a improcedência do pedido por parte do Tribunal”.
Respondeu a recorrida Ré, que como assente de modo discriminado nos factos 62 e 63, processou e considerou como devido ao Recorrente, a título de créditos salariais, um valor superior aquele que peticionou, mas cujo valor liquido, de 3.927,69€, não é devido, nem exigível, por força da falta de cumprimento do prazo de aviso prévio, no montante de 4.573,72€, legalmente reconhecido.
De referir, ainda, que o Digno Magistrado do Ministério Público, no seu parecer, pronunciou-se no sentido de assistir razão ao recorrente, referindo, no essencial, “se bem entendemos esta compensação, os valores deduzidos e os valores creditados não são de igual valor, havendo um crédito a favor do Recorrente de 1.595,49€ ((1.811,88 + 4.276,43 + 511,12) = 6.599,43€ - (281,46+59,11+ ,65+4.573,72)= 5.003,94€))”.
Respondeu a recorrente, contrapondo que o Digno Procurador Geral Adjunto considerou o valor do complemento de desempenho como um crédito, quando os 511,12€ se traduziram num desconto, bastando para tanto atentar que esse montante está colocado na coluna dos descontos. Não considerou, também, nem a retenção de IRS – 1.750,00€, nem as retenções de IRS relativas a subsídio de férias e de natal – 720,00€ e 331,00€, tão pouco o valor das contribuições para a Segurança Social, no valor de 830,93€.
Conclui que, considerando todos os montantes insertos na coluna “descontos” e os montantes constantes da coluna “abonos” resulta, ao contrário da conclusão obtida, ser o Autor devedor do saldo de 969,58€.
Respondeu igualmente o autor, no essencial reiterando a posição assumida no recurso.
Vejamos então.
Cabe ter presente, desde logo, que a resolução do contrato de trabalho foi comunicada pelo A. à R. em carta datada de 23 de agosto de 2019, mas recepcionada por esta a 29 desse mesmo mês, sendo esta a data de produção de efeitos [facto 39].
Depois relevam os factos 62 e 63, nos quais consta o seguinte:
[62] A ré pagou ao autor a totalidade da retribuição base (€2.286,86) e do IHT (€480,24) referente ao mês de agosto de 2019.
[63] Com data de 20/9/2019 a ré emitiu ao autor o último recibo de vencimento, com resultado líquido de nenhum valor a ser pago, no qual foi atribuído ao autor o proporcional de subsídio de natal e de férias, no valor cada um de €1.811,88, as férias vencidas e não gozadas no valor de €4.276,43 e o complemento de desempenho no valor de €511,12; e foi descontado ao autor (para além dos valores referentes aos encargos fiscais) o valor de €281,46 de retribuição base, o valor de €59,11 de IHT, o valor de €89,65 de subs. alimentação cartão e o valor de €4.573,72 a título de indemnização aviso prévio.
Importa assinalar que o Autor não questiona os valores referidos em ambos os factos, quer quanto aos montantes quer quanto a serem devidos como crédito ou a serem debitados. Invoca é o diferencial entre os totais dos créditos - € 8 411,31 – e dos débitos - € 5.003,94 – que se cifra em € 3.407,37, sugerindo efectivamente que este valor é devido ao autor e, logo, que a sentença deveria ter condenado a Ré no seu pagamento.
Diga-se, ainda, que os valores dos totais de créditos - € 8.411,31 – e dos débitos - € 5.003,94, bem assim o resultado da subtração – 3.407,37 – estão correctos.
Refira-se, também, que o Digno Magistrado do Ministério Público seguiu o mesmo raciocínio do recorrente autor, mas chegando a um valor diferente e inferior do crédito a favor daquele- 1.595,49€ -, o que se explica pelo facto de na contabilização dos créditos apenas ter considerado as três parcelas que constam da demonstração, estando em falta uma de € 1.811,88, o que certamente se deveu a lapso, não tendo atendido a que no facto 63 se refere “no qual foi atribuído ao autor o proporcional de subsídio de natal e de férias, no valor cada um de €1.811,88” .
Por sua banda, a recorrida justifica aquele diferencial apontado pelo autor alegadamente a seu favor, fazendo-o com mais clareza na resposta ao parecer do MP, referindo que quer num quer noutro, não estão “nem a retenção de IRS – 1.750,00€, nem as retenções de IRS relativas a subsídio de férias e de natal – 720,00€ e 331,00€, tão pouco o valor das contribuições para a Segurança Social, no valor de 830,93€”.
Como consta acima, procedeu-se oficiosamente à alteração do facto 63, para se incluir a indicação discriminada dos descontos legais efectuados, passando a redacção a ser a seguinte:
[63] Com data de 20/9/2019 a ré emitiu ao autor o último recibo de vencimento, com resultado líquido de nenhum valor a ser pago, no qual foi atribuído ao autor o proporcional de subsídio de natal e de férias, no valor cada um de €1.811,88, as férias vencidas e não gozadas no valor de €4.276,43 e o complemento de desempenho no valor de €511,12; e foi descontado ao autor, para além dos valores referentes aos encargos fiscais - Dedução fiscal SF /€ 720,00; Dedução Fiscal SN / € 331,00; Ded. Imposto rend. /€ 1750,00; Contrib. Empregado p/SS / € 830,93 -, o valor de €281,46 de retribuição base, o valor de €59,11 de IHT, o valor de €89,65 de subs. alimentação cartão e o valor de €4.573,72 a título de indemnização aviso prévio.
Constata-se, pois, que a soma dos descontos legais efectuados totaliza € 3.631,93.
O recorrente veio dizer que “Contas feitas existe um crédito (ainda que deduzindo o aviso prévio pela não verificação da justa causa) de pelo menos €3407,37, pelo que é inexplicável a improcedência do pedido por parte do Tribunal”, mas como já se percebeu, está devidamente explicado, não lhe assistindo qualquer razão. Aliás, não podemos deixar de dizer que “inexplicável” antes parece a conduta do recorrente ao construir a argumentação que sustenta a questão em apreciação, pois, não obstante o facto 63 não ser rigoroso nem a fundamentação do Tribunal a quo dissipar as dúvidas que poderiam suscitar “as contas”, não parece credível que ignore terem-lhe sido efectuados aqueles descontos legais, pelo menos desde o momento em que foi notificado da junção do recibo de 20/9/2019, sendo de deixar claro que a sua interpretação tão pouco suscita dúvidas.
Concluindo, também quanto a esta parte improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, quer na vertente da impugnação da decisão da matéria de facto, quer na impugnação por alegado erro de julgamento na aplicação do direito, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo do recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 4 de Maio de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira